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José Borzacchiello da Silva Eustógio Wanderley Correia Dantas Maria Elisa Zanella Antônio Jeovah de Andrade Meireles (organizadores) LITORAL E SERTÃO natureza e sociedade no nordeste brasileiro Fortaleza, 2006 1 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO COLEÇÃO ESTUDOS GEOGRÁFICOS @2006 Copyright by José Borzacchiello da Silva, Eustógio Wanderley Correia Dantas, Maria Elisa Zanella, Antônio Jeovah de Andrade Meireles Impresso no Brasil - Printed in Brazil Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional TODOS OS DIRREITOS RESERVADOS Mestrado em Geografia da UFC Campus do Pici, Bloco 911 - Fortaleza - Ceará email: posgeog@ufc.br CONSELHO EDITORIAL Ana Fani Alessandri Carlos - USP Antônio Jeovah de Andrade Meireles - UFC Edson Vicente da Silva - UFC Eustógio Wanderley Correia Dantas - UFC Francisco Mendonça - UFRGS Hérvé Théry - CNRS França e Cátedra Pierre Mombeig USP iJordi Serra Raventos - Universidade de Barcelona José Borzacchiello da Silva - UFC Jean-Pierre Peulvast - Paris IV Sorbonne Maria Elisa Zanella - UFC Vanda Claudino Sales - UFC SILVA, José Borzacchiello da; DANTAS, Eustógio Wanderley Correia; Za nella, Maria Elisa Zanella; MEIRELES, Antônio Jeovah deAndrade (orgs.). Litoral e Sertão, natureza e sociedade no nordeste brasileiro - José Borzac chiello da Silva et al. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006. 408p. (Coleção Estudos Geográficos, 1) ISBN: 978-85-7563-278-9 1. Geografia 2. Nordeste 3. Região I. Título 2 3 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................ 7 PARTE I - REFLEXÕES SOBRE O NORDESTE BRASILEIRO SERTÃO OU SERTÕES: uma homenagem a Euclides da Cunha Manuel Correia de Andrade...............................................................13 NORDESTE BRASILEIRO FRAGMENTADO: de uma região com bases naturais a uma de fundamentação econômica Eustógio Wanderley Correia Dantas, Raimundo Freitas Aragão, Ernandy Luis Vas concelos de Lima & Hervé Théry ...................................................23 FORTALEZA, A METRÓPOLE SERTANEJA DO LITORAL Jose Borzachiello da Silva ................................................................45 . PARTE II - NATUREZA, CAMPO E CIDADE NO SEMI-ÁRIDO FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS NOS PRONUNCIAMENTOS DE SENADORES CEARENSES SOBRE ÁGUA E SECA NO SEMI-ARIDO NORDESTINO Josias de Castro Galvão...................................................................57 CLIMA E SALUBRIDADE NA CONSTRUÇÃO IMAGINÁRIA DO CEARÁ Maria Clélia Lustosa Costa ...............................................................69 AS RELAÇÕES CAMPO-CIDADE NO SERTÃO DO SERIDÓ Ione Rodrigues Diniz Morais ..............................................................79 CAMPONESES TECENDO SABERES NO SERTÃO: o uso comum das terras soltas Alexandra Maria de Oliveira..............................................................89 APROPRIAÇÕES DA NATUREZA NA CHAPADA DIAMANTINA: turismo, estratégias de reestruturação regional e suas representações discursivas Renato Léda ................................................................................99 A GEOGRAFIA DAS FESTAS DO INTERIOR: mediações culturais entre religiosi dade, turismo e educação Christian Dennys Monteiro de Oliveira................................................ 117 ECOTURISMO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÂO: visitar para sustentar Victor Hugo Amancio do Vale & Fátima Maria Soares .............................. 127 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL EM FORTALEZA Maria Salete de Souza................................................................... 135 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Raimundo Freitas Aragão ............................................................... 253 RESIDÊNCIAS SECUNDÁRIAS: expansão e novos usos no litoral cearense Lenilton Francisco de Assis ............................................................. 263 URBANIZAÇÃO E VERANEIO MARÍTIMO NO CEARÁ Alexandre Queiroz Pereira ............................................................. 279 ANÁLISE DOS ASPECTOS JURÍDICOS E IMPACTOS AMBIENTAIS NOS CAMPOS DE DUNAS NA PRAIA DO FUTURO FORTALEZA/CE Mary Lúcia Andrade Correia ............................................................ 289 OCUPAÇÃO URBANA E IMPACTOS AMBIENTAIS DE EMPREENDIMENTOS CON STRUÍDOS NA ZONA COSTEIRA DE FORTALEZA-CE Juliana Barroso de Melo................................................................. 299 IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS E ECONOMIA-ECOLÓGICA NA ZONA COSTEI RA DE SABIAGUABA- PORTO DAS DUNAS Flávio Rodrigues do Nascimento ....................................................... 309 SERVILUZ, EMBATE ENTRE QUESTÕES SOCIAIS E AMBIENTAIS Ernandy Luis Vasconcelos de Lima & Antonio Jeovah de Andrade Meireles..... 319 CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE FORTALEZA/CE: um lugar chamado Caça e Pesca Marco Antônio Krichanã da Silva & Antônio Jeovah Andrade de Meireles ..... 333 GEOMORFOLOGIA DA ZONA COSTEIRA DO ESTADO DO CEARÁ, NORD ESTE DO BRASIL Vanda de Claudino Sales & Jean-Pierre Peulvast.................................... 349 ASPECTOS GEODINÂMICOS DO DELTA DE MARÉ DA PLANÍCIE COSTEIRA DE ICAPUÍ/CE Antonio Jeovah de Andrade Meireles, Jordi Serra i Raventos & Paulo Roberto Lopes Thiers .......................................................................... 367 FORMAS LITORÂNEAS: Barreiras no litoral do estado do Ceará, Nord este do Brasil Jean-Pierre Peulvast & Vanda de Claudino-Sales ................................... 383 LITORAL CEARENSE: uma contribuição para a tipologia das dunas José Falcão Sobrinho ................................................................... 391 4 A CENTRALIDADE DA PARANGABA COMO PRODUTO DA FRAGMENTAÇÃO DE FORTALEZA (CE) Francisco Clébio Rodrigues Lopes & José Borzacchiello da Silva ................. 147 ESPAÇOS PÚBLICOS E TERRITORIALIDADES NO CENTRO DE FORTALEZA Elizete Américo Silva & Maria Salete de Souza...................................... 155 VULNERABILIDADES E RISCOS SOCIOAMBIENTAIS NA BACIA HIDROGRÁ FICA DO RIO MARANGUAPINHO - CE Lutiane Queiroz de Almeida............................................................ 165 EVENTOS PLUVIOMÉTRICOS INTENSOS EM AMBIENTE URBANO: For taleza, episódio do dia 29/01/2004 Maria Elisa Zanella....................................................................... 175 A PROBLEMÁTICA DA DEGRADAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS NO DOMÍNIO DOS SERTÕES SECOS DO ESTADO DO CEARÁ-BRASIL Vládia Pinto Vidal de Oliveira .......................................................... 187 ANALISE DA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NO NÚCLEO DE DESERTIFI CAÇÃO DE IRAUÇUBA Marta Celina Linhares Sales & José Gerardo Beserra de Oliveira ................ 201 EVOLUÇÃO DAS PAISAGENS NATURAIS DO CEARÁ Fátima Maria Soares ..................................................................... 211 ORIGEM E EVOLUÇÃO NATURAL DO BAIXO JAGUARIBE – CEARÁ Rubson Pinheiro Maia.................................................................... 227 PARTE III - A ZONA COSTEIRA: ESTUDOS SOCIAIS E AMBIENTAIS “LITORALIZAÇÃO” DO CEARÁ: Fortaleza, da “Capital do Sertão” à “Cidade do Sol” Eustogio Wanderley Correia Dantas ................................................... 245 RACIONALIDADE TURÍSTICA E RESSIGNIFICAÇÃO DO ESPAÇO CEARENSE 5 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO 6 APRESENTAÇÃO 7 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO 8 APRESENTAÇÃO O livro “Litoral e sertão: natureza e sociedade no Nordeste brasileiro” é a expressão das múltiplas possibilidades de leitura da realidade do nordeste confrontando litoral e sertão em busca da compreensão e análise da dinâmica espacial dessa porção do território brasileiro. O livro favorece o encontro de autores preocupados com o resgate geográfico desse recorte regional, abordandomúltiplos aspectos que permitem percorrer os meandros das trajetórias do transcorrer histórico do Nordeste. São vários olhares entrecruzados sobre o nordeste, privilegiando suas unidades mais características, litoral e sertão. O semi-árido nordestino é esmiuçado com um resgate detalhado de aspectos de sua natureza, bem como as dinâmicas sociais decorrestes de suas transformações recentes. O litoral é revisitado sob novas perspectivas. Novos olhares atentos explicam sua formação e modelagem bem como os impactos das atividades decorrentes do turismo e dos conflitos decorrentes. A reunião de autores com perfis diferenciados garante uma leitura rica e profunda do nordeste brasileiro. Sertão semi-árido e litoral estão presentes no livro em suas mais diversas manifestações. Esses pesquisadores são atores privilegiados na interpretação e resgate de processos sociais recentes inscritos no tempo e no espaço na formação espacial nordestina. Um fio condutor percorre a abordagem do livro, nos múltiplos aspectos observados, o que favoreceu o desvendar de processos e meandros da leitura da região, aguçando sua percep ção e apreensão enquanto totalidade inserida na trama de diversos acontecimentos físicos, naturais e sociais. O interesse de professores e intelectuais na compreensão e análise da realidade con vergiu para um encontro fecundo, que resultou na elaboração do livro que elucida com muita pertinência a compreensão