Buscar

ARTIGO3 LMD Um lugar para chamar de seu Max OK

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Um lugar para chamar de seu - identidades e territorialidades na fanpage Fortaleza Nobre
Francisco Maxshwell dos S. de Oliveira�
Naiana Rodrigues da Silva� 
RESUMO: Tomando como pano de fundo as transformações trazidas pela modernidade às sociedades contemporâneas, analisamos, neste artigo, os processos de construção identitária na fanpage Fortaleza Nobre. A pesquisa em questão tomou como corpus, comentários postados na página entre os meses de abril a junho de 2014, tendo como referência a vinculação a algum território de Fortaleza. Após análise com base em mostras intencionais, chegamos a duas categorias discursivas mais recorrentes, que refletem as relações entre os usuários da página e espaços da cidade. De um lado, os discursos que renegam a cidade enquanto subsídio simbólico para construção de identidades; de outro, em um sentido contrário, o resgate de memórias e narrativas pessoais, tendo territórios urbanos como seu suporte material. 
PALAVRAS-CHAVE: identidade, territorialidade, modernidade, narrativas.
ABSTRACT: Taking the backdrop of the changes brought about by modernity in contemporary societies, we analyze, in this paper, the processes of identity construction in fanpage Fortaleza Nobre. The research took as corpus comments posted on the fanpage between the months of April to June 2014, with reference linking to territories of Fortaleza. After analysis based on intentional shows, we got two more recurring discursive categories that reflect the relationships between users and the areas of the city. On one hand, the discourses that deny the city as a symbolic subsidy for construction of identities; on another hand, in an opposite direction, the rescue of memories and personal narratives, taking urban territories as its material support.
KEYWORDS: identity, territoriality, modernity, narratives.
Introdução
O contexto das transformações trazidas pela modernidade tardia (GIDDENS, 1991) contribuiu para tornar ainda mais complexo o processo de construção identitária. Afinal, o que faz sermos quem somos? Em uma realidade cada vez mais fragmentada e globalizada, o que realmente importa na formação do nosso “eu”? Não apenas no que tange ao nível individual, mas, principalmente, enquanto seres inseridos em ambientes culturais de constante mudança?
 O território desempenha papel importante na definição do que somos. De fato, uma de nossas identidades preponderantes é a identidade nacional. É muito provável que um viajante globalizado seja mais demandado em função de sua nacionalidade do que de suas convicções religiosas, profissão ou preferências políticas. O lugar de onde viemos ainda diz muito sobre nós.
Com a radicalização das transformações do mundo moderno, o território ganha, no entanto, um novo papel na formação das identidades. É verdade que, no mundo globalizado, onde parece haver uma oferta infinita de identidades possíveis, o lugar não pode ser mais elemento limitador no processo de construção do “eu”. Por outro lado, ele ainda se faz importante como parte definidora de quem somos. É dentro desse contexto que nos interessa pensar o papel das identidades na contemporaneidade. 
1 O “eu” na modernidade
Ao analisar a construção de identidades no contexto da pós-modernidade, Hall (2006) defende um lento processo de “descentramento” pelos quais os sujeitos passaram nos últimos séculos. Segundo ele, após essa trajetória, a concepção do indivíduo centrado, incrustado e delimitado por toda a complexa estrutura social que se formara na modernidade, deu lugar a um “sujeito pós-moderno”, sem identidade fixa, essencial ou inerente, atormentado pelas inúmeras possibilidades oferecidas pela nova configuração social, marcadamente globalizante e cambiável.
A globalização, aliás, não é fenômeno recente, mas seus efeitos só passaram a se fazer mais presentes na vida cotidiana a partir dos anos 1970 (op. cit., p. 65). Isso porque uma de suas consequências é a “compressão espaço-tempo”, fazendo com que o mundo pareça cada vez menor, com distâncias cada vez mais curtas. Principalmente com o avanço e a popularização das tecnologias de comunicação de massa, os eventos acontecidos em lugares distantes, antes desconhecidos, passam a ganhar importância crescente no cotidiano local (op. cit., p. 69-72). 
O fortalecimento do fluxo cultural entre diferentes partes do mundo é que reflete o enfraquecimento das identidades nacionais e locais. Paralelamente, o consumo global é responsável agora por estimular a produção de “identidades partilhadas”, que, ao contrário das identidades nacionais, mostram-se desvinculadas de tempos, lugares e histórias (op. cit., p. 75).
