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REGIMES MONETÁRIOS: teoria e a experiência do real André de Melo Modenesi Manole 1~.~ .. : ~ i I! \ r: I 52 REGIMES MONETÁRIOS no, a in tranqüilidade social causada pela recessão, o desalento no meio empre- sarial, a hostilidade do mercado financeiro internacional e a elevação do risco- país tornaram a conversibilidade insustentável. O regime de currency board desempenhou, no início, papel essencial na vi- tória contra a inflação. Mas seu pleno êxito, em termos de forjar um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico e social, dependia da execução de pro- fundas reformas, destinadas principalmente a: (i) aumentar a competitividade do sistema produtivo, a ponto de favorecer mais fortemente o comércio externo; (ii) disciplinar o ambiente fiscal, de forma a abrandar a questão do endividamento e elevar a capacidade de investimento do setor público; (iii) promover a reforma do Estado, dotando-o de maior habilidade para conceber e executar políticas pú- blicas. Como as reformas não aconteceram, a conversibilidade passou de fator de confiança para fator de dúvidas: até quando a Argentina agüentaria? Quais estra- gos seriam produzidos pela mudança de regime cambial? Por ter durado mais do que o razoável, o regime de currency board transformou-se em um "passivo'~ ao encolher o raio de manobra para uma política de retomada do crescimento. Chegou-se a um ponto em que as tensões econômicas, sociais e políticas superaram os benefícios do regime de currency board. Vale dizer, essas tensões provocavam danos maiores do que o trauma de sair da conversibilidade. Nesse momento, houve a ruptura. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 1. Introdução'-- 2. Fundamentos teóricos do regime de me- tas monetárias: o monetarismo tipo I: 2.1 A taxa natural de desemprego; 2.2 A curva de Phillips e o papel das expectati- vas: 2.2.1 A curva de Phillips original; 2.2.2 A curva de Phillips versão de Samuelson-Solow; 2.2.3 A curva de Phillips aceleracionista; 2.3 Expectativas adaptativas e ilusão mone- tária; 2.4 A hipótese aceleracionista; 2.5 A regra monetária e os argumentos contra o discricionarismo: 2.5.1 Ilusão mo- netária e redução do nível de utilidade dos agentes econô- micos; 2.5.2 Defasagens na condução da política monetária e a exacerbação dos ciclos econômicos; 2.6 O papel limita- do da política monetária; 2. 7 Estabilidade macroeconômica: visão de keynesianos e de monetaristas; 2.8 A teoria quanti- tativa da moeda: 2.8.1 A concepção clássica; 2.8.2 A con- cepção de Friedman- 3. A operacionalização do regime de metas monetárias: 3.1 Elementos fundamentais; 3.2 Vanta- gens; 3.3 Desvantagens; 3.4 A definição do agregado mone- tário a ser utilizado como meta; 3.5 A crítica de Tobin; 3.6 Algumas experiências - 4. Resumo e conclusões - 5. Ter- mos-chave- 6. Bibliografia comentada- 7. Questões para discussão- 8. Exercícios- 9. Respostas- Apêndice 1- A revolução keynesiana, a síntese neoclássica e a contra-revo- lução monetarista - Apêndice 2 - A história da curva de Phillips- Apêndice 3 - Verticalismo versus horizontalismo. "Os economistas às vezes contam melhores histórias que os romancistas." Mário Vargas Llosa , I ! I li I I 'I 54 REGIMES MONETÁRIOS 1. INTRODUÇÃO A adoção de uma regra monetária é a principal proposição prática- isto é, de política econômica- do chamado monetarismo tipo I. Ou seja, a definição, por parte das autoridades monetárias, de uma regra para o comportamento dos agregados monetários representa a essência do regime de metas monetá- rias. Usualmente, estabelece-se como regra uma meta de expansão para a base monetária (ou para os meios de pagamentos) igual à taxa de crescimento do produto interno bruto (PIB). \ Essa estratégia de condução da política monetária resulta da convicção de i que a estabilidade de preços pode ser alcançada se, e somente se, o estoque , monetário evoluir pari passu com o PIB real. Trata-se, portanto, de uma conse- qüência direta da concepção monetarista do processo inflacionário, segundo a qual a inflação é um fenômeno meramente monetário. Os fundamentos teóricos do regime de metas monetárias se encontram no monetarismo tipo I, conforme tipologia inaugurada por James Tobin (1980). Trata-se do movimento teórico originado na Universidade de Chicago e que ganhou notoriedade a partir de meados da década de 1960. O principal repre- sentante dessa corrente de pensamento é Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia de 1976. A hipótese central do monetarismo tipo I é a da existência da chamada taxa natural de desemprego. Outro aspecto fundamental dessa abordagem monetarista é a suposição de que os agentes econômicos formam expect~tivas do tipo adaptativas, o que, por sua vez, deu origem à chamada curva de Phillips versão de Friedman-Phelps ou curva de Phillips aceleracionista. A combinação das duas principais hipóteses do monetarismo tipo I - a existência da taxa natural de desemprego e a formação de expectativas adaptativas - resulta na concepção de que, no longo prazo, variações no esto- que monetário não afetam variáveis reais da economia, cõino os níveis de pro- duto e emprego. Vale dizer, o principal resultado desse modelo é a denominada neutralidade da moeda. O restabelecimento da teoria quantitativa da moeda (TQM) é outra ca- racterística fundamental desse movimento teórico, cujos principais represen- tantes, além do próprio Friedman (Universidade de Chicago), são: Anna J. Schwartz (National Bureau ofEconomic Research), Karl Brunner (Universida- de de Rochester), Allan Meltzer, Bennet McCallum (Universidade Carnegie- O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 55 Mellon), Phillip Cagan (Universidade de Columbia), David Laidler, Michael Parkin (Universidade de Western Ontario) e Willian Poole (Universidade Brown). A ressurgência da abordagem monetarista clássica marcou a instauração de uma contra-revolução no âmbito não só da teoria macroeconômica, mas também da condução da política econômica, ambas até então dominadas pelo chamado fiscalismo keynesiano (ver Apêndice 1). Como resultado prático dessa nova abordagem da teoria monetária clás- sica, o regime de metas monetárias foi adotado, quase que universalmente, du- rante a década de 1970. É nesse sentido que se diz que esse regime monetário constitui a principal prescrição de política econômica do monetarismo tipo I. Apesar de o regime de metas monetárias apresentar alguns pontos positi- vos, ele foi abandonado no início dos anos de 1980, sobretudo por causa da crescente instabilidade na velocidade de circulação da moeda. 2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO REGIME DE METAS MONETÁRIAS: O MONETARISMO TIPO I Conforme mencionado, o monetarismo tipo I é a base teórica sobre a qual se fundamentou o regime de metas monetárias. Em particular, as hipóteses de existência da taxa natural de desemprego e de formação de expectativas adaptativas por parte dos agentes econômicos, além da restauração da teoria quantitativa da moeda, são os elementos centrais dessa nova abordagem mo- netarista. A seguir, são apresentados em detalhes os fundamentos teóricos do regime de metas monetárias. 2.1 A Taxa N aturai de Desemprego O ponto de partida da edificação do monetarismo tipo I é a hipótese da existência de uma taxa natural de desemprego. Trata-se de nova versão de um dos conceitos mais recorrentes e debatidos na história do pensamento econô- mico: o pleno emprego dos fatores de produção, um dos axiomas fundamentais da escola clássica. De acordo com Friedman (1968 e 1988), a taxa natural de desemprego comporta apenas dois componentes: (i) o desemprego voluntário- que ocorre I I :I 56 REGIMES MONETÁRIOS quando uma pessoa decide não trabalhar por considerar o salário real insufi- ciente; e (ii) o desemprego friccional- que acontece quando um trabalhador está temporariamentedesempregado, em transição de um emprego para outro. O desemprego friccionai ocorre quando o trabalhador está à procura de novo posto de trabalho, que se encontra temporariamente disponível em fun- ção: (i) da existência de informação imperfeita quanto à oferta e à procura por trabalho; e/ou (ii) do baixo grau de mobilidade geográfica dos trabalhadores. A taxa natural exclui, portanto, o desemprego involuntário- que ocorre quando os agentes estão dispostos a trabalhar pelo salário que vigora no mer- cado de trabalho, mas não há postos de trabalho disponíveis. O termo natural foi utilizado por Friedman no sentido wickselliano, com o intuito de distinguir as causas de natureza estrutural e institucional das de- mais - notadamente a política monetária - na determinação do nível de desemprego. Isto é, a taxa natural é determinada por fatores reais e, na ausência de intervenções monetárias, o nível de desemprego se iguala a ela (ver Box 1). A taxa natural de desemprego é, portanto, aquela que equilibra o merca- do de trabalho, dadas as suas características estruturais e institucionais e as preferências dos agentes econômicos. Ela representa o nível de desemprego que é compatível com o comportamento racional-maximizador dos agentes eco- nômicos: nesse nível de desemprego, todos os agentes estão otimizando suas funções de utilidade. Quando o nível de desemprego é igual à taxa natural, estão desemprega- dos apenas: (i) aqueles trabalhadores que consideram que os bens adquiridos com o salário em vigor proporcionam um nível de utilidade menor do que as horas de lazer- caracterizando o desemprego voluntário; e (ii) os trabalhado- res que estão mudando de emprego - o que constitui o desemprego friccionai. Ou seja, estão trabalhando todos aqueles que consideram que os bens-salários proporcionam nível de utilidade igual ou superior à satisfação derivada das horas de lazer, à exceção daqueles que estão temporariarr{ente desempregados, mudando de um posto de trabalho para outro. A taxa natural goza das propriedades de unicidade e estabilidade. Isto é, existe apenas um nível de desemprego de equilíbrio em que os agentes têm as suas preferências plenamente satisfeitas (dadas as características estruturais e institucionais do mercado de trabalho); e a taxa de desemprego converge para este ponto na ausência de intervenções monetárias. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS Box 1 -Taxa Natural de Desemprego: Distinção entre Forças Reais e Monetárias na Determinação do Desemprego Friedmaf1 usou. otermo natural. no sentido originalmente dado por Knut .WickseH . (1898~ 1907), visando enfatizar a distinção entre as forças reais~ fatores estruturais e institucionais- e as forças monetárias na determinação do nível de desemprego. Isto é, a taxa natural é determinada por fatores reais e; não havendo intervenções monetáriasro nível de desemprego se iguala à taxa natural; Graças a Wicksell, nós estamos todos famíliarizados com o conceito de taxa na- túré]l df! jurqs .e com a possibilidade de haver urna di~crepância entre a. taxa natural e a taxa de mercado. A análise anterior sobre as taxas de juros pode ser traduzida diretamente para aJinguagemwickselliarta. A autoridade monetária pode tornar a taxa de juros de mercado menor do que a taxa natural· apenas por meio de inflação. Ela pode tornar a taxa de mercado maior do que a taxa natural apenas por meio çle deflação. Essa análise tem sua contrapaí'f:idano mercado "de trabalho. A qualquer momento, há algum nível d<l desemprego que possui a propriedade de· ser coincidente com um equilíbrio na estrutura dos salários reais que prevalecem na economia. Naquele nível dtl. desemprego, o salário real tende, em média, a evoluir a umataxa normal secular, isto é, a uma taxa que pode seHndeflnidamerite mantida,namedidâ em que a.fórma- ção de capital, o desenvolvimento tecnológico etc. permaneçam em sua ten- dência de longo prazo. Um nível mais baixo de desemprego é uma indicação de que há excesso de demanda pôrtrabalho,queproduzirá pres~ã? para cima sobre os salárjosreais. Um nível mafs elevado de.desemprego é uma indicação de que há excesso de oferta de trabalho, que produzirá pressão para baixo sobre os salários reais. A taxa natural de desemprego, .em outras palavras, é o nível que resultaria de um sistema walrasiano de equações de equilíbrio geral, desde que contivesse as características reais e efetivas dos mercados de traba- lho e de bens, incluindo as imperfeiÇões de mercado,as mudanças estocásticas nà oferta e na demanda, o custo de obtenção de informação sobre vagas e as disponibilidades de trabalho, o custo da mobilidade da mão'-dê-obra, e élssim pór diante ... Eu uso o termo natural pela mesma razão de Wícksell "-para sepa- forças monetárías. (Friedman,19~8; 7-9) 57 Na realidade, a hipótese de flexibilidade de preços (e salários) é que ga- rante a propriedade de estabilidade do equilíbrio macroeconômico, associado a um volume de desemprego igual à taxa natural. Vale dizer, a convergência do desemprego para a taxa natural é garantida pela flexibilidade do salário nomi- nal, da seguinte forma: (i) caso haja um excesso de oferta de trabalho, o salário 58 REGIMES MONETÁRIOS (nominal) se reduz até o nível (de equilíbrio) em que a quantidade demandada se iguala à ofertada; (ii) caso haja um excesso de demanda por trabalho, o salá- rio (nominal) se eleva até o nível (de equilíbrio) em que a quantidade deman- dada de trabalho se iguala à ofertada. Finalmente, é importante notar que a taxa natural de desemprego não é imutável. 1 Friedman considerou que os fatores que a determinam dependem da ação humana e de decisões de política econômica, podendo, portanto, variar ao longo do tempo. A taxa natural pode diminuir como resultado de medidas, como as que: (i) incentivem as pessoas a trabalhar, por exemplo, por meio de reduções do imposto de renda e dos benefícios sociais (seguro-desemprego, bolsa-alimen- tação etc.); (ii) aumentem o grau de mobilidade geográfica da mão-de-obra, possibilitando que um trabalhador desempregado em uma região possa ocu- par um posto de trabalho em outra localidade; (iii) reduzam as imperfeições de informação quanto às condições de oferta e procura no mercado de trabalho; e (iv) flexibilizem as relações trabalhistas, por exemplo, pela redução do poder dos sindicatos e pela reforma das leis trabalhistas. r Quer dizer, dadas as preferências dos agentes econômicos, a taxa natural de desemprego somente pode ser reduzida pela adoção de medidas que alterem as características estruturais e institucionais do mercado de trabalho, melho- rando o seu funcionamento. 2.2 A Curva de Phillips e o Papel das Expectativas Como mostrado adiante, o segundo passo na edificação do monetarismo tipo I foi a revisão, proposta por Friedman (1968) e Edmund Phelps (1967 e 1968), de uma pedra fundamental da teoria econômica moderna: a curva de Phillips, que prevê uma relação negativa ou um trade-off entre inflação e de- semprego (uma história detalhada da curva de Phillips se encontra no Apêndi- ce 2). A seguir, são apresentadas três versões dessa curva: a original, a de Samuelson-Solow e a aceleracionista. I Ver Friedman (1968: 9). O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 59 2. 2 .1 A Curva de Phillips Original A curva originalmente concebida por Phillips (1958) constitui-se na ex- pressão gráfica de uma relação estatística entre a taxa de variação percentual do salário nominal, w (inflação salaría[), e a taxa de desemprego, U, verificada no Reino Unido no período de 1861 a 1913, descrita pela equação (1):2 H w=f(U) (1) 12 <ti 8 o :::! -o c • "' .f6 c? • + u-- ·ê ~ 4 •• ~.E • • • • QJ o -o c • l-F ••• • • ~ .Q • • ~-ro •• • rn o • • • • • ... • • • • -4 o 2 4 6 8 10 12 Taxa de desemprego (%) Fonte: Phillips(1958). Gráfico 1 - Curva de Phillips Original: Relação entre Inflação Salarial e Desemprego - Reino Unido: 1861 a 1913 O Gráfico 1 - que revela uma relação hiperbólica entre a inflação salarial e a taxa de desemprego - ilustra a evidência favorável à hipótese testada por Phillips de que a taxa de inflação salarial é explicada por ambos, o nível e a taxa de variação do desemprego. Em sua versão original, a curva de Phillips resultou de um mero exercício econométrico, realizado com a finalidade expressa de se testar uma hipótese 2 O sinal em parênteses acima do argumento de uma função denota o sinal da derivada ' (-) dessa mesma função em relação à respectiva variável. Assim, y =f( x) significa que dy(x) <O; isto é, a derivada da função y(x) com relação à variável x é negativa: uma elevação dx de x determina uma redução de y, e vice-versa. 60 REGIMES MONETÁRIOS microeconômica, a de que o preço da mão-de-obra é regulado pela interação entre a oferta e a procura de trabalho: Quando a demanda por um bem ou serviço está elevada relativamente à sua oferta, nós esperamos que os preços se elevem, sendo a taxa de crescimento tanto maior quanto maior for o excesso de demanda. Inversamente, quando a demanda está menor relativamente à oferta, nós esperamos que os preços caiam [ ... ] Parece plausível que este princípio deve operar como um dos fatores determinantes da taxa de variação do salário monetário, que é o preço da mão-de-obra. (Phillips, 1958:283) Em suma, a motivação de Phillips foi investigar se a determinação do salá- rio se dá do mesmo modo que o preço das demais mercadorias.A curva de Phillips original representa, portanto, uma relação microeconômica entre o preço (salá- . rio nominal) e a quantidade transacionada de um bem (a mão-de-obra). 2.2 .2 A Curva de Phillips Versão de Samuelson-Solow Samuelson e Solow (1960) não apenas batizaram a curva de Phillips, como também a transformaram em uma relação macroeconômica. Supondo-se que os preços são fixados por uma regra de markup em rela- ção aos salários,3 esses autores substituíram a inflação salarial pela taxa de varia- ção do nível geral de preços. O resultado obtido deu origem a uma nova versão da curva de Phillips que fornecia uma espécie de menu das diferentes combina- ções possíveis entre inflação e desemprego para a economia norte-americana: 3 Considerando-se que o preço (P) de um bem é determinado por uma regra de markup em relação ao custo unitário do trabalho (C) - dado pela razão entre o salário-hora ( W) e o produto obtido por hora trabalhada ( Q), ou a produtividade do trabalho -, temos que: P =a C, a> 1. Supondo-se a produtividade do trabalho constante, observa- se que o preço é determinado por uma regra de markup sobre o salário; isto é, o preço é um múltiplo do salário: P =a W, a> 1. Dessa maneira, conclui-se que a inflação é positivamente correlacionada com a taxa de variação do salário. Isso possibilita trans- formar uma relação entre a taxa de variação salarial e o desemprego em uma relação entre a taxa de inflação e o desemprego. A esse respeito, ver Humphrey (1986: 15). O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 61 Nós traduzimos o diagrama de Phillips, mostrando o padrão de aumento do salário nos Estados Unidos versus o nível de desemprego, o que permite ver quais seriain os diferentes níveis de desemprego que seriam "necessários" para atingir cada patamar do nível de preços. (Samuelson & Solow, 1960: 191-2) A partir dessa nova especificação, a curva de Phillips passou a ser descrita pela equação (2): sendo P a taxa de inflação. H F=f(U) (2) Repare que a curva de Phillips original (equação 1) se diferencia da curva de Phillips versão de Samuelson-Solow (equação 2) tão-somente pela subs- tituição da taxa de variação do salário nominal (inflação salarial) pela taxa de variação do nível geral de preços (inflação). Essa mera troca de variáveis não foi nada trivial: fez com ·que a curva de Phillips se tornasse representativa de uma relação macroeconômica, como é visto adiante. O Gráfico 2 ilustra a curva de Phillips versão de Samuelson-Solow. Ele mostra que, entre os anos de 1935 e 1960, nos Estados Unidos, a estabilidade de preços poderia ser obtida à custa de uma taxa de desemprego de cerca de 5,5o/o.Alterna- tivamente, para se manter a taxa de desemprego em 3%, seria necessário gerar uma taxa de inflação em torno de 4,5 o/o a. a. 11 10 9 8 6 4 2 ot---.