de espaços até então negados e escondidos. Essa característica faz deles autores privilegiados na interpretação e resgate da geografia regional, no âmbito da formação espacial. Os textos são esclarecedores posto que explicam os fluxos econômicos, as ações do capital e a diversidade de paisagens constitutivas do Nordeste. Ao adentrarem nos meandros que percorrem litoral e sertão, os autores desvendam, com acuidade, a tessitura cotidiana dos processos espaciais tramada no emaranhado da região. Os textos favorecem o entrecruzamento da realidade constatada no nordeste com as conjunturas nacional e internacional. O livro apreende a dinâmica social brasileira na passagem dos úl timos anos, a partir do Nordeste, especialmente, do Ceará, percebendo as mudanças, perdas e ganhos. O trabalho de pesquisa sustenta o compromisso dos autores com a compreensão do nordeste, reforçando as configurações de seus espaços mais singulares – litoral e sertão. .O livro esta dividido em três partes: Reflexões sobre o nordeste brasileiro; Natureza, campo e cidade no semi-árido e A zona costeira: estudos sócio-ambientais. Seus organiza dores não pouparam esforços ao elaborar um livro capaz de preencher enorme lacuna na compreensão contemporânea do nordeste. Prof. Dr. José Borzacchiello da Silva 9 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO 10 PARTE I REFLEXÕES SOBRE O NORDESTE BRASILEIRO 11 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO 12 SERTÃO OU SERTÕES uma homenagem a Euclides da Cunha Manuel Correia de Andrade INTRODUÇÃO O Nordeste é uma das cinco regiões geográficas em que o Brasil está dividido oficial mente, apresentando uma superfície de 1.554.257 km². É em conseqüência a terceira região em extensão territorial do país, inferior apenas ao Norte e ao Centro Oeste e bem maior que o Sudeste e o Sul. Ocorre porém que, na realidade, temos dois Nordestes: o demarcado pelo IBGE, graças a divisão regional do Brasil feita por Fábio de Macedo Soares Guimarães e o demarcado para efeito de planejamento, delimitado pela SUDENE, em 1958, por ocasião da designação da área em que esta agência de desenvolvimento deveria atuar. É que entre a primeira deliberação e a segunda teriam ocorrido duas secas de grandes proporções, a de 1952 e a de 1958, e havia se delimitado o chamado Polígono das Secas, abrangendo também a parte setentrional de Minas Gerais. (Figura I.1). Na área considerada nordestina estão incluídos nove estados de tamanhos e caracte rísticas diferentes, como se pode observar na Tabela I.1e com população bem diversificada, com repercussão nos vários indicadores econômicos como veremos a seguir. É importante observar que Minas Gerais, que só em parte é nordestina, tem sua par ticipação no Polígono das Secas, superior em superfície a dos estados do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco, de Alagoas e de Sergipe, sendo inferior a dos estados do Maranhão, do Piauí, do Ceará e da Bahia. Daí o grande interesse desse estado em qualquer política federal relacionada ao Nordeste. Deve se levar em conta o peso desse estado nas decisões federais de vez que ele é um dos estados mais importantes e poderosos do país. É conveniente salientar ainda que no ano de 2003, o Nordeste com quase 50 milhões de habitantes, abrigava cerca de 27,9% da população do país, apesar de sua área total corres ponder apenas a 18,2% do mesmo. Daí ser a sua densidade demográfica bem superior a do Brasil, apesar das migrações que ocorrem em larga escala para o Sudeste, o Centro- Oeste e o Norte (Tabela I.2). A população é etnicamente bem diversificada sendo muito numerosa a participação de pretos e de pardos sobretudo nos estados que desenvolveram forte agricultura de exportação no período colonial, como Bahia, Pernambuco e Maranhão, cujas capitais foram portos gran de importadores de escravos africanos (ANDRADE, 2005). Também é muito expressiva a população indígena que, em 2000 correspondia a cerca de 170.400 hab. inferior apenas a do Norte e a do Sudeste. Esta população se encontra disseminada em vários estados da região e em alguns casos, tem fortes afirmações culturais como a conservação da língua nativa como se observa em Pernambuco com os fulni-ô que falam o iatê. O crescimento populacional é baixo, face as migrações e a mortalidade infantil de 43%, superior a das outras regiões; o IDH de 0,608 é inferior ao das demais regiões do país e a participação no PIB nacional é inferior a do Sudeste e do Sul enquanto o PIB per capita de R$ 3.014 é inferior ao das demais regiões brasileiras, se excetuarmos o Norte. Em termos latino-americanos é conveniente lembrar que o Nordeste tem uma extensão territorial apenas inferior ao México e a República Argentina e uma população inferior ao México. Países de extensão e populações expressivas como a Colômbia, o Peru, a Bolívia e a Venezuela tem menor extensão e população do que a nossa região nordestina. Também é oportuno lembrar que no Nordeste se localizam três grandes metrópoles brasileiras, com população na aglomeração de mais de três milhões de habitantes cada uma e com uma expressiva influência regional. 13 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Figura I 1 - Polígono das Secas Também é necessário que se saliente que o Nordeste é muito diversificado tanto quanto as condições naturais como quanto aos níveis de desenvolvimento. O fato nos leva a salientar que não consideramos o Maranhão como verdadeiramente nordestino (ANDRADE, 1975) por possuir condições naturais muito semelhantes aAmazônia e por admitirmos a existência no mesmo, de regiões úmidas, semi-úmidas, semi-áridas e até áridas. Fato comprovado com a leitura de livros especializados como o de Edmon Nimer (1979). Por esta razão ao estu darmos a problemática regional no livroATerra e o Homem no Nordeste dividimos a região em quatro grandes regiões geográficas que se sucedem do leste para o oeste em uma região quente e úmida, a Mata e Litoral Oriental, uma sub-úmida, o Agreste, uma dominantemente semi-árida, o Sertão e, finalmente, uma úmida continental, o Meio Norte (Figura I.2). Antes do nosso estudo Gilberto Freyre já admitira a existência de dois nordestes, o úmido e o seco (FREYRE, 2005) e Josué de Castro, já salientara a coexistências de dois regimes alimentares, o da mata úmida e o do sertão semi-árido (CASTRO, 1946). Tabela I.1 - Área do polígono das secas e do semi-árido 14 Fonte: IBGE. Tabela I.2 - População absolutae densidade demográfica Fonte: IBGE. CARACTERIZAÇÃO DO SEMI-ÁRIDO É ponto pacífico, uma região semi-árida e árida se caracterizar pela escassez de precipitações pluviométricas, que provocam um déficit na relação entre estas e a perda da umidade quer pelo escoamento fluvial, quer pela evaporação. Daí, alguns estudiosos pro curarem caracterizar o árido e o semi-árido em função da quantidade de chuvas caídas na região, esquecendo que este indicador deve ser comparado com outros, como a distribuição das chuvas durante o ano, a formação geológica, com dominância de rochas sedimentares ou cristalinas, a inclinação do relevo, etc. 15 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Figura I.2 - Regiões Geográficas No caso do Nordeste brasileiro, há uma particularidade importante: é que ele se situa em região sub-equatorial entre os 3 e os 16° de latitude Sul, enquanto os desertos e regiões semi-áridas se localizam, em geral, nas regiões tropicais de onde partem massas de ar secas em direção ao Equador, como ocorre em vários continentes, sobretudo na África. No Nor deste, o semi-árido se expande até o litoral, nas costas do Ceará e do Rio Grande do Norte, enquanto os desertos e semi-desertos não tropicais se localizam a grande distância do oceano. A região seca do Nordeste se estende desde o Ceará, ao Norte, até Minas Gerais, ao Sul, ora com maior ora com menor largura. Ela é limitada ao leste pela chamada Região da Mata que vai do Rio Grande do Norte até o sul da Bahia, tendo sido coberta, no passado, por uma floresta tropical (Mata Atlântica) com características bem diversas das da floresta amazônica. Esta floresta está hoje praticamente destruída em conseqüência da ocupação da área litorânea e da expansão de culturas de exportação, como a cana de açúcar e o cacau. Ao oeste o semi-árido se expande até o Maranhão, quando é substituído por clima úmido que vai se tornando cada vez mais úmido à proporção que se caminha para a floresta amazônica. Não se pode admitir uma certa uniformidade para o semi-árido nordestino, uma vez que condições meteorológicas, geológicas e morfológicas provocam modificações nas suas 16 diversas áreas, havendo trechos em que o clima pode ser considerado como semi-úmido e trechos onde pode ser considerado como semi-árido e até árido (NIMER, 1979). Por sua vez, Ab’ Sáber, partindo de estudos feitos por George H. Hargreaves, admite a existência de quatro tipos de clima no Nordeste: o semi-árido moderado, o semi-árido rús tico, o semi-árido acentuado e sub-desértico e o sub-úmido passando a úmido. Usando essa terminologia, Ab’ Sáber (1980) traduziu, com alguma liberdade as denominações dadas por Hargreaves, de semi-árid, árid, Very árid e wet dry. Daí se concluir que este estudioso admite aexistência de um clima árido no Nordeste. Observando-se a Figura I.3, vê-se que a porção árida compreende o trecho central da região, de forma que a aridez é acentuada na porção em que domina as estruturas