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a predominância do estado de heteronomia (regras exteriores), no qual a criança percebe as regras apresentadas pelo meio como leis imutáveis, processo denominado por Piaget de realismo moral e respeito unilateral. As noções de certo e errado que vão sendo apresentadas às crianças são reproduzidas sem questionamento formal, ou seja, sem uma compreensão lógica do processo. É neste segundo momento também que ocorre o ápice do egocentrismo, sendo necessária a socialização da criança com outras pessoas e grupos para que possa, ao mesmo tempo em que entra em contato com eus diferentes do dela, compreender as diferentes regras apresentadas pelo meio no qual está inserida de modo a desfazer o egocentrismo em direção a uma maior socialização. Já o terceiro momento do processo de sociabilidade é representado pelo estado de autonomia (regras próprias), presente no estágio operatório-formal (12 anos em diante). Neste momento, já com o egocentrismo completamente desfeito, a capacidade de socialização do indivíduo é notadamente maior, além disso, seu desenvolvimento cognitivo alcança níveis de abstração que permitem a compreensão, o questionamento, a reconstrução e até mesmo a produção de novas regras sociais. A autonomia, segundo La Taille (1992, p. 51), é marcada pela superação do processo de heteronomia, permitindo ao indivíduo ampliar seus conceitos sobre justiça e moral. Mas, como ocorre o processo de socialização? Quais são as instâncias responsáveis por este desenvolvimento? Para compreendermos um pouco melhor o desenvolvimento social da criança, falaremos um pouco sobre o papel da escola e da família. O papel da escola e da família Todos sabemos, mesmo que seja pelo senso comum, que a educação compete à família e à escola, prioritariamente. Porém, mesmo que saibamos disso, nem sempre tais instâncias se responsabilizam pela educação das crianças, criando o famoso “jogo de empurra” tão conhecido pelos educadores no interior das escolas. Tal fato dificulta e muito a construção, pela criança, das noções sociais necessárias ao seu desenvolvimento. Isto porque os pais esperam que a escola ensine as noções de certo e errado, de justiça e moral, e a escola, por sua vez, espera que os pais façam a mesma coisa antes de enviarem seus filhos ao convívio coletivo. No meio deste “jogo de empurra” está a criança, que sem ser ensinada corretamente pela família e pela escola, constrói a noção de que a regra é não ter regras, o que mais tarde gera na sociedade a impressão de uma criança sem limites. Ora, os limites, como chamamos, não são inatos, ou seja, não nascem O desenvolvimento social e a construção do juízo moral 53 com a criança, precisam ser ensinados para que possam ser colocados em prática. Mais que isso, precisam ser cobrados para que a criança perceba a importância das regras sociais para o convívio em sociedade. É neste sentido que a família e a escola devem se preocupar com a socialização de suas crianças. Quando falamos de socialização, não estamos nos referindo apenas ao contato da criança com outras, mas a este contato mediado pelas regras que vão sendo ensinadas. Assim, socializar significa apresentar a criança às regras sociais presentes nas relações estabelecidas com as outras pessoas. A família faz isso quando, no dia-a-dia, mostra a autoridade materna e paterna, construindo o respeito pelo diálogo em lugar da obediência cega por meio de castigos e quando, de fato, insere limites sobre as ações das crianças. A escola, por sua vez, atua de forma a ampliar a noção de meio social, desfazendo a coação, muito comum na relação entre crianças e adultos, construindo a noção de cooperação. Segundo Sá (2001, p. 104), “o professor deixa de ocupar o papel de grande árbitro e a prática da auto-avaliação e da avaliação pelo grupo passa a ser construída no dia-a-dia escolar”. Para Cunha (2003, p. 98), genericamente, pode-se dizer que a cooperação, como recurso pedagógico, coloca em prática a tese piagetiana de que não é conhecimento aquilo que o educando adquire passivamente e, mais ainda, que não é possível conhecer um objeto qualquer por meio de um único ponto de vista. O trabalho em equipes permite que os alunos atuem sobre os saberes a serem aprendidos, que pesquisem, que busquem novas fontes de informação, que levantem dados sobre os conteúdos escolares e, principalmente, que façam tudo isso traçando idéias, uns com os outros, trabalhando cooperativamente na construção do conhecimento. Como vimos, a cooperação insere uma noção lúdica no ato de aprender, permitindo não somente a construção de novos conhecimentos formais, mas também a construção sobre conhecimentos sociais como a noção de respeito. E já que falamos no caráter lúdico da cooperação, passemos agora à compreensão de como a ludicidade ou brincadeira pode ser útil ao processo de aprendizagem. A atividade lúdica e a aprendizagem No processo de aprendizagem é necessário que a criança esteja motivada para que se interesse por uma atividade. E essa motivação influencia no seu processo de aprendizagem e na construção de idéias e convicções próprias, fazendo parte integrante de sua personalidade. De acordo com Friedmann, a aprendizagem depende em grande parte da motivação: as necessidades e os interesses da criança são mais importantes que qualquer outra razão para que ela se ligue a uma atividade e da confiança na sua capacidade de construir uma idéia própria sobre as coisas, assim como exprimir seu pensamento com convicção são características que fazem parte da personalidade integral da criança. (FRIEDMANN, l996, p. 42). Dessa forma, o brincar aparece como um elemento de aprendizagem e desenvolvimento de adaptação social, de libertação pessoal e conservação da própria cultura ao encerrar uma série de valores, nomeadamente recreativos, pedagógicos, Teorias da Aprendizagem 54 culturais, entre outros. Vale ressaltar que o brincar aparece também definido como jogo na teoria piagetiana. Assim, ao longo do período infantil, Piaget observou três sucessivos sistemas de jogo: o jogo de exercício, o jogo simbólico e o jogo de regras. O jogo de exercício está muito presente no estágio sensório-motor e refere-se ao movimento corporal sem verbalização; consiste simplesmente em utilizar para o prazer uma conduta qualquer, onde a brincadeira é individual e autocentrada. Isso pode ser observado em bebês que ficam repetindo gestos já aprendidos, em situações em que seu uso não é necessário, por puro prazer, circunscrevendo a ação ao ato corporal. Com o surgimento da linguagem, inicia-se o processo que leva a criança em direção ao estágio pré-operatório, que incorpora o anterior e acrescenta às atividades da criança os símbolos a representação mental. Uma vez tendo acesso ao símbolo, a criança começa a representar suas próprias ações. Temos com isso então o jogo simbólico; esse não tem limites funcionais, além de exercer papel semelhante ao jogo de exercício, acrescenta um espaço onde se podem resolver conflitos e realizar desejos que não foram possíveis em situações não-lúdicas. É a fase do faz-de-conta. O jogo de regras, por sua vez, marca a transição da atividade individual para a socializada. Este jogo não ocorre antes de quatro a sete anos, mas predomina no período de sete a onze anos. Para Piaget, a regra pressupõe a união de dois indivíduos e sua função é regular e integrar o grupo social. Podemos distinguir dois tipos de regras: as que vêm de fora e as que são construídas espontaneamente, que dão origem ao jogo de construção, onde a criança cria algo. No que se refere aos aspectos sociais, os jogos aparecem como instituições sociais capazes de promover a comunicação interpessoal, criando um relacionamento grupal entre aqueles que jogam. Ou seja, jogando, a criança tem acesso à realidade social e à compreensão das regras.