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Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 99 INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E SUA IMPORTÂNCIA ECONÔMICA E SOCIAL: UMA REFLEXÃO SOBRE O CENÁRIO ATUAL E PERSPECTIVAS FUTURAS Henrique Sulzbach de Oliveira1, Rafael Luís Spengler2 Resumo: A biotecnologia em saúde humana tem demonstrado ser área de pesquisa promissora para o progresso de economias em desenvolvimento. Por sua própria natureza científica, a biotecnologia, através de seu aprofundamento, tem a capacidade de impactar na melhoria da qualidade de vida da população. A partir da hipótese de que as inovações em saúde humana não estão restritas a países já desenvolvidos, o presente artigo, por meio de revisão bibliográfica, evidencia iniciativas realizadas em países em desenvolvimento que tiveram significativo impacto para a solução de seus problemas de saúde. Ademais, em particular, ressalta progressos científicos realizados no Brasil e os desafios na área de biotecnologia em saúde humana, verificando que a inovação tecnológica serve de importante propulsor para modificações tanto quantitativas, referentes ao crescimento da economia do país, quanto qualitativas, relacionadas à melhoria da vida das pessoas. Palavras-chave: Biotecnologia. Desenvolvimento. Inovação. Brasil. INNOVATIONS IN HUMAN HEALTH BIOTECHNOLOGY IN DEVELOPING COUNTRIES AND ITS ECONOMIC AND SOCIAL IMPORTANCE: A REFLECTION ABOUT THE CURRENT FACTS AND FUTURE PERSPECTIVES Abstract: Human health biotechnology has emerged as a promising research area for the progress of developing economies. Because of its scientific relevance, the advances in biotechnology can improve the population’s quality of life. On the assumption that human health innovations are not restricted to developed countries, this paper, through literature review, shows initiatives in developing countries that were significantly relevant to achieve a solution to their health problems. Moreover, it draws attention to scientific progress in Brazil and the challenges in human health biotechnology and reveals that 1 Fisioterapeuta, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Univates e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). 2 Bacharel em Ciências Econômicas, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia, ênfase em Economia do Desenvolvimento, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes). INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 100 technological innovation is an important booster for both quantitative changes, such as the country’s economic growth, and qualitative changes, such as the improvement of people’s quality of life. Keywords: Biotechnology. Development. Innovation. Brazil. 1 INTRODUÇÃO A biotecnologia, de acordo com Glazer e Nikaido (1995) apud Pereira Jr., Bon e Ferrara (2008, p. 7), pode ser compreendida como o “uso de organismos vivos para produzir produtos benéficos para a espécie humana”. As suas diversas aplicações abrangem a saúde animal (inseminação artificial, clonagem, engenharia genética etc.), a agricultura (sementes e plantas modificadas geneticamente, controle de pragas, produção de fertilizantes, entre outros) e a bioenergia (como o etanol e o biodiesel), entre outros. Mesmo com seu alto grau tecnológico, soluções na área biotecnológica não são restritas aos países ricos; são também requeridas e devem ser desenvolvidas por países em desenvolvimento, de modo a atender às necessidades particulares de cada país (SASHA; SATYANARAYANA; GARDNER, 2004). No Brasil, o setor de biotecnologia em saúde tem feito progresso considerável. Ele compreende empresas privadas e institutos controlados pelo governo, estando comprometido no desenvolvimento e/ou fornecimento de produtos para saúde humana. Nos últimos anos aumentou-se a ênfase no papel do setor privado como meio de complementar os esforços do setor público, acelerando o processo de inovação e abastecimento de produtos em saúde (REZAIE et al. 2008). Essa percepção é corroborada por estudos setoriais, como Biominas (2011), por exemplo, que enfatiza que o Brasil possui características estruturais e conjunturais capazes de alavancar o desenvolvimento do setor de biociências, como forte base científica, abundância de recursos naturais e ascensão de milhões de brasileiros à classe média e envelhecimento (aumentando consumo e acesso a serviços de saúde). Porém, para gerar renda a partir desses fatores, seria necessária a atitude pró-ativa e coordenada de agentes públicos e privados, além de, sobretudo, um projeto de longo prazo para o país. Outro aspecto notável, e que, segundo Bonelli e Fontes (2013), tem sido pouco enfatizado nos estudos econômicos, é o fato de que a transição demográfica brasileira, – isto é, a redução das taxas de crescimento populacional e em idade ativa –, tem sido muito rápida. Enfatizando que a população brasileira deixará de aumentar em 2040, passando então a