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A Sociedade de Risco e o Direito Penal

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Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima V. 26 p. 343-360 2013 
A Sociedade de Risco e o Direito Penal 
 
 
Juliana Falci Sousa Rocha Cunha

 
Virgínia Afonso de Oliveira Morais da Rocha 
 
Cidade/Estado: Belo Horizonte/MG 
E-mail: virginia.afonso@uol.com.br 
falci@adv.oabmg.org.br 
 
Recebido: 20/10/2013 
 
Aprovado: 18/11/2013 
 
 
________________Sumário________________ 
1. Introdução. 2. Sociedade de risco. 2.1 A contribuição de 
Ulrich Beck. 2.2 A modernização de Anthony Giddens. 
2.3 O sistema autopoiético de Luhmann. 3. Globalização. 
4. Sociedade de risco e o novo paradigma da criminalidade. 
4.1 A flexibilização do direito penal. 4.2 A setorização do 
direito penal. 4.2.1 O direito penal de velocidades. 4.2.2 O 
direito penal do risco. 4.2.3 O direito penal “do inimigo”. 
4.3 Traços distintivos do bem jurídico protegido no 
contexto da sociedade de risco. 5. Considerações finais. 
Referências. 
 
 
Resumo 
O presente trabalho tem como objetivo estudar a sociedade de risco como fenômeno 
sociológico e criminal, buscando a sua origem, prevenção e possível controle. Inicialmente, 
será feita uma breve análise do conceito de sociedade de risco, decorrente de um 
entrelaçamento estrutural e tecnológico surgido numa era pós-industrial. Serão abordados 
vários conceitos sociológicos sobre o tema, fazendo-se uma apresentação das visões de seus 
principais autores e a influência de seus pensamentos para essa sociedade. Em seguida, serão 
perquiridas as definições e conceitos do instituto da globalização e os seus reflexos numa era 
pós-moderna pautada pela insegurança, instabilidade e desconfiança. Por fim, a última etapa 
do trabalho consiste no estudo da criminalidade em face dessa sociedade de risco, 
apresentando diversas correntes dogmáticas e os verdadeiros bens jurídicos protegidos diante 
de um direito penal supra-individual. 
 
Palavras-chave: Sociedade de Risco. Concepções Sociológicas. Globalização. Reflexos 
Penais. 
 
 Advogada, Professora Universitária, Mestranda em Direito Empresarial - Faculdade Milton Campos. 
Especializada em Direito Empresarial - Faculdades Milton Campos e em Direito Civil Faculdades Milton 
Campos. Graduada em Direito - Faculdades Milton Campos, Administração de Empresas – Centro 
Universitário UNA e Tecnologia em Processamento de Dados – Centro Universitário UNA. 
 Advogada, Professora da Faculdade de Direito Milton Campos, Especialista em Direito Público e Mestranda 
em Direito Empresarial – Faculdade Milton Campos. Professora na Pós-Graduação em Ciências Penais da 
Faculdade de Direito Milton Campos. Graduada em Direito – Faculdade Milton Campos. 
 
 
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1 Introdução 
 
O presente trabalho é fruto de uma reflexão sobre a sociedade de risco, tema que com 
repercussão mundial, haja vista ser um fenômeno de integração supranacional. 
Destaca-se a preocupação em delimitar o conceito de uma sociedade de risco, tendo 
como marco teórico os apontamentos do sociólogo alemão Ulrich Beck. 
 A preocupação em face de uma sociedade pós-industrial e de um mundo globalizado 
demonstra a nítida correlação existente entre a sociologia e o direito penal, caracterizando, 
assim, uma interdisciplinaridade entre tais ciências. Saliente-se que o presente trabalho não 
pretende esgotar todas as escolas sociológicas e dogmáticas jurídico-penais sobre o tema, 
apenas propõe uma discussão sobre o futuro de uma sociedade totalmente desestruturada e 
desconfiada de seus institutos. 
A partir dessa problemática, foram analisados os efeitos gerados por uma sociedade 
denominada de risco e, conseqüentemente, buscou-se oferecer respostas, mesmo que 
transitórias, as novas questões surgidas como, por exemplo, a proposição de um direito penal 
de risco, baseado na proteção de direitos supra-individuais. 
Desta forma, à luz dos preceitos da Sociologia e do Direito Penal, o presente trabalho 
tem o objetivo de repensar as categorias vigentes e sugerir novos instrumentos capazes de 
regulamentar e garantir uma proteção para este novo universo que se faz presente: a sociedade 
de risco. 
 