Para Giddens (1991), identidades globalizadas são frutos de transformações radicais na passagem da era pré-moderna para a modernidade. Para ele, nas sociedades mais antigas, o cotidiano era dominado pela “presença”, ou seja, por elementos da realidade local. “O advento da modernidade arranca o espaço do tempo fomentando relações entre outros ‘ausentes’, localmente distantes de qualquer situação dada ou interação face a face.” (GIDDENS, op. cit., p. 27).
A separação entre as dimensões de tempo e espaço seria a origem dos processos de “desencaixe”, que marcariam vários aspectos da vida ocidental doravante. Um de seus efeitos é o estranhamento profundo que se estabeleceria entre o indivíduo e o espaço onde vive, pois, “em condições de modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico” (ibidem).
O lugar se tornou fantasmagórico porque as estruturas através das quais ele se constitui não são organizadas localmente. [...] Sentimentos de ligação íntima ou identificação com lugares ainda persistem. Mas eles mesmos estão desencaixados: não expressam apenas práticas e envolvimentos localmente baseados, mas se encontram também salpicados de influências muito mais distantes. Até a menor das lojas da vizinhança, por exemplo, pode muito bem obter suas mercadorias de todas as partes do mundo. (GIDDENS, op. cit., p. 110)
“Descentrado” pelas estruturas sociais, pela descoberta de seu inconsciente, pelos limites da língua, pelo poder disciplinar do Estado e pelo impacto do feminismo (HALL, op. cit., p. 35-45), o sujeito pós-moderno está imerso agora em um amplo caldeirão cultural, em que as influências do lugar em que vive não são mais as únicas a contar no processo de construção do seu “eu”. A esfera local, antes tão familiar, não é mais a mesma, pois mostra seu lado fluido, “fantasmagórico”, desconectado do tempo. Nele, paisagens de outros locais, distantes e – por vezes – desconhecidas, parecem mostrar-se cada vez mais frequentes.
1.1 Identidade e territorialidade
A identidade é conceito escorregadio e poucos autores arriscam a arrematá-la em termos mais restritos. Se Hall a perscruta sob a ótica de seus “descentramentos”; Woodward� prefere pensá-la sob seu aspecto relacional: uma identidade sempre esconderia sua relação com uma “não identidade”, o “outro”. Bauman, por sua vez, assinala seu caráter fluido e cambiante, pois identidade – e também o “pertencimento” – “não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis” (BAUMAN, 2005, p. 17), o que justifica a importância das escolhas, dos caminhos que percorremos na infinita trilha de autoconstrução. 
Para Castells, a identidade é “o processo de construção de significados com base em um atributo cultural” (CASTELLS, 1999, p. 22), sentido no qual ela constitui fonte de significados no processo de individuação, reconhecimento e distinção frente ao “outro”. Dentro desta lógica, é a identidade que confere valor às nossas vivências e ao modo como enxergamos a nós mesmos. 
Para serem produzidas, as identidades recorrem a diversos elementos sociais, oriundos de áreas como História (narrativas míticas, sagas de heróis...) e Biologia (atributos morfológicos, gênero sexual...), porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social (CASTELLS,op. cit., p. 23).
A Geografia também figura como matéria-prima, já que o território funciona como porto-seguro em que se ancoram identidades. Conforme já foi assinalado, não raro, é o lugar de onde se vem ou o lugar onde se vive que primeiro define quem somos aos olhos de um desconhecido. De fato, muitas vezes é o espaço que molda construções identitárias, conferindo mais sentido ao que se é, ao que se foi, ao que se pode ser. Como cita Silveira (2011), “a terra natal é feita de linhas e cores, mas também de caminhos, de casas: um presente. É a terra para trabalhar, os campos para colher, os projetos: um porvir [...]. Um equilíbrio no mar turbulento da vida” (DARDEL apud SILVEIRA, 2011, p. 41). 
Sentimentos de pertença – e também de posse – frequentemente se escondem em narrativas mais apaixonadas sobre espaços ou lugares. Talvez por isso, alguns autores preferem o termo “território”, conceito que se aproxima mais da ideia de uma “extensão apropriada e usada” (SILVEIRA, op. cit., p. 39). Esse percurso semântico nos conduz a uma compreensão particular de território, visto aqui como lugar em que indivíduos se constituem como sujeitos, apoderando-se do espaço, fazendo uso dele e estabelecendo nele suas relações sociais. “O território se define mais estritamente a partir de uma abordagem sobre o espaço que prioriza ou que coloca seu foco, dentro dessa dimensão espacial, (n)a dimensão política ou de realização das relações de poder” (HAESBAERT, 2011, p. 22).
