Buscar

Artigo Constitucional NOVO1

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A CONFLITUOSA RELAÇÃO ENTRE A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
THE CONFLICTED RELATION BETWEEN COMPULSORY HOSPITALIZATION OF CHEMICAL DEPENDENTS AND THE PRINCIPLE OF DIGNITY OF THE HUMAN PERSON
Ana Carolina Silveira Passos[1: Graduanda em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade Diamantina]
Isabela Maria Soares Silva[2: Graduanda em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade Diamantina]
RESUMO
O presente artigo tem por finalidade discutir sobre o binômio efetividade/legalidade da internação compulsória de dependentes químicos. A Lei nº 10.216/01, que prevê a internação compulsória para os portadores de sofrimento mental, em seu artigo 6º faz surgir a discussão acerca da interpretação que o judiciário tem feito para fundamentar o tratamento de dependentes químicos. Além disso, analisa-se o Decreto-lei 891, que estabelece a internação dos usuários de drogas desde que comprovado alto grau de debilidade do indivíduo, na medida em que esse é alvo de diversas críticas quanto à sua aplicação. Através do desmembramento e discussão das legislações citadas e da legislação que abarca o direito à saúde, foi possível vislumbrar a relação conflituosa entre a privação da liberdade individual dos internos e o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: dependentes químicos; dignidade da pessoa humana; internação compulsória.
ABSTRACT
This article was been written with the purpose of discuss the effectiveness/legality binomial of the compulsory hospitalization of chemical dependents. In this matter, the Law No. 10.216 / 01, which provides for compulsory hospitalization for those suffering from mental illness, in its article 6 raises the discussion about the interpretation that the Brazilian judiciary has made to justify the treatment of drug addicts. In addition, there is an analyze of the Law Decree 891, which establishes the hospitalization of drug users if high degree of weakness of the individual is proven, and that is subject to several criticisms regarding its application. Through the dismemberment and discussion of the mentioned laws and the legislation that covers health right, it became possible to notice the conflicted relationship between the deprivation of individual liberty of those patients and the principle of Dignity of the Human Person, fundamental principle of the Federative Republic of Brazil.
KEYWORDS: chemical dependents; dignity of the human person; compulsory hospitalize
Introdução
A internação compulsória para dependentes químicos como política pública tem sido tema de diversos debates no que concerne à bioética, ao biodireito e ao Poder Legislativo. De acordo com a Lei 10216/01, a internação compulsória é legitimada pelo ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, é importante ressaltar que trata-se de último recurso a ser utilizado, ao que se pode subtrair do seu artigo 4º: A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
É sabido que tanto as drogas lícitas quanto as ilícitas representam hoje, para além dos problemas sociais de ambas e consequente criminalidade das segundas, um problema de saúde pública. Por isso, a preocupação do poder público em sanar, através de medidas preventivas e da ação do Estado, os preocupantes reflexos do vício na sociedade brasileira.
Contudo, a lógica de punir o usuário, em vez de tratá-lo, parece entrar em contradição com os princípios e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, sobretudo no que concerne ao Princípio da Dignidade Humana. Não obstante, as alas psiquiátricas dos presídios se encontram lotadas de pessoas que não sofrem de nenhuma doença mental, tão somente fizeram uso abusivo de drogas.
Dessa forma, originam-se duas correntes distintas. Uma delas afirma que a internação compulsória é a medida adequada para aqueles que precisam de tratamento e não conseguiriam obtê-lo por si próprios, por conseguinte, seria tarefa do Estado zelar por essas pessoas e pela própria sociedade, à medida que índices de criminalidade e o mal-estar social -causado por invasões de prédios das grandes cidades, instabilidade familiar, dentre outros- seria reduzido. Por outro lado, a segunda corrente defende que tal medida não encontra embasamento legal de aplicação aos dependentes químicos, além de atentar contra o Princípio da Liberdade e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Tendo em vista as assustadoras estatísticas atuais de consumo de substâncias psicoativas, bem como a crescente formação de “cracolândias” pelo país, há de se sanar a dúvida que paira com relação a constitucionalidade da internação compulsória. Deve-se levar em conta a efetiva reabilitação dos internados, sendo que a internação compulsória não pode atuar como mecanismo manicomial, baseado no que está previsto no art. 6º da Lei 10.216/01, tão pouco de “limpeza das ruas”, ou restrita a redação precária do Decreto-lei 891, haja vista tratar-se de direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro.
