Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Problemas da concordância entre nomes Thaís Nicoleti de Camargo A concordância nominal do português tem algumas particularidades interessantes. Partimos, é claro, do princípio geral do acordo de gênero e número que ocorre entre o substantivo e o adjetivo. A um substantivo masculino, liga-se um adjetivo masculino. A um substantivo feminino, liga-se um adjetivo feminino, e assim por diante. O assunto é aparentemente simples, mas, nem por isso, deixa de oferecer dúvidas. É muito comum ouvirmos frases do tipo: Vou comprar um óculos escuro. O termo “óculos” está, nesse caso, sendo tratado como singular – como “o ônibus”, “o lápis” etc. –, mas deveria estar no plural. O objeto que nomeia o par de lentes usadas em frente aos olhos é um substantivo plural. Sendo assim, o artigo que o antecede bem como o adjetivo que o segue ficam igualmente no plural: Vou comprar uns óculos escuros. Entende-se a confusão – afinal, os usuários da língua percebem os óculos como um só objeto –, e o uso da forma plural está associado à referência a mais de um elemento. Esse, todavia, não é o mais complicado dos casos, pois basta tomar conhecimento de que se trata de um plural e ajustar a concordância. Mais problemáticas são as sequências de substantivos adjetivadas por um só atributo. Exemplos 1. O rapaz vestia calça e camisa preta. 2. O rapaz vestia calça e camisa pretas. 2 As duas construções estão corretas. No primeiro caso, ocorre o que chamamos de concordância atrativa, ou seja, o adjetivo (“preta”) concorda com o elemento que lhe é mais próximo (“camisa”), embora se refira a todos os substantivos da sequência – no caso, “calça e camisa”. No segundo caso, a concordância é lógica, isto é, o adjetivo sofre a flexão de plural pelo fato de se referir a mais de um substantivo (“camisa e calça pretas”). À primeira vista, pode parecer que a concordância atrativa leva a uma interpretação errada da frase, supondo-se que o adjetivo “preta” se refira apenas ao último elemento (“camisa”). Ora, essa questão se resolve pelo princípio do paralelismo, que o usuário da língua intui. Em outras palavras, por que alguém diria que fulano veste calça (sem adjetivo nenhum) e camisa preta? A frase é, no mínimo, improvável. O que se espera é algo do tipo: Vestia calça branca e camisa preta. Resta ainda – se houver, de fato, a necessidade de adjetivar apenas um dos termos – a possibilidade de inverter a ordem dos elementos: Vestia camisa preta e calça. Superado esse primeiro problema, surge o próximo. Se estiver anteposto à sequência, o adjetivo concordará exclusivamente com o elemento mais próximo. Exemplo: Escolheu má hora e lugar para o encontro. O adjetivo “má” caracteriza tanto a hora quanto o lugar do encontro. Essa regra, entretanto, só é válida para adjetivos que funcionam como adjuntos adnominais – não vale para os que funcionam como predicativos. E, afinal, qual é a diferença entre o adjunto adnominal e o predicativo? 3 Antes de prosseguir nessa explicação, é preciso lembrar que o adjetivo é aquela palavra que exprime um atributo ou característica de um ser. Adjunto adnominal e predicativo são funções que esse atributo pode exercer na oração, isto é, são funções sintáticas. Na função de adjunto adnominal, o adjetivo exprime uma característica própria do ser, a ele pertencente e a ele diretamente ligada. Na função de predicativo, o adjetivo, por sua vez, exprime uma característica momentânea ou circunstancial e, normalmente, refere-se ao substantivo por meio de um verbo de ligação. Sendo assim, temos: 1. Comprei uma camisa preta. “preta” atributo próprio da camisa = adjunto adnominal 2. Ela tinha os olhos lacrimosos. “lacrimosos” atributo circunstancial1 = predicativo 3. Ela tinha os olhos azuis. “azuis” atributo inerente aos olhos = adjunto adnominal Entendida a distinção entre o adjunto adnominal e o predicativo, basta lembrar que este último não admite concordância atrativa. Exemplos O réu e a ré eram inocentes. Eram inocentes o réu e a ré. O juiz considerou o réu e a ré inocentes. O juiz considerou inocentes o réu e a ré. 1 Naquele momento, a pessoa apresentava os olhos lacrimosos. 4 Para memorizar essa estrutura, vale a pena lembrar um trecho da bela canção Se eu quiser falar com Deus, de Gilberto Gil: Se eu quiser falar com Deus [...] Tenho que ter mãos vazias Ter a alma e o corpo nus [...] Observe que “vazias” e “nus” são atributos circunstanciais dos substantivos a que se referem. A ideia é que as mãos devem estar vazias, bem como a alma e o corpo devem estar nus, no momento de falar com Deus. Fonte FOLHA ONLINE. Colunas. Noutras palavras. Publicação: 18 fev. 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/noutraspalavras/ult2675u10.shtml>. Acesso em: 22 jul. 2015.
Compartilhar