diminuir, Bonelli e Fontes (2013) apontam que os impactos sobre os gastos com saúde e previdência no Brasil aumentarão e, no extremo oposto da pirâmide etária, as despesas com jovens diminuirão. Os autores demonstram que o Brasil vive o final de uma fase em que o bônus demográfico (ou seja, a diferença entre o crescimento da população total e da população em idade ativa) contribuía de maneira decisiva para o Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 101 Henrique Sulzbach de Oliveira, Rafael Luís Spengler crescimento. Por isso, a necessidade do crescimento da produtividade nesse contexto se impõe como essencial, o que reforça a relevância da biotecnologia para a saúde humana em um contexto de população mais envelhecida e traduz-se, igualmente, em uma oportunidade de longo prazo para o setor farmacêutico. O foco deste artigo é exatamente a biotecnologia para a saúde humana, que, conforme Biominas (2011), está vinculada ao desenvolvimento de novos medicamentos, diagnósticos, vacinas, terapia celular, medicina regenerativa e engenharia de tecidos. Esse setor, em franca ascensão no Brasil, oferece inúmeras oportunidades que, se bem identificadas e aproveitadas, podem contribuir para o desenvolvimento dos países. Desse modo, partindo da hipótese de que, de fato, avanços técnicos na área traduzem-se em ganhos econômicos e sociais para países considerados “em desenvolvimento” (Brasil, África do Sul, China, Coreia do Sul, Cuba, Egito e Índia), e que as inovações em pesquisas na fronteira tecnológica não são e não devem ser exclusivas de países desenvolvidos, objetiva-se discutir e enfatizar a importância da biotecnologia em saúde humana para o desenvolvimento. Sendo assim, algumas questões se impõem: a qual noção de desenvolvimento se está referindo e qual a importância da biotecnologia em saúde humana para o mesmo? Quais as principais inovações já consolidadas no conjunto dos países selecionados e que foram traduzidas em melhorias para a saúde de suas populações? No caso específico brasileiro, quais iniciativas têm sido tomadas para o aprofundamento das pesquisas em biotecnologia em saúde humana e persecução do desenvolvimento econômico-social? Para tratar desses problemas, o artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução. O próximo capítulo traz uma discussão teórica que realça a influência da inovação para o desenvolvimento. Destaca-se, sobretudo, o papel das inovações em biotecnologia em saúde humana. Em seguida, a terceira seção demonstra a relevância dessas inovações para países em desenvolvimento, exemplificando com algumas iniciativas bem-sucedidas realizadas em um conjuntode países considerados “em desenvolvimento”. O quarto capítulo traça um panorama da realidade do setor de biotecnologia em saúde humana no Brasil e estabelece algumas perspectivas, oportunidades e desafios relacionados à área no país. Finalmente, a conclusão resume as principais questões trabalhadas ao longo deste estudo. 2 BIOTECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ASPECTOS TEÓRICOS Ao longo das últimas décadas, a biotecnologia, que se constitui de um conjunto de áreas de conhecimento (o que reforça a necessidade de competências multidisciplinares), evoluiu tecnicamente de maneira significativa, de modo a propiciar o aumento da compreensão sobre processos biológicos em nível molecular e permitir a reprodução artificial ou modificada de processos antes restritos a modelos naturais. As aplicações INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 102 dessas técnicas para a saúde são vastas, incluindo vacinas (preventivas e terapêuticas), substâncias terapêuticas de base biotecnológica (proteínas recombinantes, anticorpos monoclonais, versões recombinantes de hemoderivados), reagentes e kits utilizados para diagnósticos e análises clínicas (REIS; PIERONI; SOUZA, 2010). Pode-se dizer que a biotecnologia em saúde humana é parte indissociável de um fenômeno mais amplo, o progresso científico, que tem impactos significativos também nas esferas econômica e social. A inovação tecnológica, sem dúvida, é um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento econômico, a ponto de Freeman e Soete (2008, p. 497), por exemplo, serem categóricos: “O crescimento e o desenvolvimento econômico das nações sempre estiveram vinculados de perto ao acesso à ciência e tecnologia e à efetiva exploração de ambas”. Porém, o que se entende por “desenvolvimento econômico” ou, simplesmente, “desenvolvimento”?3 E qual a importância da biotecnologia para ele? Como salienta Souza (1997), não há uma definição aceita universalmente sobre o que vem a ser desenvolvimento. Grosso modo, contudo, podem-se distinguir duas correntes entre os estudiosos: uma, de inspiração mais teórica, que considera desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico; outra, mais voltada para a realidade empírica, que compreende que o crescimento é condição necessária para o desenvolvimento, embora não