O presente artigo procura esclarecer as questões levantadas, mediante pesquisas em artigos já publicados sobre o tema, análise da legislação e oposição dos diferentes pontos de vista apresentados. Para isso, separou-se a situação-problema em três categorias distintas: o direito a saúde, os aparatos legislativos presentes em nosso ordenamento jurídico e a relação conflituosa ante o princípio da dignidade da pessoa humana.
1. Direito à saúde
O Brasil se encontra configurado sob a forma de um Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, tem como um de seus pilares apresentar-se como meio de realização de direitos sociais coletivos. Nesse sentido, o direito à saúde se encontra positivado na Constituição Federal de 1988 entre os artigos 196 à 200. Nesse ínterim, a assistência à saúde surge como mecanismo para concretização do princípio da dignidade da pessoa humana no Texto Constitucional. Assim, estabelece o artigo 196 da Constituição: 
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.[3: Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Seção II Da Saúde. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.]
Desse artigo, pode-se depreender que a intervenção do Judiciário, em conjunto aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) justifica-se na necessidade de garantir a efetivação dos direitos fundamentais, dentre eles, o acesso universal e igualitário à saúde. É importante destacar, que o SUS se apoia no Princípio da Igualdade ao realizar suas atividades conforme a vulnerabilidade dos pacientes, tendo em vista diminuir as diferenças sociais daqueles que não tem acesso imediato à saúde.
É notório que as classes menos favorecidas são as que mais sofrem com a criminalização das drogas e vício em substâncias psicoativas. Primeiramente, encontram a dificuldade na busca pela reabilitação (já que a maioria das clínicas de qualidade cobram preços altos), e depois veem seus esforços perdidos após a saída do interno, inserido novamente em uma sociedade sem grandes oportunidades e chance de reintegração. Quando o consumo de entorpecentes se torna algo crônico, deve ser tratado como patologia e enfrentado como tal. Por isso, o processo de reabilitação deve ser encarado seriamente e abordado de forma humanizada, pois: “Não existe ciência sem consciência, e não se pode lutar contra a droga quando se tem uma visão mecanicista do problema e quando a gente não interroga a respeito das motivações dos que se tornam usuários” [4: OLIEVENSTEIN, C. Drogas e Drogados: O indivíduo, a família e a sociedade. São Paulo: EPU, 1982, p.6 ]
Se de fato evoluímos de um Estado Liberal,para um que prima pelo bem-estar social (Estado Democrático de Direito) é preciso que os direitos sociais, econômicos e culturais de igualdade, e de dignidade da pessoa humana estejam equilibrados. Não obstante, as políticas públicas na área da saúde, devem ser constantes. Dentre elas, pode-se citar os órgãos como o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS e o Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREA. Ambos são fundamentais ao modelo assistencial de saúde e aos serviços de proteção social básica, sobretudo para a parcela mais carente da população. Essas instituições atuam sobre prevenção, proteção e assistência àqueles expostos ao risco iminente - devido ao contato direto com a criminalidade e o tráfico de drogas - e a seus familiares. Entretanto, as ações desempenhadas por estes órgãos tem foco na desintoxicação, isto é, tratar a abstinência, mas não resolvem o problema da ressocialização.