cristalinas e é atenuada nas porções onde dominam formações sedimentares; esta atenuação da aridez é conseqüência da capacidade de armazenar água nas formações sedimentares, permitindo que se perfurem poços de média e grande profundidades. Nestas áreas quando o relevo é mais acentuado, como na Chapada do Araripe, as águas se infiltram até encontrar rochas impermeáveis e inclinadas que atingem a superfície nos vales e depressões, dando origem a fontes temporárias e permanentes. No caso do Araripe em que as camadas se inclinam na direção Sul/ Norte, as fontes aparecem em território cearense, no Vale do Cariri, possibilitando a formação de verdadeiro “oásis” de mais de 9.000 km². Além do regime pluviométrico, entre as condições meteorológicas merecem grande atenção as temperaturas, que são elevadas durante todo o ano, provocando uma alta taxa de evaporação. Essa evaporação se acentua devido às precipitações que são sempre nos meses de verão, quando a temperatura é mais elevada. O domínio das chuvas de verão é provocado pela movimentação das massas de ar; assim, no verão do hemisfério meridional em que o Nordeste se situa, domina, na faixa equa torial, uma massa de ar úmida que fica durante o inverno cerca de 10° acima do Equador e no verão se dirige para o Sul, atingindo a porção setentrional da região, provocando chuvas de verão. Os ventos alísios (Frente Tropical Atlântica), vindos do Atlântico na direção SE/ NW, as vezes influenciados pela Frente Polar Antártica (FPA), provocam precipitações na porção oriental do semi-árido, no Agreste, onde dominam chuvas de outono-inverno, como na Mata. A porção ocidental do Nordeste é influenciada pela massa Equatorial Continental (EC), formada na Amazônia, e que, no verão, se expande para o leste, atingindo a metade ocidental do semi-árido, mas com precipitações pouco expressivas, perdendo, no percurso, grande parte da umidade que transportava, provocando precipitações na própria Amazônia Oriental eno Maranhão. Além do clima, deve-se levar em conta também o relevo e a hidrografia. Quanto ao relevo, encontram-se nos sertões nordestinos serras e chapadas que ora se alongam no sentido Leste- Oeste, como as do Apodi e do Araripe, ora no sentido Norte-Sul como a Borborema e a Diamantina e a própria Serra Geral. O relevo tem uma grande influência na organização do espaço, podendo se contrapor aos ventos e formar movimentos ascendentes de ar, de convecção, e chuvas orográficas e, quando formado por chapadas sedimentares podem pro vocar a acumulação de águas subterrâneas que vão dar origem a fontes. A altitude provoca a condensação do vapor d’água e a ocorrência de orvalho, daí ser comum a existência de brejos de altitude e exposição em vários pontos da região semi-árida (ANDRADE, 2005) dando origem e intensificando a atividade agrícola e permitindo o maior adensamento da população. Quanto à hidrografia, destaca-se o rio São Francisco, que se constitui um rio azonal que nascido em área de clima úmido, transporta uma carga hídrica que pode atravessar áreas extensas onde dominam climas áridos e semi-áridos, cortando praticamente o Nordeste de sul a norte, infletindo após atingir a divisa pernambucana na direção Sudeste. Possui no seu médio curso alguns afluentes perenes. Também orio Parnaíba, corta a região semi-árida em sua parte ocidental. Os demais rios são temporários, cortando durante a estação seca e são afluentes ora do Parnaíba, ora do São Francisco, enquanto outros - Jaguaribe, Apodi, Assu, etc - desembocam diretamente no Atlântico. Estes rios, com leitos inclinados, sobretudo nos altos e médios cursos são responsáveis, em grande parte, pelo rápido escoamento da água das chuvas que caI na região. Muitos deles foram represados, formando grandes açudes na tentativa de reter água para o período seco e de se regularizar o seu regime. 17 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Figura I.3 - Distribuição da áreas secas quentes do Nordeste brasileiro AAÇÃO DO HOMEM O Sertão foi povoado desde o século XVI em função da caça ao índio e da conquista de campos para a pecuária. Mas o povoamento se intensificou a partir do século XVIII, quando a Revolução Industrial estimulou o desenvolvimento da cultura do algodão. Com o algodão como produto de exportação, difundiram-se também as culturas do milho e do feijão que seriam utilizadas na alimentação dos novos povoadores e dos animais de trabalho. Os “brejos” e as “serras frescas” foram inicialmente utilizados como áreas de cultura de produtos alimentícios e de refrigério e abrigo para o gado e para os homens por ocasião das grandes secas. No século XIX, grande parte da floresta nativa foi destruída para que a área fosse ocupada por fruteiras e cafezais. Desta forma, o homem, ao penetrar para o interior, não procurou adaptar as suas ati- vidades às condições de solo, clima e relevo, trazendo, com isto, impactos ecológicos muito negativos. O desmatamentonos brejos e serras frescas e nas caatingas situadas no pediplano, provocou a aceleração dos processos erosivos e o empobrecimento dos solos e da vegetação. Afauna foi em grande parte dizimada e a água, um recurso muito escasso, não foi usada racionalmente. As secas se tornaram maiores e mais freqüentes e como atingiam uma popu lação cada vez mais numerosa, passou a ter uma forte repercussão. Daí o desenvolvimento 18 de estudos sobre a região, na tentativa de encontrar soluções que minorassem os seus efeitos. A primeira iniciativa desenvolvida pela Inspetoria das Obras Contra as Secas (IOCS), criada na primeira década do século XX, foi realizar estudos climáticos, geológicos, hidrológicos, geomorfológicos e botânicos sobre a região e, em seguida, desenvolver uma política de cons trução de reservatórios, os famosos açudes, para acumular a água nos anos chuvosos para os anos secos. Pode-se chamar a esta política de hídrica, porque ela preocupou-se em acumular água mas não desenvolveu estudos que orientassem a sua utilização na irrigação. Em seguida, após a grande seca de 1932, observou-se que um dos problemas graves na ocasião das secas era de fazer o escoamento dos flagelados para o litoral ou para as áreas úmidas e/ou levar alimentos para socorrê-los “in loco”. Daí o desenvolvimento de uma política de construção de estradas de rodagem, com a vantagem de o déficit de chuvas facilitar a sua conservação. Sónos anos Quarenta é que um agrônomo doDNOCS(Departamento Nacional de Obras contra as Secas), Guimarães Duque, em livro hoje clássico (DUQUE, 1951), defendeu a idéia de que este órgão deveria ter uma preocupação agronômica mais firme e que promovesse o desenvolvimento da agricultura irrigada a jusante dos açudes, ao mesmo tempo em que, nas áreas não irrigadas, deveria desenvolver culturas de gramíneas, xerófitas, sobretudo. Esta idéia encontrou naturalmente oposição de grupos de técnicos tradicionalistas e de grandes proprietários criadores de gado que se preocupavam em preservar a água dos açudes para os seus rebanhos e usar os solos que iam sendo descobertos pelas águas dos mesmos à proporção que o nível baixava, para a chamada “agricultura de vazante”, feita em moldes tradicionais. Mesmo porque, nas secas, quando os pequenos proprietários e os trabalhadores sem terras perdiam o que possuíam, era a ocasião de comprar por preços baixos porções de terra que anexavam aos seus latifúndios. Assim, enquanto a seca flagelava a grande maioria de pobres e remediados, enriquecia e ampliava a capacidade de concentração fundiária dos ricos. Estas irregularidades e distorções ficaram bem caracterizadas na década de Cinqüenta do Século XX, quando ocorreram as duas grandes secas, que referimos as de 1952 e de 1958. A ocupação desordenada do território e o desejo do lucro rápido tem contribuído para agravar as condições naturais da área e a intensificar a degradação dos solos, pobres em matéria orgânica, muitas vezes pouco espessos, e quase sempre com grande declive, como acontece de forma elevada nas encostas das serras. Daí poder assinalar as áreas que correm grandes riscos, ou de suscetibilidade de de sertificação (Figura I.4) e áreas já em processo acentuado da mesma, já formado núcleos de desertificação como as de Gilbués no Piauí, de Irauçuba no Ceará, do Seridó no Rio Grande do Norte e de Cabrobó em Pernambuco (Figura I.5). O grau de processo de desertificação é assinalado na mesma figura em quatro níveis: o considerado muito grave, o grave, o moderado e o da existência do núcleo. AS PERSPECTIVAS DO NORDESTE Inegavelmente a forma de ver e a tentativa de atuar de forma diferente da tradicional no Nordeste foi iniciada pelo economista Celso Furtado que compreendeu que o problema da região estava na forma como se procedera o povoamento e como ele vinha sendo executado. Assim procurou o economista estimular o processo de industrialização da região, realizar obras de infra-estrutura no campo com pagamento feito pelos latifundiários em terras, o que seria uma mitigada reforma agrária, estimular e orientar o processo migratório em direção a áreas sub-povoadas no oeste do Maranhão e no sul da Bahia e disciplinar o processo de uso da terra. 