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150 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Unidade III Atenção, aluno! Nesta unidade, abordaremos o gênero prosa e seus elementos estruturais. 7 O GênerO PrOsa 7.1 Definições Como vimos, a Literatura é um universo marcado por uma organização peculiar, que deve ser conhecida para podermos compreender os caminhos percorridos pelo autor no processo de elaboração de sua obra, para apreciarmos melhor os encantos e segredos que o texto revela ao leitor atento. Os textos literários agrupam‑se, conforme a modalidade e os procedimentos estilísticos escolhidos para a sua concepção. A esse agrupamento dá‑se o nome de gêneros literários. Vimos as especificidades do gênero poesia. Basta, agora, entrarmos nas do gênero prosa. Lembrete Lembre‑se de que os termos tradicionais lírico, épico e dramático também se referem aos traços estilísticos presentes em uma obra, independentemente de seu gênero. Na realidade, toda obra literária conterá, além dos traços estilísticos mais adequados ao seu gênero, também traços de estilos típicos de outros gêneros, uma vez que os gêneros podem misturar‑se em um mesmo texto. É sempre importante verificar as definições. As duas primeiras são de dicionário. As demais advêm de nossos estudiosos da Literatura. Vejamos todas elas e depois tracemos as suas características mais fundamentais: 7.1.1 Dicionários Primeiramente, observe as várias definições dos dicionários da língua portuguesa para o verbete “prosa”. Utilizamo‑nos dos dois mais conhecidos no mercado: Houaiss e Aurélio. Houaiss prosa s.f. (sXIII cf. FichIVPM) 1 expressão natural da linguagem escrita ou falada, sem metrificação intencional e não sujeita a ritmos regulares – p.opos. a 151 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária verso e a poesia 2 p.ext. aquilo que é material, cotidiano, sem poesia <a p. da realidade> 3 conversa informal <tive dois dedos de p. com o compadre> 4 B N. infrm. ato de namorar 5 Mús forma da música religiosa antiga proveniente da sequência e que consistia numa adição de palavras e música a uma melodia conhecida – adj.2g.s.2g. 6 que ou aquele que se gaba ou aparenta gabar‑se, com ou sem fundamento, de merecimentos próprios ou dotes pessoais; vaidoso, convencido, fanfarrão <esse andar de moça p.> 7 que ou aquele que é dado a falar ou a conversar demais; conversador – p. literária LIt a narrativa de ficção, dos romances, novelas e contos – p. poética obra em prosa em que, no todo ou em partes, há a invasão do eu do autor, introduzindo um ponto de vista lírico na narrativa – ter boa p. infrm. 1 ter muito palavreado, muita lábia 2 ser um interlocutor interessante e agradável – etIM lat. prósa,ae ‘id.’; ver pros(i)‑; f.hist. sXIII prosas, sXIV posa acp. de mús, 1720 prosa ‘expressão natural da linguagem escrita ou falada’ – sIN/VAr ver sinonímia de bocagem, fanfarrice, gabola, namoro e presumido – ANt ver antonímia de presumido. Aurélio [Do lat. prosa (oratione), ‘discurso que vai em linha reta até o fim’, ao contrário do que se dá com o verso, que volta quando completo.] s. f. 1. A maneira natural de falar ou de escrever, sem forma retórica ou métrica, por oposição ao verso. 2. Fig. Aquilo que é vulgar, trivial, positivo ou material. 3. Fam. Astúcia, manha, lábia; conversa fiada: “eu estimo vosmecês mesmo, não é prosa, estimo” (Coelho Neto, turbilhão, p. 68.) 4. [...] 7.1.2 Alguns teóricos Para complementar, apresentamos ainda as definições do gênero prosa dos teóricos Antonio soares Amora, Octavio Paz e Massaud Moisés. Dedique‑se à leitura crítica de cada uma, estabelecendo as devidas relações entre elas. Antonio Soares Amora A forma, elemento que conduz o conteúdo, de um para outro espírito, é também denominada linguagem ou expressão. A forma de uma obra literária pode apresentar‑se sob vários aspectos: prosa ou poesia; linguagem cotidiana ou linguagem erudita; linguagem figurada ou não figurada. A prosa: suas características A prosa é linguagem natural, espontânea, enquanto que a poesia é linguagem artificial. Quando falamos na espontaneidade da prosa, é necessário não supor que ela é um tipo primário de linguagem. Uma análise, mesmo 152 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 superficial, da prosa, revela‑lhe a complexidade formal.” (AMOrA, 1969, p. 66) Octavio Paz (1982, p. 82‑83): Deste modo, o ritmo se dá espontaneamente em toda forma verbal, mas só no poema se manifesta plenamente. sem ritmo não há poema, só com ritmo não há prosa. O ritmo é condição do poema, ao passo que é inessencial para a prosa [...] O prosador, porém, busca a coerência e a claridade conceptual. Por isso, resiste à corrente rítmica que fatalmente tende a se manifestar em imagens e não em conceitos. Massaud Moisés (1977, p. 84): A prosa, por sua vez, orienta‑se até certo ponto em sentido contrário ao da poesia. Já vimos que, por sua própria essência literária, a poesia e a prosa se aparentam numa série de aspectos. Dêstes (sic), o mais importante é aquele que caracteriza a própria Literatura: expressão dos conteúdos da ficção, da imaginação, numa palavra, o subjetivismo. Na poesia, como acabamos de ver, o sujeito, o ‘eu’, volta‑se para dentro de si, fazendo‑se ao mesmo tempo espetáculo ou espectador. A prosa, todavia, inverte completamente essa equação. Com efeito, a prosa é a expressão do ‘não‑eu’, do objeto. Por outras palavras: o sujeito que pensa e sente está agora dirigido para fora de si próprio, buscando seus núcleos de interesse na realidade exterior, que assim passa a gozar de autonomia em relação ao sujeito. A este interessam agora os outros ‘eus’ e as coisas do mundo físico como objetos alheios cuja natureza vale a pena decifrar. está claro que a conduta do ‘eu’ diante do mundo exterior continua a ser radicalmente subjetivista, pela condição mesma de se tratar dum comportamento estético‑literário. Portanto, a base permanece subjetivista, pessoal, pois o ‘eu’ é que ‘vê’ a realidade; a visão do mundo continua egocêntrica. Como vimos, a poesia se caracteriza por ser a expressão do ‘eu’ por meio da linguagem conotativa, ou de metáforas polivalentes. Quanto à prosa, sabemos que constitui a expressão do não eu através de metáforas aproximadamente univalentes. Lembrete Lembre‑se de que o gênero prosa caracteriza‑se pela forma corrida, natural e discursiva; pela despreocupação com a linguagem, valendo‑se mais da denotação; e pela expressão do “não eu”. 153 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária 7.2 algumas características Pelas várias definições, você pode constatar, como já dito, que as definições são variadas e complexas. No entanto, de alguma maneira, elas conservam alguns pontos próximos, os quais devem ser lidos como a matriz, a “essência” do que sejao gênero prosa. Ambos dicionários exploram a ideia de a prosa ligar‑se a aspectos da linguagem natural, ou seja, à maneira natural de falar, referindo‑se à conversa informal, ao papo coloquial e cotidiano, ao discurso corrido, “em linha reta”, e despreocupado, à narrativa em contraposição ao verso. Os teóricos ressaltam a qualidade espontânea da expressão prosaica, revelada pela forma de expressão mais cotidiana e coloquial, traduzindo os conceitos exteriores e mais objetivos do mundo. A linguagem constrói‑se denotativa e, dependendo do momento, exigirá a conotação. O ritmo, mais próprio à poesia, na prosa é menos concentrado e obedece ao fluxo da narrativa. Para Massaud Moisés (1977), a prosa: • destaca‑se pela simplicidade e objetividade dos enunciados; • apresenta uma linguagem cotidiana e/ou coloquial; • exige a denotação das palavras por ser mais discursiva; • expõe imagens mais objetivas e concretas na representação da realidade; • prefere ser mais explícita com os conceitos; • é construída em fluxo contínuo. essas foram algumas reflexões gerais sobre as características do gênero prosa. Como dissemos anteriormente, há nele as formas literárias. estude‑as agora. 