Ainda como problema da saúde cabe ser mencionada a preocupante contaminação pelo vírus do HIV entre os usuários de drogas, especialmente de crack. Em uma pesquisa realizada pela Fiocruz, a pedido dos Ministérios da Saúde e da Justiça, foi constatado que: 
a contaminação pelo vírus HIV entre os usuários de crack no Brasil é oito vezes maior do que na população em geral. Enquanto no grupo das pessoas que consomem regularmente esse tipo de droga ilícita a prevalência é 5%, no conjunto da população brasileira é 0,6%.[5: LEITÃO, Thais. Agência Fiocruz de Notícias. Contaminação pelo HIV é oito vezes maior entre usuários de crack. Disponível em: <http://www.agencia.fiocruz.br/contaminacao-pelo-hiv-e-oito-vezes-maior-entre-usuarios-de-crack>. Acesso em: 19 Nov. 2015.]
Logo, no que concerne a dependência química, configura um equívoco responsabilizar o indivíduo, sem levar em conta o tipo de substância, ou contexto em que o consumo se deu. Não é cabível, portanto, desconsiderar outros fatores de influência, a saber, a família, a comunidade e o próprio Estado. 
Por fim, estabelece o artigo 200, em seus incisos II, III, IV e VII: 
Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: 
II- Executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III- Ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV- Participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
VII- Participar do controle e fiscalização e produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos.[6: Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Seção II Da Saúde. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.]
	
Se o artigo 200 da CF/88 assim dispõe, a crise de contaminação por HIV anteriormente citada, a formação de ambientes como a cracolândia, bem como o ingresso cada vez mais precoce dos jovens no mundo das drogas, parece demonstrar uma omissão do papel do Estado no que diz respeito a fiscalização, interferência e prevenção por ele previsto em forma de lei constitucional.
2. Aparatos legislativos: Decreto-lei 891 e aplicabilidade da Lei 10.216/01 sobre os casos de usuários de drogas
No ordenamento jurídico brasileiro já está positivado o Decreto-Lei de 25 de novembro de 1938, que estabelece a internação dos usuários de drogas desde que comprovado alto grau de debilidade do indivíduo. Porém, este se encontra palco de diversas jurisprudências, já que são notáveis as mudanças ocorridas na sociedade desde a década de 30, principalmente no que diz respeito ao aumento da diversidade dos entorpecentes e do número de usuários. Assim, fazendo-se necessária a complementação com a Lei Federal 10.216/2001, que trata dos casos do doente mental.
O artigo 29 da lei de fiscalização de entorpecentes (Decreto-lei 891), dispõe em seu parágrafo primeiro: 
A internação obrigatória se dará, nos casos de toxicomania por entorpecentes ou nos outros casos, quando provada a necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa internação se verificará mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, só se tornando efetiva após decisão judicial.[7: DECRETO-LEI nº 891, DE 25 DE NOVEMBRO DE 1938. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /decreto-lei/1937-1946/Del0891.htm> Acesso em: 01/06/2017]
Tendo em vista o artigo, cabe ressaltar dois aspectos problemáticos. O primeiro corresponde à necessidade de tratamento adequado ao enfermo, pois muitos daqueles que se encontram em situação deplorável não encontram o respaldo de internação que a lei oferece e se veem à margem da sociedade, integrando, por muitas vezes, a massa de moradores de rua, de ocupações clandestinas e bocas de fumo. O segundo aspecto a ser observado relaciona-se com a conveniência da internação pela ordem pública, já que a forma na qual a sociedade se estruturava na década de 30 era essencialmente ditatorial, e não corresponde aos atuais parâmetros de uma sociedade democrática. Da mesma forma, a conveniência para a ordem pública, pode, aos olhos do intérprete da lei, pautar-se tão somente numa questão estética, resultando na desapropriação de usuários de drogas de prédios que representavam uma espécie de refúgio, desconsiderando importantes aspectos da dignidade humana e do direito à liberdade.