19 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Figura I.4- Mapa de susceptibilidade Assim a sua política para o são Francisco, cujas margens vinham sendo ocupadas por agricultores com uso da irrigação, previa o desenvolvimento da agricultura familiar dominan temente de produtos de consumo na região e em seguida no país, coibindo o desenvolvimento de culturas de exportação, feita por grandes latifundiários ou por empresas de fora da região. Tentava a SUDENE impedir que se mantivesse o processo de ocupação agro-exportador que caracterizava o período colonial. 20 Figura I.5 - Núcleos de desertificação O projeto Celso Furtado - Guimarães Duque foi barrado pelo golpe militar de 1964 e por sua orientação de crescimento dependente do capital estrangeiro assim como de sua dependência econômica ao imperialismo norte-americano. E este crescimento sem desenvolvimento, de vez que beneficia o capital e empobrece cada vez mais o trabalhador, tem provocado grandes mudanças em termos de crescimento, sobretudo com o decantado “desenvolvimento” da área de Petrolina - Juazeiro com estradas, aeroportos, campos irrigados e poluição do rio São Francisco que hoje pode ser considerado um “rio moribundo”. E os projetos elaborados para o mesmo, como o da transposição de suas águas para os rios temporários do Ceará - o Jaguaribe- e da Paraíba e Rio Grande do Norte - o PiranhasAçu e o Apodi - Mossoró- , onde há água em abundância em lençóis subterrâneos nas chapadas do Araripe e do Apodi e nos açudes construídos através dos anos pelo governo federal. Também o processo de modernização da agricultura não deve se restringir ao setor irrigado, de vez que a lavoura seca tem grande oportunidade em uma região que oferece opções para culturas secas, de rápido ciclo vegetativo como o algodão herbáceo, o sorgo, o milhete, a mamona, o gengibre, o amendoim, de grande consumo no país e no exterior. Também ela é muito rica em minérios como o petróleo explorado sobretudo na faixa sub-marina e no litoral como a do Recôncavo Baiano, a costa sergipana, a do Rio Grande do Norte e do Maranhão. Esta produção permitiu o desenvolvimento da petroquímica na Bahia, 21 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO onde se localiza o famoso pólo de Camaçari. Também tem grande expressão a produção de gipsita em Pernambuco e com depósitos expressivos na Bahia, e da xelita no rio Grande do Norte. A atividade industrial sucro-alcooleira é muito importante em Pernambuco e Alagoas, embora sofra forte concorrência dos estados do Sudeste e do Centro-Oeste, destacando-se também o desenvolvimento da informática, a indústria de beneficiamento do algodão com centros têxteis e de confecções importantes, a indústria de cimento, utilizando reservas de calcáreo, etc. Com o processo de modernização, todo o litoral nordestino vem sendo desenvolvido com a criação de camarões, tanto de variedades nativas como asiáticas, visando o mercado interno e a exportação. É conveniente lembrar ainda queo desenvolvimento das comunicações e dos transportes, apesar da péssima conservação das rodovias vem provocando o crescimento exponencial do turismo, sobretudo para a Bahia – Salvador, Ilhéus, Porto Seguro, etc – para o Ceará com as suas procuradas praias e a temperatura de suas águas durante todo o ano, para Pernambuco com as suas cidades históricas e suas praias, para Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão. Estes utilizando como chamadas, respectivamente o delta do Par- naíba, as cidades históricas de São Luís e de Alcântara e em breve, os Lençóis Maranhenses. Estes indicadores fazem lembrar e justificar o fato de o crescimento econômico do Nordeste sersuperior ao brasileiro, apesar de a região ser ainda a mais pobre do país. A len tidão do crescimento e a pobreza regional não impedem que se vislumbre a perspectiva de aceleração do crescimento se planejar um crescimento homogêneo e voltado para os interesses da população e não das elites que exploram de formas as mais variadas o povo e a região. Acreditamos que uma política de planejamento regional para o Nordeste implica na necessidade de união dos nove estados da região, evitando competição entre os mesmos e de se dar uma certa prioridade para certas áreas, como a do rio São Francisco, que se encontra sendo degradado e explorado, procurando revitalizá-lo, como salientava Vasconcelos Sobri nho; uma política para o Vale do Parnaíba hoje em grande parte sendo desmatado em função da expansão da cultura da soja: para o arquipélago de Fernando de Noronha com grandes possibilidades de crescimento em atividades como o turismo e a pesca; para a revitalização das áreas açucareiras de Pernambuco,Alagoas e Bahia, democratizando-se a exploração da terra e ouvindo-se o clamor da numerosa população rural; e de numerosos outros pontos da região. eTambém o crescimento urbano rápido desordenado vem provocando o despovoamento do campo e a transformação das cidades em verdadeiros hospícios, formada por multidões sem empregos esemrendas, voltadas em grande parte para a violência e o crime. E a orga nização racional das cidades, o seu crescimento racionalizado requer uma política urbana que impeça o seu crescimento desordenado, fazendo que ela abrigue os seus habitantes, as suas indústrias e os seus serviços de forma racionalizada, humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AB’ SABERr, Aziz. O Domínio morfo - climático semi-árido das caatingas brasileiras. São José do Rio Preto. CRATON e INCRATON, nº 6. IBILCE/UNESP,1980. ANDRADE, Manuel Correia de. Paisagens e problemas do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1975. ______. Aterra e o homem no Nordeste. 7. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005. CASTRO, Josué de. Geografia da fome: a fome no Brasil. Rio de Janeiro: O Cruzeiro,1946.DUQUE, Guimarães. Solo e água no Polígono das Secas. Fortaleza. DNOCS.1951. FREYRE, Gilberto. Nordeste. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Global, 2005. NIMER, Edmon. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: SUPREN – IBGE, 1979. 22 NORDESTE BRASILEIRO FRAGMENTADO: de uma região com bases naturais a uma de fundamentação econômica Eustógio Wanderley Correia Dantas Raimundo Freitas Aragão Ernandy Luis Vasconcelos de Lima Hervé Théry INTRODUÇÃO Do século XIX à primeira metade do século XX, na construção da região nordeste, o semi-árido é apresentado, nos discursos das elites governamentais, como responsável pelos problemas regionais, dado que culmina na elaboração, em escala nacional e regional, de um imaginário social fundado no clima, responsável pelo atraso da região. Base dos discursos políticos para atração de investimentos, representou forte poder simbólico para a constituição do imaginário político regional.Anatureza foi apropriada pelo imaginário coletivo mediante imagens que serviram de suporte ao aparato ideológico propagandista político nordestino. Sob bases ideológicas e naturalistas, as oligarquias formularam e difundiram seus argumentos acerca do território nordestino, sobretudo o semi-árido, passando a compor a imagem de uma região vitimada pelas secas. Dessa forma, as secas tornam-se, nos discursos e representações das elites, a raiz dos problemas do Nordeste brasileiro (CASTRO, 1997; 2002). Na relação da sociedade local com a natureza, compõe-se, portanto, conjunto de re- presentações que norteiam as ações no espaço e a seu turno fundamentam as representações que as motivaram. Com a consubstanciação da região problema (o Nordeste), a elite política local obtém subsídios do governo central para o desenvolvimento regional, pautado: a) no reforço da estrutura fundiária e manutenção de lógica agroexportadora (inicialmente a cana- de-açúcar, na zona da mata, e, posteriormente, o algodão no sertão), nos meados do século XIX aos anos 1950 do século XX; b) em implementação de política de industrialização direcionada pela SUDENE, dos anos 1960 aos anos 1980. No final do século XX, com a reforma constitucional de 1988, o quadro político modi- fica-se, outorgando-se autonomia aos estados, a partir de então responsáveis pela formulação de suas políticas econômicas. Em função da crise do Estado moderno no Brasil, o quadro político ditatorial, centralizador das ações, foi substituído por um democrático, promotor de política de descentralização do poder e de decisões. A negação das virtualidades do meio, no discurso determinista, é abalada com indica ção de novas variáveis da economia global e da Região, em acréscimo às transformações de ordem política. Da concepção de uma região com base natural, geradora de modos de vida representativos, passa-se à uma região de fundamentação econômica, norteadora da definição de limites e recortes nos termos indicados pelas políticas de desenvolvimento (SILVA, 1999). Atualmente a região não dispõe de caráter hostil. Encoberta por novo imaginário socioeco nômico, veicula-se, através da mídia, uma imagem positiva externadora das virtualidades do semi-árido nordestino.Aproveitando-se deste novo cenário, vinculado a parcelas reduzidas do território nordestino, aponta-se para a constituição de políticas de desenvolvimento econômico associadas, principalmente, ao turismo litorâneo e à agricultura irrigada, complementadas pela aqüicultura, produção de flores, produção de grãos (soja), artesanato, etc. Têm-se, as- sim, panoramas diferenciadores e complementadores do novo imaginário social nordestino. umaNeste novo panorama, é notável fragmentação da Região, uma vez que o dire- cionamento econômico privilegia parcelas do espaço. Nesse contexto, sobressai-se, grosso 23 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO modo, o litoral, as zonas de várzea, os tabuleiros e o cerrado. O litoral nordestino, com adoção de políticas de desenvolvimento, se converte em zona turística, evidenciada na im portância econômica atribuída a esta atividade, principalmente nos Estados do Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte. O turismo se transforma, neste sentido, num poderoso instrumento de poder argumentativo a serviço da Região, notadamente na produção de um fator econômico capaz de salvar a economia regional. As zonas de várzea, os tabuleiros e o cerrado nordestino, são convertidos em espaços privilegiados da produção agrícola, cultura irrigada e produção de grãos nobres (soja). Nestes termos, elaboram-se planos de exploração de pequenos territórios, rigorosamente selecionados, ou pólos de irrigação, utilizados por uma agricultura diferenciada da tradicional (produção de grãos: milho, feijão, arroz, etc.). Aqui a ciência e a tecnologia servem de pano de fundo, ou melhor, de parâmetro de sucesso desse arcabouço econômico. POTENCIALIDADE TURÍSTICA O turismo desponta como um dos principais vetores econômicos da Região. O volume de investimentos aplicados reflete sua importância.A viabilidade da Região Nordeste, como pólo de atração turística, é retratada através dos investimentos direcionados a tal segmento pelo Programa de Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR/NE. Financiado com recur sos do BID, e tendo o Banco do Nordeste como órgão executor, objetiva: dotar e melhorar a infra-estrutura turística (saneamento, transportes, urbanização e outros); implantar projetos de proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural; capacitar profissionais e fortalecer institucionalmente as administrações de estados e municípios da região. Na primeira fase do Programa, entre os anos de 1995 a 2003, foi previsto investimentos da ordem de 900 milhões de reais nos estados nordestinos, distribuídos diferenciadamente entre os estados e cabendo a maior parcela à Bahia (300 milhões de reais) e ao Ceará(160 milhões de reais), totalizando 51% do volume de recursos totais (Tabela I.3). Tabela I.3 - Investimentos do PRODETUR I nos Estados da Região NE Fonte: BNDES, 2005. Este volume de recursos norteou implantação dos Pólos de Desenvolvimento de Turis mo Integrado Sustentável na Região: São Luis/MA; Costa do Delta /PI; Ceará Costa do Sol/ CE; Costa das Dunas/RN; Costa das Piscinas/PB; Costa dos Arrecifes/PE; Costa Dourada/AL; Costa dos Coqueirais/SE; Salvador e Entorno/BA ; Litoral Sul/BA; Costa do Descobrimento/ BA; Chapada Diamantina/BA; Vale do Jequitinhonha/MG; Vale Mineiro do São Francisco/ MG; Caminhos do Norte/MG; Pólo Capixaba do Verde e das Águas/ES (Figura I.6). Na conclusão da primeira fase do PRODETUR/NE, conforme o Relatório Final de Projetos, a distribuição dos investimentos por estado, alcançaram, de fato, o montante de US$ 625,968 (milhões) (Tabela I.4), superior aos 900 milhões de reais previstos inicialmente (Tabela I.4).As cifras mais representativas foram direcionadas à Bahia, US$ 215,011 milhões, 24 ao Ceará, US$ 141,767 milhões, e ao Rio Grande do Norte, US$ 38,240 milhões. Figura I.6 - Pólos de Turismo: a área de abrangência do PRODETUR/NE compreende os nove esta dos nordestinos, além do Estados de Minas Gerais (norte) e Espírito Santo (Norte), que não constam na área de interesse do presente documento. O Pólo da Chapada Diamantina encontra-se fora da zona Litorânea da Região. De acordo com o Relatório Final de Projeto (Project Completion Report – PCR) do PRODETUR/NE 1, apresentam-se os seguintes componentes: Componente A (desenvolvimento institucional – DI) - as metas atingiram 73 projetos e 207 ações, tendo como valor previsto pelo BID US$ 18.800.000, embora o valor aplicado tenha sido de US$ 16.009.869. Os governos locais aplicaram US$ 5.777.469, totalizando US$ 21.787.338, alcançando 59 projetos e 149 ações nos noves estados da Região; ComponenteB (obras múltiplas em infra-estrutura básica e Serviços públicos) - com o objetivo de melhorar os serviços públicos de abastecimento de água, tratamento de esgoto, gerenciamento de resíduos sólidos, proteção e recuperação ambiental e recuperação do pa trimônio histórico nas áreas abrangidas pelo PRODETUR/NE 1. A população na BA, CE, PI e SE foi beneficiada com abastecimento de água e os estados da BA, CE,MAe PB foram beneficiados com projetos de esgotamento sanitário. No âmbito de projeto de Recuperação ambiental, foram realizadas ações de urbanização no CE (pólos de lazer) e no RN (Parque das Dunas), totalizando área de 107.516 m². Tabela I.4 - Distribuição do valor das aplicações do PRODETUR 1 por estado 25 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO (*) Somente aplicações nos componentes, compreendendo recursos do BID e da Contrapartida Local. Fonte: BNB, 2005. ComponenteC (melhoramento de aeroportos) - o componenteAeroportos respondeu por 56,3% dos recursos investidos nos quatro componentes do PRODETUR/NE 1. Os estados que absorveram mais recursos foram a BA (47%) e CE (32,7%), juntos respondendo por 79,8% dos investimentos realizados em ampliação e melhoramento. Componente D (estudos e projetos) – componente associado aos estudos e projetos na Região, cujo objetivo era o de propiciar a elaboração de obras e ações passíveis de implanta ção. Neste sentido, somente o Ceará, Bahia, Alagoas, Paraíba e Piauí, além do Município de Maceió-AL, utilizaram recursos do BID para este propósito, sendo que, do total financiado (recursos BID, US$ 2.371.443), o Ceará empregou 61,8%, seguido pelos estados do Piauí (19,8%) e Bahia (8,6%) (Quadro I.1). Inicialmente, a elaboração de estudos e projetos (componente D do Quadro I.1) estava prevista para ser considerada, no PRODETUR/NE, unicamente como contrapartida local dos Estados, no entanto, Ceará, Bahia, Alagoas, Paraíba, Piauí e o município de Maceió-AL, utilizaram recursos do BID para este propósito, implicando, consequentemente no aumento do endividamento externo dos estados indicados. Do total financiado, neste quesito, pelo BID, US$ 2.371.443, o Ceará empregou 61,8%, seguido pelos estados do Piauí (19,8%) e Bahia (8,6%). Na consideração dos valores aplicados por componente e fonte, percebe-se a con centração de investimentos notadamente no quesito aeroportos, seguido de saneamento e transportes, fundantes de infra-estrutura pertinente à consolidação da atividade turística. A reforma e ou ampliação de oito aeroportos, seis localizados nas capitais dos estados do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe e Bahia com recursos de US$ 108,681 milhões e 114,774 milhões, local e BID, respectivamente (figura I.7). No Estado da Bahia estão localizados mais dois dos aeroportos beneficiados, nas cidades de Porto Seguro e Lençóis. Dos aeroportos beneficiados, três passaram da qualidade de aeroportos regionais para internacionais:Aeroporto CunhaMachado/MA,Aeroporto Pinto Martins/CE eAeroporto de Porto Seguro/BA). Quadro I.1 -Componentes e Sub-componentes do PRODETUR/NE I: Metas, Valores Previstos e Aplicados 26 Neste contexto, a construção de aeroportos, reforma de aeroportos e criação de aero portos internacionais (somando-se aos aeroportos internacionais já consolidados de Salvador e de Recife), associada à construção de vias litorâneas (Estruturante/CE, RN-063/RN, SE- 100/SE, BA-001 Ilhéus-Itacaré), culminou no fortalecimento de lógica de organização do espaço dispare da reinante até então. De lógica perpendicular à zona de praia, baseada no porto e na ferrovia, convidando o sertão a se abrir para o mar, tem-se, na contemporaneidade implantação de lógica paralela apoiada nos aeroportos e vias litorâneas, tornando possível recepção e distribuição dos fluxos turísticos nos municípios costeiros.As capitais se destacam neste processo, concentrando os fluxos e distribuindo-os ao longo de sua área de influência. Reforça-se, na atualidade, a idéia da “vocação turística” do Nordeste, repercutindo em em bates no sentido de atrair investimentos e reforçar ideário marítimo. De estados de natureza interiorana, apresenta-se, na atualidade quadro delineado de novas imagens associadas ao mar e ao marítimo, no fortalecimento de teses representativas da maritimidade e suscitadoras de embates entre as capitais, ao pretenderem se instituir como marítimas. A imagem da cidade do sol, pretendida por Fortaleza e Natal, a título de exemplo. 