---~---.---.---.~-.----.---.--. 2 4 6 7 8 9 -1 Taxa de Desemprego(%) Fonte: Samuelson & Solow (1960). Gráfico 2 - Curva de Phillips Versão de Samuelson-Solow: Relação entre Taxa de Inflação Anual e Desemprego- Estados Unidos: 1935 a 1960 62 REGIMES MONETÁRIOS Foi com essa nova especificação que a curva de Phillips se tornou relevan- te para a condução da política econômica. A partir do momento em que Samuelson e Solow substituíram a taxa de variação salarial pela inflação, a cur- va de Phillips transformou -se na pedra fundamental da teoria macroeconômica. De fato, ao longo da década de 1960, a curva de Phillips foi considerada,· pela ampla maioria dos economistas, representativa de um trade-offestável entre inflação e desemprego. Dessa forma, ela foi largamente utilizada pelos policymakers como uma espécie de cartilha, segundo a qual se poderia optar entre diferentes combinações de inflação e desemprego, por meio da implementação de políticas fiscal e monetária, em linha com a chamada síntese neoclássica (ver Apêndice 1). É interessante notar que Samuelson e Solow não consideravam estável, no longo prazo, o trade-off entre inflação e desemprego; chamando a atenção para a possibilidade de a curva de Phillips se deslocar:4 Além da advertência usual de que estas são simplesmente nossas melhores suposi- ções, nós devemos expressar outra advertência. Toda a nossa discussão tem sido mencionada em termos de curto prazo, tratando do que poderia ocorrer dentro de poucos anos. Então, seria errado pensar que o nosso gráfico, que relaciona o com- portamento dos preços e do desemprego efetivamente acontecidos, deverá manter seu mesmo formato no longo prazo. (Samuelson & Solow, 1960: 193) Quase uma década depois, no final dos anos de 1960, a curva de Phillips passou por uma importante revisão, caracterizada pela inclusão de uma nova variável na equação que a representava: a inflação passou a ser explicada tanto pela t.âx:a de desemprego ~uanto pela expectativa dos agentes econômicos com <~. . --.•••.. _ . . / relação à inflação: A seguir apresenta-se como se deu a elaboração dessa nova versão da curva de Phillips. 2.2.3 A Curva de Phillips Aceleracionista A partir de fins da década de 1960, o consenso criado em torno da curva de Phillips começou a ruir: a incrível regularidade estatística verificada por 4 O próprio Phillips também chamou a atenção para essa possibilidade. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 63 Phillips parecia ser antes uma peculiaridade da história econômica britânica do que uma regra universal5 (ver Apêndice 2). Fazia-se necessária, portanto, uma revisão de um dos mais relevantes paradigmas da história do pensamento econômico moderno. Friedman e Phelps ressaltaram o fato de que a curva de Phillips original foi obtida plotando-se a inflação do salário nominal contra a taxa de desem- prego. Segundo eles, essa especificação da equação de Phillips seria válida ape- nas para uma economia caracterizada pela esta.J::lilidade de preços; ou melhor, a formulação original de Phillips supunha que ~ão existiam expectativas infla- ·. ~ ... · ... ·• .... ·· cion<Írias'{ ou que estas seriam estáveis). De acordo com Friedman, Implicitamente, Phillips escreveu seu artigo para um mundo em que todos espe- ram· que os preços nominais sejam estáveis e que esta expectativa permanece estávele imutável, independentemente de qualquer coisa que vier a acontecer com os preços e salários efetivamente verificados. Suponha, ao contrário, que todos antecipassem que os preços iriam subir a uma taxa superior a 75% ao ano -como, por exemplo, os brasileiros fizeram há alguns anos. Dessa forma, os salá- rios deveriam subir àquela taxa simplesmente para manter o salário real cons- tante. (Friedman, 1968: 8) O fato de os agentes anteciparem ou formarem expectativas acerca dava- riação do nível geral de preços impunha a necessidade de se adicionar uma nova variável à equação de Phillips original. A expectativa de inflação passou, portan- to, a compor o que ficou conhecido na literatura econômica como curva de Phillips versão de Friedman-Phelps ou curva de Phillips aceleracionista. 6 Assim, uma nova variável foi incluída na equação de Phillips, que passou a ser dada por: 5 Com relação ao caso do Brasil, por exemplo, Lara-Resende e Lopes (1981) questionaram a existência de um trade-off estável entre os preços industriais e o nível de desemprego. Segundo eles, não havia evidência favorável à existência de uma relação inversa entre o hiato do produto- utilizado como medida do desemprego supondo-se a lei de Okun, que associa o hiato de produto ao desvio do nível de desehiprego em relação à taxa natural- e os preços industriais na economia brasileira durante as décadas de 1960 e 1970. 6 Muitos autores utilizam o termo curva de Phillips expectacional, ao se referirem a essa versão da curva de Phillips. 64 REGIMES MONETÁRIOS (-) (+) P=f(U ,Pe) (3) Sendo A a taxa de inflação verificada no período t, Aea expectativa de in- flação (no período t), UNa taxa natural de desemprego e Ut o nível corrente de desemprego, a função de Phillips versão de Friedman-Phelps é dada por: (4) Observe-se que esta função, quando descrita graficamente no plano infla- ção versus desemprego, dá origem a uma família de curvas de Phillips. Isto é, para cada nível de expectativa de inflação, existe uma curva de Phillips (de cur- to prazo), e aumentos na expectativa de inflação deslocam paralelamente a curva de Phillips para cima (conforme o Gráfico 3, adiante). Friedman supôs que os agentes formam expectativas adaptativas basean- do-se apenas em informações sobre o passado.7 Em sua forma mais simples, a expectativa de inflação no período t CAe) depende somente da taxa de variação dos preços ocorrida no período anterior (P,_1), conforme a equação (5): (5) A equação (6) representa um caso mais geral. Nele, os agentes corrigem suas expectativas por uma fração do erro cometido no período passado, 8 dado pela dife- rença entre a inflação realizada e a expectativa de inflação em t-1: " Realizando-se sucessivas substituições, obtém-se o seguinte resultado: 00 ·e ·-1 · ~ = (1-a) L,al PJ-1 (7) )=1 7 Essa regra de formação de expectativas também é conhecida como backward looking, ilustrando o fato de que os agentes determinam suas expectativas olhando para trás. 8 Repare que, caso a.= O, a equação (6) se reduz a (5). O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 65 Esse mecanismo de formação de expectativas também é conhecido como error-learning hypothesis (Parkin, 1989), pois implica que o agente reavalie sua expectativa de inflação sempre que tenha cometido um erro - ou seja, quando sua expectativa de inflação não se realiza - no período anterior, de forma que uma taxa constante de inflação tende a ser completamente antecipada.9 Rearrumando ( 4), obtém-se: Ut = U N _ __l_(i}- N) , a > O, donde se a conclui que o nível corrente de desemprego é igual à taxa natural menos uma fração do erro expectacional, dado pela diferença entre a taxa de inflação verificada e a expectativa da inflação no período t: (Fr -P/). Se esse termo for positivo, então o desemprego encontra-se abaixo da taxa natural; se ele fo.r ne- gativo, o desemprego situa-se acima da taxa natural. Quando as expectativas se realizam plenamente - isto é, se a inflação for perfeitamente antecipada -, a equação (4) se reduz a ut = UN. Em síntese, tem-se que: Ilusão monetária (CP): Ilusão monetária (CP): nP)(J<::t,finr·i;, de ilusão monetária (LP):~ Em resumo, na ausência de ilusão monetária, o nível de desemprego se iguala à taxa natural. Caso a inflação supere as expectativas, o nível de desem- prego se reduz abaixo de sua taxa natural. Se a inflação ficar abaixo das expec- tativas, o nível de desemprego se eleva acima da taxa natural. Dito de outra forma, o desemprego corrente oscila em torno da taxa natural de desemprego; e as flutuações econômicas resultam de erros expectacionais, decorrentes da criação de inflação-surpresa por parte das autoridades monetárias. 9 U il" d I t 1zan o-se a regra de formação de expectativas dada por (5), basta que a mesma taxa de inflação se verifique em dois períodos para que seja completamente antecipada. Já de acordo com (6), a inflação deve ficar constante por infinitos períodos para que seja perfeitamente antecipada. 