Outro aspecto relevante é sobre a carência da lei em relação a situação posterior à internação. Embora detalhe os aspectos relacionados ao processo de internação e seus respectivos requisitos, a lei não garante nenhum instrumento de ressocialização do indivíduo. Por conseguinte, após seu tratamento e liberado de sua condição compulsória de internação, o ex-usuário não encontra um amparo legal e social, no que diz respeito à moradia, reinserção no mercado de trabalho e estrutura familiar adequada. Por isso se veem na mesma situação que os levou a adentrar primeiramente ao mundo das drogas.
Como já apontado o Decreto-Lei não foi capaz de acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade. Por isso, a necessidade da expansão da interpretação da Lei de número 10.216, de 6 de abril de 2001, abrangendo os dependentes químicos, de forma a complementar sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionar o modelo assistencial em saúde mental. Em relação à respectiva lei, destacam-se os artigos 3, 4 ,6 e 9. Assim:
Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.[...]
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aqueladeterminada pela Justiça. [...][8: LEI nº 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ leis_2001/l10216.htm> . Acesso em: 01/06/2017.]
Há uma evolução pautável no que diz respeito ao caráter social da compulsoriedade da internação, nesse sentido o artigo 3º, em contraste com o Decreto-Lei 891, aborda o envolvimento da família e da sociedade no processo de reintegração do indivíduo em seu meio. Faz-se notável essa preocupação na redação do parágrafo primeiro do artigo 4º. Contudo, nem sempre o meio em que vive o indivíduo é adequado à manutenção da sua saúde, e pode muito bem ocasionar seu retorno ao universo das drogas. Em contrapartida, há uma preocupação latente, como disposto no parágrafo 3º do artigo 4º, com o processo de reabilitação do usuário de drogas. Nesse contexto, é oferecido toda uma estrutura de apoio psicológico, assistência social, dentre outros recursos da área da saúde.
O artigo 9º dispõe acerca da internação compulsória e atua como um instrumento constitucional. Nesse sentido, faz valer os preceitos que regem a Carta Magna, quando traz em questão o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Dessa forma, como consta no art 9º: “A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.”[9: LEI nº 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: 01/06/2017]
Na exposta legislação, há um embate entre princípios, já que o Estado acredita estar zelando pela vida ao obrigar o paciente à internação, evitando-se consequências mais gravosas do vício. No entanto, há de se questionar até que ponto o Estado pode adotar uma posição paternalista, ao interferir na liberdade individual do cidadão. E tal como o direito à vida, o direito à liberdade também não pode ser desassociado de um dos princípios mais caros do nosso Texto Maior, o Princípio da Dignidade Humana.
Cabe ainda destacar, a lei penal específica nº 11.343/06 (Lei de Drogas), que em seu art. 28, dispõe: 
Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.[10: LEI nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 01/06/2017]
Segundo a deputada Erika Kokay (PT-DF) esse é um grave problema, pois “Como você não diferencia tráfico de usuário, todo usuário é um criminoso e pode ser encarcerado. O poder discricionário do Judiciário é que vai dizer quem é traficante e quem é usuário.”[11: SOUZA, Murilo. Governo e especialistas criticam internação compulsória de dependentes. Cit Erika Kokay. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/454631-GOVERNO-E-ESPECIALISTAS-CRITICAM-INTERNACAO-COMPULSORIA-DE-DEPENDENTES.html> Acesso em: 01/06/2017]
3. O conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o tratamento dos dependentes químicos
O princípio da dignidade da pessoa humana, mostra-se algo de constantes discussões no meio jurídico. Isso, porque relativamente recente nas Cartas Constitucionais dos Estados Democráticos modernos. Dessa maneira, enquanto elemento imprescindível na formulação de toda a legislação, seja ela constitucional ou infraconstitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana, atua também como elemento interpretativo e de aplicabilidade das normas jurídicas. Por isso, o homem torna-se foco de todo o ordenamento jurídico, e a proteção de seus direitos fundamentais e da sua dignidade, devem prevalecer sobre as condições adversas que contrariam as expectativas normativas.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, estabelece já em seu preâmbulo o princípio da humanidade e da dignidade: 
	
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...). Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem na dignidade e valor da pessoa humana.[12: Declaração dos Direitos do homem. Disponível em:<http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 19/05/2017.]