Em suma, território é também espaço, mas não só isso. Pode ser lugar, mas não qualquer lugar. É, particularmente, o torrão com o qual se desenvolve uma relação afetiva, sentimental e quase paradoxal: o pedaço que nos contém estando contido em nós. O “sentido de pertencer àquilo que nos pertence” (SILVEIRA, op. cit., p. 39). É com base nessa noção de território que nos propomos a avaliar relações identitárias presentes na página Fortaleza Nobre, no Facebook. 
2 Desenvolvimento do histórico
Desde que foi criada, em 2011, a fanpage� Fortaleza Nobre atrai um número considerável de seguidores nas redes sociais da internet�. Por vezes, sob um tom saudosista, a página propõe-se a fazer um resgate histórico online a partir, principalmente, da postagem de fotos antigas da capital cearense. É um desdobramento do trabalho que já vinha sendo realizado em blog homônimo, mantido pela técnica de contabilidade e apaixonada por Fortaleza, Leila Nobre. 
Aliás, é o seu sobrenome que adjetiva Fortaleza no título da fanpage. Longe de ser uma mera referência à criadora, a palavra “nobre” dá pistas para se entender de que cidade se fala neste recanto virtual. Uma rápida visita deixa claro que não é qualquer Fortaleza que aparece, mas sim aquela da arquitetura de contornos harmônicos, ruas e praças bem cuidadas, logradouros cheios de passantes bem vestidos ou, quando muito, da beleza selvagem das praias de coqueirais. 
Essa colagem de imagens, um verdadeiro repositório da memória visual da cidade, é formada por achados da própria criadora da fanpage na internet, além de recortes de revistas e jornais antigos. Grande parte do material é também oriundo da contribuição de fotógrafos e pesquisadores, como o historiador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez (BARROS, 2012, p. 21), conhecido por possuir um dos mais completos acervos sobre a história de Fortaleza. 
As postagens em Fortaleza Nobre suscitam reações dos milhares de seguidores da página, quer sejam pelos próprios botões de interação do Facebook (“curtir” e “compartilhar”), quer sejam por meio da caixa de comentários. O material colhido neste último configura-se um espaço fértil de interações dos/entre usuários, a partir das quais sugerimos uma reflexão sobre o intercâmbio entre as noções de território e o processo de construção identitária.
3 Metodologia
Tomamos como referências metodológicas as considerações de Fragoso, Recuero e Amaral (2013). Para tanto, analisamos o material postado pela página Fortaleza Nobre em abril, maio e junho de 2014, focando principalmente nos comentários de seus usuários, uma vez que nosso objetivo de estudo era a construção identitária a partir dos discursos dos próprios sujeitos.
Foram, ao todo, 72 postagens no período, que incluíam não só fotos, apesar de estas constituírem maior parte do material da página. Do conjunto das imagens analisadas, nos concentramos nas que faziam referência de maneira mais enfática a lugares de Fortaleza, já que nosso propósito era abordar as noções de identidade em sua vinculação com os espaços da cidade. Mais um recorte, que nos levou ao número de 48 postagens. 
A partir do conteúdo das caixas de comentários dessas postagens foi formado o corpus, tomando, como base, a captação de dados informacionalmente mais ricos para o estudo em questão. Trata-se da construção de uma “amostragem intencional”, presente nas pesquisas de caráter mais qualitativo, onde o número de componentes da amostra é menos importante que sua relevância. Nesse contexto, os dados são selecionados de acordo com suas características e as motivações centrais da pesquisa (AMARAL; FRAGOSO, RECUERO, 2013, p. 67).
3.1 Análise de dados
A partir da análise dos dados captados, percebemos vários movimentos discursivos por parte dos usuários da fanpage . Esses são momentos de fala, oportunidades em que os indivíduos expressam, de maneira mais evidente, opiniões e convicções acerca do lugar onde moram, dos espaços que percorrem, dos caminhos nos quais vivenciam seus cotidianos. Ao falarem dos lugares em que estão contidos, de seus territórios, acabam revelando também um pouco de si, uma vez que “identidades individuais e coletivas são fortemente ligadas ao desenvolvimento de uma consciência territorial” (CLAVAL apud SILVEIRA, 2011, p. 42).