66 REGIMES MONETÁRIOS 2.3 Expectativas Adaptativas e Ilusão Monetária A hipótese de expectativas adaptativas é peça fundamental do modelo monetarista, na medida em que sua adoção possibilita o surgimento do fenô- meno conhecido como ilusão monetária, que nada mais é do que um erro (expectacional. A ocorrência da ilusão monetária faz com que o desemprego se situe em um nível diferente da taxa natural. É importante notar que esse fenô- meno impede os agentes econômicos de maximizarem suas funções-objetivo (de utilidade, no caso dos consumidores e de lucro, no caso das firmas), como mostrado na subseção 2.5.1. Para fins didáticos, a lógica do modelo de expectativas adaptativas e o impacto da ilusão monetária sobre o nível de desemprego podem ser apresen- tados da seguinte forma. Suponha uma situação inicial de equilíbrio em que as expectativas de in- flação dos agentes estão sendo plenamente realizadas, de modo que ambas, as taxas de inflação esperada e realizada, igualam-se e, portanto, o nível de desem- prego coincide com a taxa natural. Friedman considerou, ainda que implicitamente, que a oferta monetária é exógena e determinada pelo Banco Central, em linha com o chamado verti- calismo (para maiores detalhes, ver Apêndice 3). Assim, considere-se que no instante ta autoridade monetária promova uma elevação da taxa de expansão do estoque de moeda (M1 > M1_1 ) de maneira que a inflação supere as expec- tativas - dado que estas se formaram com base na inflação verificada até o pe- ríodo anterior (t- 1), que, por sua vez, depende da política monetária implementada até esse mesmo período. Em linha com a teoria quantitativa da moeda, o nível geral de preços é considerado função direta do estoque monetário (ver seção 2.8). Sendo assim, uma ampliação (redução) do estoque monetário determina uma elevação (di- minuição) do nível geral de preços. Na medida em que o estoque monetário está crescendo a uma taxa maior (+) do que no período anterior, a inflação se elevará c A= J(M t )), superando as expectativas cA > N = A-1). A expansão do estoque monetário determinará uma elevação da deman- da agregada (nominal). Supondo-se que o preço das mercadorias se ajusta mais O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 67 rapidamente do que o preço dos fatores de produção, as firmas percebem que houve uma redução do salário real (~'-1 > w:-1) e, portanto, estarão dispostas a ~-1 ~ aumentar o salário nominal, de forma a manter o salário real constante ( ~t-1 = ~')para manter o nível de emprego. Isto é, os empregadores, ao constatar l~-1 ~ uma elevação no preço de seus bens, estarão dispostos a pagar um salário no- minal mais elevado. 10 A informação acerca da variação do nível geral de preços só está disponí- vel para os trabalhadores de forma defasada. Dessa maneira, eles irão subavaliara inflação e, interpretarão, erroneamente, a elevação em seus salários nominais como um ganho de salário real. O fato de os trabalhadores não perceberem que a elevação no salário no- minal simplesmente compensa o aumento da inflação determina uma expan- são da oferta de trabalho. Essa incapacidade de se distinguir entre variações no nível geral de preços e variações de preços relativos é que se chama ilusão mo- netária. 10 Da maneira aqui apresentada, os empregadores não sofrem de ilusão monetária. De fato, o cerne do modelo de Friedman está no fato de os trabalhadores sofrerem de ilusão monetária, dando-se pouca importância ao comportamento das firmas. Entretanto, a teoria de Friedman pode ser apresentada de maneira sutilmente diferente. Caso as fir- mas também sofressem de ilusão monetária, o mesmo resultado seria obtido. Nessa hi- pótese, os empregadores- ao perceberem variações nos preços de seus produtos anteci- padamente em relação às variações do nível geral de preços- irão interpretar um au- mento não-esperado no nível geral de preços como uma variação de preços relativos em seu favor, dispondo-se a ofertarem uma quantidade maior de produtos. Para tanto, ofe- recerão um salário nominal mais elevado, a fim de contratar um volume maior de mão- de-obra para poder aumentar a produção. Assim, a ocorrência de inflação-surpresa gera o fenômeno da ilusão monetária porque ambos, firmas e trabalhadores, formam expec- tativas do tipo adaptativas: (i) os trabalhadores- ao esperarem uma taxa de variação do nível geral de preços inferior à que se efetivará - interpretam uma elevação no salário nominal como um ganho real; e (ii) os empregadores- ao esperarem uma taxa de varia- ção do nível geral de preços inferior à que se efetivará ~ consideram uma elevação no nível geral de preços como uma mudança de preços relativos em seu benefício. Com essa formulação, o modelo de Friedman se aproxima ainda mais do modelo de Lucas, como mostrado no Box 2 do Capítulo 3. 68 REGIMES MONETÁRIOS -------------------------------------- Esse fenômeno faz com que os trabalhadores, ao olharem para o salário real do período corrente, que é idêntico ao salário real do período anterior ( ~~ = ~r-1J , enxerguem um salário real maior ( ;~ > ;-~J, o que, por sua vez- ~ ~) lH H) considerando-se que a oferta de trabalho é uma função crescente do salário real-, os induz a ofertar uma quantidade maior de trabalho. O ponto central da teoria de Friedman é a hipótese de que os trabalhado- res não possuem informação acerca da inflação corrente, calculando o salário real com base na inflação esperada. A partir do momento em que os trabalhadores formam expectativ(ls do tipo adaptativas é que surge a possibilidade de uma il!fl:<t@:surpresa gerar a ilusão monetária: os trabalhadores, ao esperarem uma taxa de variação no ní- vel geral de preços inferior à que se efetivará, interpretam uma elevação no salário nominal como um ganho real e, portanto, aumentam a oferta de traba- lho, determinando-se, assim, uma redução do desemprego abaixo de sua taxa natural. A hipótese da taxa natural de desemprego, quando incorporada à curva de Phillips versão de Friedman-Phelps, gera aquilo que se pode chamar de quan- titativismo de longo prazo, assim descrito: (i) no curto prazo, surpresas infla- cionárias criam um erro expectacional, produzindo efeitos reais na economia que duram apenas enquanto houver ilusão monetária; (ii) no longo prazo, a moeda é neutra. A possibilidade de ocorrer uma inflação-surpresa, gerando o fenômeno da ilusão monetária, implica que, no.curto prazo, o desemprego pode reduzir- se para níveis inferiores ao da taxa natural, caracterizando-se, assim, um trade- off entre inflação e desemprego - o que é representado graficamente por uma curva de Phillips de curto prazo negativamente inclinada. Mas esse efeito é meramente transitório, pois, uma vez encerrada a ilusão monetária, no longo prazo, a economia retorna para a posição de equilíbrio original- o que caracteriza uma curva de Phillips de longo prazo vertical, fixa- da no nível de desemprego igual à taxa natural. Em outras palavras, no longo prazo, ou quando as expectativas se reali- zam plenamente, o nível de desemprego é determinado por fatores reais, e vari- ações no estoque monetário afetam apenas o nível geral de preços (ver Box 2). O REGIME DE METAS MONETÁRIAS Box 2 - Taxa Natural de Desemprego, Expectativas Adaptativas e Neutralidade da Moeda no Longo Prazo A hipóte;e da existência da taxa natural de desemprego combinada com a hipótese de que os agentes formam expectativas adaptativas gera o principal resultaâo do modelo monetarista: a neutralidadeda moeda no longo prazo. Ou seja, na ausên- cia de ilusão monetária, o nível de desemprego converge para a_taxa nat[Jral: 69 Há sempre uma 1'taxanatural d_e desemprego" determinada porfatoresreais. Essa taxa natural tenderá a ser alcançada quando, em média, as expectativas se realizarem. A mesma situação real é compatível com qualquer.pívela~solut? de preços ou de mudanças destes, desde que se considere o efeito das mudan- ças dos mesmos no custo_ real de manutenção dos salários. Nesse sentido, a moeda é neutra. Por outro lado, mudanças não esperadas na demanda <:~gre gada nominal e na inflação causarão erros sistemáticos de percepção, tanto ' por parte dos empregadores como dos empregados, que inicíalment~ desvia~ rã o o desemprego_ na direção oposta à sua taxa naturaL Nesse sentid() a moe- - da não é neu_ tra.Tod-avia, tais de-s_vios são transitó-rios/ embora possa leva-rum 'I longo tempo até que eles sejam revertidos e, finalmente~ eliminados com o ajuste das previsões. (Friedman, 1986: 444) _- --- _ . _ · • . ·- . - . · .j 2.4 A Hipótese Aceleracionista Para Friedman, a política monetária pode afetar variáveis reais de forma sustentada, conforme sugerido pela chamada hipótese acekracíonísta. Como mostrado anteriormente, a eficácia da política monetária está con- dicionada ao fato de esta não ser plenamente antecipada pelos agentes: seus ~feitos duram apenas enquanto houver o fenômeno da ilusão monetária. Dessa forma, o modelo monetarista prevê que, se a autoridade monetária visa manter o desemprego sistematicamente abaixo da taxa natural, é necessário criar sur- presas inflacionárias continuamente - expandindo a oferta monetária a taxas crescentes-, gerando, assim, uma taxa de inflação também crescente. A hipótese aceleracionista é, portanto, um resultado que deriva das duas suposições centrais da escola monetarista: 11 (i) a existência da taxa natural de 11 Note-se que, a rigor, trata-se de um resultado do modelo monetarista, e não de uma hipótese. O termo hipótese é certamente usado aqui com o intuito de chamar a atenção para o fato de que se trata de uma possibilidade meramente teórica, ou de uma hipótese 70 REGIMES MONETÁRIOS desemprego; e (ii) a incorporação de expectativas adaptativas, o que, por sua vez, originou a curva de Phillips versão de Friedman-Phelps. Nesse sentido, Friedman não negou a possibilidade de a política monetá- ria afetar variáveis reais holongoprazo1 dado que existe uma relação negativa entre a taxa de variação d~kfi~Ção_e-Õdesemprego. Dito de outra forma, exis- te um trade-off entre a inflação-surpresa e a taxa de desemprego (ver Box 3). A hipótese aceleracionista pode ser formalizada da seguinte maneira. Admita- se uma situação inicial de equilíbrio ( t = O) em que ambas, a expectativa e a taxa de inflação, sejam iguais a zero ( F0e = F0 = O) e, portanto, o nível de desemprego é igual à taxa natural ( U0 = UN), representada pelo ponto A do Gráfico 3. Suponha-se ainda que o policymaker expanda a oferta monetária, deter- minando a ocorrência de uma inflação-surpresa. Inicialmente, os agentes sofrerão de ilusão monetária (A >A e= O) e a economia se deslocará parao ponto B, caracterizado por um nível de desemprego abaixo da taxa natural ( U1 < UN) e por uma taxa de inflação positiva (A >O). No período seguinte, os agentes perceberão que se enganaram corrigindo suas expectativas de inflação para F2e =A > A e = O, deslocando a curva de Phillips de curto prazo de CP1 para CP2• Caso a inflação do período anterior se repita, a ilusão monetária cessará e a economia se encontrará em equilíbrio no ponto C.12 Box 3- Somente a Inflação-surpresa Não É Neutra Para friedman, o efeitod~ política monetária sobre ás variáveis reais está. condicio~ nado à existência do fenômeno da ilusão monetária: Sóassurpresasimportam~·setodpsprevíssem que os pfeçoss~biriam,dlg~01os: · 20°/o ao anor essa previsão seria incorporada aos futuros contratos salariais (e ou:tros) e, assim, os .. salários re;;~ís comportar.,-se~iarn precisamente como se nin.:: guérri tlvess~ previstp nenhi.Jtll aumento: de preÇos; e nãoJ1averia razãoalauma para•.que .