suficiente. Entre os expoentes do primeiro grupo, destaca-se a contribuição de Robert Solow (1956), que demonstrou, com base em alguns pressupostos, que o crescimento econômico tem como fontes a acumulação de capital, o crescimento da força de trabalho e as inovações tecnológicas – e, desse modo, o produto per capita dependeria, de forma crescente, da razão entre capital e trabalho. No equilíbrio de longo prazo do modelo de Solow, tem-se que nenhuma alteração na dinâmica interna da economia pode ensejar alterações nas taxas de crescimento das variáveis do modelo. A ideia subjacente desse modelo simplificador, segundo Souza (1997), é que o crescimento econômico, ao distribuir diretamente a renda entre proprietários dos fatores de produção, engendra automaticamente a melhoria dos padrões de vida e o desenvolvimento econômico. Finalmente, como resultado, conforme Muhate (2006, p. 5), “a política econômica pouco ou nada pode fazer para dinamizar a aceleração econômica no longo prazo, dado que tanto a tecnologia como a taxa de crescimento da população (determinantes da produção) são determinadas fora do modelo”. Ou, como afirmam Mendes e Vale (2001, p. 28), “o Governo não afeta a taxa de crescimento econômico de longo prazo, mas pode intervir de forma a maximizar o consumo na economia”. 3 Não se pretende aqui, evidentemente, aprofundar a extensa discussão sobre o significado e a abrangência do conceito de “desenvolvimento econômico”, mas apenas extrair e apresentar algumas ideias mais importantes para os propósitos deste artigo. Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 103 Henrique Sulzbach de Oliveira, Rafael Luís Spengler A segunda corrente, por sua vez, encara o desenvolvimento não como mera variação no produto, mas, também, como mudanças qualitativas no modo de vida das pessoas, das instituições e das estruturas políticas. Nesse sentido, desenvolvimento caracteriza- se pela transformação de uma economia arcaica em uma economia moderna, eficiente, juntamente com a melhoria do nível de vida do conjunto da população. Encerram-se nessa tradição economistas vinculados à Comissão Econômica para a América Latina ‒ Cepal, órgão da Organização das Nações Unidas ‒ ONU, como o brasileiro Celso Furtado e o argentino Raúl Prebisch, além de economistas como o coreano Ha-Joon Chang e o sociólogo Peter Evans, entre outros, que defendem o papel ativo do Estado na persecução dessas reformas (BRESSER-PEREIRA, 2010; HERRLEIN JR., 2014). Para eles, o desenvolvimento implica mudança de estruturas econômicas, sociais, políticas e institucionais, com melhoria da produtividade e da renda média dos agentes envolvidos no processo de produção, e tem o mérito de destacar a interdependência entre os setores produtivos e a necessidade de se aperfeiçoar essas estruturas e os pontos de estrangulamento do desenvolvimento (SOUZA, 1997, p. 21). Sendo assim, pode-se definir, de forma concisa, desenvolvimento econômico como a “existência de crescimento econômico contínuo acima do crescimento demográfico, envolvendo mudanças de estruturas e melhoria dos indicadores econômicos e sociais” (SOUZA, 1997, p. 22). Abrange, portanto, um fenômeno de longo prazo, o que implica, resumidamente, o fortalecimento da economia nacional, a ampliação da economia de mercado e a elevação geral da produtividade (SOUZA, 1997). Ainda conforme Souza (1997, p. 22), “com o desenvolvimento, a economia adquire maior estabilidade e diversificação; o progresso tecnológico e a formação de capital tornam- se gradativamente fatores endógenos, isto é, gerados predominantemente no interior do país”. Dessa forma, possibilita-se a redução do número de pessoas que vivem sob extrema pobreza e a elevação dos níveis de salários e renda agregada. Nesse contexto, a variável-chave para o desenvolvimento, no entender do importante economista e sociólogo austríaco Joseph Schumpeter, é a inovação. A análise de Schumpeter (1982) situa o dinamismo da oferta para a explicação do crescimento econômico, o que relega em segundo plano o papel da demanda e enfatiza os modos de combinar matérias-primas e trabalho para a produção de artigos a serem utilizados no dia a dia das pessoas. O desenvolvimento é pensado como “destruição criadora”, por substituir práticas e atividades desenvolvidas até então por novas e criativas maneiras de produzir. Seguindo a corrente de Schumpeter, encontram-se teóricos mais recentes, considerados “neo-schumpeterianos”, que sublinham a necessidade de inovações para que se alcance o desenvolvimento. Lundvall (1995, p. 876), por exemplo, define que inovação é “um processo cumulativo envolvendo não somente inovações radicais e incrementais, mas também a difusão, absorção e uso das inovações”. Freeman e Soete (2008, p.498), na mesma linha de interpretação, enfatizam a importância do que denominam Sistemas Nacionais de Inovações, compreendidos como “as muitas INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 104 interações