27 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Figura I.7 – Valores aplicados pelo PRODETUR/NE 1por componente e fonte. Fonte: BNB (2005). Também foi abarcado, pelo PRODETUR/NE 1, a recuperação do Patrimônio Histórico nas cidades nordestinas deAracajú, João Pessoa, Maceió, Recife, Salvador e São Luis. Aliado a isto, ações de recuperação foram implementadas em outros sítios históricos, localizados nos Municípios de Alcântara (Maranhão), Oeiras (Piauí), São Cristóvão (Sergipe) e Porto Seguro/Trancoso (Bahia). Como resultado direto de lógica retrocitada, o Nordeste turístico (marítimo), recebe em 2003 um fluxo de 10.596 mil turistas, com 1440 mil turistas internacionais, representando 30,6% dos turistas estrangeiros no Brasil. Sua repercussão faz-se sentir no incremento do número de passageiros desembarcados em vôos nacionais e internacionais, notadamente os vôos charters. O número de passageiros desembarcados em vôos nacionais para os estados nordestinos totalizou 6.367 mil passageiros, em 2004. Neste período, o número de passageiros em vôos regulares cresceu expressivamente enquanto que os de vôos charters passaram de 630.535, em 2003, para 711.400 no ano de 2004. Neste ano, todos os estados nordestinos apresentaram acréscimo significativo no volume de passageiros desembarcados, com destaque para: Bahia (2.170.172), Pernambuco (1.688.663) e Ceará (1.009.065) (Tabela I.5). No Nordeste, o número de passageiros desembarcados em vôos internacionais regu lares e não regulares(charters), em 2004, atingiu 450,385 mil passageiros, representando incremento bem superior em relação ao ano de 2003. Merecem destaque os Estados: Bahia (146.226), Ceará (126.842) e Pernambuco (72.972)(Tabela I.6). Associados ao aumento do fluxo turístico, obtiveram aumento expressivo o número de estabelecimentos hoteleiros, unidades habitacionais, número de leitos, bem como foi evi denciada uma elevação na taxa de ocupação dos indicadores citados nas principais capitais nordestinas receptoras. Como Pernambuco disponibilizou dados relativos a todo o estado, para efeitos comparativos, destacamos tão somente as cidades de Salvador (292 estabelecimentos hoteleiros) e Fortaleza (229 estabelecimentos hoteleiros), que dispõem de valores bem acima das demais capitais (Tabela I.7). Tabela I.5 - Turismo Interno/Movimentação de Passageiros Nacionais: Embarque e Desembarque nos Aeroportos do NE, 2003 - 2004 28 Fonte: Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - INFRAERO, Anuário Estatístico da Embratur, 2004. Nota: Os dados incluem desembarque de passageiros residentes e não residentes no Brasil. Tabela I.6 - Transporte Aéreo Internacional - Movimentação de Passageiros Internacionais em Aero-portos do NE - Embarque e Desembarque Fonte: Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - INFRAERO, Anuário Estatístico da Embratur, 2004. Nota: Os dados incluem desembarque de passageiros residentes e não residentes no Brasil. Tabela I.7 - Estabelecimentos Hoteleiros, Unidades Habitacionais (Uh’s), Número de Leitos, Taxa de Ocupação Anual das Capitais da Região Nordeste 29 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Fonte: PDITS’s dos Estados Nordestinos para o PRODETUR/NE-II. (*) O PDITS do Pólo Costa do Delta disponibiliza os valores de Taxa de Ocupação para alta estação (92%) e para baixa estação (35%). (**) O PDITS do Pólo Costa dos Arrecifes, disponibiliza os dados referentes a todo o Estado. (***) Dado disponibilizado pela Empresa Paraibana de Turismo S/A – PBTur. Dados da Embratur reforçam o supracitado, com indicação de aumento significativo do fluxo turístico. O citado fluxo nas capitais do Nordeste passou de 9.211.722 em 2000 para 12.442.227 em 2004, conforme fluxo de passageiros embarcados e desembarcados nos aeroportos das capitais (Tabela I.8). O volume de investimentos aplicados é importante na viabilização do turismo, um dos principais vetores econômicos na Região Nordeste. Com relação aos dados expostos, precisamente no tocante à atividade turística, as políticas econômicas desenvolvimentistas culminaram no fortalecimento de lógica de organização do espaço denotadora de uma con centração de recursos, investimentos e fluxos principalmente em três Estados: Ceará, Bahia e Pernambuco.Aregião se fragmentada, evidenciando um “Nordeste turístico” (Figura I.8), as- sociado às imagens representativas da maritimidade nas capitais nordestinas, exceto Teresina. Tabela I.8 - Fluxo de Passageiros, Embarcados e Desembarcados, nos Aeroportos das Capitais dos Estados da Região Nordeste. Fonte: Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - INFRAERO, 2004; 1 Anuário Estatístico EMBRATUR, 2002; 2 Anuário Estatístico EMBRATUR, 2003; 3 Anuário Estatístico EMBRATUR, 2004. POTENCIALIDADE AGRÍCOLA O agronegócio nordestino consolida-se com incorporação de áreas, cada vez mais am plas, especializadas na produção em larga escala de cultivares agrícolas associados a fatores de produção modernos, técnica e tecnologias diversificadas, fundos de investimentos, etc. Tal consolidação implica na constituição de pólos de desenvolvimento integrado concen trados em parcelas específicas do território e especializados na produção de frutas e grãos (destacando-se a soja) (Figura I.9). 30 Figura I.8 – Nordeste turístico A – PRODUÇÃO NOS PÓLOS DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO – PDI Concebidos a partir de convênio entre o Banco do Nordeste (BNB) e o Ministério de Planejamento e Gestão, os Pólos de Desenvolvimento Integrados (PDI) (Quadro I.2) foram criados no sentido de promover o desenvolvimento econômico e social do Nordeste. Trata-se de política de desenvolvimento regional constante na área de atuação do BNB. 31 LITORAL E BRASILEIROSERTÃO,NATUREZA E SOCIEDADENONORDESTE Figura I.9 – Nordeste do Agronegócio Quadro I.2 - Produção e Área Colhida nos Pólos de Desenvolvimento - PDI 32 Fonte: IBGE - Pesquisa da Pecuária Municipal, 2002. Os PDI são compostos por municípios em áreas isoladas na Região Nordeste (Figura I.10), estruturados com eixos econômicos e cadeias produtivas baseados na agricultura irri gada, produção de grãos e um pólo associado à pecuária leiteira em Alagoas. 33 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Figura I.10 – Pólos de Desenvolvimento Integrado. Os PDI, na Região, contêm uma significante rede de transporte rodo-ferroviário e aeroportuário integrada, merecendo destaque o: a) porto do Itaqui – porto de carga geral importa combustíveis, GLP, fertilizantes e carga geral. Exporta produtos como alumínio, ferro gusa, minério de ferro, soja e minério de manganês. Sua movimentação de carga total é de 14,6 milhões toneladas. AEFC – Estrada de Ferro de Carajás, com 892 km de extensão, transporta para o Porto de Itaqui: minério, ferro gusa, soja em grãos, combustíveis e fertilizantes, entre outras cargas; b) Porto de Fortaleza/Mucuripe permite execução das mais diversas atividades de movimen tação de cargas: granéis sólidos, granéis líquidos, carga geral solta e contêineres, podendo operar navios de carga de até 50 mil toneladas, movimenta 70 mil contêineres/ano (2004) – 3 milhões de toneladas; c) Porto do Pecém, localizado em São Gonçalo doAmarante, a 63 quilômetros de Fortaleza, movimentou 835 mil toneladas (2004), com umaexportação de 412 mil toneladas (56,1% no total das exportações dos produtos originários do Ceará e 1º lugar no total das exportações brasileiras de frutas e pescado), importou 423 mil toneladas com um movimento de cargas em torno de 3,9 milhões de toneladas (BNB, 2005); d) Porto de Suape, em Pernambuco, movimentou 5,7 milhões de t/ano em cargas. (Quadro I.3 e Figura I.11) Quadro I.3 - Movimentação de Cargas nos Portos e Aeroportos na Região Nordeste 34 Fonte: * INFRAERO, 2004; 1 www.ma.gov.br; 2 www.ceara.gov.br; 3 www.codern.com.br; 4 www.docas.pb.gov.br; 5 ww.portodorecife.pe.gov.br; www.suape.pe.gov.br; 6 www.visitealagoas.com.br; 7 www.bahiavinvest.com.br 35 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Figura I.11 - Escoamento da produção agrícola na Região. Na região Nordeste, a produção de grãos diversifica-se no tempo, passando de economia baseada em culturas tradicionais garantidoras da produção de arroz, milho, algodão e café, para culturas de alto valor agregado como a soja, concentrada em larga escala nos cerrados piauienses (Pólo Uruçuí-Gurguéia), maranhenses (Pólo Sul do Maranhão) e baianos (Pólo Oeste Baiano). Neste quesito a Bahia é o maior produtor, seguido do Maranhão e do Piauí (Figura I.12). B – PRODUÇÃO DE GRÃOS O estado da Bahia é o principal produtor agrícola do Nordeste, responsável por 96,2% da produção de café, 61,6% de soja, 42,0% de feijão, 41,3% de milho e 2,8% de arroz. O Maranhão é o maior produtor de arroz, com 801,9 e 818,0 mil toneladas nas safras 03/04 e 04/05, respectivamente. Com relação à produção de soja, o Estado da Bahia é o estado que tem o maior grau de estruturação e apresenta a melhor produção do agronegócio para a soja no Nordeste, com 2.349,0 mil toneladas (Safra 2004/2005). O Maranhão e o Piauí também possuem boa produção, estando entre as maiores do País (1.053,6 e 464,1 mil toneladas, respectivamente).ABahia, sozinha, responde por toda produção de milho do Nordeste. Vale destacar as produções de feijão na Bahia (349,9 mil toneladas), Ceará ( 156,7 miltoneladas), Pernambuco (94,3 mil toneladas) e Paraíba (76,2 mil toneladas) (tabela I.9). No que se refere ao escoamento dessa produção, há articulação entre o transporte rodo- ferroviário e o porto (Figura I.13). Nestes termos, a produção de grãos: a) no Maranhão e Piauí funda-se em logística de distribuição centrada nos portos de Itaqui em São Luís – MA (cerca de 700 km) e do Pecém - CE (800 km), tornados acessíveis graças à ferrovia dos Carajás e rodovias estaduais e federais; b) na Bahia, é escoada pelos portos de Salvador e Aratu, associados a ferrovias e rodovias estaduais e federais (Quadro I.3). 