São várias as motivações que levam os usuários a seguir a página Fortaleza Nobre. Há, por exemplo, os que encontram, nesse microespaço da internet, o alívio de reconhecer seus pares, utilizando desse e de outros tipos de organização social como trincheiras de resistência aos processos de atomização e individualização em nossas sociedades (CASTELLS, 2008, p. 79): 
“A (sic) quanto tempo não via ou ouvia alguém falar sobre a ‘Belle Époque’, é maravilhoso relembrar e saber que existem mais saudosos além de mim!!!” (postado em 17 de junho) 
Esse sentimento de pertença, segundo Castells, pode servir de base para a formação de uma identidade cultural “comunal”, na qual interesses em comum são revelados e defendidos e a vida é, de algum modo, compartilhada (ibidem). No caso das identidades atadas de maneira mais aguerrida às noções de territorialidade, essa “comuna cultural” pode dar vazão a discursos bairristas, que se derramam em loas à terra natal ou se levantam em prontidão para defendê-la. 
São essas falas que explicitam as relações de posse/pertença que determinam a noção de território. Elas apareceram com frequência no corpus analisado e se intensificaram, por exemplo, nas postagens em homenagem ao aniversário de Fortaleza, comemorado no dia 13 de abril.
“Queria que o respeito de todos os teus filhos fosse teu maior presente. Parabéns minha terra da luz!!!”
“Nossa, seria tão bom”
“Parabéns minha terra querida!”
“Parabéns a esta Cidade encantadora e apaixonante!”
“A Cidade q Nasci e Me Crio, Recrio, Invento, Reinvento, aos 4 Cantos! PARABÉNS, FORTALEZA, CEARÁ...”
O bairrismo, porém, não poderia ser unanimidade em uma página seguida por mais de 40 mil pessoas. Mesmo em uma fanpage disposta a exaltar as belezas da capital cearense, há também os mais céticos, os desiludidos com o progresso, os descontentes com a realidade vivida cotidianamente nas ruas, avenidas e praças da cidade. 
Durante a análise das postagens e da “amostragem intencional”, encontramos uma pluralidade de opiniões. Mesmo assim, procuramos distinguir, entre os comentários estudados, similaridades e/ou dissimilaridades que apontassem movimentos discursivos mais fortes e recorrentes na fanpage. Seguindo essa metodologia�, chegamosa duas categorias que nos ajudam a compreender, de maneira mais clara, as construções identitárias operadas na página.
A cidade que poderia ter sido... e que não foi
Apesar de suas especificidades, uma pesquisa que se utiliza de dados da internet não pode estabelecer limites artificiais entre o “mundo de dentro” e o “mundo de fora” da rede (AMARAL; FRAGOSO; RECUERO, op. cit., p. 54). Partindo desse princípio, é interessante observar o contraste de discursos presente na fanpage Fortaleza Nobre. Mesmo as postagens de tom mais ufanista, são seguidas, não raro, de comentários desoladores sobre a atual realidade da Capital. 
No dia 26 de maio de 2014, por exemplo, foi postada uma imagem antiga de uma das principais ruas do Centro. A bela arquitetura dos prédios, a visão do logradouro limpo e das árvores bem podadas suscitou não só elogios ao que a cidade era, mas inevitáveis comparações ao que ela é atualmente. Quase uma lamentação pelo que ela poderia ter sido, mas não foi.
Figura 1 – Postagem da fanpage Fortaleza Nobre, em 26 de maio de 2014
“Oh deus, por que Fortaleza não preservou sua história? Passo nas ruas e fico buscando vestígios nas casas, mas tá difícil!”
“As fotos antigas me encantam... E me deixam nostágica (sic)!!”
“Que diferenca como era linda. Quanta transformacao. Onde foi parar tanta arvore bela.”
“Como eu queria nascer nesta época.”
As comparações parecem inevitáveis e representam boa parte dos comentários dos seguidores. Elas repetem-se na postagem sobre o Parque da Liberdade (outrora Parque da Independência), também na região do Centro. Um pedaço bucólico cercado pelo comércio fervilhante da região, o lugar já conheceu dias melhores no passado, seja como opção de lazer familiar ou como ponto de encontro para a juventude de gerações anteriores.
Figura 2 – Postagem da fanpage Fortaleza Nobre, em 26 de maio de 2014
“as coisas aqui ficam feias com o passar do tempo”
(...)