7.3 as formas do gênero prosa Como vimos anteriormente, o gênero prosa possui apenas as formas (não possui espécies) de expressão, como, por exemplo, a carta, o romance e o teatro, e, considerando‑o numa concepção complexa, pode ele abranger muitos tipos de textos. Isso já pode já pode ser compreendido mesmo que não tenhamos ainda adentrado nas especificidades desse gênero, em se tratando da Literatura propriamente dita. Observe o quadro e perceba as formas dele: 154 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Quadro 10 – As formas do gênero prosa Gênero Forma Prosa oratória; história; crítica; ensaio; carta; crônica; teatro; romance; novela; conto; fábula; apólogo; anedota. Definimos em seguida as particularidades de cada forma de prosa, apresentando alguns exemplos, com o objetivo de torná‑las familiares antes de estudarmos as formas literárias. seguimos a ordem sob a qual foram dispostas no quadro 4. Oratória É a arte de falar bem em público. Nascida por volta do século V a.C., com os gregos, foi utilizada em discursos políticos (Isócrates, 436 a.C.; Demóstenes, 334–322 a.C.; e esquines, 339– 314 a.C.), mas passou a ser vista em discursos religiosos como precioso recurso para defender e propagar a fé cristã. Os mais reconhecidos criadores da literatura oratória foram Cícero (106, 43 a.C.), Quintiliano (48–118 d.C.) e tácito (55–120 d.C.). A partir do século XVI, tivemos outros como Bossuet (1627–1704) e Antônio Vieira (1608–1697). Há vários tipos de oratória: política, sacra, acadêmica, conferências públicas etc. O sermão da sexagésima, de Padre Antônio Vieira, é exemplar dessa forma literária. Sermão da Sexagésima: pregado na Capela real, no ano de 1655. semen est verbum Dei. s. Lucas, VIII, 11. e se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o evangelho, e ouçamo‑lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe. ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. Não só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: exiit, porque no dia da messe hão‑nos de medir a semeadura 155 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária e hão‑nos de contar os passos. O Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que dispendeis, nem vos paga o que andais. Deus não é assim. Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto. entre os semeadores do evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam, sem sair, são os que se contentam com pregar na Pátria. todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar‑lhes‑ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão‑lhes de medir a semeadura e hão‑lhes de contar os passos. Ah Dia do Juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar‑vos‑eis com mais paço; os de lá, com mais passos: exiit seminare (VIeIrA, 1965, p.1‑2). História Distingue‑se das narrativas ficcionais pelo seu caráter científico: “intui os fatos passados e depois procura, com métodos especiais e com o auxílio de certas disciplinas, aproximar, o máximo possível, essas intuições, daquilo que a razão, em face de certas provas, julga verdadeiro” (AMOrA, 1969, p. 167). tendo o caráter inicial de narrar os fatos vividos por alguns povos: • narra então fatos passados; • na perspectiva moderna, valoriza a imparcialidade, a capacidade de discernimento entre o impossível e o possível; a metodologia científica de pesquisa dos fatos e de apuração da autenticidade das fontes; e a reflexão crítica. Vejamos mais um exemplo: As patentes militares no Brasil até 1918 Para preservar a posse do Brasil, da investida dos concorrentes, era indispensável ocupar e, para ocupar, era necessário produzir. O gênero escolhido para se produzir foi o açúcar, do qual os portugueses já eram produtores tradicionais e com boa aceitação no mercado consumidor europeu. Para produzir para o exterior, para grande numero de consumidores, de forma a alcançar lucro, é necessário produzir um grande excedente o que requer força de trabalho numerosa, resultando que só a escravidão do africano poderia suprir esta necessidade. A escravidão do indígena não atendia por este não ser numeroso nem acomodado ao trabalho sedentário. A Coroa Portuguesa estabelece então que o produtor é livre na área da produção, em que a metrópole não interfere; mas esta se reserva, sob regime de monopólio, a área da circulação, em que o produtor não interfere. Não são apenas econômicos os poderes transferidos, são também políticos. O senhor de terras será, consequentemente, a autoridade pública. Investido, inclusive, do poder militar, salvo no mar, que é área de circulação e portanto monopólio da Coroa Portuguesa (sODrÉ, 1979, p. 78). 156 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Crítica literária Forma pouco praticada na Antiguidade e totalmente voltada à gramática, retórica e poética. Apenas no século XIX, começou a ser praticada, com um espírito renovador, buscando, no texto literário, outros aspectos que não apenas aqueles da gramática, retórica e poética. É uma forma de conhecimento intuitivo, o que a distancia das ciências e da filosofia: “a Crítica Literária é sempre intuição, é sempre uma forma de compreensão, de um espírito (o crítico) em face de uma realidade (a obra literária)” (AMOrA, 1969, p. 169). Nesse sentido, há diversos tipos de crítica literária, mas não um método delimitado de como se proceder criticamente. Leia o trecho da crítica de Massaud Moisés a respeito da obra senhora, de José de Alencar (1997, p. 136): O excerto quese acabou de ler, pertence a um romance de costumes, ou em que Alencar desenhou um dos “perfis de mulher” que pontilham sua obra de ficção. Conquanto não se possa afirmar que neste tipo de prosa estejam compendiados todos os outros que o escritor cearense cultivou, divisa‑se a presença da ficção histórica, a partir do fato de o romance iniciar‑se num tom de quem conta um “caso” desde o começo mais remoto: “Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela”. O tempo da narração, sendo o passado, auxilia a compor essa atmosfera de reconstituição histórica de uma psicologia sui generis de mulher e daqueles que lhe marcaram o destino. [...]”. Ensaios Criado por Montaigne (1533–1592), o ensaio é a exposição de ideias pessoais sobre algum assunto específico e significativo, sem ajuda bibliográfica e pretensões científicas de saber absoluto. Configura‑se, assim, como sendo um registro da atividade espiritual de um determinado autor. Vejamos um exemplo de ensaio escrito pelo próprio Montaigne: Da incoerência de nossas ações Os que se dedicam à crítica das ações humanas jamais se sentem tão embaraçados como quando procuram agrupar e harmonizar sob uma mesma luz todos os atos dos homens, pois estes se contradizem comumente e a tal ponto que não parecem provir de um mesmo indivíduo. Mário, o Jovem, ora parece filho de Marte ora filho de Vênus. Dizem que o Papa Bonifácio VII assumiu o papado como uma raposa, conduziu‑se como um leão e morreu como um cão. e quem diria que Nero, essa verdadeira imagem da crueldade, como lhe apresentassem para ser assinada, de acordo com a lei, a sentença contra um criminoso, observou: – Prouvera a Deus que eu não soubesse escrever! – tanto lhe apertava o coração condenar um homem à morte. Há tantos exemplos semelhantes, e tão facilmente os encontrará sozinho quem quiser, que estranho ver por vezes gente de bom senso procurando juntar tais contradições, mesmo porque a irresolução me parece ser o vício mais comum e evidente de nossa natureza, como o atesta este verso de Públio, o satírico: “Má opinião, a de que não se pode mais mudar.” É aparentemente 157 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária possível julgar um homem pelos fatos mais comuns de sua vida; mas, dada a instabilidade natural de nossos costumes e opiniões, pareceu‑me muitas vezes que os melhores autores erravam em se obstinar a dar de alguém uma ideia bem assentada e lógica. Adotam um princípio geral e de acordo com este ordenam e interpretam as ações, tomando o partido de as dissimular quando não as deformam para que entrem dentro do molde preconcebido. O imperador Augusto escapou‑lhes; deparamos nesse homem com uma tal flagrante diversidade de ações, tão inesperada e contínua no decurso de sua existência, que os mais ousados juízes, renunciando a julgá‑lo em seu conjunto, tiveram de deixá‑lo assim indefinido. Acredito que a constância seja a qualidade mais difícil de se encontrar no homem, e a mais fácil a inconstância. Quem os julgasse pormenorizadamente de acordo com seus atos, um por um, estaria mais apto a dizer a verdade a seu respeito (MONtAIGNe, 1987, p. 97). Teatro De criação grega, o teatro esteve sempre ligado à representação artística; apresentava‑se sob três formas distintas: tragédia (despertava no público os sentimentos mais nobres: amor à justiça, respeito aos deuses, entusiasmo pelos heróis), comédia (causava divertimento a partir de situações cômicas do