Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Leonardo David – 2º semestre – Antropologia – T2A – 2017.2 O FUTURO DO ESTADO E DO DIREITO DO ESTADO. DEMOCRACIA, GLOBALIZAÇÃO E O NEONACIONALISMO – CALMON DE PASSOS – RESUMO Introdução Calmon inicia seu texto com duas indagações que serão fundamentadas ao longo do texto: (i) o Estado de Direito Social Democrático, como existente hoje, está ou não ameaçado pela globalização? (ii) Em que termos o neonacionalismo é uma resposta ou um complicador a essa ameaça? Calmon, então, versa um pouco sobre a globalização que, no senso comum, diz tudo, mas nada significa. Ou seja, a globalização a tudo se refere, mas não tem uma significação marcante, pois nada esclarece. Nesse sentido, Calmon faz mais um questionamento acerca da “sociedade do conhecimento”. Seria ela um fato, uma ideologia ou uma teoria? Responde dizendo que ela é tudo ao mesmo tempo, assim como a globalização. Fato, pois pode ser confirmada empiricamente, ideologia, por ser um conjunto de ideias destinadas a mistificar relações reais de poder, a serviço de um sistema de dominação e uma dimensão utópica, pois toda ideologia tem em seu avesso uma dimensão utópica. Dessa forma, finaliza, dizendo que a globalização é um fato, tem sido instrumentalizada como ideologia, mas também encerra uma energia utópica. A partir daí, Calmon irá discorrer acerta dessas três perspectivas. O fato da globalização O fordismo e a linha de produção são coisas do passado. Tornou-se extremamente fácil a transferência de uma parte das operações de produção de um país para outro, o que possibilita uma nova divisão internacional do trabalho. Com isso, os mercados de capitais desenvolveram-se ligados entre si e acima das Nações, o que fragiliza o Estado. Essa nova economia promove um ajuste estrutural que passa pela privatização e diminuição do papel do Estado nacional, fazendo com que os atores ditos supranacionais ensaiem a gestão da economia, da política e do direito acima e até contra os interesses nacionais. Nesse sentido, globalização é um complexo conjunto de fatos com acentuado poder de determinação. A ideologia da globalização Uma das funções primordiais da ideologia é impedir a tematização dos fundamentos do poder. Corroborando com isso no contexto atual, tem-se a ideologia tecnocrática que tenta impedir a problematização do poder existente, diferente das Leonardo David – 2º semestre – Antropologia – T2A – 2017.2 outras ideologias, não através da legitimação das normas, mas sim pela sua extinção. Nesse sentido, o poder não é legítimo por obedecer a normas legítimas, mas sim por obedecer a regras técnicas, das quais não se exige que sejam justas, mas sim eficazes. Sendo eficazes, são legítimas. Nesse contexto, a ideologia tecnocrática é muito mais fechada para outras visões que a do passado, pois ela nega a estrutura da ação comunicativa, pois esta funda-se em normas que precisam ser justificadas, enquanto que a ação instrumental se funda em regras, das quais não exige qualquer justificação. Dessa forma, passamos a ser dominados pelo poder de coação da chamada racionalidade técnica. E aí entra a globalização, pois ela pretende ser a apoteose da ideologia tecnocrática. Ou seja, a globalização é elevada ao estado de divindade. Ademais, nenhuma ideologia se consolida se não criar seus mitos, os quais ocultam a realidade da dominação e projetam suas falsas representações. A ideologia da globalização não é diferente e, a partir daí, Calmon fala dos mitos da globalização pautados na natureza econômica e política. O mito da economia de mercado Arrighi fala de uma economia estruturada em três andares: produção material, circulação ou mercado e altas finanças, onde o dono do dinheiro encontra-se com o dono do poder político, e não da força de trabalho. Portanto, o capitalismo é um sistema que repele a plena submissão às leis do mercado. Nesse contexto, o Estado foi sempre mais ou menos representativo, mas sempre atuante e decisivo na condução do processo econômico. Isso depende do que pede o sistema capitalista da época, ou seja, Estado sempre como uma solução política da economia. Nesse cenário, antes o Estado agia de modo aos interesses da produção ampliada, vulgo sociedade liberal, contudo, a própria