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1 Cruzamentos sintáticos Chico Viana Boa parte dos problemas gramaticais nas redações decorre de cruzamentos sintáticos. Eles ocorrem quando de duas formas ou estruturas semelhantes cria-se uma terceira – geralmente condenada pela norma culta –, e são frequentes no domínio da regência e da estruturação oracional. Os cruzamentos quanto à regência fazem com que o complemento de determinados verbos apareça indevidamente antecedido de preposição. Vejamos alguns exemplos, seguidos de um breve comentário: 1. Desde a Antiguidade, o desejo de adquirir status influenciava na vida das pessoas. O verbo “influenciar”, transitivo direto, teve seu complemento preposicionado devido à contaminação com “influir”. O aluno deveria ter escrito “influenciava a vida das pessoas”. 2. O seu ponto de vista corrobora com o preconceito contra os homossexuais. O cruzamento, nesse caso, foi com o verbo “concordar”, que rege complemento introduzido pela preposição “com”. “Corroborar”, no entanto, é transitivo direto. 3. A pessoa tranquila não está preocupada em vencer de ninguém. Por influência do verbo “ganhar”, que é transitivo indireto, o complemento do verbo “vencer” apareceu regido de preposição. Quem ganha ganha de alguém; mas quem vence vence alguém. 4. A obtenção de objetos supérfluos torna a compra e o uso de bens em rituais nos quais obtemos satisfação espiritual. Um sentido comum a “tornar” e “transformar” é o de “converter alguém ou algo em outra coisa”. Essa identidade semântica, no entanto, não significa semelhança quanto à regência. O verbo “transformar” é bitransitivo, ou seja, apresenta objeto direto e indireto. Já o verbo “tornar” não admite objeto indireto, e sim predicativo 2 (não preposicionado). Enfim, transforma-se “uma coisa em outra”, mas torna-se “uma coisa outra”. O aluno deveria, pois, ter escrito: “torna a compra e o uso de bens rituais” ou, para maior clareza, “torna rituais a compra e o uso de bens”. Um caso à parte é o do verbo “dever(-se)”, que, com o sentido de “ter por causa”, é pronominal e rege objeto indireto introduzido pela preposição “a” (uma coisa se deve à outra). A influência de verbos como “ocorrer” e “acontecer” produz construções do tipo: Isso se deve pela influência que veio desde a época da colonização. (Em vez de “à influência”) Isso se deve porque os ateus são mais propensos a questionar dogmas religiosos. (Em vez de “a que os ateus”) No exemplo seguinte, a troca entre os verbos leva a um despropositado pleonasmo: O Brasil já foi muito carente de estrangeiros, e isso se deve devido ao atraso nos investimentos. No domínio da estruturação oracional, é comum haver cruzamento entre uma oração desenvolvida e outra reduzida. Exemplo: A Constituição proíbe que as crianças e os adolescentes de responderem pelos seus atos. A presença da conjunção integrante e da preposição mostra que o aluno hesitou entre duas construções: 1. A Constituição proíbe que as crianças e os adolescentes respondam pelos seus atos. 3 2. A Constituição proíbe as crianças e os adolescentes de responderem pelos seus atos. Ele acabou misturando as duas. Outro tipo de cruzamento ocorre entre membros dos pares correlativos que introduzem determinadas orações. Exemplo: Muitas pessoas perdem grandes oportunidades por se expressarem mal seja na escrita, como na oralidade. Tal como no caso anterior, nesse tipo de contaminação, ocorre uma quebra de paralelismo. Os pares legítimos são “seja ... seja” e “tanto ... como”, que têm, respectivamente, valor alternativo e aditivo. O estudante poderia ter optado por uma das duas construções: 1. Muitas pessoas perdem grandes oportunidades por se expressarem mal seja na escrita, seja na oralidade. 2. Muitas pessoas perdem grandes oportunidades por se expressarem mal tanto na escrita como na oralidade. Há, por fim, cruzamentos que truncam o sentido e tornam o enunciado incompreensível. Geralmente, em tais construções, abandona-se o termo inicial (tópico da sentença), o que dá ao período o aspecto de um anacoluto, ou seja, de uma quebra na sequência das ideias. Exemplos 1. A utilização das figuras de linguagem são mais utilizadas em textos literários. 4 2. O responsável pela educação brasileira não cabe somente a uma categoria de pessoas, mas a toda a sociedade. Um bom exercício é pedir aos alunos que escrevam os fragmentos de duas maneiras, destacando os diferentes tópicos das sentenças (em negrito): 1. A utilização das figuras de linguagem ocorre mais em textos literários. As figuras de linguagem são mais utilizadas em textos literários. 2. O responsável não é somente uma categoria de pessoas, mas toda a sociedade. A responsabilidade pela educação brasileira não cabe somente a uma categoria de pessoas, mas a toda a sociedade. Fonte REVISTA Língua Portuguesa. Blog Na Ponta do Lápis. Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/blog-ponta/cruzamentos-sintaticos-327133-1.asp>. Acesso em: 21 jul. 2015.
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