cotidiano) e drama satiresco (com finalidade de cultuar o deus Baco, baseava‑se nos episódios da vida deste). Nas primeiras representações, as peças eram apresentadas em versos. Vejamos seus principais caracteres, que poderão ser conferidos, em seguida, com parte do scrapt da peça Pode ser que seja só o leiteiro lá fora, de Caio Fernando Abreu: • origem: baseado na unidade de tempo (fatos que se passavam em 24 horas); na unidade de espaço (fatos passados num mesmo lugar) e na unidade de ação (só era representada a ação principal, o restante deveria ser suposto pelo público); • romantismo: mistura de gêneros, como, por exemplo, do trágico com o cômico; desrespeito às três unidades; cenário rico em ornamentação; valorização da prosa, condenando a linguagem poética do teatro antigo. Pode ser que seja só o leiteiro lá fora Personagens: • João • Leo • Baby • Mona (Carlinha Baixo Astral) • rosinha 158 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 • Alice Cooper • Angel — são todos muito jovens. entre 20 a 30 anos Cenário sala de uma casa abandonada. Na verdade, parece mais um quarto de despejo, atulhado de objetos fora de uso, colchões furados, guarda‑roupas, espelhos quebrados, cadeiras rasgadas, lixo, enfim, e até mesmo objetos absurdos que ficam ao gosto do diretor. Cena I (Quando a ação começa, a cena está completamente às escuras. A luz de uma lanterna vai revelando alguns objetos. tão lentamente que chegue a ficar monótono e angustiante, a lanterna pertence a João). Leo — (off) João, onde é que você está? João — Aqui, vem cá. tem uma porrada de coisas. (esbarrando num móvel). Merda! Leo — (Off, assustado) Que foi, cara? Que barulho é esse? tem alguém aí? João — Não. só uma porra no meio do caminho. Baby — (entrando, com um violão na mão) tinha uma porra no meio do caminho... No meio do caminho tinha uma porra... (Para no meio do palco e faz uns gestos de cantor pop) Yeah! Everybody now! tinha uma porra no meio do caminho... Leo — (entrando) Fala baixo, cara. Pode ter gente aí. João — Melhor. se tiver alguém morando a gente fica logo sabendo. (grita) Hei, tem alguém aí? Baby — Anybody here? Leo — (Baixo) Mania de falar Inglês... Baby — Língua internacional, meu santo. Quando você está no mundo, falando inglês as possibilidades de comunicações são muito maiores. João — Cala a boca, Baby! (ABreU, 2009, p.61) 159 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária A crônica etimologicamente, a crônica deriva da palavra grega cronos, que significa tempo. trata‑se do registro de um acontecimento num curto período de tempo e espaço. em épocas passadas designava fatos de caráter histórico. Há também a crônica científica, policial, social, esportiva etc. produzida geralmente por profissionais que possuem um saber e metodologia específicos ao tema tratado. saiba mais Para complementar sua leitura, consulte a obra A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações, organizada pelo setor de filologia da Fundação Casa de rui Barbosa: CANDIDO, A. [et. al.]. A Crônica. O gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. são Paulo/rio de Janeiro: editora da Unicamp e Fundação Casa de rui Barbosa, 1992. Nela, há vários artigos interessantes, incluindo o famoso texto introdutório de Antonio Candido A vida ao rés‑do‑chão. Forma em prosa feita para ser exclusivamente veiculada na imprensa, num espaço específico e com certa rotina de publicação, apresenta a característica de abordar o cotidiano com uma linguagem breve e crítica; geralmente, não faz uso da linguagem poética, masnão a descarta totalmente. O essencial da crônica é trabalhar o fato corriqueiro e encontrar certa beleza e/ou comicidade nele. A crônica literária é uma narrativa breve, na qual, em geral, o autor apresenta sua visão sobre um flagrante do cotidiano, transfigurado por sua subjetividade e fantasia. elaborada em grande parte por poetas ou ficcionistas, torna‑se muitas vezes prosa poética, como é o caso dos textos de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira etc. Há também grandes prosadores que se dedicam a esse gênero narrativo, desde Machado de Assis a Fernando sabino, rubem Braga, Clarice Lispector entre outros. Crônica da Quinzena – O Velho A câmara temporária tem‑se ocupado da seguinte tarefa: Ouve os ministros lerem algumas linhas, umas dez ou doze linhas dos seus relatórios. Os deputados elegem por dia quatro comissões: cada comissão consta de três nomes: cada nome escreve‑se em uma linha: três vezes quatro doze – doze linhas. À uma, ou às duas horas, faz‑se a chamada, não há casa, e fecha‑se a sessão. 160 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Ordem do dia: linhas. Veja a pátria com que linhas a estão cosendo. e depois digam que sou velho rabugento e ralhador. No meu tempo os deputados não procediam assim. Mas também no meu tempo os deputados eram de casaca, e hoje são de paletós. esta moda de paletó tem seu quê. Um amigo meu, velho e ralhador como eu, estudou com o maior cuidado a moda dos paletós parlamentares, e depois de muito parafusar chegou a concluir que os deputados tinham adotado a moda dos paletós, e proscrito a das casacas para não darem a conhecer muito visivelmente quais deles viravam as casacas. se meu velho amigo errou ou acertou, não sei. Apelo para a consciência dos augustos e digníssimos. (MACeDO, 1862, p. 250‑256) Fábula escrita em gênero poético e também narrativo, a fábula tem como característica concentrar‑se no tema da vida dos animais, com a finalidade de trazer uma lição de moral aos leitores. O lobo e o cordeiro, de esopo (VI a.C) é um exemplo. O Pescador e o Peixe O pobre pescador tivera um mau dia: fora para alto‑mar em seu barquinho ainda de madrugada. e passara o dia jogando as redes na água e recolhendo‑as. Mas em nenhum momento pegara um único peixe. — Imagino se haverá algum peixe no mar – resmungou ele. Parece que não. estava prestes a desistir e voltar tristemente para o porto quando lançou as redes pela última vez. Alguma coisa se debatia no fundo de uma delas. Com o coração disparado, o pescador se apressou a ver o que conseguira. Para seu desgosto, percebeu que capturara uma pequena espadilha, o menor peixe que existe. essa espadilha era tão diminuta que cabia com facilidade na palma da mão do pescador. — Deixe‑me ir, por favor – pediu o peixinho. Você pode ver com seus próprios olhos que, tal como estou, pouco lhe sirvo. Mas se me devolver à água, tornar‑me‑ei um belo peixe grande. e você poderá fisgar‑me outra vez dentro de um ano, quando servirei para uma refeição. 161 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária — Nem pense nisso – disse o pescador. se o deixo partir, você vai desaparecer! Moral: Mas vale um peixe na mão do que dois no mar. (esOPO, 2002, P.82) Apólogo Parecido com a fábula, o apólogo tem como assunto a vida dos objetos inanimados, com fins morais. exemplificamos aqui um fragmento de Um apólogo, de autoria de Machado de Assis: Um apólogo erA UMA VeZ uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo? — Deixe‑me, senhora. — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe‑se com a sua vida e deixe a dos outros. — Mas você é orgulhosa. — Decerto que sou. — Mas por quê? — É boa! Porque coso. então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu? — Você? esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu? — Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... — sim, mas que vale isso? eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando... 162 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 — também os batedores vão adiante do imperador. — Você é imperador? — Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. eu é que prendo, ligo, ajunto [...] (AssIs, 2004, p. 554‑556) Anedota Caracteriza‑se pelo tratamento da particularidade da vida de algum personagem histórico, consistindo também numa história curta com tom humorístico. exemplo: Anedota Búlgara era uma vez um czar naturalista que caçava homens. Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas, ficou muito espantado e achou uma barbaridade. (ANDrADe, 1985 p.195) 4.4 as formas da prosa de ficção Até aqui, de modo geral, tratamos da prosa e de suas diversas formas. em se tratando da Literatura, deve‑se considerar a prosa relacionada ao ato narrativo ficcional, ou seja, às características da prosa para construir o mundo ficcional dentro dos parâmetros literários, em outras palavras, a “prosa de ficção”. Desde a idade mais remota da humanidade, contar e ouvir histórias são atividades das mais antigas do homem; nossos ancestrais, sentados à beira do fogo assim transmitiam oralmente costumes, crenças e valores do grupo, ou gravavam nas paredes de pedras das cavernas feitos e fatos acontecidos. Assim temos os mitos (histórias das origens dos povos), os relatos bíblicos (histórias do povo cristão) etc. Modernamente, o cinema, as novelas, os noticiários televisivos e o vídeo clip podem ser citados como exemplos de narrativas. Lembrete Na Antiguidade, as narrativas eram transmitidas oralmente. 163 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária Na tradição literária, o ato de narrar vincula‑se à força de vida e morte. Lembra‑nos a princesa sherazade de As mil e uma noites. Para não ser morta ao amanhecer, a jovem contava histórias ao sultão, todas as noites, interrompendo‑as no momento do suspense para despertar‑lhe a curiosidade e ter a própria vida poupada. Figura 25 – Ilustração de duas páginas manuscritas árabes do livro As mil e uma noites, do século 14 da síria. Atualmente, encontra‑se na Biblioteca Nacional em Paris A prosa faz parte da vida da humanidade; contar e ouvir história agrada àspessoas de todos os níveis socioculturais. Inventar, narrar, ouvir, ler ou assistir a histórias associam‑se à natureza lúdica do homem, na medida em que despertam o prazer. A prosa utiliza linguagem narrativa, verbal (oral e escrita) e não‑verbal, isoladas ou simultaneamente. Narra‑se por gestos (cinema, teatro), imagens (televisão, pintura) e palavras. O meio de expressão da prosa é a palavra oral ou escrita que se manifesta de variadas formas. saiba mais Marcel Marceau é o mais famoso representante da arte sem palavras, a mímica. Conheça um pouco mais sobre ele no endereço: <http://oglobo. globo.com/cultura/mat/2007/09/23/297847198.asp>. 164 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Formas de Narratividade André Jolles apud D’Onófrio (1995), em seu livro Formas simples (1985), propõe dois tipos de formas de narratividade: • formas simples: são criações coletivas de autoria desconhecida que representam os anseios e temores de um povo: o mito, a lenda, o conto popular, a saga, a advinha, o causo, a anedota, o provérbio etc. • formas cultas: são criações individuais de arte: poesia épica; novela; romance; conto erudito; crônica. entretanto, não há uma distinção rigorosa quanto ao emprego das formas em si: usa‑se o termo mito, saga, lenda, conto popular para designar uma mesma história ficcional. O mesmo se dá com as formas cultas. A obra Dom Quixote, por exemplo, é chamada ora de romance, ora de novela de cavalaria. Figura 26 – Capa da revista Don Quixote (1885), desenhada por Angelo Agostini (1843 –1910). saiba mais Para saber mais sobre as formas narrativas, consulte: D’ONÓFrIO, s. Formas de narratividade, in: teoria do texto: prolegômenos e teoria narrativa, são Paulo: Ática, 1995. 165 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária 7.5 as principais formas da prosa de ficção Nesse estudo, abordamos algumas das principais formas de prosa de ficção: o romance, a novela e o conto. Observe o quadro a seguir. em seguida são apresentadas as definições de cada um deles. Quadro 11 – Prosa de ficção Gênero Forma Prosa de ficção romance; novela; conto. 7.5.1 O romance Forma narrativa mais importante e complexa dos tempos modernos, equivalente à antiga epopeia, o romance tem origem do termo romanice loqui (falar românico), o falar em um dos dialetos populares da língua romana, por oposição ao romanice loqui, a língua culta da Idade Média. Nesses dialetos populares europeus eram narradas histórias de amor e aventuras cavaleirescas. Desse modo, “a palavra romance passou a indicar uma longa narrativa sentimental” (D’ONÓFrIO, 1995, p. 116). entre os gregos e romanos, ocorria algo semelhante: ao lado dos gêneros clássicos (tragédia, comédia, lírica, épica etc.) o povo analfabeto cultivava outras formas literárias. em prosa, destacam‑se: a narrativa idealizante, histórias de amor e aventuras nas quais há o desejo da vitória do amor, da verdade, da justiça etc. e a narrativa satirizante, que retrata com bastante realismo cenas do cotidiano das várias camadas sociais. Veja uma das definições sobre o romance de um teórico brasileiro do século XIX: Lição XII: romance ‘Forma o romance a transição entre a poesia e a prosa: conservando da primeira a faculdade inventiva, e os floreios da imaginação, e da segunda a naturalidade da frase. A atenção que importa prestarmos às composições em verso impede que seja duradoura, ao passo que a linguagem prosaica, menos fatigante, é também mais compreensível ao grande número de leitores. Lançaram em todas as épocas mão deste meio de instruir deleitando os mais abalizados autores; a Grécia nos oferece o exemplo do grande Xenofone escrevendo a sua Ciropédia, e apresentando‑nos a literatura latina em Quinto Cúrcio um distinto romancista histórico. Geralmente se sabe o gosto que na Idade Média havia pelas ficções em prosa, e do grande emprego que delas fizeram os trovadores na língua vulgar, ou romance, derivou‑se o nome por que são mais conhecidas (PINHeIrO, 1978, p.109). O romance (do latim romanice) nasceu na Idade Média, ligado à poesia épica, com a característica de narrar façanhas excitantes da Cavalaria e de donzelas em perigo (todos figuras nobres ou heroicas). Don Quixote de La Mancha, de Cervantes, pertencente ao século XVI, é um exemplo: possui a estrutura episódica, com aventuras umas atrás da outras, sobressaindo a temática amorosa em detrimento das 166 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 façanhas históricas. Outra peculiaridade desse tipo de ficção em prosa é a valorização dos eventos lendários e folclóricos, sendo assim abundante o elemento maravilhoso. reconhecido como gênero literário somente no século XVIII, uma vez que a cultura oficial do classicismo só valorizava os textos em forma clássica, versificados, ficou conhecido popularmente como novela de cavalaria. O romance é considerado como a “literatura feita pelo, para e com o povo, especialmente a nova classe ascendente, a burguesia” (MOIsÉs, 1970, p. 150). entra no lugar da epopeia, por “constituir‑se no espelho dum povo, a imagem fiel duma sociedade.” (ibidem, p. 150). torna‑se porta‑voz das ambições, desejos, veleidades, e, ao mesmo tempo e, sobretudo, ópio sedativo ou fuga da materialidade diária, entretenimento e passatempo da classe burguesa. Oferecendo uma imagem otimista dos relacionamentos burgueses e construindo também a imagem do que pretendiam ser, configura‑se também por uma crítica sutil e implícita do sistema. representativo dos anseios do mundo burguês, ao contrário da epopeia, que exaltava os deuses ou pessoas ilustres, o romance volta‑se para o indivíduo, o homem comum que não precisa ter uma grande missão a desempenhar, como nos poemas épicos ou epopeias. É então o grande gênero literário, desde o século XIX, com o surgimento do romantismo, quase sempre publicado em folhetins, seja apresentando crítica de costumes ou temática histórica. Quanto à temática, classifica‑se em vários tipos: romance sentimental, autobiográfico, de aventuras, picaresco, gótico (terror), romântico, realista, naturalista, de realismo crítico, de experimentalismo formal etc. Observação O romance picaresco vem do espanhol e trata das aventuras de um pícaro, personagem de baixo nascimento, que sobrevive de pequenos roubos até infrações mais sérias; é uma narrativa da desordem, da malandragem e do anti‑heróico. Primeiras características O romance dá uma visão global do mundo, recriando e/ou reconstruindo‑o, a partir de uma visão particular, única e original. Oferece a liberdade do emprego recursos de ficção vários: andamento pausado da narração; monólogo interior etc. Por uma visão macroscópica do universo, o escritor consegue captar o máximo por sua intuição. As outras áreas de conhecimento, como a filosofia, a história e a sociologia, são auxiliares nesse modo de recriação. O drama das personagens pode atingir um caráter universal, cujas técnicas de composição permitem explorar as inquietudes espirituais ou situações históricas universais. esse gênero apresentaum compromisso (engajamento) com o leitor, mas conjuntamente pensando no seu entretenimento, divertimento, “no sentido de algo que nos distraia, nos tire a atenção de certos objetos, e nos dê, por isso mesmo