2 Sociedade de risco 
 
Desde a década de 90, a sociedade de risco tem sido discutida em todo o mundo, o que 
se deve à contribuição de Ulrich Beck, sociólogo alemão, com a publicação do seu livro 
“Sociedade de Risco”. Segundo ele, a sociedade industrial deu lugar à sociedade de risco, 
segundo a qual a distribuição de riscos não equivale tão somente às diferenças econômicas, 
sociais e geográficas da sociedade moderna. As técnicas e as ciências não têm sido capazes de 
controlar tais riscos, o que tem acarretado sérios problemas, dentre eles aqueles relacionados à 
saúde humana e ao meio ambiente. Entre os riscos abordados pelo renomado Ulrich Beck 
encontram-se os riscos químicos, genéticos e nucleares, que são, segundo GUIVANT (2001), 
“produzidos industrialmente, externalizados economicamente, individualizados juridicamente, 
legitimados cientificamente e minimizados politicamente”. Neste contexto, nota-se o 
 
 
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surgimento de uma nova forma de capitalismo, que transforma a economia e a ordem global, 
impactando diretamente na vida de toda a humanidade. 
A sociedade de risco pode ser identificada em três fases: Idade Moderna, onde os 
riscos são pequenos e controláveis; final do século XIX e início do século XX, período no 
qual buscou-se conter os riscos; e finalmente a fase iniciada no Estado do Bem Estar Social 
(Welfare State) até os dias atuais, ocasião em que surgem riscos graves e incontroláveis, 
devido ao grandioso crescimento da sociedade industrial. Todavia, nota-se que existem 
diferentes classificações quanto às fases da sociedade de risco, sendo que para Ulrich Bech, 
por exemplo, existem a Primeira e Segunda Modernidade, o que será posteriormente 
abordado. 
Assim sendo, segundo DEZALAY e TRUBEK, citados em obra organizada por 
FARIA (2010), atualmente estamos passando por processos e mudanças no cenário mundial, 
quais sejam: mudança dos padrões de produção, união de mercados financeiros, aumento da 
importância das empresas multinacionais, crescimento da importância do intercâmbio e 
aumento de blocos regionais de comércio, ajuste estrutural e privatização, hegemonia de 
conceitos neo-liberais de relações econômicas, tendência mundial à democratização, proteção 
dos direitos humanos e renovado interesse no “império do direito”, além do surgimento de 
protagonistas supranacionais e transnacionais promovendo os direitos humanos e a 
democracia. Neste contexto, nota-se que a sociedade de risco está cada vez mais presente em 
todos os países e tem influenciado diversos estudos relacionados à globalização, bem como 
influenciado diretamente no campo jurídico, especialmente no que se refere ao Direito Penal, 
objeto do presente trabalho. 
Isto posto, é importante definirmos o que é risco. Para FERNANDES (2001): 
 
[...] os riscos dizem respeito a danos possíveis, mas ainda não concretizados, e, mais 
ou menos improváveis, que resultam de uma decisão, e por assim dizer, podem ser 
produzidos por elas e não se produzem caso sejam tomadas decisões diversas. 
 