<,t·· t?xa. deZOOfode inflação: fosse a!)socíada a .liJ1Jnível.de ·~esemprego diferente. ao,correspondente a uma taxa z.ero. (Friedman, J2P8: 4:27) no sentido mais amplo do termo. Cabe notar ainda que a hipótese aceleracionista tam- bém foi desenvolvida por Friedman, traçando um paralelo entre a taxa natural de desemprego e o conceito wickselliano de taxa natural de juros (Friedman, 1968: 8). 12 Repare que está sendo utilizada a regra de formação de expectativas dada pela equação (5). Caso fosse utilizada a equação ( 6), a dinâmica seria a mesma, salvo que a inexistência de ilusão monetária suporia uma taxa de inflação constante por um número infinito de períodos. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS E LP CP, (P,' > P,') CP2 (P2' >P,') u, Gráfico 3 - Curva de Phillips Versão de Friedman-Phelps e a Hipótese Aceleracionista 71 Por definição, no longo prazo, o nível de desemprego é determinado por fatores reais, de forma que qualquer nível de preços é compatível com a taxa natural de desemprego - as forças monetárias não afetam a taxa natural de desemprego -, o que é representado por uma curva de Phillips de longo prazo (LP) vertical, fixada no nível de desemprego igual à taxa natural. Para que o desemprego se mantenha em U 1 , a autoridade monetária deve gerar inflação-surpresa continuamente, ou uma aceleração inflacionária cA < P2 <~- .. ),de forma a manter os trabalhadores continuamente iludidos cA >Ae,A >Ae,~ >N ... ). Conseqüentemente, a economia seguirá uma trajetória de explosão inflacionária dada por BDE, e assim sucessivamente (ver Box4). Em resumo, a hipótese aceleracionista prevê a existência de um trade-off entre a taxa de variação da inflação (ou a inflação-surpresa) e o nível de desemprego. Isto é, com o intuito de manter a taxa de desemprego sistem.:tti- camente abaixo da taxa natural, a autoridade monetária deve expandir 0 esto- que monetário a taxas crescentes, criando, assim,r surpresas inflacionárias continuamente e, portanto, mantendo os agentes em uma situação constante de ilusão monetária. 72 REGIMES MONETÁRIOS Box 4 - A Hipótese Aceleracionista Na seguinte passagem de seu artigo clássico de 1968,Friedman expôs com e riqueza de detalhes a hipótese aceleracionisfu: Vamos assumir que as autoridades monetárias tentam manter a taxa desemprego corrente abaixo da taxa natural. (; . .}Para isso, as autoridades monetárias aumentam a taxa de expansão da quantidade de mo~da na econo- mia. Essa será uma política expansionista. Ao tornar os encaixes nominais maio- res do que as pessoas desejam, haverá tendêncià inicial para baixar as taxas de juros, e por essa e por outras razões haverá estímulo para aumentar o nível de gastos. A renda e os gastos começam a se elevar. No início/ muito ou a maior parte do aumento da renda se transformará em aumento na produçã9 e no emprego, ao invés de aumento nos preços. As pessoas esperam que os preços continuem estáveis, e os salários são acertados durante algum tempo sob essa hipótese. Leva algum tempo para as pessoas se ajustarem ao novo .nível da demanda agregada. Os produtores tenderão a reagir .à. expanl';ãq inicial da d~ maoda agregada, aumentando a produção; os trabalhadores, trabalhando o;a!s horas, e os desempregados aceitando posições oferecidas agora, ao salarro nominal antigo. Isto é seguramente o que prevê a doutrina padrão. Mas ela descreve apenas o.s efeitos iniciais. Tendo em vista .que os preços dos produtos respondem ao aument~ não previsto da demanda nominal mais rapidamente do que os preços dos fatores de produção/ os salários reais recebidos se redu- zem ~embora aumente o salário real espet;adopelos empregados, desde que eles implicitamente avaliem os salários oferecidos aos níveis anteriores de pre~ ço. De fato, a queda expast do salário real pago pelos empregadores [isto é, o salário efetivo, fl ,simultânea ao aumento ex ante do salário reaJpara os trabalhadores [isto é/osaládoesperado, ~~]r é o que possibilita é! eleva~o do nívelt:feemprego. O nível de desemprego corrente estáabalxo.dataxa natural. Há llm excesso de demanda por tra~áiho1de forma. que o sa!ârio real fendea se elevêlr a partirdo seu níveUniciaLEmbora o crescime~to da oferta de moeda a.uma taxa mais elev~d~ continue,o aumentQ no salário real rev~rterá odedínío no desempr~go, fazendo o desemprego retornarao"Seu níyel iníçial. A.fím de manter 0 desemprego noseunfvel-meta de 30fo, a. autoridadétrmnet~ria terá {JUe éll;lfTientar ajaxa de (:resclmentoda oferta de moeda ainda ma,js. tOI!JO no. ! ca~p da taxq,dejlJI'OS, isto.aconfecérá ap~Q~S COm aacel$ração,da inflação. (Fried.mari1 l968; 9~10l .•. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 73 2.5 A Regra Monetária e os Argumentos contra o Discricionarismo A hipótese aceleracionista, por si só, já se constitui em argumento contrá- rio ao discricionarismo monetário, na medida em que ela sugere que qualquer tentativa sistemática de reduzir o nível de desemprego abaixo da taxa natural resulta, em última análise, em inflação crescente - o que é indesejável em vista de seus efeitos sobre a duração dos contratos e a capacidade de o sistema de preços coordenar eficientemente a atividade econômica. 13 No ,entanto, este não é o único e, muito menos, o mais relevante argumento de Friedman contra o discricionarismo monetário. Friedman destacou duas outras razões contrárias ao discricionaris~o (ou ativismo) monetário: (i) a redução no nível de utilidade dos agentes que so- frem de ilusão monetária; e (ii) o precário estágio do conhecimento quanto às verdadeiras causas geradoras dos ciclos econômicos e, notadamente, a existên- cia de defasagens na condução da política monetária. 2.5 .1 Ilusão Monetária e Redução do Nível de Utilidade dos Agentes Econômicos A ilusão monetária é condição necessária para que a política monetária\ não seja neutra (como apresentado na seção 2.3). Ocorre que os agentes econô- \ micos que sofrem de ilusão monetária não maximizam suas funções de utili- \ dade, criando-se, assim, um peso morto ou uma perda de bem-estar sociaP4 ! Dito de outra maneira, a ilusão monetária impede os agentes de se comporta- rem de forma ótima, desviando a economia de um estado de equilíbrio eficiente no sentido de Pareto. 15 13 Ver Fríedman (1988: 440). 14 Em linha com a nota 10, quando as firmas sofrem de ilusão monetária, elas não maxi- mizam suas funções de lucro. 15 Intuitivamente, diz-se que um equilíbrio é eficiente no sentido de Pareto se não existir nenhuma forma de melhorar a situação de algum agente econômico sem piorar a situação de pelo menos um outro agente. Uma definição mais fdrmal pode ser obtida em Mass- Collel, Whinston & Green (1995: 313). 74 REGIMES MONETÁRIOS É possível formalizar isso da seguinte maneira (o leitor pouco familiarizado com métodos quantitativos pode pular este e os próxi-mos dois parágrafos, sem qualquer prejuízo para a compreensão do resto do capítulo). Suponha n trabalhadores que decidem a quantidade de seu tempo a ser alocada em trabalho (L), em função do salário real ( W/P). Considere, ainda, que a quantidade ofertada de trabalho é função crescente do salário real e que a função de utilidade de cada um dos trabalhadores ( U) depende positivamente do salário real (ou dos bens-salários) e negativamente das horas de trabalho. Assim, o problema do trabalhador é dado por: max ui L,-' __ z <Üe I >0 ( W) f}U. f}Ui L P f} L f}(W; P) Na ausência de ilusão monetária, cada um dos n trabalhadores oferta uma determinada quantidade de trabalho (L;), que maximiza a sua função de utili- dade. Neste caso, a economia encontra-se em um ponto de equilíbrio eficiente de Pareto: . - ·e . *- ( w) \-f• -1 Pr -Pr ~Li -Arg max Ui L,p , vz- , ... ,n Supondo-se a ocorrência de uma inflação-surpresa, pelo menos um tra- balhador (que forma expectativas adaptativas) sofrerá de ilusão monetária, de- cidindo ofertar uma quantidade de trabalho (L;) que não ma:x:imiza sua função de utilidade. Neste caso, a economia encontra-se em um ponto que não é efici- ente no sentido de Pareto: . ' "e * ( w) 1 . -1 Pr F Pr ~Li to Arg max Ui L, p , para pe o menos um z- , ... ,n Foi visto que as oscilações do nível de desemprego decorrem de erros expectacionais, resultantes da criação de inflação-surpresa por parte das auto- ridades monetárias, pois o fenômeno da ilusão monetária (mais precisamente, uma elevação da inflação acima das expectativas) impacta positivamente o ní- vel de emprego de duas formas: (i) os trabalhadores empregados, ao avaliarem (erroneamente) que houve uma elevação no salário real, dispõem-se a traba- O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 75 lhar mais horas; e (ii) uma parcela dos trabalhadores voluntariamente desem- pregados, ao incorrer no mesmo erro, passará a considerar que os bens-salários proporcionam um nível de satisfação maior do que as horas de lazer e, portan- to, irá trabalhar (ainda assim, continuarão voluntariamente desempregados aqueles trabalhadores que, mesmo iludidos, não consideram o salário nominal suficiente). Em ambos os casos, os trabalhadores (empregados ou não) que anterior- mente estavam maximizando suas respectivas funções de utilidade deixarão de fazê-lo, já que a decisão de aumentar a oferta de trabalho é fruto de uma mera ilusão: os trabalhadores avaliam que houve uma elevação do salário real, en- quanto esse, na verdade, permanece constante. Assim, esses trabalhadores terão o seu nível de satisfação reduzido, determinando, conseqüentemente, uma dimi- nuição do nível de bem-estar da sociedade. Em suma, Friedman postulou que o discricionarismo monetário, ao gerar uma redução no nível de bem-estar social, é indesejável. 