também, alegria e bem‑estar” (ibidem, p. 157). O entretenimento pode estar na busca pelo “depois” da história, instigada no leitor etc. Por outro lado, o bom leitor não busca apenas isso: quanto mais culto, mais exige a outra faceta do romance 167 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária – os ensinamentos de formação do homem. O romance fica entre os extremos: entretenimento e formação. Características específicas Dentro da tradição literária, o romance distinguiu‑se pela sua singularidade no desenvolvimento estrutural das categorias narrativas, como, por exemplo, a ação, o espaço, o tempo e a personagem de ficção. sinteticamente, pode‑se visualizá‑lo da seguinte maneira: • ação: o autor escolhe um drama central (uma história) que será narrado e problematizado ao longo do romance. Para desenvolvê‑lo, vale‑se de elementos narrativos como as personagens, espaço e tempo que nos dão a ideia de célula dramática. Paralelamente, outros dramas, ditos menos importantes, locados em células dramáticas, são narrados, mas correlacionados ao drama central. Nesse sentido, a ação é construída por meio: — da pluralidade dramática: células dramáticas; — da simultaneidade dramática: “os núcleos dramáticos interligam‑se apertadamente, ao mesmo tempo e, às vezes, num único lugar. Os conflitos decorrem simultaneamente, como na vida real acontece para todos... Mesmo que, num caso ou noutro, os dramas envolvam outras pessoas, estas devem estar diretamente vinculadas às figuras principais da narrativa.” (MOIsÉs, 1970, p. 159). • espaço: a ação só é possível considerando que as personagens vivem os dramas centrais e os periféricos, locados em espaços, exteriores e/ou interiores, propícios à sua dinâmica narrativa. Pela pluralidade de células dramáticas, considere que o romance exige a pluralidade geográfica, a total liberdade de construção, dando vivacidade e dinamismo: ação. O espaço geralmente envolve: — pontos geográficos: exterior e interior; citadinos ou rurais. • tempo: é responsável pela construção do passado, presente e futuro das personagens e também pelo delineamento físico e psicológico destas, desde o seu nascimento até a sua morte. Geralmente, o romancista desenvolve os seguintes modos temporais: — tempo cronológico: percebido pelos dados exteriores: as mudanças da natureza, como por exemplo a passagem do dia para noite, as estações do ano, o clima, o movimento do sol etc. Considera‑se que ele é linear, objetivo, matemático e visível, envolve datas, fatos, etc. que ajudam na percepção do correr da história: passado, presente e futuro; — tempo psicológico: é subjetivo e variável, com ritmo específico: incessante, múltiplo ou descontínuo; a noção de passado e presente desaparece. Nele, muitas vezes, quebram‑se as barreiras temporais, de modo a ter‑se a sensação de um presente contínuo, presente‑presente, (apreendido como dado imediato) e presente‑passado (associações da memória). sendo subjetivo, volta‑se aos dados interiores, assim se conhece a história pela experiência narrada. 168 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 • personagem: considera‑se que, no romance, as personagens são em número variado, dependendo dos objetivos propostos pelo romancista. essas personagens oferecem ação ao drama e geralmente aparecem como representação do ser humano, sendo mais concretas e objetivas. Podem ser classificadas como: — planas ou tipos: destituídas de profundidade; são estáticas (inalteráveis), sempre iguais; pertencem geralmente ao romance de ordem cronológica; — redondas: o contrário das planas ou tipos, têm profundidade e revelam uma série de características; são dinâmicas, causam surpresa ao leitor; possuem caráter; pertencem ao romance de ordem psicológica. saiba mais A ficção que vale um doutorado Prestigiados pelo mercado editorial, romances apresentados como teses em bancas de pós‑graduação colocam em debate o gênero tradicional de escrita acadêmica [...] Confira a matéria completa em MUrANO, edgar. A ficção que vale um doutorado. revista Língua. Disponível em: <http://revistalingua.uol.com. br/textos.asp?codigo=11627>. 7.5.2 A novela O termo novela origina‑se da palavra italiana novella, que significa notícia nova, novidade. A origem do termo relaciona‑se às canções medievais, poesias épicas que passam a ser prosificadas e tornam‑se novelas de cavalaria. Os críticos divergem quanto à conceituação da novela. Alguns a consideram um gênero intermediário entre o romance e o conto, entretanto, outros admitem a sua constituição de características peculiares. Nela ação é polivalente, ou seja, o enredo não está centrado em uma única história e “constitui‑se de uma série de unidades ou células dramáticas encadeadas e portadoras de começo, meio e fim. De onde semelhar uma fieira de contos enlaçados” (MOIsÉs, 1974, p. 363). As células não têm sentido isoladas do conjunto do qual fazem parte e não podem ser retiradas dele ou comprometeriam a continuidade do mesmo. As células dramáticas sucedem‑se umas às outras, mas não se esgotam: o autor deixa pontos que podem gerar novos episódios, formando uma macroestrutura sempre aberta. Diferença entre novela e romance O romance tem estrutura fechada: a história e os demais personagens giram em torno da personagem principal e tem começo, meio e fim bem delineados; na novela a estrutura é aberta, 169 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária sempre se pode encaixar novo episódio, nova personagem, novo espaço etc. Por outro lado, o romance relaciona‑se mais com o real; a novela está voltada para a fantasia, não se preocupando com a questão da verossimilhança. em relação ao romance, a novela apresenta menor número de personagens, conflitos e espaços, e a ação é mais veloz no tempo, devido à sucessão de aventuras. Há predominância da ação, sem deter‑se em análises psicológicas ou conflitos dos personagens. As novelas classificam‑se em: de cavalaria, sentimental e bucólica (Idade Média), picaresca (renascença). Na época do romantismo, a novela confundia‑se com o romance, pois os romances em folhetim25 apresentavam características da novela, pela extensão da narrativa: longos capítulos publicados em jornais semanais como aconteciam com grande parte das obras de José de Alencar. Assim sendo, segundo D’Onofrio (1995), podemos classificar como romance a narrativa de larga extensão e estrutura fechada; e novela, a história fantástica, literatura de ficção produzida em série, capítulos ou fragmentos. 7.5.3 O conto “Conto é tudo aquilo que o autor diz que é conto.” (ANDrADe apud BeDÊ, 2007, p. 136) A brincadeira de Mário de Andrade talvez faça sentido em se tratando de um modernista radical e impaciente, contrário a determinado tipo de tradição literária. Contudo, foi aplicada a este texto, cumprindo o objetivo de levar você a refletirsobre a problemática de definir formas literárias como o conto, até mesmo por quem usou e abusou delas, como é o caso do modernista Mário de Andrade. Mesmo assim, difícil ou não, algumas formas literárias possuem um sistema próprio de caracterização, principalmente as mais tradicionais que foram cultivadas ao longo da história do homem. Passemos, então, a uma delas. Uma História O conto possui origem desconhecida, mas é a matriz das formas literárias. suas primeiras aparições aconteceram: na Bíblia, com os conflitos de Caim e Abel, salomé, rute, a ressurreição de Lázaro etc. na Odisseia, de Homero, com suas aventuras intercaladas; em Metamorfoses, de Ovídio. Do Oriente, são as versões mais próximas do verdadeiro conto: Mil e Uma Noites, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, simbad etc. A Idade Média (séculos XII–XIV), marcada pelas novelas de cavalarias, é a primeira fase de bons contistas, como o escritor Boccaccio. Nos séculos XVI–XVII, o conto passa a ser mais cultivado, principalmente na Itália por Matteo Bandello; Francesco Doni etc.; e na França por Perrault, La Fontaine etc. 25 Folhetim (espanhol folletín, diminutivo de folleto, folheto; francês feuillteon; feuille, folha). surge no final do século XVIII, como um artigo de crítica literária publicado no rodapé de jornal. A partir de 1840, inicia‑se o romance ou novela em folhetim, longas narrativas de assunto sentimental, em capítulos intermináveis, procedimento que populariza a arte. Cf. Moisés (1974). 