Entretanto, FERNANDES (2001) relembrou que os riscos sempre existiram. Ele cita, 
por exemplo, que na remota época dos grandes descobrimentos surgiram os seguros 
marítimos. No mesmo sentido LUHMANN (1993)já afirmou que “o seguro marítimo é uma 
forma arcaica de controle do risco”. 
Os riscos atingem toda a sociedade, independente de desenvolvimento econômico e 
político, nível social e educacional. Ele não respeita as fronteiras entre os países e/ou blocos 
econômicos. Eles podem ser locais e globais. Na grande maioria das vezes tais riscos têm se 
 
 
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apresentado até mesmo maiores do que os riscos naturais, sendo que neste contexto 
PANTALEÃO (2009) afirma que: 
 
[...] enquanto as catástrofes de outrora eram concebidas como algo que poderiam ser 
imputadas ao destino, os riscos surgem como efeitos colaterais indesejados do 
processo de modernização e são oriundos de decisões humanas, ou de organizações, 
vinculadas à exploração e ao manejo de novas tecnologias, dirigidas a fins 
construídos para serem positivamente valorados. 
 
Ademais, FERNANDES (2001), afirma que a “sociedade pós-moderna, pós-
industrial” se caracteriza pelo: 
 
[...] aparecimento de novos riscos, a insegurança, a globalização, a integração 
supranacional, [...] o reforço da criminalidade organizada, o descrédito nas 
instâncias de proteção, a maior relevância do crime macrosocial, etc. 
 
Dentre os riscos negativos que a sociedade tem vivido, pode-se citar a 
desregulamentação de áreas da economia, o crescimento do desemprego, a crescente 
intervenção das empresas multinacionais e o aumento significativo da violência. 
Pode-se claramente notar que quanto maior a produção e o desenvolvimento industrial, 
maior é a produção de riscos. O desenvolvimento de novas tecnologias também caminha no 
mesmo sentido: à medida que se desenvolve, apresentam-se novas situações, muitas delas 
consideradas de risco. 
Assim sendo, conforme nos ensina SILVA (2010), a ação humana, mesmo que de 
forma anônima, ocasiona riscos globais. Segundo ela, tais riscos são “passíveis de ser 
produzidos em tempo e lugar com alargamento distanciados da ação que os originou ou que 
para eles contribuiu, que podem apresentar, inclusive, dimensão e potencial destrutivamente 
avassaladores, a exemplo da crise econômica mundial”. 
Com isto, tem-se notado que a sociedade como um todo apresenta apreensões 
constantes quanto aos potenciais riscos que podem sofrer, pelo efeito imediato ou não de seus 
atos. Ou seja, a sociedade tem a sensação de incerteza e de impossibilidade de controle do 
desenvolvimento. Por exemplo, a poluição na Ásia pode acarretar problemas no Brasil, dentre 
eles problemas de saúde. Uma bomba nuclear lançada em um país europeu pode gerar a 
exterminação não somente da comunidade da região como também afetar diretamente os 
demais continentes, por mais longínquos que estejam. Estes riscos tem levado a sociedade 
mundial à incerteza, à ansiedade, à apreensão e ao medo. 
Sobre isto, VILLAMOR MAQUIERA, citado por FERNANDES (2001), afirma que a 
sociedade de risco é afetada pela insaciável busca pela segurança: “o homem, a família, a 
 
 
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sociedade, o Estado e o direito [...] demanda-se segurança no trabalho, segurança no futuro, 
segurança do Estado, segurança nacional, seguros privados de toda a índole, segurança 
económica.” 
Assim sendo, é necessário refletir sobre a recriação da sociedade, da economia e da 
política buscando a prevenção e a redução dos riscos e perigos produzidos pela modernização 
da sociedade, nos mais diversos âmbitos, como o ecológico, o psicológico e o social. Segundo 
Ulrich Beck, nos encontramos na fase da “modernidade reflexiva”, na qual questionamos a 
sociedade industrial, tendo em vista os riscos que ela provoca na modernidade. 
É neste contexto que surge a demanda social por segurança, especialmente no que se 
refere ao viés penal, que será tratado ao longo do presente trabalho. Além disso, devemos 
prestar atenção no risco da expansão exagerada do direito penal. 
Isto posto, verifica-se que a sociedade de risco tornou-se ponto central nos estudos 
jurídicos, principalmente a partir das pesquisas realizadas pela sociologia. Sob enfoques 
diferentes, vários autores contribuíram para a elaboração desse conceito, de acordo com a sua 
visão particularizada. Em síntese, a seguir serão destacados três autores e a influência de seus 
pensamentos na sociedade pós-moderna. 
 