entre várias instituições que lidam com ciência e tecnologia, bem como o ensino, as inovações e a difusão de tecnologia, [...] analisadas em um sentido bem mais amplo”. Percebe-se, portanto, que a inovação assume papel preponderante para o desenvolvimento, independentemente do recorte teórico com que se identifique. O que as distingue, em última análise, é o papelque o Estado deve assumir para que ocorra esse desenvolvimento: deve privilegiar a livre-iniciativa, sem incentivar determinados setores, ou deve ensejar a inovação para o atendimento das necessidades mais urgentes da população? A biotecnologia para a saúde humana, mais especificamente, está condicionada a dilemas semelhantes: por um lado, tem potencial para tornar-se uma grande geradora de lucros, inovação e empregos; por outro, mais afeito às questões sociais, visa ao atendimento das necessidades imediatas da população, buscando medicamentos e formas de tratamento mais eficazes, preferencialmente a custos menores, sobretudo em países com menor poder aquisitivo. Para Thorsteindóttir et al. (2004a), encorajar o desenvolvimento da biotecnologia em saúde humana é uma estratégia promissora na promoção do desenvolvimento sustentável e, se bem sucedida, tem efeitos positivos, diretos e indiretos, por toda a cadeia produtiva. Ademais, indiretamente, populações mais saudáveis podem fortalecer a economia dos países em desenvolvimento (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2001). O mesmo vale para o setor de saúde, em sentido geral: os argumentos que destacam sua importância frisam o desenvolvimento humano com equidade e justiça social e seu complexo produtivo, valorizando-o como fator de desenvolvimento pelo elevado grau de inovação, lucratividade e empregabilidade do setor, com potencial econômico e tecnológico para incrementar a integração regional (GALLO et al., 2005). Nesse aspecto, Reis, Landim e Pieroni (2011) salientam que os investimentos realizados nos últimos anos sugerem que a biotecnologia se transformou na maior aposta de longo prazo na área da saúde, tanto para as empresas quanto para os países, o que os levou a implantarem políticas industriais ativas para aproximarem-se da fronteira tecnológica. Não obstante esses evidentes benefícios, a pesquisa biotecnológica em saúde humana é, relativamente, um negócio de risco, já que o retorno do investimento pode ocorrer apenas no longo prazo, caso ocorra – afinal, tampouco há certeza de que serão efetivamente feitas descobertas e inovações. Em outras palavras, conforme salientam Thorsteindóttir et al. (2004b), embora países com instituições científicas fortes estejam mais propensos a serem bem sucedidos, os benefícios econômicos provavelmente são mais correlacionados à forma com que estes países conseguem se engajar e sustentar o crescimento do setor privado e comercializar as descobertas científicas como produto – isto é, os países necessitam de um ambiente propício tanto para a pesquisa quanto para a inserção das inovações no mercado. Em linha semelhante, Frew, Kettler e Singer (2008) destacam que a criação de indústrias competitivas que possam desenvolver novas vacinas, drogas e diagnósticos Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 105 Henrique Sulzbach de Oliveira, Rafael Luís Spengler é uma condição imprescindível para atender as demandas globais e locais em saúde. Entretanto, isso não é suficiente para promover impacto significativo aos grupos mais necessitados, sendo necessárias políticas governamentais que priorizem o tratamento de doenças prioritárias de acordo com as realidades locais e o suporte a pesquisa, parcerias e comercialização. Além disso, faz-se mister o acesso à infra estrutura biotecnológica e a criação de uma via de regulamentação rápida, que priorize produtos para o tratamento de doenças mais urgentes, além de criar incentivos (incluindo subsídios, créditos fiscais e demais benefícios) para a atuação nesse mercado altamente tecnológico. 3 RELEVÂNCIA DA BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO O termo “biotecnologia em saúde” carrega consigo, segundo Thorsteinsdóttir et al. (2004a), certo estigma: à primeira vista, pode remeter exclusivamente a estudos e pesquisas de universidades internacionais de renome, como o Massachusetts Institute of Technology ‒ MIT e a Universidade Stanford, parecendo não estar relacionado à solução de problemas de saúde de populações carentes em países em desenvolvimento. Entretanto, enfatizam os autores que diversos países tipicamente classificados como de “baixa renda” ou “em desenvolvimento” vêm desenvolvendo bem sucedidas pesquisas nessa área. Brasil, África do Sul, China, Coreia do Sul, Cuba, Egito e Índia podem ser considerados “países em desenvolvimento inovadores”, assinalam Sasha, Satyanarayana e Gardner (2004), o que aumenta o reconhecimento de que soluções em ciência e tecnologia para a melhoria da qualidade de vida não estão restritas a países ricos. Essas