170 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 No século XIX, tem‑se a ascensão e o esplendor do conto, que se torna produto estritamente literário, com características próprias. É o reinado do romance e do conto. temos Balzac, Flaubert (trois contes/ três contos), Maupassant, stendhal, edgar Allan Poe, Hoffmann, Machado de Assis, eça de Queirós, Alexandre Herculano, Pedro rabelo, Aluísio Azevedo etc. O século XX alcança sua grandiosidade como forma literária, com várias produções: Virgínia Woolf, Katherine Mansfield, Kafka, James Joyce, Hemingway, Monteiro Lobato, Osman Lins, Dalton trevisan etc. Conceito e estrutura De forma narrativa curta, de menor extensão que o romance ou a novela, o conto pode abranger qualquer temática, seja de caráter fantástico, seja psicológico. ele apresenta dois tipos principais: o conto popular e o erudito (ou literário). A diferença entre ambos é que o conto literário tem um autor historicamente conhecido e refere‑se a um episódio da vida real, verossímil embora de ficção, pois não pretende oferecer uma visão idealizadora da realidade, mas deseja contestar os valores sociais. Como estudiosos das letras, é sempre necessário buscar conhecer a definições etimológicas dos termos que estudamos na teoria Literária. tenha os significados de conto, a partir do Dicionário eletrônico Houaiss (2002): 1) contagem, conta, cômputo; quantidade; 2) ant. crédito e/ou débito; conta; despesa; 3) ant. pequeno disco de metal us. para fazer contas; 4) ant. mil vezes mil <um c. de homens> <um c. de réis>; 5) etIM lat. computus,i ‘cálculo, cômputo’, der. do v. computáre ‘calcular, contar, computar’, de mesma orig. que 1conto com o sentido de ‘cômputo máximo, a contagem maior’; us. em conto de reais = conto de réis, isto é, 1.000.000 réis = mil mil réis’; 6) rubrica: literatura: narrativa breve e concisa, contendo um só conflito, uma única ação (com espaço ger. limitado a um ambiente), unidade de tempo, e número restrito de personagens; 7) relato intencionalmente falso e enganoso; mentira, embuste, treta; 171 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária Observação Note a ligação de conto também com o verbo do latim computare (contar), no sentido de enumerar e relatar os fatos dentro de uma narrativa. Vejamos ainda como a palavra é referenciada em outras línguas: • inglês: short‑story (narrativa literária) e tale (contos populares e folclóricos); • alemão: novelle e erzählung (short‑story) e märchen (tale); • italiano: novelle e racconto; • francês: conte; • espanhol: cuento. O conto possui os mesmos componentes do romance, mas de forma reduzida: o número de personagens, o conflito, o tempo e o espaço são limitados. eliminam‑se as análises minuciosas e complicações no enredo, delimitando‑se fortemente o tempo e o espaço. enquanto o romance pode abarcar toda a existência, o conto erudito equivale a um flagrante ou episódio instantâneo da vida de um personagem. Pode ser considerado a matriz da novela e do romance. Os elementos estruturais, ação, drama, conflito são unívocos e/ou univalentes. O conflito constrói‑se a partir de uma única célula narrativa e direção. Há uma síntese dramática: passado e futuro não importam. Não há transformação de conto para novela ou romance. Por exemplo, o conto Civilização, de eça de Queirós, que se converteu no romance A Cidade e as serras, não perdeu suas origens de conto. O espaço é reduzido. O “lugar geográfico, por onde as personagens circulam, é sempre de âmbito restrito. No geral, uma rua, uma casa, e, mesmo, um quarto de dormir ou uma sala de estar basta para que o enredo se organize [...]” (MOIses, p. 101). O conto possui também a unidade e o curto lapso de tempo (sem interesse pelo passado e futuro). Nele, há numa certa unidade de ideia (tom; impressão); os acessórios são desprezados. Há remissão temporal, sem grande significação: O conto, portanto, abstrai tudo quanto, no tempo, encerre importância menor, para se preocupar apenas com o centro nevrálgico da questão [...]. O conto caracteriza‑se por ser “objetivo”, atual: vai diretamente ao ponto, sem deter‑se em pormenores secundários. essa objetividade, observável ainda noutros aspectos examinados, salta aos olhos com as três unidades: de ação, lugar e tempo (MOIsÉs, p. 101). 172 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Conhecido então pela sua estrutura objetiva e direta, segundo Moisés, o conto caracteriza‑se como uma narrativa condensada, sem pormenores relativos ao passado, remoto ou próximo. Apenas são colocados dados que interessam ao desenvolvimento da ação. A descrição mostra o que é necessário e importante, sem pormenores. Observação Minicontos ou microcontos são narrativas muito curtas, contos muito pequenos, um tipo de produção que tem sido associada ao minimalismo26 e que ganhou destaque nas últimas décadas. Não figura, na teoria literária, entre os gêneros literários, mas, à parte, contudo têm sido muito produzidos, ganhando com isso repercussão entre os gêneros da narrativa. A ideia de redução do conto aplica‑se à colocação de poucas personagens. Algumas participam apenas como pano de fundo. em geral, as personagens apresentam‑se de maneira estática: apenas uma faceta de seu caráter (não crescem e/ou evoluem) pode ser apreendida. Quanto à linguagem, valoriza‑se o diálogo. Muitas vezes, os conflitos residem na fala das personagens, utilizando assim do diálogo direto (discurso direto). A trama remete‑se à valorização do drama principal, sem prolongamento da narração de outros fatos.Geralmente, há a escolha de um foco para cada narrativa. Leia abaixo um fragmento do prólogo Por que doze, por que contos e por que peregrinos, de Gabriel Garcia Marquez, do livro de contos Doze contos peregrinos (1993). Nele, temos a voz de um contista revelando a arte do conto de maneira bastante esclarecedora. Veja: [...] Foi no México, ao meu regresso de Barcelona, em 1974, que ficou claro para mim que aquele livro não deveria ser um romance, como pensei no começo, e sim uma coleção de contos curtos, baseados em fatos jornalísticos mais redimidos de sua condição mortal pelas astúcias da poesia. Até então, havia escrito três livros de contos. No entanto, nenhum dos três fora concebido e resolvido como um todo; cada conto era uma peça autônoma e ocasional. Portanto, a escrita dos 64 podia ser uma aventura fascinante se conseguisse escrever todos com o mesmo traço, e com uma unidade interna de tom e de estilo que os fizesse inseparáveis na memória do leitor. escrevi os dois primeiros – “O rastro do teu sangue na Neve” e “O Verão Feliz da senhora Forbes” – em 1976, e publiquei‑os em seguida em suplementos literários de vários países. Não me dei nem um dia de repouso, mas na metade do terceiro conto, que era aliás o dos meus funerais, senti que estava me cansando mais do que se fosse um romance. A mesma 26 Minimalismo: movimento das artes que representa o ápice das tendências reducionistas na arte moderna. surgiu em Nova York no fim da década de 1960 e caracteriza‑se pela extrema simplicidade de formas, pelo resgate do essencial, do básico e pela busca do máximo através do mínimo. 173 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária coisa me aconteceu com o quarto. tanto que não tive fôlego para terminá‑los. Agora sei por quê: o esforço de escrever um conto curto é tão intenso como o de começar um romance. Pois no primeiro parágrafo de um romance é preciso definir tudo: estrutura, tom, estilo, longitude, e às vezes até o caráter de um personagem. O resto é o prazer de escrever, o mais íntimo e solitário que se possa imaginar, e se a gente não fica corrigindo o livro pelo resto da vida é porque o mesmo rigor de ferro que faz falta para começá‑lo se impõe na hora de terminá‑lo. O conto, por sua vez, não tem princípio nem fim: anda e desanda. e se desanda, a experiência própria e a alheia ensinam que na maioria das vezes é mais saudável começá‑lo de novo por outro caminho, ou jogá‑lo no lixo. Alguém que não lembro disse isso muito bem com uma frase de consolação: “Um bom escritor é mais apreciado pelo que rasga do que pelo que publica” A verdade é que não rasguei os rascunhos e as anotações, mas fiz algo pior: joguei‑os no esquecimento [...] (MArQUeZ, 1993, p. 11 – 12, grifos nossos). Para compreender ainda mais a ideia de unidade que perfaz toda a categoria dessa forma de prosa de ficção, o conto, fornecemos abaixo um esquema baseado em Moisés (1970): Dissertação (ausente) Unidade Dramática Unidade de espaço Unidade de tempo Personagens (reduzidos) Diálogo (dominante) Descrição (que se anula) Narração (que se anula) Conto Figura 27 – esquema: a estrutura do conto espero que, até agora, você tenha conseguido entender o funcionamento da Literatura, considerando dois aspectos fundamentais: a estrutura e o conteúdo ficcional do texto literário. Os dois andam juntos sempre. Qualquer ser humano é capaz de criação ficcional, mas são poucos aqueles que sabem o modo de criá‑la e transmiti‑la numa estrutura adequada, por meio do trabalho estético e do uso dos vários recursos da linguagem, que permitam ao seu interlocutor vivenciá‑la e, a partir dela, humanizar‑se. essa estrutura configura o corpo pelo qual se materializam as essências conceituais que cada literato recriou e reinterpretou sobre a vida e a humanidade. Depois das reflexões a respeito das concepções da Literatura e da constituição dos gêneros literários, poesia e prosa, podemos aprofundarmo‑nos na estrutura desses dois gêneros para aprimorarmos o processo de análise e interpretação das obras literárias. Nesta unidade, abordaremos os elementos estruturais principais da poesia e da prosa, percebendo suas especificidades, que correlacionam expressão e conteúdo. Aproveite! 