2.1 A contribuição de Ulrich Beck 
Em um primeiro momento é importante ressaltar que Beck adotou o conceito de 
modernidade reflexiva, como trado anteriormente, partindo do entendimento de que é o não-
conhecimento que a constitui. Para o autor, o risco é configurado pela tentativa de prever o 
incalculável, ou seja, os fatos que ainda não aconteceram são passíveis de prognóstico graças 
à segurança jurídica. 
Segundo PRADO AMARAL (2007), os argumentos científicos universais de Beck 
podem ser sintetizados nas seguintes premissas: 
 
1) Com o advento do processo de modernização, a produção de riqueza gera riscos; 
2) A distribuição dos riscos não obedece proporcionalmente à distribuição de 
riquezas e se irradia para todos os grupos sociais; 3) O desmoronamento dos 
esquemas tradicionais da sociedade industrial foi impulsionado por uma forte onda 
do individualismo nascida no pós-guerra; 4) O individualismo mina de inseguranças 
o processo de modernização, através de diversos fatores decorrentes; 5) A 
modernização é um processo complexo, sujeito a constantes (re)avaliações e 
transformações , em que o desenvolvimento democrático destrona o saber científico 
e a ação política de seus respectivos monopólios; 6) A relativização do saber 
científico e da ação política formam um círculo vicioso na produção de riscos. 
 
 
 
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Na década de 80, o sociólogo germânico Ulrich Beck lançou o livro “Sociedade de 
Risco”, no qual abordava o acidente nuclear de Chernobyl, que havia ocorrido em uma usina 
da União Soviética e que acabou por gerar consequências transgeracionais. 
Segundo ele, até Chernobyl, quando ocorreram guerras e Auschwitz, por exemplo, a 
miséria e violência humana era relativa aos “outros”, sejam eles judeus, mulheres, refugiados 
etc. Entretanto, após o referido acidente nuclear a miséria passou de segregada à todos nós. 
BECK (2011) afirmou que, neste caso, “a admissão de uma contaminação nuclear perigosa 
equivale à admissão da inexistência de qualquer saída possível para regiões, países ou 
continentes inteiros”. Neste contexto, é importante observar que desde Chernobyl muitos 
outros recursos, inclusive armas, foram desenvolvidos, o que, sem dúvida alguma, pode 
impactar ainda mais na vida de em todos nós, ou seja, os riscos sociais são crescentes. 
O referido autor trata do risco como a probabilidade de um perigo relacionado à uma 
determinada decisão. Ele aborda a “sociedade industrial de risco”. Esta sociedade surgiu com 
a grande mudança pela qual passou a sociedade ocidental, com a migração da sociedade 
feudal agrária para a sociedade capitalista e industrial. Estabeleceram-se novas formas de 
produção e de distribuição de bens, acarretando assim maiores desigualdades. 
Ulrich Beck traça dois momentos da sociedade de risco: a primeira e a segunda 
modernidade. A Primeira Modernidade (ou modernidade simples) é marcada por revoluções 
políticas e industriais ocorridas na Europa a partir do século XVIII. Nesta ocasião houve uma 
intensificação da industrialização e também um avanço tecnológico, sendo que acreditava-se 
que aracionalidade humana poderia conduzi-los à uma mundo ideal. Vale destacar que os 
efeitos deste desenvolvimento não eram considerados uma grande preocupação dos cidadãos e 
que as relações sociais eram realizadas a nível territorial. Já na Segunda Modernidade (ou 
modernidade reflexiva) o homem percebe os malefícios e as possíveis consequências do 
desenvolvimento presenciado no período anterior, passando a refletir sobre as atividades 
industriais e o desenvolvimento da tecnologia. Nesta fase, o cidadão percebe a sua impotência 
no domínio da natureza e do mundo em geral e que a globalização acarretou relações globais 
e não mais territoriais como na fase anterior. É nesta ocasião que se estrutura e se contrai a 
chamada sociedade de risco em detrimento da sociedade industrial da Primeira Modernidade. 
Os pensadores e cientistas passaram a discutir os riscos sociais, os quais hodiernamente 
muitos os consideram incontroláveis, imprevisíveis e globais. Exemplo disto é a manipulação 
genética de alimentos, já que não é possível saber que tipo de problemas poderão trazer para a 
nossa saúde nem quando estes problemas poderão se manifestar. 
 