É possível afirmar que a dignidade humana sempre esteve ligada ao homem, por mais que não fosse reconhecida e considerada como um direito fundamental inalienável. A dignidade da pessoa humana está intrinsicamente ligada ao direito à vida, afirma Moraes: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.” [13:  MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.30.]
Nesse contexto, a República Federativa do Brasil apresenta em seu Texto Maior o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento, logo no inciso III do artigo 1º da CF/88. Outrossim, ela está associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, em conjunto com o enunciado do parágrafo II do artigo 5º, no que concerne a não exclusão de quaisquer direitos e garantias, ainda que não expressos.
Ao tomar o sujeito como foco da intervenção, a internação a partir dos cuidados psíquicos e ligados à saúde física do paciente, leva a grandes progressos. Obviamente, este progresso faz-se completo somente quando conjugado à rede de acompanhamento social e familiar, citado na seção anterior. No entanto, há a “manutenção de uma lógica normatizadora, pautada pelo imperativo da abstinência, que coloca a recaída como um fracasso no tratamento.” Assim, quando o indivíduo sofre uma recaída, a vê como culpa unicamente dele. Ao desconsiderar-se todas as demais circunstâncias influentes sobre o usuário, faz-se uma ofensa à sua dignidade, diminuindo-o como ser capaz de realizar boas escolhas dentro da sociedade.[14: Reis, C., Guareschi, N. M. F., & Carvalho, S. (2014). Sobre jovens drogaditos: as histórias de ninguém. Psicologia & Sociedade, 26(n. spe.), Página 69]
A representante da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Márcia Caldas, afirmou em debate na Câmara, que:
A política pública, como está sendo empregada hoje, conta com o apoio do clamor popular e simplesmente recolhe e segrega o usuário de drogas, com a nítida postura de punir. E punir não é uma forma de resolver, pois primeiro a pessoa precisa querer ser tratada. [15: SOUZA, Murilo. Governo e especialistas criticam internação compulsória de dependentes. Cit Márcia Caldas. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/454631-GOVERNO-E-ESPECIALISTAS-CRITICAM-INTERNACAO-COMPULSORIA-DE-DEPENDENTES.html> Acesso em: 01/06/2017]
Julgar e segregar o usuário de drogas é uma afronta ao princípio da dignidade humana, pois não considera o usuário como um cidadão que precisa de cuidados, prejudicando ainda mais o tratamento aos dependentes.
Estabelece o art. 5º da Constituição Federal: 
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.[16: Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Título II Dos direitos e garantias fundamentais. Capítulo I dos direitos e deveres individuais e coletivos. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil ]
Os que afirmam a inconstitucionalidade da internação compulsória partemda defesa do direito à liberdade do dependente químico, que seria violada pela compulsoriedade da internação.
Cabe ainda ressaltar que há uma afronta ao bem-estar do dependente químico durante o tratamento forçado, posicionamento contrário ao estabelecido em 2001 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) que discorreu acerca da Saúde Mental, dentre outros aspectos 
(...) deve se conceder a todo paciente o direito de ser tratado e atendido em sua própria comunidade (...) todo o paciente deverá ter o direito de ser tratado em ambiente o menos restritivo possível, com o tratamento menos restritivo e menos intrusivo, (...) a atenção baseada na comunidade tem melhor efeitos sobre os resultados e qualidade de vida das pessoas com transtorno mental crônico do que o tratamento institucional em hospitais psiquiátricos, é mais efetivo em relação ao custo e garante o respeito aos direitos humanos. [17: ANDRADE, Vanessa Verdolim Hudson. Internação Compulsória de Dependentes Químicos. Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde – Hospital das Clínicas UFMG, 2014. p. 4-5]
Em um Estado Democrático de Direito, o governo tem que ser pelo povo e para o povo. A democracia não deve satisfazer as necessidades de um grupo seleto, mas de todos os membros da coletividade. Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana é fundamento guia de toda a Constituição Cidadã, isto é, a Constituição de 1988, e todas as políticas públicas, inclusive as relacionadas à saúde e internação de dependentes químicos devem ser por ela guiadas.