174 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 8 eLeMenTOs esTrUTUraIs Da PrOsa De FICÇÃO em prosa de ficção, devemos considerar os aspectos relacionados à narração, cuja etimologia advém do latim narratione, significando o ato de narrar, tornar conhecido. A narração, então, “consiste no relato de acontecimentos ou fatos e envolve, pois, a ação, o movimento e o transcorrer do tempo” (MOIsÉs, 1974, p. 355). Assim, por narração, entende‑se uma “sucessão de fatos, imagens ou acontecimentos que, numa sequência ordenada, se configura num texto literário; é o modo como a narrativa se organiza.” (PrOeNÇA FILHO, 2007, p. 56). Já a narrativa “se caracteriza por fazer‑se de histórias fictícias ou simuladas, nascidas da imaginação” (idem, p. 50) e “caracteriza uma sequência, simples ou complexa, de conflitos ou tensões que se resolvem ou não” (ibidem, p. 56). toda narrativa apresenta uma história imaginada como sendo real, com personagens movimentando‑se dentro de um tempo e espaço. Portanto, segundo D’Onófrio (1995), ela contém elementos constitutivos específicos e obedece a certas regras que garantem o caráter narrativo. Vejamos quais são. 8.1 Tema, assunto e mensagem Tema trata daquilo de que se fala, que garante a unidade dos elementos na obra. Pode haver um único tema para a obra toda ou temas diferentes para cada parte. ele deve capturar a atenção do leitor e pode ser universal, como o amor, a morte, a justiça etc., interesses que permanecem os mesmos para toda a humanidade ou, ainda, o tema pode ser decidido pelo escritor de acordo com a categoria de leitor que deseja atingir. No século XVIII, por exemplo, por meio do folhetim, eram veiculados temas sentimentais, bem ao gosto do público da época: as mulheres burguesas. O tema é identificado por um substantivo (ou expressão substantiva) abstrato. Assunto é a concretização do tema, ou seja, como a ideia central é desenvolvida na narrativa por fatos narrados; corresponde a um substantivo concreto (ou expressão substantiva). Mensagem é um pensamento ou uma conclusão que se tira após a leitura da história, que nem sempre é a moral da história, pois nem todas as histórias apresentam valores morais aceitos socialmente. Vidas secas, de Graciliano ramos, conta a história de uma família de retirantes que tenta sobreviver em uma terra castigada pela miséria e a seca que, no final, parte em busca de uma vida melhor na cidade grande. Nessa obra, podemos identificar como: • tema: a miséria e o sofrimento provocados pela seca; • assunto: a luta diária da família para sobreviver naquela região; • mensagem: apesar do sofrimento, o ser humano não perde a esperança. saiba mais Para incrementar seu estudo acerca da narrativa, propomos a leitura de GANCHO, C. V. Como analisar narrativas. são Paulo: Ática, 1991. 175 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o -07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária Assim, o tema é a ideia comum em torno da qual se desenvolve a história, ou seja, “que constrói o sentido pela união dos elementos mínimos da obra, os motivos” (sOAres, 2007, p. 42). Motivo Conforme sua própria etimologia (do latim movere, mover), o termo motivo significa o impulso para realizar uma ação; no caso da narrativa, é o que a faz prosseguir. Motivos são partículas mínimas das unidades temáticas que não podem mais se decompor. Note neste exemplo que o enredo vai se constituindo a partir da sequência das frases: A noite caiu. O herói encontrou uma arma. O herói se suicidou. saiba mais No estudo comparativo da produção literária, lendas e contos de diferentes povos apresentam traços e situações comuns (o rapto da noiva, animais ou seres sobrenaturais que ajudam o herói, o reconhecimento do herói por um anel etc.). Chama‑se motivo a unidade temática, a situação típica que se repete, portanto, cheia de significado humano. saiba mais em: KAYser, W. Análise e interpretação da obra literária. Coimbra: Armênio Amado, 1976, p. 57. 8.2 a fábula e a trama Como vimos, “o tema apresenta certa unidade e é constituído de pequenos elementos básicos dispostos em uma certa ordem” (tOMACHeVsKI, 1978, p. 173). Há dois modos sob os quais se conforma: • de acordo com a causalidade, ordem natural e cronológica dos fatos, independentemente do modo como estão dispostos na obra: é a fábula; • apresenta‑se sem obedecer à causalidade ou à sucessão temporal: é a trama. A fábula é, então, a história, o argumento, o que aconteceu. A trama é o enredo (contém a fábula), é como o leitor toma conhecimento do acontecido. Observemos como isso ocorre no conto Machado de Assis, Cantiga de esponsais: saiba mais Não deixe de ler ou reler Cantiga de esponsais. Você pode ter acesso a esse conto em: <http://www.releituras.com/machadodeassis_cantigas. asp.>. Acesso em: 15 jul. 2011. 176 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Quadro 12 Fábula Trama • casamento; • festa da igreja do carmo; • inspiração; • apresentação da personagem; • tentativa de compor; • jantar com os parentes; • fracasso; • apresentação do Preto José; • morte da esposa; ‘ • descrição da casa • doença; • causa da tristeza de Mestre romão • nova tentativa; • casamento; • novo fracasso; • inspiração; • vitória de outro personagem; • tentativa de compor/fracasso • morte (desfecho). • morte da esposa; • doença; • nova tentativa / novo fracasso; • vitória da outra personagem; • morte (desfecho). Tema: inspiração x frustração Assunto: a incapacidade de um maestro em expressar sua inspiração numa composição. A trama é constituída pelos mesmos elementos da fábula, mas respeita sua ordem de aparição na obra e a sequência das informações dadas. Assim: • a fábula é o conjunto dos motivos em sua sucessão cronológica e de causa e efeito; • a trama é o conjunto desses mesmos motivos, mas na sucessão em que surgem dentro da obra, ou seja, em que o narrador os apresenta. De acordo com a função que exercem, os motivos podem ser: • associados: são indispensáveis à fábula (sua exclusão pode destruir a sucessão da narração); • livres: indispensáveis à trama (eles têm função dominante no enredo e determinam a construção da obra); • introdutórios: delimitam a situação e provocam o irromper da fábula; • dinâmicos: são modificadores da ação; • estáticos: não são modificadores da ação. 177 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária 8.3 a estrutura narrativa Conforme Gancho (2004), toda narrativa, por menor que seja, apoia‑se sobre cinco elementos que compõem a estrutura narrativa: • o enredo, que diz respeito ao que aconteceu, ao(s) fato(s), à história; • os personagens: quem viveu o(s) fato(s); • o tempo: quando aconteceu a história; • o espaço: onde a história aconteceu; • o narrador: elemento organizador dos demais componentes, é ele que elabora os enunciados da narrativa, que intermedeia narração/autor, história/leitor. Observação É importante estabelecer a diferença entre narrador e autor. Narrador é a entidade de ficção, a voz criada pelo autor para contar a história e que só existe naquele texto. Autor é a pessoa física, real. Por exemplo: no romance Dom Casmurro, o autor é Machado de Assis, e o narrador, que se expressa em primeira pessoa, é Bentinho, um ser ficcional. Vejamos cada elemento da narrativa. Enredo O enredo é o conjunto dos fatos de uma história, é o resultado da ação das personagens. embora a história não seja verdadeira, todo enredo precisa ter verossimilhança, isto é, ter lógica interna para merecer credibilidade do leitor. Observação em teoria Literária, há várias nomenclaturas para um mesmo termo literário. Por exemplo, enredo pode ser conhecido pelos nomes fábula, intriga, ação, trama ou história. A propósito disso, não deixe de consultar a referência: GANCHO, C. V. Como analisar narrativas. são Paulo: Ática, 2004. Verossimilhança é a sensação de verdade desencadeada pela lógica dos fatos dentro do enredo (da ação): cada fato precisa ter uma causa (motivação) e desencadear consequência(s), novos fatos. 