expansão do capitalismo exigiu maior presença estatal, o que se configurou no capitalismo tardio. A sobrevivência desse capitalismo dependeu da crescente intervenção do Estado, na medida em que precisava dos mantimentos de alto custo da infraestrutura material e social do sistema. Com isso, a ciência e a tecnologia assumiram o papel de verdadeiras forças produtivas e o Estado surgiu, decisivamente, como o promotor do progresso e do bem-estar coletivo, na medida em que ele que manipulava essas forças produtivas. Dessa forma, a ideologia da troca do equivalente que fundamentou o Estado liberal deu lugar para a ciência e a técnica que passa a fundamentar a ideologia tecnocrática. Entretanto, agora há um discurso contra o Estado pelos agentes econômicos, como se o capitalismo e Estado pudessem se divorciar. Hoje os detentores do poder econômico querem limitar a presença do estado ao estritamente necessário – Estado Leonardo David – 2º semestre – Antropologia – T2A – 2017.2 polícia – para otimizar o processo da reprodução ampliada e da homogeneização das preferências. Querem, portanto, a retirada do Estado que se fez presente em um momento de fraqueza (Segunda Grande Guerra), que avassalou o sistema capitalista baseado na ideologia liberal. O mito da prosperidade geral e crescente O neoliberalismo é um instrumento ideológico encobridor de um projeto de dominação. Afirma que o máximo de bem-estar social será alcançado se deixarmos cada agente econômico buscar a maximização de sua prosperidade, assegurando o mercado global, o livre comércio e a desregulamentação do fluxo de capitais e da locação da força de trabalho. Contudo, se por um lado a liberdade só pode ser experimentada individualmente, por outro lado ela só pode ser vivida socialmente. Dessa forma, deixar os agentes econômicos livres na busca da maximização de sua prosperidade significa progressiva e alarmante concentração de riqueza, exclusão de muitos do acesso aos bens básicos necessários da condição humana. Os dados comprovam isso. O diretor de operações da ONU para a Agricultura e Alimentação afirmou “Nós sabemos muito bem o que fazer, só falta vontade política”. Contudo foi recebido com completo desinteresse dos países centrais, notadamente os EUA. Falando em participação no comércio mundial, ao invés de avanço, está ocorrendo declínio na participação dos países periféricos. Diante do exposto, está justificado o mito que é o compromisso do neoliberalismo com a expansão da prosperidade geral. O terceiro mito: a crescente consolidação e generalização da democracia, com o consectário de tutela da dignidade humana e de seus desdobramentos Boron afirma haver uma incompatibilidade entre o capitalismo liberal ou neoliberal e uma democracia que pretenda ir além de sua vazia expressão formal. Enquanto que a democracia é diretamente proporcional ao efetivo poder de decisão, de receber informações e controlar as decisões da sociedade, no mercado são os grupos beneficiados que têm capacidade de “construí-lo”, “controla-lo” e “modifica-lo” à sua imagem e semelhança. Nesse sentido, os mercados rejeitam as pretensões de igualdade e inclusividade da democracia. Portanto, a democracia se orienta para a Leonardo David – 2º semestre – Antropologia – T2A – 2017.2 integração de todos, conferindo aos membros da sociedade o status de cidadão, enquanto o mercado opera sob a base dacompetição e da “sobrevivência dos mais aptos”, não estando em seus planos promover o acesso universal da população a todos os bens que são trocados em seu âmbito. Dessa forma, a participação no consumo passa a ser um privilégio e não um direito. Conclui-se, então, que a lógica da democracia é a de um jogo de soma positiva, enquanto que a do mercado é a deum jogo de soma zero, ou seja, o lucro do capitalista é a insuficiência do salário. Portanto, no mercado, para que alguém ganhe, o outro tem que perder. O Estado e sua simbiose com o capitalismo O discurso do capitalismo de nossos dias contra o Estado-nação é um duplo discurso. Com ele, o que se pretende é a fragilização do Estado de Direito Democrático Social e consequente ajustamento do poder político institucionalizado aos objetivos perseguidos, hoje, pelo capitalismo. O que se pretende é o desmonte do Estado de