“boas lembranças”
“São tempos bons que não voltam mais, que seja pela visão e segurança da época. Na realidade de hoje, o que vemos é muita sujeira, traficantes e viciados poluindo, assaltando idosos e a Prefeitura de Fortaleza nada faz para modificar. Hoje o que se pode vê (sic) no Parque, são desocupados dormindo no seu entorno. Lamentável..”
“era só paz.”
Não é difícil captar as interferências do “mundo de fora” para entender os comentários saudosos, principalmente se levarmos em conta a deterioração dos espaços públicos e o recrudescimento dos índices de violência de Fortaleza nas últimas décadas. Mas, se, por um lado, esses dois elementos impactam na percepção simbólica que os moradores têm de onde vivem, resultando em uma negação do presente; por outro, há de se sublinhar uma idealização do passado, às vezes pueril, presente em certos comentários. 
“Agora doeu uma dor de nostalgia… Uma saudade do que eu não vi” (em 24.04.14)
Em que pesem as condições históricas e materiais da Capital cearense, os comentários da fanpage Fortaleza Nobre podem ser compreendidos também à luz das transformações que o avanço da modernidade trouxe para as relações indivíduo-espaço. Vale a pena resgatar aqui as considerações de Giddens (1991) sobre as “descontinuidades” trazidas pela modernidade, tais como o “esvaziamento do espaço”, onde as dimensões sociais são cada vez menos dominadas por atividades localizadas (op. cit, p. 26); ou ainda os processos de “desencaixe”, implicando no “deslocamento” de relações sociais dos contextos locais de interação (op. cit., p. 29). 
É dentro dessa perspectiva de lugar “esvaziado” que compreendemos as dificuldades de identificação dos usuários com o espaço em que vivem, dando vazão a sentimentos de nostalgia por um passado idealizado. O resultado é o enfraquecimento de identidades locais, citado por Hall (2006, p. 75) como consequência das transformações do processo de globalização mundial e seu fortalecimento intrínseco do fluxo cultural entre diversas partes do globo.
Esse fenômeno encontra sua radicalização no que Castells (1999) chama de “espaço de fluxos”, lógica de poder instaurada na modernidade a partir de lugares desenraizados historicamente, completamente libertos de códigos culturais e caracterizados pelo que o autor chama de “arquitetura do fim da história”.
 
Como não pertencemos mais a nenhum lugar, a nenhuma cultura, a versão extrema do pós-modernismo impõe sua lógica codificada de ruptura de códigos em qualquer lugar onde se construa alguma coisa. Sem dúvida, a libertação dos códigos culturais esconde a fuga das sociedades historicamente enraizadas. Nessa perspectiva, o pós-modernismo poderia ser considerado a arquitetura do espaço de fluxos. (CASTELLS, 1999, p. 508)
 
A ideia de espaços “desenraizados historicamente” parece convergir ao pensamento de outros estudiosos como Augé, que utiliza o conceito de “não lugar”. “Ao definir o lugar como um espaço em que se podem ler a identidade, a relação e a história, propus chamar de não lugares os espaços onde essa leitura não fosse possível” (AUGÉ, 2006, p. 109). 
Em contraposição à esterilidade dos “não lugares” e à arquitetura pasteurizada dos “espaços dos fluxos”, resistem, porém, movimentos de reivindicação de identidades locais, territorializadas, culturalmente enraizadas. Como enfatiza Martín-Barbero, “frente à elite que habita o espaço atemporal das redes e dos fluxos globais, as maiorias em nossos países habitam o deslocado espaço/tempo local de suas culturas, e diante da lógica do poder global se refugiam na lógica do poder que produz a identidade” (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 60). 
É nessa perspectiva que se encaixa a segunda categoria analisada dentro do nosso corpus de estudo da fanpage Fortaleza Nobre.
O resgate de narrativas pessoais 
Afora o discurso nostálgico de idealização do passado fortalezense, tão ou mais recorrente nas caixas de comentários da página Fortaleza Nobre é o movimento de reconstrução de narrativas pessoais. São relatos fortemente relacionados a memórias de lugares da cidade, que surgem, quase sempre, a partir da postagem de uma imagem antiga de ruas, praças, estabelecimentos ou outros espaços da cidade. São histórias que têm seu sentido fincado no território, representando um contraponto ao discurso da cidade como negação de substrato para a construção de identidades pessoais.