2.5 .2 Defasagens na Condução da Política Monetária e a Exacerbação dos Ciclos Econômicos Friedman ressaltou que a precariedade do conhecimento sobre as verda- deiras causas que geram os ciclos econômicos e sobre os efeitos potenciais da política monetária implica que o uso indiscriminado desse instrumento de po- lítica econômica pode gerar conseqüências imprevisíveis e até mesmo inde- sejáveis. Além disso, a existência de defasagens na condução da política monetária faz com que seu uso discricionário possa se tornar uma fonte adicional de dis- túrbios econômicos . As defasagens presentes na condução da política monetária podem ser agrupadas em duas: (i) interna- período de tempo entre a ocorrência de um choque e a tomada de medidas por parte das autoridades; e (ii) externa- inter- valo de tempo entre a adoção da medida e o surgimento de seus efeitos. A presença de defasagens na condução da pqlítica monetária é o argu- mento mais relevante na defesa da adoção de um~ meta monetária. Esse fato, aliado ao precário estágio de desenvolvimento da teoria econômica, implica que o discricionarismo monetário pode, ao invés de amenizar, exacerbar as flutuações econômicas (ver Box 5). 76 REGIMES MONETÁRIOS Box 5 - As Defasagens na Condução da Política Monetária ~ação d~ existência de defasagens na condução da p61íficá monetária foi I uma das grandes contribuições de Milton Friedman. Em suas palavras: I Nossa economia é caracterizada não apenas por rigidez de preços; mastam- 1 bém por defasagens significativas e outros tipos de resposta (da política eco~ I nômica). As defasagens tornam impossívelqualquer afirmação x:lefinitiva sobre I 0 real grau de estabilidade, que provavelmente irá resultar de urna política mo..c I netáría ou fiscaV como a descrita acima. Pode-se esperar menores flutuações I do que as existentes correntemente, embora noss~a ignorâ~ci~ so~re as defasa- ; gens e sobre as causas fundamentais das flutuaçoes econom1cas Impeçam que I tenhamos confiança nos resultados das ações tornadas. Apolítica econômica 1 1 •. proposta poderá intensificar, ao invés de mitigar, as flutuações do dela eco~ô-j 1 ;~:o;:~n!~~::·~=~~::~e :e;:;: ~~d;:::;:,:~~:: :~R~::~ I , ções aleatórias adicionais [ ... ] Os fundamentos dessa hipótese podem ser mais li I bem vistos ao se subdividir em três partes a defasagem envolvida em qualquer· I ação do governo para compensar urna perturbação econômica: (1) a defasa-~ 1 gem entre a necessidade da ação e o reconhecimento da necessidade da ação; , I (2) a defasagem entre o reconhecimento da necessidade da ação e a tomada da j I ação; e (3) a defasagem entreaação e seusefeitos. (Friedman; 1948: 254-5) I ·~~~---- Para fins didáticos, os efeitos da existência de defasagem na condução da política monetária sobre as flutuações econômicas podem ser apresentados com auxílio do Gráfico 4. t+l t+2 Tempo Gráfico 4 - Defasagens na Condução da Política Monetária e a Intensificação das Flutuações Econômicas O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 77 Suponha que uma economia entre em uma fase recessiva no período t. A defasagem interna implica que somente em t + 1 as medidas de estímulo eco- nômico, ou de flexibilização da política monetária, serão tomadas. Já a defasa- gem externa faz com que os efeitos das medidas adotadas só venham a ocorrer em t + 2. No entanto, é possível que em t + 2 a economia naturalmente já tenha entrado em uma fase de recuperação (representada pela trajetória contínua), de tal forma que a expansão monetária acabe por gerar um superaquecimento, representado pela trajetória tracejada. Friedman foi muito enfático com relação ao perigo representado pelo uso discricionário da política monetária. A esse respeito, ele ressaltou: A razão da existência de uma propensão a reagir de forma exacerbada parece clara: o fracasso das autoridades monetárias em considerar a defasagem de suas ações e os seus efeitos subseqüentes sobre a economia. Elas tendem a determinar suas ações pelas condições atuais da economia- mas suas ações afetarão a econo- mia apenas seis ou nove meses mais tarde. Dessa forma, elas se sentirão inclina- das a pisar no freio, ou no acelerador, dependendo da situação, o que é uma decisão difícil. (Friedman, 1968: 16) Pelos motivos expostos, Friedman defendeu a idéia de que a política mo- netária deveria ser conduzida segundo uma regra monetária que estipulasse uma taxa fixa de crescimento para algum agregado monetário: Minha prescrição continua sendo que a autoridade monetária vá até o fim para evitar tais movimentos na economia, ao adotar publicamente a política que vise atingir uma taxa de crescimento constante para determinado agregado monetá- rio. (Friedman, 1968: 16) 1 A adoçã-;;deuma-regra monetária, tal como proposta por Friedman, é \ sem dúvida a mais relevante ifi1pli<:;ação de política ewnômica preconizada pelo \~onetarismo tipo LAp;;a~ de o regi~ e de metas monetárias não se reduzirà I ',,, / \mer'à'adoç_ãO-de uma meta ou de uma regra monetária, ela é, comcerteza, o seu traço distintivo. Nesse sentido, pode-se afirmar q~e os fundamentos teóricos d~ regime de metas monetárias encontram-se no modelo monetarista. 'I I I I 78 REGIMES MONETÁRIOS Box 6 - A Atuação Prospectiva das Autoridades Monetárias rCabe ressaltar que Friedman foi responsável por uma importante mudança napos-J tura das autoridades monetárias,as quais, diante da constatação da existência de defasagens na condução da política monetária; passaram a atuar de maneira mini~ ma mente prospectiva, e não apenas emfunção do estadocorrerrte da ewnomia. Isto é, caso a política monetária seja coqduzida discdcionariamente - mesmo que não se assuma a existência de vma taxa natural de desemprego e a neutralidade da moeda -, a autoridade monetaria deve. considerar que. os efeitos de suas ações ocorrem de maneira defasada no tempo. C~nseqüentemente,os instrumentos de política monetária também devem ser calibrados em função das expectativas com relação ao estado futuro .. da economia -avaliado de acardo com indicadores ante- cedentes das variáveis macroeconômicas (PIS; taxa de desemprego, inflação etc)-, ' não apenas de acordo com sel.J estado corrente. Note.,-se, portanto, que a atuação ~rospeciivadas i'JUtoridades monetáríasíndepencle da aceitação da hipótese da taxa natural de desemprego~ resultando tão-so,mente da existênda de· defasagens. (acerca das <:lefasagens na eéonômia · brasiletra, ver Capítulo 6). 2.6 O Papel Limitado da Política Monetária A política monetária desempenha um papel extremamente limitado no modelo monetarista. No longo prazo, a moeda é neutra; isto é, a autoridade monetária não pode manter, sistematicamente, o nível de desemprego abaixo da taxa natural- a não ser que coloque a economia em uma trajetória de explo- são inflacionária, conforme sugerido pela hipótese aceleracionista. Dado o paralelo traçado por Friedman entre a taxa natural de desempre- go e o conceito wickselliano de taxa natural de juros, a política monetária tam- bém não é capaz de manter a taxa de juros permanentemente em um nível diferente da taxa natural- a não ser que crie inflação ou deflação crescente, em linha com a hipótese aceleracionista. Isto é, no longo prazo, a taxa de juros se iguala ao seu nível natural, sendo determinada por fatores reais, independente- mente das condições monetárias (exatamente igual ao que ocorre com o nível de desemprego). Mas isso não significa que a política monetária seja impotente; ao contrá- rio, Friedman ressaltou sua importância na explicação da crise de 1929 e nas demais flutuações econômicas relevantes que se verificaram nos Estados Unidos: O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 79 A Grande Depressão é o mais dramático exemplo, mas não o único. Todas as outras depressões relevantes ocorridas nesse país têm sido produzidas ou por desordens monétárias ou foram fortemente exacerbadas por desordens monetárias. Toda gran- de inflação tem sido produzida por expansão monetária. (Friedman, 1968: 12) Friedman e Schwartz (1963b) apresentaram evidência empírica de que contrações no estoque monetário causaram as principais recessões norte-ame- ricanas entre 1867 e 1960.16 A partir dos resultados dessa extensa pesquisa, os dois autores sustentaram que a moeda tem papel ativo no mecanismo de trans- missão da política monetária- entendido como a forma pela qual variações no estoque monetário afetam a renda nominal;17 isto é, variações no estoque- mo- netário precedem e causam mudanças no nível da renda nominal. Apesar. de a política monetária ser um instrumento potente, os seus efei- tos não são perfeitamente previsíveis ou mensuráveis, fundamentalmente por causa da existência de defasagens em sua execução, o que torna indesejável o seu uso discricionário. Portanto, resta à política monetária somente a tarefa de não se constituir em fonte adicional de distúrbios, proporcionando um ambiente de estabilida- de que favoreça o bom funcionamento do sistema econômico. Como concluiu Friedman, A primeira e a mais importante lição que a história ensina sobre o que a política monetária pode fazer - e é uma lição da mais profunda importância - é que a política monetária pode evitar que a própria moeda seja a principal fonte de perturbação econômica[ ... ] Uma segunda coisa que a política monetária pode fazer é fornecer um ambiente estável para a economia- manter a máquina bem lubrificada, para manter a analogia de Mill. Realizar a primeira tarefa irá contri- buir para que esse objetivo seja atingido, mas há muito mais a fazer do que isto. Nosso sistema econômico funcionará melhor quando produtores e consumido- res, empregadores e empregados puderem continuar tendo total confiança de que o nível médio de preços terá um comportamento conhecido no füturo - preferencialmente, de que ele seja altamente estável. (Friedman, 1968: 12-3) 16 Não se pretende discutir a validade das evidências apresentadas. 