Bem-estar Social. Para fundamentar isso, usou-se a história desde a época do feudalismo, em que havia vários grupos econômicos, e a necessidade da burguesia de se aliar com o monarca para que concentre esse poder, emergindo a sociedade moderna, com a institucionalização – retorica – do Estado Democrático de Direito, onde a soberania saiu do monarca, para ser do povo para o povo. Contudo, apenas os proprietários e empresários ocupavam o espaço político no qual se processavam as decisões e formalizava-se a regulação jurídica. Daí veio a mão livre refletindo nas relações sociais e jurídicas privadas, como na relação entre empregadores e empregados que foram deixadas ao livre exercício da autonomia das vontades. Todos conhecem os resultados disso. Dessa forma, o capitalismo, em sua prática liberal, submeteu o assalariado ao mais desumano regime de divisão do trabalho social e apropriação de seu produto. Isso foi possível pela grande oferta de mão de obra, a inexistência, naquela época, de trabalhadores organizados, a possibilidade de expansão da demanda mediante a conquista de mercados externos, etc. O futuro do Estado e do direito do Estado Calmon provoca novamente indagações. Primeiro ele diz que nada é sozinho, nem nada é para sempre. Ou seja, pensar que o Estado-nação é algo definitivo é ilusão. Diante disso, resta-se questionamentos: Já é chegou o momento de se perceber a inadequação do Estado-nação, tentando-se pensar um novo modelo de Leonardo David – 2º semestre – Antropologia – T2A – 2017.2 institucionalização do poder político, ou o que se tenta é apenas sua reforma, para ajustá-lo ao capitalismo no seu estágio atual? Nesse sentido, é impossível dissociar o político do econômico. Na matriz do econômico está a produção de bens e a apropriação desses bens em termos individuais e sociais. Na matriz do político está o econômico, o que pede uma decisão política associada ao poder para efetivá-la. As duas coisas são produtos de decisões humanas – e não naturais – e estas, as decisões humanas, são de matriz originariamente política. Dessa forma, se ontem o capitalismo financiou o rei para desestruturar a organização feudal, hoje, esse mesmo capitalismo, qualificado como “desorganizado”, para tornar efetivo o seu projeto, pretende conformar em novos termos o Estado-nação, adequando- o ao seu projeto de mundialização do mercado em benefício dos países centrais, o que se revelará inviável sem um sistema político compatível. Portanto, sempre se faz presente a institucionalização de um centro de poder político monopolizador da produção do direito e do uso legítimo da força para produzir e aplicar normas jurídicas asseguradoras da eficácia do modelo de divisão do trabalho social e apropriação do produto do trabalho social economicamente viável. Assim, o capitalismo de hoje atua sob pressão por um novo ajustamento do Estado, legitimando o capitalismo “desorganizado”, visando produzir para o lucro e numa economia de escala, sem que as necessidades humanas sejam prioridade. O local e o global. A face do neonacionalismo Os homens sempre se serviram dos instrumentos disponíveis, sendo por eles também condicionados. O que hoje chamamos de globalização é, em boa parte, o nome atual de uma velha tentação: o imperialismo. Com ela, a globalização, se tenta mascarar a persistência do velho. O capitalismo sempre acoplou a sua vocação expansionista o anonimato dos agentes econômicos, o que foi um ganho no encobrimento da dominação. Nesse sentido, a globalização é o nome novo com que se batiza esse velho encobrimento, com uma diferença: hoje, lança bem mais longe o seu “dardo envenenado”. Nesse sentido, para recuperarmos nossas raízes, é preciso saber distinguir o “velho” do “antigo”. O velho é algo descartável de que devemos nos desfazer com urgência. O antigo, é parte integrante de nosso projeto humano e cumpre resgatá-lo para que continuemos levando adiante a nossa progressiva libertação do homem. Contudo, a ideologia da globalização quer nos induzir a crença de que o “antigo” é Leonardo David – 2º semestre – Antropologia – T2A – 2017.2 “velho” e deve ser descartado. Ou seja, nossas raízes não cabem mais no atual contexto político e, para legitimar essa dominação, deveremos descartá-lo. O homem é indivíduo