Na postagem do dia 4 de maio, por exemplo, é a imagem borrada de um antigo cinema de bairro que funciona como o elemento catalisador de memórias. 
Figura 3 – Postagem da fanpage Fortaleza Nobre, em 04 de maio de 2014
 
“Assisti aí a vida de São Francisco de Assis. Depois passaram O Ébrio com Vicente Celestino. Saudades!”
“Alguém tem foto do antigo cinema de Messejana? Ficava ao lado da Padaria Nogueira. Lembro-me do prédio que foi demolido há alguns anos.”
“Depois que acabaram com o cinema, o sr. Vava alugou o prédio para o Sr. Pedro Silva (meu tio), o qual montou uma oficina mecânica que durou mais de 25 anos!! Tenho boas lembranças, pois trabalhei durante um tempo com meu tio nessa oficina.”
“Sr Vavá é uma figura... gente muito boa”
As memórias resgatadas a partir das fotografias postadas acabam por dar novos sentidos e histórias a lugares da cidade, fortalecendo relações sociais entre os usuários a partir de experiências compartilhadas. São elas que servem de trincheira de resistência contra o processo de individualização e atomização resultante dos fluxos planetários globalizantes, gerando “sentimentos de pertença” em relação a espaços de Fortaleza e, em alguns casos, identidades culturais ou ainda “comunas culturais” (CASTELLS, 2008, p. 79).
Em um confuso cenário de “descentramento” do sujeito, em que instituições sociais perdem paulatinamente o status de definidoras de identidades, os indivíduos recorrem ao conhecido, ao torrão natal, à fonte mais imediata de autorreconhecimento: o território.
Assim, surgiu o paradoxo de forças políticas com bases cada vez mais locais em um mundo estruturado por processoscada vez mais globais. Houve a produção de significado e identidade: minha vizinhança, minha comunidade, minha cidade, minha escola, minha árvore, meu rio, minha praia, minha capela, minha paz, meu ambiente. Contudo, essa foi uma identidade defensiva, uma identidade de entricheiramento no que se entende como conhecido contra a imprevisibilidade do desconhecido e do controlável. (CASTELLS, op. cit., p. 80). 
 
Ao reconstruir histórias perdidas dos espaços de uma Fortaleza antiga, de prédios e rostos borrados em fotos em preto e branco, os usuários da fanpage mergulham em um incansável exercício de (re)descobrir a própria cidade, os caminhos por que cotidianamente trilham suas vidas. Com histórias de lugares e pessoas intrinsecamente entrelaçados nos discursos, o esforço coletivo de recontar causos, desvelar mistérios e deter-se em minúcias, acaba fazendo parte do mesmo processo de se revelar/constituir a si mesmo.
Tomamos como mais um exemplo a postagem de uma série de fotos sobre o passado do Pirambu, bairro da zona oeste da Capital marcado profundamente pela situação de pobreza, apesar da localização privilegiada à beira-mar. 
Figura 4 – Postagem da fanpage Fortaleza Nobre, em 23 de abril de 2014
“que parte do pirambu é essa?”
“essa foto ajuda a solucionar essa dúvida” (posta foto atual do lugar)
“Eu perguntei qual era a parte do pirambu, porque minha Mae morou la no periodo de 1955 a 1979. Quando ela viu a foto, refrescou muito a memoria dela, principalmente nos tempos de criança, quando a Minha Vo mandava ela subir aqueles morros pra buscar baldes de agua.”
“Nossa, deve ter batido uma nostalgia daquelas, hein”
Espalhar na rede suas origens, de onde se veio, como e onde se viveu, não deixa também de ter um efeito apaziguador para as inquietações identitárias de cada um. Talvez seja esta uma forma de, nas palavras de Castells (op. cit., 85), deixar o mundo mais compatível com o que se pode conceber. “Quando as redes dissolvem o tempo e o espaço, as pessoas se agarram a espaços físicos, recorrendo à sua memória histórica” (ibidem).
A vivência de experiências compartilhadas, bem como a construção coletiva de relatos territorializados, conforme observado nas caixas de comentários da fanpage, funcionam não só como elementos de re-ligação com o espaço, mas ajudam os usuários a fazer as pazes (ainda que simbolicamente) com a cidade. Esses sentimentos de pertença, de territorialidades, favorecem associações de caráter mais comunitário, o fortalecimento de identidades locais. Esse componente de “retribalização” da sociedade é, segundo Lemos (2002), uma das características mais marcantes de nossa contemporaneidade (op. cit., p. 71).