178 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 De acordo com D’Onófrio (1995), toda narrativa tem um ponto de partida, um caminho a percorrer e um ponto de chegada. Nesse percurso, surgem os obstáculos que constituem os conflitos que se resolvem ou não. Conflito (tensão) é o elemento estruturador da narrativa; é tudo que cria tensão entre personagens, personagem e ambiente, fatos, ou ainda sobre questões morais, econômicas e psicológicas (por exemplo, o conflito interior da personagem em crise emocional). É o conflito que determina a estrutura do enredo. Estrutura do enredo • Exposição (introdução, apresentação ou situação inicial): geralmente ocorre no começo da história, situando o leitor em relação aos fatos iniciais, personagens, tempo e espaço. • Complicação (desenvolvimento): momento em que se desenvolvem o(s) conflito(s),e o personagem demonstra sua competência, seu saber e/ou poder para agir. • Clímax: momento culminante da história e de maior tensão. É ponto máximo do conflito, quando a personagem executa sua ação derradeira. • Desfecho (desenlace, conclusão ou sanção): momento da solução dos conflitos, do castigo ou recompensa, do final negativo ou positivo. examinemos o texto A velha contrabandista, de stanislaw Ponte Preta, para identificarmos as partes de um enredo. A velha contrabandista Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha. Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela: — escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás.Que diabo a senhora leva nesse saco? A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu: — É areia! Aí quem riu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás. 179 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia. Diz que foi aí que o fiscal se chateou: — Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista. — Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha. e já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs: — eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias? — O senhor promete que não “espáia”? – quis saber a velhinha. — Juro – respondeu o fiscal. — É lambreta. (PONte PretA, 2008, p. 79‑80). • A exposição envolve todo o primeiro parágrafo da história: quando se apresenta a personagem e sua ação. • A complicação ocorre desde o segundo parágrafo: “Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás [...]” até o momento em que o fiscal pergunta “qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?”; é quando se desenvolvem as ações que geram o conflito. • O clímax acontece quando a senhora pergunta: “— O senhor promete que não espáia?”, tendo como ponto culminante a hora da revelação da verdade. • O desfecho corresponde ao momento em que o conflito é solucionado: “Juro – respondeu o fiscal. — É lambreta.” É a maneira como termina a história, que, nesse caso, apresenta um final irônico e inesperado. Alguns autores, para fins didáticos distinguem, dois planos dentro da narrativa: • o plano da enunciação (o plano do discurso ou da narração): a posição do narrador dentro da história; • o plano do enunciado (da fábula ou da diegese = mundo ficcional): os elementos constitutivos do fato narrado. 180 Unidade III Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Dentro do plano do enunciado, podemos considerar três níveis, segundo D’ Onófrio (1995, p. 65): • o nível fabular (a história); • o nível atorial (as personagens); • o nível descritivo (o tempo e o espaço). Há também o enredo psicológico, no qual o conflito da narrativa é composto de fatos que acontecem no interior emocional da personagem e não equivalem a suas ações concretas; portanto, a progressão da narrativa passa‑se no plano psicológico. É o que acontece, segundo Candido (2004), no conto Amor, de Clarice Lispector. Dentro de um bonde, uma dona‑de‑casa observa um cego na calçada e a visão desencadeia nela emoções (fatos psicológicos) que compõem o texto, mais do que fatos exteriores. 8.4 a personagem de ficção tento enrolar os fios variados do enredo e a complexidade dos meus pensamentos em torno destas pequenas bobinas vivas que são cada uma das minhas personagens. (GIDe apud CANDIDO, 2004, p. 11). A prosa de ficção constrói‑se a partir de uma série de fatos, lineares ou não, formando o enredo narrativo e, por conseguinte, as personagens vivem esse enredo. O enredo existe por intermédio das personagens e estas vivem no enredo. enredo e personagem exprimem a visão de vida que decorre da narrativa. Para Antônio Candido (2004), há então três elementos principais na prosa de ficção que estão estritamente relacionados e não podem ser separados: o enredo, a personagem e as “ideias” que são valores e significados atribuídos à vida da personagem. Por outro lado, o autor destaca que a personagem é o elemento de maior atuação nas formas de prosa de ficção, pois provoca a dinâmica entre os outros elementos. É o elemento mais atuante, participante e comunicativo da narrativa e, assim, torna‑se responsável pela intensidade e eficácia dela. A personagem apresenta grande vivacidade do enredo e a leitura depende essencialmente da verdade dela para com o leitor. Observação Lembre‑se que o estudo, A personagem do romance, de Antônio Candido, como o título já sugere, aborda a constituição da personagem na forma literária romance. Porém, algumas das concepções gerais, expostas pelo crítico, podem ser aplicadas ao estudo das demais formas de prosa de ficção, como a novela e o conto. Por isso, neste livro‑texto, utilizaremos a nomenclatura prosa de ficção ou narrativa ao invés do limitado termo romance. 181 Re vi sã o: L ua nn e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 15 /0 9/ 11 // R ed im en sio na m en to - R ev isâ o: V irg ín ia / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 07 /0 8/ 20 13 Teoria LiTerária Para Antônio Candido (2004), enredo, personagem e ideias são três elementos narrativos intimamente ligados e inseparáveis: No meio deles, avulta a personagem, que representa a possibilidade de adesão afetiva e intelectual do leitor, pelos mecanismos de identificação, projeção e transferência. A personagem vive o enredo e as ideias, e os torna vivos (CANDIDO, 2004, p. 54). Candido (2004) entende a personagem como um ser fictício que representa um ser vivo e concretiza a relação entre o vivo e o fictício, tornando a narrativa verossímil. Lembrete Verossimilhança significa a “possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunicar a impressão da mais lídima verdade existencial” (CANDIDO, 2004, p. 55). Para compreender um pouco mais esse pensamento de Candido, é necessário analisar o processo de criação desse sentimento de verdade que as personagens transmitem. O escritor preocupa‑se com a “continuidade” relativa da percepção física e a “descontinuidade” da percepção espiritual ou psicológica, demonstrando a variedade de modos de ser, assim como são os seres humanos. temos uma visão apenas fragmentária, uma vez que é impossível conseguir uma percepção integral do ser humano. O ser é, por natureza, misterioso e inesperado. essa fragmentação dá‑se por meio de sequências de atos, afirmações, conversas sem pretensões de oferecer uma unidade. Candido considera que a personagem e o ser humano possuem diferenças e semelhanças. Uma personagem ficcional não pode representar a totalidade do ser, só pode ser explorada mediante uma visão aproximada, ou seja por apenas uma faceta diante da vastidão e da complexidade psicológica do homem. Além disso, o teórico defende que a personagem é uma criação do ficcionista. Nesse sentido, a personagem tem interpretação mais lógica, mais coesa que o ser humano, pois é previamente
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