e é esta realidade fundamental que hoje se procura recuperar. A sociedade será sempre o resultado da soma de vontades humanas lúcidas e críticas, que tanto podem ser as vontades hegemônicas dos dominadores, como a dos que construírem a vontade hegemônica de libertação. Portanto, o espaço privilegiado do político é o “local”, aquele em que se faz possível decidir sobre o que diz respeito a interesses que transcendem aos de cada indivíduo, denominados de “bem comum”. E quanto mais o poder de decidir é alocado a agentes políticos distanciados espacial e socialmente dos que sofrerão as consequências de suas decisões, mais opressor o poder e menos compartilhada a decisão. Dessa forma, conclui-se que globalização política é uma forma de dominação de poucos em detrimento de quase todos. Para concluir, há algumas afirmativas a se dizer. O capitalismo é inviável sem o Estado. Se crise existe, ela não é a do Estado, mas de um modelo de Estado que já não serve ao estágio atual do capitalismo. O capitalismo se expande de uma maneira bem mais vasta que o Estado-nação e, junto com ele, a transnacionalidade do mercado e, com isso, do Estado. Assim, se o poder político conseguir se transnacionalizar para servir ao capitalismo transnacionalizado, o Direito do Estado também se transnacionalizará, globalizando-se. Nesse sentido, o poder político será exercido pelos grupos de interesses que lograrem se harmonizar hegemonicamente, exercendo seu poder de coerção sobre os demais. Portanto, o direito, no espaço do mundo globalizado, será aquele que se revelar instrumentalmente adequado para otimizar o modelo econômico que for institucionalizado por decisão política. A dimensão utópica da globalização Como dito no início, toda ideologia contém em seu avesso uma dimensão utópica. Todo processo econômico é resultado de uma decisão política dos homens, mas o econômico tem, em si, uma força de determinação que nenhuma outra dimensão da vida social possui. Nesse sentido, a modernidade foi construída sobre a utopia da razão e do progresso, onde o homem é um ser livre e, diante disso, alcançaria o progresso e o bem-estar. Assim, deixar que o homem operasse explicitando sua liberdade seria a solução certa, tanto para o viver individual como para a convivência social, porque a liberdade, informada e conduzida pela razão, levaria necessariamente os homens ao progresso e ao pleno bem-estar, como consequência. Leonardo David – 2º semestre – Antropologia– T2A – 2017.2 Essas utopias foram desmascaradas. A razão transformou-se em seu contrário, gerando um crescente processo de instrumentalização para dominação e repressão do homem. A ciência e a técnica foram incapazes, por si mesmas, de levar uma sociedade mais justa e a um bem-estar mais generalizado. O que se construiu foi a perspectiva do “lucrar”, gerando-se um excedente destinado ao reinvestimento. Fortaleceu-se o círculo vicioso do capitalismo desembocado no consumismo. A indução ao consumo não se vale de qualquer preocupação de equidade, associando-se apenas à necessidade de realimentar-se a reprodução ampliada. Dessa forma, o consumismo internacionalizou-se, não atendendo às carências dos necessitados, mas ao contrário, acentuando-as. Diante disso, o produto de tal fenômeno é a crescente violência urbana. Desse modo, estamos aparelhando os novos bárbaros para a invasão e desestruturação do Império? Haverá sempre concentração, desigualdade e exclusão, consequentemente a necessidade de uma solução imposta politicamente e justificada ideologicamente. Sabemos perfeitamente que o Estado representará sempre a organização e institucionalização dos interesses hegemônicos. Nossa utopia, portanto, é acreditar que existe um caminho que leva ao paraíso. A globalização, antes de obstruí-lo, bem pode estar alargando-o, para possibilitar que muitos possam percorrê-lo. Se os ganhos tecnológicos redimensionaram a correlação tempo/espaço e isso foi apropriado em favor do capital e em detrimento da condição humana, podemos inverter os termos e apropriá-la para inviabilizar a hegemonia do capital. Democracia radical só é possível a partir de sua localização. Esse “local” chama-se “espaço público”. A reinvenção desse espaço é o grande desafio utópico da atual geração.
Compartilhar