17 No Capítulo 6, é exposto o funcionamento desse mecanismo para a economia brasileira. 80 REGIMES MONETÁRIOS 2. 7 Estabilidade Macroeconômica: Visão de Keynesianos e de Monetaristas É importante notar que, subjacente à proposição de que a política monetá- ria deva ser pautada por uma regra- e que, portanto, ela não deve ser conduzida de maneira discricionária (ou ativa)-, encontra-se a hipótese de que a economia é intrinsecamente estável. Ou seja, a oposição monetarista ao ativismo monetário está intrinsecamente relacionada com a proposição de que a taxa natural de desemprego goza das pro- priedades de unicidade e estabilidade e que, na ausência de intervenções mo- netárias, o desemprego converge automaticamente para a taxa natural (conforme visto na seção 2.1). Ao se reduzir as causas das flutuações econômicas às oscilações na oferta monetária, a adoção de uma regra monetária torna-se uma proposição mera- mente tautológica: dado que a "desordem monetárià' é considerada a principal causa das flutuações econômicas, basta adotar uma regra monetária para que a economia se mantenha estável. 18 Nesse sentido, pode-se dizer que Friedman realiza um reducionismo ao considerar que os ciclos econômicos têm, como causa principal, alterações na oferta monetária. Em poucas palavras, os monetaristas acreditam que o setor privado é ineren- temente estável e que, portanto, a política fiscal e, notadamente, a política monetá- ria não devem ser conduzidas discricionariamente, de forma a não perturbar a estabilidade macroeconômica- considerada inerente ao sistema econômico. Já os autores keynesianos postulam que o investimento privado é alta- mente instável e oscila bruscamente em função de mudanças, notadamente, nas expectativas dos investidores (animal spirits, nas palavras de Keynes) com relação ao desempenho futuro da economia, principalmente quanto ao com- portamento da demanda agregada. Desse modo, as políticas monetária e fiscal devem ser utilizadas como instrumentos anticíclicos, com o intuito de ameni- zar as intensas e recorrentes flutuações econômicas decorrentes da elevada volatilidade do investimento privado. 19 18 Não confundir estabilidade econômica- que diz respeito aos níveis de emprego e renda - com estabilidade de preços, que se refere a níveis reduzidos de inflação. 19 Ver, por exemplo, Minsky (1986). O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 81 Em suma, enquanto os keynesianos enfatizam que os níveis de emprego e renda flutuam consideravelmente - e que, portanto, o gerenciamento da de- manda agregada é necessário para estabilizá -los -, os monetaristas defendem que o equilíbrio macroeconômico é suficientemente estável a ponto de tornar dispensável o ativismo monetário e fiscal. 2.8 A Teoria Quantitativa da Moeda O monetarismo tipo I também se caracteriza por um esforço de restabelecimento, ou melhor, de restauração da teoria quantitativa da moeda,um dos pilares da economia clássica e uma das mais antigas doutrinas eco.nô- micas, cujas origens remontam ao século XVI, sendo encontrada nas obras de Jean Bodin - primeiro autor a considerar que a inflação verificada na Europa Ocidental, em meados dos anos 1500, tinha como causa a abundância de ouro ' decorrente do forte fluxo de metais preciosos importados das colônias espa- nholas na América do Sul-, John Locke, Richard Cantillon e David Hum e. 2.8.1 A Concepção Clássica Em poucas palavras, a teoria quantitativa da moeda (TQM) propõe que o nível geral de preços é determinado pelo estoque monetário. A TQM não se restringe, entretanto, a essa proposição. De uma forma mais rigorosa, a teoria consiste em um conjunto de postulados que se inter-relacionam: (i) o estoque monetário é proporcional ao nível de preços; (ü) há uma causalidade que vai no sentido da moeda para os preços- isto é, varia- ções no estoque monetário precedem e causam alterações nos preços; (iü) a moeda é neutra no longo prazo- ou seja, a política monetária não afeta variáveis reais de forma permanente; ( iv) a teoria monetária do nível geral de preços (ou a dicotomia entre preços relativos e absolutos)- segundo a qual, fatores não-monetários (es- trutura de mercado, choques reais como progresso tecnológico, ganhos de produti- vidade etc.) podem determinar mudanças de preços relativos que se compensem entre si, de modo que o nível geral de preços permaneçe inalterado (variando, por- tanto, apenas em função do estoque monetário); e (v) o estoque monetário nomi- nal é exógeno - a oferta monetária (nominal) é determinada por fatores independentes daqueles que determinam a demanda por encaixes nominais. 82 REGIMES MONETÁRIOS A TQM é comumente formalizada por meio das chamadas equações quan- titativas: (i) a equação de Fisher, originalmente formulada por Simon Newcomb em 1885, veio a se tornar popular com a publicação de Irving Fisher (1922), The purchasing power of money;20 e (ii) a equação de Cambridge, desenvolvida por Alfred Marshall e A. C. Pigou. A equação de Fisher parte da identidade entre o total das despesas em moeda e o valor total de bens e serviços transacionados em um determinado período de tempo. Isto é, ela representa o fato de que a toda compra está asso- ciada uma venda de mesmo valor: em cada transação, a despesa monetária é identicamente igual à receita monetária. Considerando-se Ma quantidade de moeda em circulação (ou o estoque monetário); V' a velocidade-transação de circulação da moeda- ou o número de vezes que a moeda troca de mão na realização de todas as transações econô- micas ocorridas em um determinado período; P os respectivos preços dos bens e serviços; e Tas respectivas quantidades (físicas) de bens e serviços transacio- nadas, a identidade de Fisher é dada por: MV' = PT . Repare que a velocidade de circulação da moeda (V') é uma variável de fluxo que permite relacionar o estoque monetário com o valor nominal das transações (PT), que também é uma variável de fluxo. Note-se, também, que o lado esquerdo da identidade de Fisher é um escalar, e o lado direito é represen- tado pelo produto de um vetor-linha P1xn por um vetor-coluna Tnxl cujo resul- tado também é um escalar, 2:~~/~ I;. Uma versão modificada, e mais popular, da identidade de Fisher é representada por: (8) Jvi5 é a oferta de moeda (ou o estoque monetário); V, a velocidade-renda de circulação da moeda (isto é, sua rapidez de giro ou a sua taxa de utilização), defi- nida como o número de vezes que o estoque monetário deve circular no fluxo de financiamento do produto nominal; Y, o PIB real; e P, o nível geral de preços. A identidade de Cambridge propõe que os indivíduos mantêm uma fra- ção (k) de sua renda sob a forma de encaixes nominais. Considerando-se Ma a demanda por moeda, a equação de Cambridge é, portanto, dada por: 20 Originalmente publicada em 1911. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 83 Md= kPY (9) Na medida em que (8) representa a oferta monetária e (9) a demanda por moeda, e dado que o estoque monetário é considerado exógeno, em equilíbrio obtém-se que: M = Md = M 8 = ~ PY = kPY, donde se conclui que k = ~·A chamada constante marshalliana (k) é, desse modo, igual ao inverso da veloci- dade-renda de circulação da moeda, e isso ilustra o fato de que uma elevação (redução) da velocidade de circulação equivale a uma diminuição (um aumen- to) da demanda por moeda. É importante notar que as equações quantitativas são meramente tau- tológicas, visto que expressam, cada uma a sua maneira, e em termos agrega- dos, a identidade contábil entre os valores da despesa e da receita monetárias geradas em uma determinada transação. Elas somente assumem o status de uma teoria de determinação do nível geral de preços ao supor que: (i) a velocidade de circulação da moeda (V) é suficientemente estável (ou quase constante), variando lentamente ao longo do tempo, em função de fatores institucionais - como o grau de desenvolvimento do sistema bancário, a freqüência, regularidade e correspondência (ou o grau de sincronização) entre os recebimentos e as despesas etc. -, não dependendo, portanto, dos demais termos de (8); e (ii) o volume de bens e serviços transacionados ou o PIB real ( Y) é determinado, no longo prazo, pela plena utilização dos fatores produtivos- correspondendo, assim, ao produto de pleno emprego, independentemente dos demais termos de ( 8) -,em linha com a lei de Say e com sua subjacente hipótese de que a moeda desempenha apenas a fim- ção de meio de troca. Admitindo-se que V é constante e que Y está fixo em seu nível de pleno emprego, tem-se que o nível geral de preços é proporcional ao estoque mone- tário. Dito de outra forma, considerando-se que V seja estável ao longo do tem- po (V= O), a equação (8) mostra que a estabilidade de preços será obtida se, e somente se, a taxa de variação da oferta monetária (M) for igual à taxa de varia- ção do produto real ( Y) :21 2 1 Seja X( t) uma função; a sua taxa de variação instantânea é denotada por X= dd:X. Isto é, . t X representa a taxa de variação de X ao longo do tempo. Por exemplo, representa a taxa de variação do PIB real. 84 REGIMES MONETÁRIOS Nesse sentido, a TQM sintetiza não apenas os principais postulados e os resultados do modelo clássico, mas também a essência do monetarismo tipo I, ou a concepção de que a inflação é (sempre e em qualquer lugar) um fenômeno monetário. É exatamente isso que Friedman teve em mente ao afirmar que o estoque monetário é uma variável-chave na determinação do nível geral de pre- ços (ou da renda nominal) e que, dessa forma, a inflação pode ser evitada se, e somente se, o estoque evoluir pari passu com o produto real, como é mostrado adiante. 