Não obstante, o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana está umbilicalmente ligado às qualidades do local de tratamento. Este, é fundamental para o sucesso da reabilitação do paciente, bem como para a retomada do indivíduo à uma vida mais saudável e de sua reinserção na sociedade, colocando-se o direito à vida em primeiro lugar.
Conclusão
Através da análise das legislações expostas no texto, é notável uma abstração do Direito enquanto instrumento garantidor de direitos fundamentais, principalmente no que concerne aos usuários de drogas. Diante de uma legislação falha e extremamente restrita, os casos concretos não são abarcados e aqueles acometidos pelo vício integram a parcela excluída da sociedade.
Concluímos que um primeiro problema relevante diz respeito à formação de ambientes como a cracolândia, onde a população vive o abandono estatal, os índices de contaminação do vírus HVI são gritantes, e as liberdades individuais e os direitos humanos diariamente desprezados. O cenário de uma sub-sociedade, que não conta sequer com saneamento básico, é banalizada e acaba por se tornar parte da rotina do restante dos cidadãos, que não mais se sensibilizam com a situação. Mesmo porque a maior parcela dos habitantes dessas regiões ou são de origem pobre, ou foram abandonados pelas famílias. O individualismo impede que a democracia seja um governo de todos, e conforme somente a maioria é atendida, se torna governo de alguns.
Uma possível solução para este problema em especial, poderia ser a adoção de uma iniciativa como a que aconteceu em Frankfurt, Alemanha, a chamada “caminho de Frankfurt”. No início da década de 1990, era a alta a taxa de mortalidade em virtude do uso de drogas e grandes concentrações de usuários em locais públicos, além disso havia o medo de que o vírus da Aids, se espalhasse para além dos grupos de risco. Diante do problema, Frankfurt iniciou em 1988 um programa para solucionar a situação dos viciados em heroína na cidade. A principal revolução da política adotada foi perceber-se o vício como um doença, tornando possível descriminalizar o dependente. A partir daí, o combate policial direcionou-se ao tráfico, e não mais ao usuário, e a saúde pública investiu em medidas alternativas, ofertando não somente moradia, mas também locais de consumo sob vigilância médica e possibilidades de tratamentos específicos para os dependentes químicos.
Uma outra alternativa viável seria investir em matérias como a cidadania nas escolas, o governo permite a formação de uma futura geração detentora de senso crítico, entendedores do fato de que integram uma coletividade e devem ser membros ativos nas políticas públicas para efetivação de um governo democrático. Não obstante, há de se prezar pela conscientização dos adultos, seja por publicidade governamental, seja por campanhas de saúde pública com foco no problema das drogas. Dessa forma, a discussão dessas questões seria levada para toda população, desencadeando em um senso ético humanizado capaz de compreender que só há sociedade justa e igualitária, como determina nossa Constituição, a partir do momento em que se leva em consideração os direitos do outro.
Também acreditamos tratar-se de uma falha gritante das legislações dispostas, a falta de um tratamento adequado, ou seja, especificamente elaborado para aqueles acometidos pelo vício. Nesse sentido, a legislação brasileira usa a Lei 10.216/01, inicialmente elaborada para lidar com os portadores de distúrbios mentais, como um estepe, isto é, mero aparato de substituição para um problema crônico com o qual nossos governantes aparentam não querer lidar. 