soluções são também requeridas e devem ser desenvolvidas por países em desenvolvimento, de modo a atender as necessidades particulares desses países (SASHA; SATYANARAYANA; GARDNER, 2004). Como salientam Thorsteinsdóttir et al. (2004a), embora a biotecnologia sozinha não seja capaz de resolver todos os problemas de saúde, ela é parte da solução. Estudo realizado por Thorsteindóttir, Dahar e Singer (2006) demonstrou um crescimento significativo no número de publicações dos países em desenvolvimento na área de biotecnologia em saúde. O crescimento dessa área nos países estudados foi maior do que nos países industrializados, sendo as universidades as maiores produtoras de publicações. O estudo demonstrou também que a colaboração entre esses países é extensa, com intenso intercâmbio de conhecimentos entre as instituições, sugerindo a existência de foco nas necessidades locais desses países – ao contrário dos países já desenvolvidos. Conforme Thorsteindóttir et al. (2004b), o sucesso da biotecnologia em saúde humana nos países em desenvolvimento pode ser expresso de diversas formas: o desenvolvimento de tecnologias inovadoras (como no caso da meningite B em Cuba), INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 106 a habilitação na produção de tecnologia preexistente (caso da insulina no Egito), os menores preços para produtos biotecnológicos em saúde, retirando da população a necessidade e os encargos da importação (medida do sucesso indiano), entre outras (QUADRO 1). Quadro 1 ‒ Exemplos de pesquisa biotecnológica voltadas para as necessidades locais populacionais em países em desenvolvimento considerados inovadores País Pesquisa Brasil Ênfase em doenças tropicais, como, por exemplo, Doença de Chagas. Cuba Após surto de meningite B, desenvolveu com sucesso a primeira vacina do mundo contra a doença. Egito Devido à escassez, desenvolveu a produção de insulina recombinante, com a finalidade de reduzir os gastos com importação. Índia Produção de vacina contra hepatite B a um custo muito menor do que dos países desenvolvidos. África do Sul Desenvolvimento de vacina contra o subtipo-C do HIV, tipo mais prevalente no país (bem como no restante da África e Ásia). China Progressos significativos no tratamento da Síndrome respiratória aguda grave (SARS). Coréia do Sul Desenvolvimento de vacinas para prevenção da febre tifoide e contra a hepatite B. Fonte: Thorsteinsdóttir et al. (2004b); Li, Ke e Guang (2005); Wong et al. (2004). Com relação ao específico caso do Brasil, são abordados na próxima seção, com maior profundidade, os avanços e os desafios brasileiros na área de biotecnologia da saúde. No entanto, cumpre salientar, desde já, a importância da área para os países aqui analisados, que obtiveram (e provavelmente aprofundarão) progressos significativos na saúde, melhorando a qualidade de vida de parcelas significativas de sua população. 4 BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA NO BRASIL: REALIDADE E PERSPECTIVAS Ao longo das duas últimas décadas, o Brasil tem vivido um ciclo de estabilidade política de raros antecedentes na história democrática do país, o que tem contribuído significativamente para avançosnas áreas social e econômica (LACERDA, 2011), ainda que, nos últimos anos, o crescimento do produto do país tenha ficado abaixo da média mundial e do próprio potencial (e, este, em crescimento declinante), como assinalam relatórios do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2103; 2014). As razões para esse desempenho são variadas e, algumas vezes, complementares. Entre as diversas explicações para o baixo crescimento brasileiro, a literatura econômica recente arrola a baixa capacitação e produtividade do trabalho (BONELLI; Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 107 Henrique Sulzbach de Oliveira, Rafael Luís Spengler FONTES, 2013; PASTORE; GAZZANO; PINOTTI, 2013), a falta de poupança interna (RESENDE, 2011; BONELLI; PINHEIRO, 2012), a fraca inserção no mercado globalizado (CANUTO; CAVALLARI; REIS, 2013) e o baixo dinamismo da indústria nacional (CARVALHO; KUPFER, 2011). Já o papel que cabe ao Estado é alvo de controvérsia entre os estudiosos – autores como Segura-Ubiergo (2012), Lisboa e Latif (2013) e Pastore, Gazzano e Pinotti (2013) denunciam a alta carga tributária e a intervenção governamental como impeditivos ao crescimento, ao passo que Castro (2012), Bresser-Pereira e Theuer (2012) e Carneiro (2012), entre outros, enfatizam o papel do Estado como indispensável para a consecução das reformas sociais e econômicas. Bielschowsky (2012) assinala que o Brasil deve aproveitar o fato de ter grande mercado interno e riqueza de recursos naturais, e propõe uma estratégia de desenvolvimento capitaneado por três “frentes de expansão”: a expansão do consumo de massas, o aproveitamento dos recursos naturais abundantes e os investimentos em infraestrutura, sendo imprescindível a recuperação de setores tradicionais da indústria e a inovação