 
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Neste contexto, o renomado sociólogo alemão afirma que a globalização desempenhou 
papel muito importante na construção da sociedade de risco, visto que com ela as ameaças 
passaram a ser globais e a incidência passou a ser extraterritorial. 
A sociedade de risco é aquela que torna todos iguais quanto aos potenciais riscos, 
sejam os países ricos ou pobres, os ocidentais ou orientais. Para Ulrich Beck a tecnologia e o 
desenvolvimento industrial criaram os riscos globais. Assim sendo, BECK (1998) nos ensina 
que: 
 
[...] os riscos e perigos de hoje se diferenciam essencialmente dos da Idade Média 
pela globalidade de suas ameaças, e por suas causas modernas. São riscos da 
modernização. São um produto global da maquinaria do progresso industrial e são 
aumentados sistematicamente com seu desenvolvimento posterior. 
 
 Ulrich Beck define três espécies de risco global: risco da destruição 
global que é fruto do desenvolvimento industrial (ex. buraco na camada de ozônio e efeito 
estufa); risco relacionados à pobreza (ex. habitação, alimentação e energia); e risco decorrente 
de “armas” de alto poder destrutivo, seja nuclear, biológico ou químico. 
 Ademais, para ele a realidade social não está mais focada na divisão de 
classes, mas sim na distribuição de riquezas. Neste contexto, o risco surge como norteador de 
condutas sociais, passando assim a ser uma preocupação social. 
 Finalmente, é importante recordar que Ulrich Bech alega que quanto 
mais reflexiva se torna uma sociedade, mais ambígua ela se apresenta. Todavia, ele questiona 
o que de fato se elevou: o risco ou a nossa preocupação com o risco. 
 
2.2 A modernização de Anthony Giddens 
Da mesma forma que Ulrich Beck, Anthony Giddens baseia os seus estudos na 
modernidade reflexiva. O autor procura dar uma visão descontínua da organização social. 
Afirma PRADO AMARAL (2007): 
 
As descontinuidades que separam as ordens sociais precedentes da presente ordem 
moderna são identificadas por: a) “ritmo de mudança” (enorme velocidade de 
transformação que a modernidade acarreta); b) “o escopo de mudança” (conforme 
diversas áreas do planeta são colocadas em conexão, desencadeiam-se ondas de 
transformação social); e c) “a natureza intrínseca das instituições modernas” 
(algumas das atuais instituições não existiam ao tempo das ordens sociais 
tradicionais precedentes, como, por exemplo, a dependência em grande escala das 
fontes de energia inanimadas). 
 
 
 