Na medida em que o artigo 5º da CF/88 estabelece a igualdade como garantia constitucional, depreende-se que tratar o usuário de drogas como menos digno, reduzindo-o à marginalização, vai contra o caput do referido artigo, renegando, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Foi a nos perceptível que fazer proveito de uma lei que é, em realidade, direcionada à pessoa com transtornos mentais, demonstra uma falha do Legislativo ao desprezar um assunto crônico de saúde pública. Em virtude disso, muitos são os dependentes químicos que não encontram instituições e tratamentos adequados, específicos para a sua condição. Outro problema, é o lapso de tempo do Decreto-lei que ainda vige na contemporaneidade. Não somos mais os mesmos e o Estado também não deve o ser. Em último lugar, a lei penal, ao não fazer essa diferenciação entre traficante e usuário, colabora ainda mais para a manutenção de uma ideologia das drogas como tabu, bem como segrega o usuário, tratando uma questão de saúde pública como crime.
Tendo em vista estes aspectos, a internação compulsória realizada pela ordem pública parece tratar muito mais de um interesse estético e de cunho político, do que uma preocupação com a saúde pública. Há uma preocupação latente com a aparência das cidades e com a retirada dos usuários da via pública, pois incomodam os passantes e não com o ser humano em si. Essa afirmativa se confirma conforme medidas que propiciem a ressocialização fazem-se notadamente esparsas. Nesse sentido, há uma carência de instituições as quais o viciado poderia recorrer, tornando extremamente difícil a sua saída do meio das drogas e, por conseguinte, sua ressocialização.
Assim, concluímos que não bastasse os problemas de saúde tanto físicos, quanto psicológicos, o usuário de drogas também enfrenta o problema do abandono. Não compreendido em seu vício ou ainda, não aparado por amigos e familiares, o viciado em tóxico ainda tem de lidar com o abandono do Estado. Desprezada sua dignidade, afrontado em seu direito à liberdade e tratado como escória da sociedade não merecedora de recursos, de tratamento adequado e do mínimo de consciência política por parte de nossos governantes e cidadãos, é difícil se falar em recuperação, tampouco, em efetividade legislativa.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Vanessa Verdolim Hudson. Internação Compulsória de Dependentes Químicos. Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde – Hospital das Clínicas UFMG, 2014. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/04/ 2497d7af13343484c46113775191ddce.pdf> Acesso em 16 ago. 2016
ARAGÃO, Rafael Jambeiro Andrade Silva de. A (in) constitucionalidade da internação compulsória dos dependentes de crack. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIX, n. 145, fev 2016. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id= 16864&revista_caderno=9>. Acesso em jun 2017.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
LEITÃO, Thais. Agência Fiocruz de Notícias. Contaminação pelo HIV é oito vezes maior entre usuários de crack. Disponível em: <http://www.agencia.fiocruz.br/contaminacao-pelo-hiv-e-oito-vezes-maior-entre-usuarios-de-crack>. Acesso em: 19 Nov. 2015.
MONTEIRO, Tatiana Aparecida Rodrigues. Judicialização da saúde e internação de dependentes químicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5025, 4 abr. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/52668>. Acesso em: 8 abr. 2017
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2005.
OLIEVENSTEIN, C. Drogas e Drogados: O indivíduo, a família e a sociedade. São Paulo: EPU, 1982.
REIS, C., Guareschi, N. M. F., & Carvalho, S. (2014). Sobre jovens drogaditos: as histórias de ninguém. Psicologia & Sociedade, 26(n. spe.), 2014.
SOUZA, Murilo. Governo e especialistas criticam internação compulsória de dependentes. Agência Câmara Notícias Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/454631-GOVERNO-E-ESPECIALISTAS-CRITICAM-INTERNACAO-COMPULSORIA-DE-DEPENDENTES.html>. Acesso em: 19 jun. 2017.

Outros materiais