tecnológica, com o que concorda Carneiro (2012), que também enfatiza a necessidade de “[...] superação do atraso tecnológico por meio da implantação dos setores de alta tecnologia” (p. 776). Nesse sentido, conforme apontam Reis, Landim e Pieroni (2011), o estabelecimento da produção local de plataformas biotecnológicas em saúde é estratégico sob vários pontos de vista: agrega competências para inovação e possibilita a entrada em um mercado com elevado potencial de crescimento para as empresas farmacêuticas nacionais, e, para o país, dado o volume de gastos com produtos biológicos pelo Ministério da Saúde, tenderia a promover maior acesso da população à saúde, dada a redução de preços e o aumento de oferta, além dos efeitos positivos referentes ao desenvolvimento industrial e tecnológico. Nota-se, assim, que a produtividade e a inovação são compreendidas como fatores indispensáveis para o crescimento (e desenvolvimento) econômico e social brasileiro, com maior ou menor destaque, para a grande maioria dos pesquisadores. O debate sobre o papel do Estado, se mais ativo e discricionário ou mais enxuto e privilegiando a criação de um ambiente para a livre concorrência, no entanto, ressurge e segue indefinido. A descrição da realidade do setor de biotecnologia em saúde humana no Brasil pode ajudar a melhor compreender as possibilidades e em que medida essa questão é apropriada. Conforme afirmam Reis, Landim e Pieroni (2011), a indústria farmacêutica brasileira observou seu auge na década de 2000, quando, a partir da introdução dos medicamentos genéricos, as empresas nacionais puderam captar oportunidades “adquirindo competência na formulação e registro de produtos de síntese química e ganhando participação de mercado” (p. 6). Porém, conforme esses autores, a entrada de novas empresas, inclusive multinacionais, no segmento de genéricos tornou a INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 108 concorrência mais acirrada, levando à diminuição das margens de lucro, tornando “impositivo para a sustentabilidade de longo prazo da indústria brasileira a busca por produtos de maior valor agregado, como aqueles que envolvem a biotecnologia moderna” (REIS; LANDIM; PIERONI, 2011, p. 6). Gadelha (2006), por sua vez, propõe uma ruptura “política e cognitiva” com as visões que colocam as necessidades da saúde da população em confronto com a indústria. Para o autor, “um país que pretende chegar a uma condição de desenvolvimento e de independência requer, ao mesmo tempo, indústrias fortes e inovadoras, e um sistema de saúde inclusivo e universal” (p 1). As políticas de contratos públicos no Brasil parecem ter tido impacto significativo no desenvolvimento da biotecnologia em saúde no país, pois exigem que produtos de baixo custo sejam adquiridos pelo sistema público de saúde. Esse requerimento pode ser considerado uma política pública responsável, porém, concomitantemente, pode pressionar empreendimentos locais. Como exemplo, pode-se citar o caso da compra de produtos fabricados por multinacionais (mais baratos) em detrimento da indústria local (THORSTEINSDÓTTIR, 2007). Ademais, o financiamento público tem papel decisivo para o desenvolvimento do setor privado de biotecnologia no Brasil, já que 78% das empresas o utilizam, o que demonstra a importância de políticas relativas à ciência, tecnologia e inovação. Por outro lado, o financiamento por capital de risco continua frágil, com apenas 14% das empresas utilizando este tipo de investimento (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). Além disso, embora o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ‒ BNDES tenha investido R$ 5,3 bilhões em pesquisas iniciais em biotecnologia, maior valor já concedido até então para pesquisas na área, o valor ainda representa apenas 3% do total emprestado pela instituição em 2013, sendo insuficiente para atender a procura por financiamentos (VALENTE; BECK, 2014). Conforme Valente e Beck, [...] a maior preocupação é a alta mortalidade de projetos na fase de testar se o produto pode ser feito em escala, a etapa mais arriscada e cara. [...] Em países como Alemanha e França, o Estado doa dinheiro nessa hora. No Brasil, apenas 4% dos recursos do Inova Empresa, que tem orçamento de R$ 33 bilhões, são gastos com essa subvenção (2014, texto digital). Apesar dessas dificuldades e carências, há, contudo, iniciativas que pretendem modificar o quadro atual e que permitem recobrar o otimismo. Uma delas é o Comitê Nacional de Biotecnologia instituindo a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia, criado no Brasil em 08 de fevereiro de 2007, por meio do Decreto nº 6.041. No tópico relativo à saúde humana, consta o seguinte objetivo: Estimular a geração e controle de tecnologias e a consequente produção nacional de produtos estratégicos na área de saúde humana para posicionar competitivamente a bioindústria brasileira na comunidade biotecnológica internacional, com potencial para