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Para GIBBENS (1990) o risco social está incorporado na maneira de ser do mundo 
moderno, devido à complexidade que atingiu. Ele afirma que a dinâmica da sociedade é 
reflexiva, devido à crescente produção de novas informações. 
GIBBENS (1990) aborda a existência do risco construído socialmente, sendo que nos 
apresenta sete formas de caracterização dos riscos serem caracterizados: a) globalização do 
risco: relacionado à intensidade do risco (ex. guerra nuclear pode aniquilar a existência 
humana); b) quantidade de efeitos da globalização que podem afetar todos os homens (ex. 
mudanças globais nas relações de trabalho que com o intenso uso de tecnologia e a redução 
do lucro, acarreta a queda na demanda de mão de obra); c) riscos da socialização da natureza 
(ex. a manipulação genética da natureza pode gerar riscos não conhecidos para a saúde do ser 
humano); d) riscos do mercado financeiro; e) risco da sabedoria da existência de risco: refere-
se às incertezas do caminho do conhecimento, ou seja, que perigo o desconhecido pode 
acarretar; f) risco da popularidade: a sociedade tem sido bombardeada com informações sobre 
diversos riscos e muitas vezes não consegue eleger aquele que seria pior e/ou imediato; g) 
risco de limitações das práticas de perícias. 
O referido autor também aborda a transformação das relações pessoais na sociedade de 
risco, que se mostra sempre em busca de ganhar confiança das pessoas com as quais interage 
cotidianamente. Outra característica marcante é a redução da esfera íntima, posto que as 
relações ultrapassaram o contexto familiar, de afeto e de lazer. 
 
2.3 O sistema autopoiético de Luhmann 
Nikas Luhmann, famoso representante da sociologia alemã, interpreta a sociedade 
como um sistema, apresentando-a como teoria de sistemas autopoiéticos. 
Luhmann afirma que um sistema é sempre menos complexo do que o ambiente em que 
ele está inserido, sendo que para reduzir essa complexidade desenvolve-se o sistema, tornando 
necessário selecionar os elementos da relação sistema-ambiente, bem como dos elementos 
originários do próprio sistema. 
A teoria da sociedade de Luhmann é a teoria do sistema social complessivo, que inclui 
os demais sistemas sociais. Para ele, a sociedade está compreendida como um sistema. Os 
elementos que compõem a estrutura desse sistema e que se relacionam entre si são 
comunicações, sendo que cada elemento mantém uma relação com um outro. 
Ademais, ele acrescenta que cada pessoa faz as suas escolhas, ou seja, em cada 
situação o indivíduo escolhe a sua alternativa. Desta maneira, surge uma complexidade, a qual 
compõe o sistema social. 
 
 
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Para ele inexiste um sistema sem meio ambiente. Este é considerado como a base do 
sistema social. Os elementos do sistema (autopoiético) não podem ser provenientes do 
exterior, mas tão somente das operações internas. 
O sociólogo divide a sociedade da seguinte maneira: sociedade segmentária; sociedade 
centro e periferia; sociedade estratificada e de diferenciação funcional. A primeira se baseia 
na igualdade, sendo que a distinção pode ser feita pelas famílias, idade e sexo; entretanto, 
existe uma desigualdade quanto aos indivíduos de fora da sociedade segmentaria. Na 
sociedade centro e periferia nota-se uma desigualdade entre a cidade e a periferia, o que se 
deve ao desenvolvimento maior do centro em detrimento da periferia. Já na sociedade 
estratificada e de diferenciação existe uma diferenciação em função do aspecto social de cada 
classe. Nesta, a classe rica domina a política e o poder, o que acaba por levar à sociedade a 
diferenciação funcional, sendo que a classe dita inferior almejava as condições de vida da 
classe vista como superior.3 Globalização 
 
Para muitos autores a globalização é um evento que surgiu no final do século XX, mas 
para outros, como FERNANDES (2001), este é um processo que vem se desenvolvendo há 
muitos séculos, acreditando-se que se iniciou com as grandes descobertas propiciadas pela 
navegação marítima. 
De qualquer maneira, a partir dos anos 80 o capitalismo avançou significativamente, o 
que acarretou a integralização da economia mundial, sempre visando a maximização de 
lucros. Neste contexto, ocorreu a concentração do capital em grandes empresas 
multinacionais, o que tem acarretado a redução do poder dos Estados, bem como dificulta a 
regulamentação do mercado. 
A globalização promoveu o estreitamento do relacionamento entre os povos, maior 
integração tanto política e econômica quanto social, além de ter possibilitado o fim das 
fronteiras, as quais até então não permitiam que certos riscos adentrassem em outros 
territórios. Este fenômeno permite que impactos em um país ou região sejam sentidos em 
outro, como é o caso da crise econômica americana ocorrida em 2008 que impactou todos os 
demais países do globo. Outro exemplo, é o derramamento de óleo em águas marinhas 
ocasionado em uma parte do planeta que afeta todas demais áreas, espalhando o seu efeito 
nocivo sobre o meio ambiente como um todo. 
 