2.8.2 A Concepção de Friedman A abordagem quantitativa, ainda que alvo de muita controvérsia, 22 foi pre- dominante até os anos de 1930. A partir daí, ela enfrentou uma onda de ceticis- mo que, para Friedman, ocorreu em razão de dois fatores: (i) a aparente expansão monetária realizada pelo Federal Reserve Bank (FED)23 durante a Grande De- pressão, que serviu como evidência contrária à teoria quantitativa - segundo Friedman e Schwartz ( 1963b ), apesar das reduzidas taxas de juros de curto pra- zo, na realidade, a oferta monetária foi contraída em um terço entre 1929 e 1933; e (ii) o desenvolvimento de um instrumental teórico alternativo marcado pela publicação, em 1936, da Teoria geral por Keynes ( 1983). Durante a década de 1950 e início dos anos de 1960, período que marcou o auge da síntese neoclássica, a crença na existência de um trade-off estável entre inflação e desemprego sepultou a teoria quantitativa da moeda. Nessa época, apenas uma minoria de economistas, reunidos na Escola de Chicago e liderados por Friedman, continuava a postular a neutralidade damoeda. A partir de meados da década de 1960, esse pequevo e, até então, margi- nalizado grupo de economistas passou a realizar um esforço explícito de nega- . ção da existência de um trade-off estável entre inflação e desemprego, em linha 22 A chamada controvérsia bullionista e o debate entre a Escola do Meio Circulante ( Currency Schoo[) e a Escola Bancária (Banking Schoo[) indicam que a teoria monetária no século XIX foi alvo de muita discussão. Para maiores detalhes, ver Humphrey (1974). 23 Banco Central dos Estados Unidos. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 85 com a adoção da hipótese da taxa natural de desemprego e com o desenvolvi- mento da curva de Phillips versão de Friedman-Phelps, contribuindo para 0 restabelecimento da abordagem quantitativa, que voltou a predominar a partir do final dos anos de 1960. Friedman (1956) reformulou a TQM enfatizando duas diferenças sutis com relação à concepção clássica dessa teoria, quais sejam: (i) trata-se de uma teoria de demanda por moeda, e não de determinação dos níveis de renda e preços; e (ii) existe uma relação funcional estável entre a demanda por encaixes reais e um número determinado de variáveis - por exemplo, a renda permanente (proxy da riqueza), a taxa de retorno dos ativos financeiros, a expectativa de inflação, e as preferências dos agentes econômicos. Dessa forma, a velocidade de circulaÇão da moeda, ainda que não seja constante- como supõe a proporcionalidade entre o estoque monetário e o nível geral de preços, postulada pelos autores clássicos-, é estável, apresentando um comportamento previsível (ver Box 7). Apesar de a reformulação da TQM realizada por Friedman ter sido carac- terizada por uma tentativa de distanciamento da concepção clássica dessa teoria, a sua essência- ou a concepção de que a inflação é um fenômeno monetário - foi mantida. Ou seja, no monetarismo tipo I, variações no estoque monetário são consideradas o fator predominante na determinação do comportamento dos preços. Como exposto por Friedman, Aceitar a teoria quantitativa da moeda significa que a quantidade de moeda é a variável-chave das políticas direcionadas ao controle de preços ou da renda no- Box 7 - A Demanda por Moeda e a sua Estabilidade I Em artigo sobre a TQM, Friedman ressaltou que: No nível analítico, ela [a teoria quantitativa da moeda] tem sido uma anàlis~d9s fatores determinantes da quantidade de moeda que a sociedade deseja d~l)lanciár; no.nível empírico, ela tem se tornado a generalização da idéia de que f1ltÚ:Ié!f1~a~f1o volLJme desejado de encaixes reaís (a demanda pormoeda) tendem a pcor:er vagarosa e gradualmente, ou il resultar de eventos decorrentes de.m[Jdanças anteriores às variações na oferta; por sua vez, em contr~ste, mudánç~s súbshlh.::. dais na oferta de encaixes nominais podem ocorrer, e freqüentemente ocorrem; independentemente de qualquer mudança na demanda por moeda. A Col)dusão é que mudanças substanciais nos preços ou na rençla nominal sã9, quase sempre, o resultado de mudanças na oferta nominal de moeda. (Friedman, 1989: 3) · 86 REGIMES MONETÁRIOS minai. A inflação pode ser evitada se, e somente se, a quantidade de moeda por unidade de produto puder ser impedida de aumentar de forma significativa. A deflação pode ser evitada se, e somente se, a quantidade de moeda por unidade de produto puder ser impedida de cair de forma significativa. (Friedman, 1989: 33) A restauração da teoria quantitativa reforçou a tese a favor da adoção de urna regra monetária. Em outras palavras, visto que no modelo monetarista a inflação é um fenômeno monetário, a estabilidade de preços será alcançada se, e somente se, as variações do estoque de moeda evoluírem pari passu com a taxa de crescimento do produto real: "Inflação é sempre e em qualquer lugar um fenômeno monetário no sentido de que ela é e somente pode ser gerada por um crescimento do estoque monetário maior do que o do produto" (Friedman, 1989: 32; itálico no original). Conseqüentemente, o controle inflacionário se reduz à adoção de urna política monetária austera. Didaticamente, pode-se sintetizar a essência do monetarismo tipo I por meio de um axioma e urna proposição, apresentados a seguir: I I Axioma do monetarismo tip<) I. A inflação é um fenômenpmonetárío. Ela ocorre I se, e somente se, o estoque mon~tário crescer a uma t.axa superior à taxa de cresci-:- ! mento do PIB real. , Proposição. A estabilidade de preços e obtida se, e somentese, a taxa de cresci-l mento do estoque monetário for igual à taxa de crescimento do PIB reaL É nesse sentido que se pode afirmar que o modelo monetarista orientou a condução da política monetária na maioria dos países, notadamente durante a década de 1970, como é visto na próxima seção. O restabelecimento da teoria quantitativa não se deu apenas no plano teóri- co, caracterizando-se, também, por um esforço de verificação empírica realizado notadamente por Friedman e Schwartz (1963a, 1963b) e Cagan (1965). Sendo assim, a relação de causalidade entre o estoque monetário e o nível de preços, isto é, o papel ativo da moeda no mecanismo de transmissão da política monetária foi considerado empiricamente comprovado por esses autores. 24 24 Mais uma vez, não está em questão a plausibilidade das evidências apresentadas por esses autores. O REGIME DE METAS MONETÁRIAS 87 Da mesma maneira, a estabilidade da velocidade de circulação da moeda foi tida como uma regularidade empírica: "Os teóricos da teoria quantitativa aceitam a hipótese empírica de que a demanda por moeda é altamente estável" (Friedman, 1956: 16). Realmente, durante as décadas de 1960 e 1970, a velocidade de circulação da moeda mostrou-se altamente estável nos EUA, dando respaldo à hipótese monetarista. Entretanto, a partir da década de 1980, ela apresentou um com- portamento errático, o que foi decisivo para a perda de prestígio da concepção monetarista do processo inflacionário (ver Gráfico 5, na seção 3.6). Em suma, a essência da versão clássica da TQM- ou a concepção de que a inflação é uni fenômeno monetário- foi incorporada pelo monetarismo tipo I. No entanto, Friedman se esforçou para apontar diferenças entre a sua concep- ção e a formulação original dessa teoria, ressaltando duas nuanças: (i) trata-se de uma teoria de demanda por moeda; (ii) a velocidade de circulação da moeda é altamente estável (ver Box 9). Para os estudos dos regimes monetários, a essência do que foi visto até aqui é o fato de que os fundamentos teóricos do regime de metas monetárias se encontram no monetarismo tipo I. A operacionalização e as principais caracte- rísticas dessa estratégia de condução da política monetária são apresentadas a seguir. Box 8 - Friedman e os Padrões de Comportamento da Velocidade de Circulação da Moeda Vale notar que Friedman identificou dois padrões de comportamento da velocidade de drculaç?o da moeda. O primeiro r~ere-se a wna tendência secular caracteriza., da ppr uma correlação negativa entre a renda real e 1'1 velocidade de circulação da ··moeda. Assim, na medida em que nos Estados Unidos verifiFou-se. uma tendência ·· de elevaÇão da renda reat a velocidade .de drc1..1lação da moeda flpresentou trajetó- ria descendente. O segun~o diz respeito a um comportament<;> cícH.co marcado por uma correlaç?o positiva entre as mesmas variáveis. Dessa forma, em períodos de .• expansão econômiCa, ambas ~ a renda real e a velocidade de drculaçãó- se eleJam, e em períodos de contração, elas se reduzem. Nas palavras do próprio autor: No longo prazo, a renda real e a velocidade [de circulação da moeda] tendem a · se mover em direções opostas; com relação ao~ ciclos de curto prazo, na mes- ma direÇão.(Friedman, 1959: 16) 88 REGIMES MONETÁRIOS Box 9 - Friedman e o Restabelecimento da Teoria Quantitativa da Moeda restat,eiE~cmnerltO da TQM por
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