36 Figura I.12 - Produção de grãos. C – PRODUÇÃO DE FRUTAS A fruticultura nordestina vem ampliando a produção, aumentando sua participação no mercado externo de frutas tropicais. Frutas como manga, goiaba, mamão, banana, uva etc., possuem um mercado potencial tanto interno quanto externo. Sua logística de distribuição ocorre através dos portos e das rodovias estaduais e federais na Região. O Estado da Paraíba é o maior produtor de abacaxi, com um volume de 270.909 toneladas. O Estado da Bahia é maior produtor de mamão na Região com uma produção em volume de 784.310 toneladas (Tabela I.14 e Figura I.13) Tabela I.9 - Estados Produtores de Grãos no Nordeste, Safras 2003/2004 e 2004/2005 37 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Fonte: CONAB, 2005. Figura I.13 - Movimento da produção do Agronegócio para os portos. Tabela I.10 – Produção em Volume (t) e Área Plantada (ha) no Nordeste, 2003 38 Fonte: IBGE/PAM 2003. Figura I.14 - Produção de frutas na Região Nordeste. Em relação à exportação de frutas (Tabela I.11), o Rio Grande do Norte foi o estado que mais exportou na Região, com 70.371.386 (US$ FOB), merecendo destaque para exportação de melão, em 2004. Os Estados da Bahia e Ceará, segundo e terceiro, exportaram US$ (FOB) 68.234.312 e 24.828.848 respectivamente, no mesmo ano. Os pólos de destaque no quesito exportação de frutas foram: RN –Pólo Assu-Mossoró; CE – Pólos Cariri Cearense e Baixo Jaguaribe; BA – Pólo de Petrolina-Juazeiro. Tabela I.11 – Exportação de Frutas no Nordeste (US$ FOB), 2004 39 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO Fonte: MDIC/SECEX, 2004. No que se refere ao escoamento da produção de frutas, muito associada a ferrovias e rodovias estaduais e federais, há articulação entre o transporte rodo-ferroviário e os portos do Mucuripe e Pecém/CE, Natal/RN, Aratu/BA, Salvador/BA, Cabedelo/PB, Suape/PE, Maceió/AL, Barra dos Coqueiros/SE e Ilhéus/BA. Além dos produtos supracitados, convém destacar, na atualidade, desenvolvimento de outros segmentos de produção como as flores e a carcinocultura. FLORES Aprodução de flores, destacando-se as flores tropicais e subtropicais, vem apresentando desenvolvimento acentuado e em franca expansão, notadamente a partir da década de 1990, atraindo a implantação ou expansão de empresas. O valor das vendas no segmento do pro dutor foi estimado em R$ 33,4 milhões, para o ano 2000, considerando os quatro principais estados produtores: Pernambuco, com R$ 19,0 milhões; Bahia, R$ 6,6 milhões; Ceará, R$ 4,7 milhões eAlagoas, R$ 3,0 milhões (Tabela I.12). Na oportunidade existiam no Nordeste 304 produtores significativos, com área plantada de 366 ha, indicando a área média por produtor de aproximadamente 1,4 ha e gerando valor bruto de produção de R$ 130 mil. Tabela I.12 - Produção de Flores e Plantas Ornamentais, 2000 Fonte: BNB, 2000. 40 Na região, o Estado do Ceará possui destaque com incremento de 366,26% nas exporta ções ocorridas entre os anos de 2002 e 2003; seguido pelos Estados deAlagoas e Pernambuco, com incremento de 94,31 % e 130,36 %, respectivamente (Tabela I.13). Tabela I.13 - Exportações de Flores e Plantas Ornamentais no Nordeste, 2002-2003. Fonte: MDIC, 2004. (*) RELATÓRIO VIGIAGRO/PVA/SVA/DFA-CE/MAPA (**) PREVISÃO CARCINICULTURA Observa-se que o camarão marinho cultivado na Região Nordeste lidera com parti cipação em torno de 95% do valor das exportações brasileiras. Os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia lideram nas exportações nordestinas. O Estado do Ceará foi no ano de 2003 o maior exportador da Região com cerca de 19.131,90 toneladas, seguido do Rio Grande do Norte com 18.687,11 toneladas. De acordo com dados da Associação Brasileira de Criadores de Camarão – ABCC (2003), o Rio Grande do Norte possui a maior área de cultivo (362 fazendas, 37.473 t em 3.591 ha e produtividade de 6.937 kg/ha/ano), seguido do Ceará (185 fazendas, 3.376 ha de cultivo e produtividade de 7.676 kg/ha/ano) (Tabela I.14). Tabela I.14 - Volume de Exportações de Camarão Congelado em toneladas, no período de 2000 a 2003. Fonte: SECEX\MDIC (2004). CONCLUSÃO Em princípio, a noção de uma região castigada pela questão imagética da semi-aridez permeava os discursos políticos no imaginário brasileiro e regional. Anteriormente homogê nea e diversificada na constituição das regiões geográficas com seus entes representativos: a zona da mata, sustentáculo da oligarquia canavieira (senhores de engenho) e dos bóias-frias; o sertão cerne da oligarquia algodoeiro-pecuarista (coronéis) e dos sertanejos (ANDRADE, 1986; THÉRY, 2005), atualmente há apontamento de novo discurso, pautado na virtualidade do semi-árido, fortalecedor das políticas desenvolvimentistas que redimensionam a região, fragmentando-a em função da sua “vocação” turística e agrícola. O Nordeste hoje seria uma região problema? Trata-se de uma região esquecida, um “Nordeste” dos pobres, dos menos abastados? O quadro é diferente do de outrora. Atual mente existem nordestes representativos da pobreza-miséria e da riqueza. As políticas de desenvolvimento econômico são instrumentos de poder argumentativo a serviço da Região, capazes, em tese, de “salvar” a economia regional, privilegiando determinadas parcelas do espaço nas quais o capital se reproduz com retorno de lucros elevados aos investidores. Com o direcionamento de investimentos a parcelas reduzidas do território nordestino, observa-se uma fragmentação da Região, consoante às políticas de desenvolvimento econômico, asso ciadas ao turismo litorâneo e à agricultura irrigada, complementadas pela produção de soja 41 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO e por atividades emergentes como a de flores e a carcinicultura. Trata-se de uma Região (ou de regiões) de fundamentação econômica e denotadora de uma imagem positiva do semi- árido nordestino, encoberta por novo imaginário socioeconômico. Grosso modo, percebe-se claramente uma fragmentação do Nordeste: espaços propícios à exploração das diferentes atividades e receptoras de farto volume de investimentos, evidenciando um nordeste turístico e um nordeste do agronegócio, em oposição ao nordeste esquecido, o dos baixos indicadores socioeconômicos e resultantes de uma política de distribuição de renda desigual. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, M. C. . A Terrra e o Homem no Nordeste. São Paulo: ATLAS, 1986. ARAGÃO, R. F. Das práticas marítimas modernas à elaboração da imagem turística de Fortaleza/ Ceará. 2005. 147 f. Dissertação (PRODEMA/UFC), 2005. BANCO DO NORDESTE - BNB. Análise setorial Produção de Flores. 2000. BANCO DO NORDESTE - BNB. Visão geral do PRODETUR/NE: informações básicas. Disponível em: <http:// www.bnb.gov.br/content/aplicacao/PRODETUR/visao/gerados/prodetur_visao_inforbasica.asp. Acesso em: 22 dez. 2005. BANCO DO NORDESTE - BNB. 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Os índios maravilhados, “negociavam” com esses personagens exóticos que lhes ofereciam espelhos, miçangas entre outras bugigangas. Os acidentes geográficos foram fundamentais no projeto de fixação dos portugueses no litoral. Baias, estuários, enseadas, ensejaram as bases para adentrar ao longo dos leitos de rios, de caminhos e picadas. Litoral e sertão iniciam o diálogo. Um interlocutor, o do litoral recém-chegado, dominador, se percebe cheio de direitos, portador de superioridade. O litoral é condição de existência do sertão. Instituído a partir de um rico imaginário, a idéia de ser tão se constrói e só adquire sentido no jogo de oposição. Essa dicotomia impõe ao sertão a condição de barbárie – terra de homens rudes, brabos e violentos, de terra inóspita, avessa às regras da moral e dos bons costumes.Acidade, quando instalada em pleno sertão, significava a chegada do litoral inovador àquelas plagas. Até hoje tem uma carga simbólica muito forte de farol, de luz plena da sabedoria que ilumina e irradia a vida. A literatura clássica das ciências humanas denomina a cidade mais distante do litoral como “boca do sertão”. Depreende-se que o anteriormente sertão, deixa de o ser com a chegada da cidade. Com ela, desfruta-se dos ares civilizados do litoral O sertão agora passa a ficar mais adiante. No Ceará, o povoamento, segundo Capistrano de Abreu1, teve forte influência do pastoreio que se expandia através dos vales dos rios. Denominando de “sertão de dentro” e “sertão de fora”, o autor explica a formação de correntes migratórias que penetraram pela Chapada do Araripe – as de dentro, e as de fora, iniciadas no litoral e que alcançaram o interior do território do estado pelos leitos dos rios principais como o Jaguaribe, Acarau, Coreau, Aracatiaçu, etc. Euclides da Cunha é categórico ao afirmar que o sertanejo é, antes de tudo, um forte2. No caso cearense, quando esses fortes chegavam a Fortaleza ou noutras cidades do interior, instaurava-se o caos. As famílias de fino trato, não admitiam aproximações. Nos períodos de estiagens prolongadas, hordas e hordas de “homens fortes”, agora excessivamente fracos, buscavam socorro na capital. As autoridades logo tomavam medidas de emergência para alojá-los em áreas distantes da faixa adensada da cidade. Terminada a seca, parte dessa população migrante retornava ao sertão de origem. Os remanescentes ajustavam-se como podiam à vida da cidade. Não era nada fácil. Sem qua lificação profissional, analfabetos na maioria das vezes, cabiam, apenas aos forasteiros, os trabalhos pesados. Começaram ocupando o que seria o embrião de nossa pobre periferia. Antes que se aproximassem muito das famílias de bem e de bens, rígidos códigos de obras e de postura entravam em vigor, orientando, disciplinando e controlando a vida na cidade. Sem poder atender às exigências dos códigos e a forte segregação imposta, os sertanejos migrantes continuam até hoje nas bordas, aguardando o momento de