gerar novos negócios, expandir suas exportações, integrar-se à cadeia de valor Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 109 Henrique Sulzbach de Oliveira, Rafael Luís Spengler e estimular novas demandas por produtos e processos inovadores, levando em consideração as políticas de Saúde (BRASIL, 2007, texto digital). O mapeamento mais recente sobre a biotecnologia no Brasil, de 2011, realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento ‒ Cebrap e pela Associação Brasileira de Biotecnologia ‒ BRBiotec, estimou um número de 237 empresas de biotecnologia (BRBIOTEC, 2011). Segundo o mesmo Brazil Biotech Map 2011, a maioria das atividades biotecnológicas no Brasil está concentrada na área de saúde humana (FIGURA 1). Com relação à distribuição geográfica, apesar de existirem empresas trabalhando em diversos Estados, quase metade está alocada nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (FIGURA 2). Elas são dependentes do mercado externo devido ao altouso de produtos e serviços importados (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). Sobre a maturidade dos empreendimentos, percebe-se que a maior parte das empresas biotecnológicas brasileiras é jovem, sendo que 63% delas foram fundadas durante ou após o ano 2000 (40% após o ano de 2005). Elas se apoiam em profissionais de alto nível educacional, sendo aproximadamente 40% doutores e 20% mestres (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). Figura 1: Empresas de biotecnologia por área de atividade no Brasil Fonte: Adaptado de BRbiotec Brasil/Cebrap, 2011. INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 110 As universidades e os centros de pesquisa são de grande importância, dado que 95% das empresas possuem contínuo relacionamento com essas instituições. A maioria delas tem estabelecido parcerias para desenvolver em conjunto produtos ou processos, seja utilizando infraestrutura, contratando serviços e/ou treinando pessoal (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). Nos últimos 20 anos, houve aumento expressivo no número de pesquisadores pós-graduados no Brasil e, em relação à produção científica em diferentes programas relacionados à biotecnologia, o número de faculdades e pesquisadores (mestres e doutores) associados é significativo. Nesse sentido, as suas preocupações estão voltadas a desenvolver melhor interação entre ciência e o setor privado e a aumentar o número de empresas em outras regiões do país (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). Um exemplo de sucesso brasileiro na biotecnologia em saúde, e que enfatiza a relação universidade-empresa, é a produção da insulina recombinante humana. A Universidade Federal de Minas Gerais ‒ UFMG, juntamente com a empresa biofarmacêutica brasileira Biobrás (São Paulo), desenvolveu e patenteou um processo para a produção de insulina recombinante humana nos anos 90, sendo essa parceria sucesso de colaboração em termos de abordar um problema local de saúde e aumentar a capacidade técnico-científica (FERRER et al., 2004). O esforço em patentear tecnologias no Brasil é significativo: 40% das empresas biotecnológicas ou solicitaram ou tiveram patentes emitidas. Porém, o número de solicitações é maior do que o número de patentes emitidas, sendo a maior parte delas emitidas no Brasil em vez de no exterior. No entanto, essa porcentagem é alta quando comparada a outros setores da economia brasileira (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). Ainda sobre o tema inovação, deve-se ressaltar, finalmente, o papel que têm os parques tecnológicos e as incubadoras de negócios, considerados importantes para o desenvolvimento do setor biotecnológico em todo o mundo. Eles são instrumentos implantados em países desenvolvidos e em desenvolvimento para dinamizar economias regionais e nacionais, gerando empregos de qualidade, bem-estar social, além de impostos. Por se localizarem tipicamente perto de universidades e centros de pesquisa, os parques tecnológicos agregam conhecimento e recursos humanos altamente qualificados, gerando sinergia e oportunidades (STEINER; CASSIM; ROBAZZI, 2008, p. 2). No Brasil, pouco mais da metade das empresas estão ou foram incubadas em algum momento de sua existência. Por promoverem um ambiente estimulante e de suporte, as incubadoras proporcionam condições de crescimento para os novos negócios, aumentando o índice de sucesso desses empreendimentos (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 111 Henrique Sulzbach de Oliveira, Rafael Luís Spengler Figura 2: Empresas de biotecnologia em saúde por cidade no Brasil Fonte: BRBiotec Brasil/Cebrap, 2011. No estado do Rio Grande do Sul, dentre as estruturas de destaque, pode-se citar a Incubadora Empresarial do Centro de Biotecnologia ‒ IE-Cbiot da Universidade do Rio Grande do Sul ‒ UFRGS e o Parque Científico e Tecnológico da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (BRBIOTEC BRASIL/CEBRAP, 2011). No Vale do Taquari, o Centro Universitário UNIVATES conta com um Parque Tecnológico (Tecnovates) e uma incubadora tecnológica (Inovates) na cidade de Lajeado, ensejando tanto o auxílio ao planejamento quanto a disponibilidade de estrutura física para novos empreendedores, gerando oportunidades para novos negócios, pesquisas e, fim último, desenvolvimento regional. INOVAÇÕES NA ÁREA DE BIOTECNOLOGIA EM SAÚDE HUMANA EM PAÍSES... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 112 Ao considerar os ambientes acima citados como ferramentas facilitadoras para o sucesso biotecnológico, visto que há a articulação dos três níveis do poder público, os diversos setores da academia e o setor privado (STEINER; CASSIM; ROBAZZI, 2008, p. 2), torna-se visível a necessidade do direcionamento de pós-graduandos (mestres e doutores) para ambientes ricos em inovação, contribuindo, assim, para o aumento da produção científica, geração de produtos e, consequentemente, o desenvolvimento econômico e social do país. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo parte da definição de que o desenvolvimento não deve ser visto meramente como crescimento econômico acima do crescimento demográfico, mas, sim, envolvendo mudanças de estruturas e melhoria dos indicadores econômicos e sociais. Considerando o aumento do crescimento populacional relacionado ao aumento da expectativa de vida, tornam-se necessárias medidas no intuito de fortalecer a economia dos países que se encontram nessa situação. O desenvolvimento econômico dos países sempre teve forte relação com a expansão da área de ciência e tecnologia, de modo que a busca por inovações mostra-se não apenas como uma alternativa, mas como um imperativo para o progresso econômico e social. A inovação assume, assim, papel preponderante e os avanços em biotecnologia em saúde humana adquirem relevância indiscutível. Cria-se, a partir daí, um estímulo à interação entre várias instituições e empresas ligadas à ciência e tecnologia. Conforme se demonstrou neste estudo, diversos países têm investido em pesquisas relacionadas à biotecnologia para a saúde humana. Países considerados em desenvolvimento, como África do Sul, China, Coreia do Sul, Cuba, Egito e Índia, vêm desenvolvendo bem-sucedidas pesquisas na área, o que pode ser confirmado pelo crescimento significativo no número de publicações científicas e pela descoberta de produtos biotecnológicos com a finalidade de suprir as necessidades locais, gerando também riqueza e empregos. No Brasil, em que pesem algumas dificuldades, como a transição do conhecimento das universidades para a produção em larga escala e a predominância quase que total do financiamento público frente ao privado, o cenário aponta a existência de diversas oportunidades que, se bem compreendidas e aproveitadas, podem representar significativos avanços para o setor de biotecnologia em saúde humana. Além de potencialmente lucrativos, investimentos na área de biotecnologia têm o poder de modificar, estruturalmente, a sociedade brasileira. Desse modo, é essencial que agentes públicos e privados estejam em sintonia para que a produção de conhecimento científico ocorra e, principalmente, para que este conhecimento se transforme em produtos que supram necessidades específicas locais, de modo a possibilitar a retomada do crescimento econômico e do próprio desenvolvimento. Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 1, p. 99-116, 2014. ISSN 1983-0882 113 Henrique Sulzbach de Oliveira, Rafael Luís Spengler Nesse contexto, por seu caráter multidisciplinar, a biotecnologia em saúde humana cria oportunidades para profissionais de diversas áreas de atuação, seja em pesquisa acadêmica ou industrial, seja no desenvolvimento de produtos. As universidades, maiores produtoras de publicações na área, com o crescente número degraduados, mestres e doutores, podem e devem continuar fomentando a produção de patentes e de artigos científicos, além de buscar a aproximação com o setor privado ou institutos públicos. Por fim, os parques tecnológicos e as incubadoras de negócios têm a possibilidade de transformarem-se no elo entre conhecimento acadêmico e atendimento às necessidades de saúde da população, estimulando e criando novas oportunidades para pesquisadores e empresários. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BIOTECNOLOGIA. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Brazil Biotech Map 2011. São Paulo/SP. Disponível em: <http://www.cebrap. org.br/v1/upload/pdf/Brazil_Biotec_Map_2011.pdf>. 2011. Acesso em 15 jan. 2014. BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, dez. 2012. BIOMINAS BRASIL. A indústria de Biociências Nacional: caminhos para o crescimento. Minas Gerais: Biominas Brasil, 2011. Disponível em: <http://www.biominas.org.br/ blog/2011/09/26/a-industria-de-biociencias-nacional-caminhos-para-o-crescimento/>. Acesso em 20 fev. 2014. BONELLI, R., PINHEIRO, A. C. 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