Ele explica que, se a tipografia, a técnica de impressão, a escrita e a imprensa, estavam mais ligadas ao racionalismo e à perspectiva, privilegiando o lado racional de nosso cérebro e contribuindo para um movimento de “destribalização”; a eletrônica e a multimídia parecem vir em um fluxo contrário, contribuindo para a criação de novas formas de tribalização da sociedade (LEMOS, op. cit., 74). Para o autor, o tribalismo refere-se à vontade de estar junto (être-ensemble), onde o que importa é o compartilhamento de emoções em comum (op. cit., p. 92), tal como acontece na fanpage Fortaleza Nobre. 
Considerações Finais
Em que pesem as dificuldades em conceituar identidade enquanto categoria sociológica, a maioria dos autores reconhece mudanças profundas que a globalização e as transformações do mundo moderno trouxeram para este campo de conhecimento. Nesse sentido, é relevante pensarmos o papel do território para a formação de identidades locais, tendo como referência principal o espaço (e seus símbolos).
A análise feita a partir de comentários deixados nas postagens da fanpage Fortaleza Nobre, no Facebook, levou-nos a dois movimentos discursivos de construção identitária. O primeiro mostra a negação do presente e, ao mesmo tempo, idealização do passado da cidade, dentro da perspectiva de “esvaziamento” do lugar enquanto fonte de sentidos para construção de identidades. Em uma direção contrária, o segundo movimento apoia-se no resgate de narrativas pessoais dos usuários da fanpage, o que entendemos sob a luz da “retribalização” (LEMOS, 2002) proporcionada pelas novas tecnologias da contemporaneidade.
Com base nos dados obtidos, concluímos, portanto, que o processo de construção de identidades a partir de narrativas pessoais, ancoradas em memórias do passado e localizadas territorialmente no espaço geográfico de Fortaleza, contribui para a ressignificação dos territórios da cidade no imaginário simbólico dos usuários da fanpage, acionando lembranças, reescrevendo histórias e fortalecendo sentimentos de posse e pertença entre indivíduos e lugares. 
Referências bibliográficas
AMARAL, Adriana; FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina. 2011.
AUGÉ, Marc. Sobremodernidade: do mundo tecnológico de hoje ao desafio essencial do amanhã. In: MORAES, Dênis de (Org.). A sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006.
BARROS, Larice Ferreira. A construção da memória na fan page Fortaleza Nobre no Facebook. 2012. 64 f. Monografia de conclusão do curso de Ciências Sociais, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2012. Disponível em : http://pt.slideshare.net/nobremaciel/a-construo-da-memria-na-fan-page-fortaleza-nobre-no-facebook.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi; tradução, Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade; tradução Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2008.
__________. A Sociedade em Rede, São Paulo, Paz e Terra, 1999.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade; tradução de Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
HAESBAERT, Rogério. O território e a nova des-territorialização do Estado. In: DIAS, Leila Christina e FERRARI, Maristela (orgs.). Territorialidades Humanas e Redes Sociais. Florianópolis: Insular, 2011. 
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade; tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2006.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Dênis de (Org.). A sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.
SILVEIRA, Maria Laura. Novos aconteceres, novas territorialidades. In: DIAS, Leila Christina; FERRARI, Maristela (Orgs.). Territorialidades Humanas e Redes Sociais. Florianópolis: Insular, 2011. 
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. HALL, Stuart; SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.); WOODWARD, Kathryn. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.
� Jornalista graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com especialização em “Linguagens e Mídias Digitais”, pela Faculdade 7 de Setembro (CE). 
� Mestre em Comunicação Social e professora na Universidade Federal do Ceará (UFC).
� WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. HALL, Stuart; SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.); WOODWARD, Kathryn. Editora Vozes. Petrópolis, 2013.
� Páginas de fãs, na tradução literal do inglês, as fanpages foram pensadas inicialmente para proporcionar uma maior interação dos usuários do Facebook com marcas de empresas, mas logo ganhou outros usos.
� Eram mais de 40 mil seguidores, em junho de 2014. 
� Recorremos aqui à Teoria Fundamentada (TF), baseada na observação, comparação, classificação e análise das similaridades e dissimilaridades dos dados coletados (ver AMARAL; FRAGOSO; RECUERO, 2013, p. 83-111)

Outros materiais