adentrar, participar e desfrutar da cidade. Fortaleza, a metrópole sertaneja do litoral, fincou suas bases e se consolidou como cidade primaz de um vasto espaço regional. Seu peso funcional é responsável por uma dinâ mica territorial que avança sertão adentro. Fortes fluxos econômicos alimentam os vínculos regionais que fazem da cidade a quarta maior do país. 45 LITORAL E SERTÃO, NATUREZA E SOCIEDADE NO NORDESTE BRASILEIRO CIDADE, LITORAL E SERTÃO. Fortaleza é a metrópole do semi-árido que no Ceará despeja o sertão no mar3. Acidade é a expressão de contrastante quadro natural. O observador desavisado, ao ver os maciços montanhosos que circundam a cidade compondo uma linha de fundo, pensará certamente, que o semi-árido esteja mais distante, que o sertão enquanto realidade sócio-espacial é uma unidade localizada além, muito além daquelas serras. Na sua condição de cidade sertaneja e metrópole do semi-árido, Fortaleza revela e contém em sua realidade urbana a mescla de litoral e sertão. A cidade cresceu muito. Seu poder urbano como pólo de atividades múltiplas e de possibilidades, atraiu milhares de trabalhadores, estudantes, idosos, exigindo, em curto pra zo, a adoção de políticas regionais capazes de instaurar um processo dinâmico, rompendo a configuração atual, altamente concentrada. O peso da centralidade exercida pela capital é evidente, denunciando o descompassoentre Fortaleza e os demais municípios integrantes do espaço metropolitano, onde se destaca a necessidade de instalação de infra-estruturas capazes de atender às demandas da população. A mescla de sertão ecidade na capital se manifesta na complexidade do cotidiano metropo litano. Os mais velhos, e também os mais resistentes às mudanças, insistem em conservar ou relembrar hábitos, costumes e tradições de seus antigos lugares de origem. As crianças, porém, aos poucos adquirem hábitos idênticos aos moradores mais antigos da capital. Mal grado a adaptação rápida, a presença do sertão ainda é forte na cidade. A identificação de modos pretéritos de vida no processo de ajustamento à vida urbana revela fortes vestígios de ruralidades sertanejas que fazem de Fortaleza uma cidade especial, com um tipo de urbanidade possível que vai sendo construído lentamente. Contando com vários itens da modernidade, inserida, inclusive, na rede das cidades turísticas, a capital cearense é reconhecida como importante pólo industrial e excelente praça comercial. O processo acentuado de metropolização tem provocado o esgarçamento da malha viária e expansão, mesmo que desordenado e desigual do modo de vida urbano. São loteamentos, indústrias, conjuntos habitacionais, sub-centros comerciais, corredores de atividades, termi nais de transportes, serviços voltados à educação, saúde e administração pública que alteram a fisionomia da cidade e dos municípios vizinhos, emprestando a essa enorme trama, ares metropolitanos. Essa nova modalidade de espaço geográfico, produzido de forma rápida, foi capaz de incrementar a ocupação densa desta expressiva porção do território cearense, onde se concentra quase a metade da população do Estado. Apesar da dinâmica observada, o espaço metropolitano de Fortaleza ainda se caracteriza pela deficiência de políticas públicas capazes de atender ao conjunto de demandas sociais e econômicas, há muito represadas. Compõe essa pauta, itens vinculados à gestão urbana, compreendendo a criação de bases capazes de garantir a fixação da população com a geração de emprego e renda, solução para a crítica situação do sistema de circulação e transportes, bem como os graves problemas ambientais.Aregião ressente-se de uma agenda metropolitana com medidas de superação da fragmentação imposta pela gestão local muitas vezes isolada dos interesses do conjunto de municípios. Na perspectiva da gestão administrativa, o qua dro de conjuntura nacional indica a tendência à descentralização de ações e de serviços que reforçam o poder local com forte indicativo de participação popular e controle público. Em contraposição, esta prática evidencia um vácuo em termos de políticas territoriais. De ações capazes de ultrapassar os rígidos limites municipais, sejam eles oriundos da conformação metropolitana, resultado de consórcios intermunicipais ou mesmo regionais, vinculados aos tradicionais recortes do espaço. Mesmo não sendo tão significativos, os impactos decorrentes da incorporação de novos municípios, a ampliação da área física do espaço regional apre senta forte efeito político-administrativo, sem operar, entretanto, grandes mudanças quanto à expressão da RMF no Estado do Ceará. METRÓPOLE, LITORAL E SERTÃO A dinâmica recente dos espaços metropolitanos no Brasil dá sinais de alterações em seu interior, indicando feições territoriais ligadas ao processo de reestruturação produtiva dominante no país. No Brasil, “em pleno regime militar, a questão metropolitana éincluída na Constituição de 1967 e mantida na Emenda Constitucional no. 1 de 1969. Mas somente em 1973, com a promulgação da Lei Complementar Federal 14, são criadas regiões metro politanas em torno das principais capitais dos estados brasileiros. É imposta aos municípios 46 sua participação compulsória e são desconsideradas as peculiaridades regionais na definição dos serviços que deveriam ser alvo da gestão comum”.4 Aos poucos elas estão se transformando em lugares privilegiados de entrecruzamen- to de múltiplos interesses, adquirindo papel e função de nó de rede, vital para a dinâmica territorial de um vasto espaço regional. O estabelecimento de novos fluxos e pontos como portos, portos secos, teleportos, distritos industriais, centrais de carga ou de abastecimento provocam alterações no movimento da população permitindo o surgimento de novas áreas dinâmicas, estagnação ou desaparecimento de outras. Em Fortaleza, o destaque recai sobre seu expressivo papel na geração e captação de capitais oriundos das atividades produtivas instaladas ou de uma grande variedade de incentivos oficiais, dos quais, parte considerável é aplicada na própria região ou nos municípios vizinhos. Adquirindo cada vez mais uma importância regional na perspectiva da aglomeração e concentração de atividades, Fortaleza ainda não despertou em seus administradores a compreensão da necessidade de se pensar a cidade numa dimensão mais ampla. Os gestores urbanos da metrópole devem pensar Fortaleza na condição de espaço de conexão, formado num quadro onde a realidade urbana não se isola dos contextos metropolitano, estadual e regional. A cidade avançou em direção aos municípios vizinhos. O excessivo uso especulativo do solo urbano na capital comprova que a cidade expande seus limites, deixando, porém, no seu interior, considerável quantidade de lotes vagos. Esse processo também acontece no interior da RMF. A transformação de várias cidades da RMF tem sido rápida nos últimos anos. A formação de enormes periferias urbanas, a favelização rural ou urbana, aliadas à ocorrência de áreas com um significativo nível de desenvolvimento com seus condomínios fechados e resorts, formam verdadeiras “ilhas” de prosperidade, característicos deste espaço. A consolidação da mancha adensada vincula-se ao desenho dos eixos estruturantes constituídos pelas rodovias e ferrovias. O esquema radial partindo do centro da capital re- sultou num modelo semi-estelar. Sobre esse desenho dominante, os anéis viários alteraram a trama, modificando os fluxos de circulação, resultando num processo de requalificação urbana, especialmente nos espaços localizados em sua área de influência. Essa dinâmica pode ser constatadapelo peso urbano de algumas cidades integrantes da Região Metropolitana de Fortaleza RMF - inseridas entre as maiores do Estado como é o caso de Caucaia e Maracanau. Atualmente, é possível se detectar naRMF a ocorrência de diferentes territórios que apresen tam maior ou menor grau de relação entre os municípios, distritos e comunidades integrantes. A presença de Fortaleza é marcada por diversos fluxos, coincidentes, na maioria das vezes. Segmentos de classe média, mesmo que incipientes, despontam em várias cidades da RMF. Comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos inscrevem-se entre os componentes destes segmentos médios que se fixam no espaço metropolitano, vencendo os problemas cotidianos da fricção da distância entre os bairros mais centrais de Fortaleza. Esta procura tem provocadoum processo ainda lento de requalificação espacial, também vinculado à atual malha que se apóia numa intrincada relação com os recursos naturais da área, posto que vários municípios exercem importante papel na coleta e armazenamento d’água para o abastecimento metropolitano. Os sistemas Pacoti-Riachão-Gavião seciona o município de Pacatuba e exige estudos refinados sobre as diversas possibilidades de uso, tendo em vista o estabelecimento de um processo de desenvolvimento sustentável. A discussão em torno de temas que envolvem a preservação, conservação e manejo dos recursos naturais, gestão de bacias hidrográficas, estruturação de um sistema viário e de transporte, distribuição e manu tenção de equipamentos e serviços de educação e saúde, entre tantos problemas prementes, inerentes à aglomeração metropolitana, na perspectiva da melhoria da qualidade de vida da população, fazem da RMF, um espaço preferencial de políticas públicas.
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