 
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Com a globalização o crime também se tornou global, principalmente quando se trata 
de crime econômico e a delinquência de colarinho branco, que atingem todos os países e 
todos os povos, mesmo que em intensidades diversas. 
A globalização dos riscos acarreta a indeterminação das suas vítimas e em 
determinadas ocasiões até mesmo a não determinação de seus autores. Por exemplo, como 
podemos indicar o verdadeiro responsável pelo buraco na camada de ozônio, já que todos nós 
com os nosso hábitos rotineiros podemos apresentar alguma contribuição para a sua 
formação? E quanto às vítimas, também se torna impossível determinar quem arcará com os 
males gerados pelo buraco da camada de ozônio, o que nos faz acreditar que afetará toda a 
coletividade. 
Sobre isto, é interessante verificar um trecho do discurso do ex-presidente americano 
Bill Clinton, realizado na ONU pela celebração do seu 50
o
 aniversário: “na nossa aldeia 
global, o progresso pode espalhar-se rapidamente, mas os problemas também. Um problema 
no limite externo da cidade cedo se torna uma praga em casa de cada um.” 
Muito teóricos acreditam que o que levou à aceleração da globalização foram os meios 
de transporte e de comunicação que apresentaram uma grande ascensão nas últimas décadas. 
Neste contexto, MCLUHAN, citado por FERNANDES (2001), acredita que o passo decisivo 
foi dado pela internet, a qual “transformou o globo em aldeia, possibilitando que se esteja, 
virtualmente, em todo o lado e ao mesmo tempo desde o momento em que se tem acesso à 
“rede”.” Mas, a televisão e a imprensa escrita também não deixaram de contribuir para a 
globalização. FERNANDES (2001) afirma que todos estes meios de comunicação, “em vez 
de informar, muitas vezes causaram a desinformação – provoca uma sensação de insegurança 
e amedrontamento geral, ao ponto de as pessoas, legitimamente, se interrogarem: nada mais 
há senão crime e destruição?” Isto nos permite refletir sobre a grande interdisciplinaridade 
entre a globalização e a sociedade de risco. 
Com isso, a globalização tem favorecido a dominação econômica, desestruturando 
Estados, já que os interesses econômicos sempre tem-se apresentado acima dos interesses 
políticos e sociais. Nota-se que é crescente o poder das corporações transnacionais, que 
muitas vezes acarretam exclusões sociais e consequentemente riscos sociais, como o 
desemprego, a fome, a destruição ambiental e a disseminação de doenças, em favor do 
crescimento econômico. 
Enfim, não há dúvidas de que a globalização é irreversível e que um acontecimento 
em um determinado território afeta todos os demais, por mais distantes que estejam um do 
outro. 
 
 
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4 Sociedade de risco e o novo paradigma da criminalidade 
 
Uma vez conceituadas as características da sociedade de risco e os seus principais 
teóricos, verifica-se a necessidade de abordar o reflexo desse fenômeno pós-moderno no 
direito penal. Diferentemente do ocorrido nas décadas de 50 e 60, vislumbra-se uma expansão 
do direito penal em ramos diversos, como por exemplo, meio-ambiente, consumidor, 
biogenética, saúde pública, economia e tributário. Tal expansão vem permitindo a ingerência 
da ciência criminal em áreas que anteriormente ficavam restritas ao direito civil e 
administrativo. Não se trata da criação de um novo direto penal, mas apenas de sua adequação 
a uma sociedade de risco que clama pela proteção de direitos supra-individuais. 
A sociedade atual vem sofrendo fortes influências tecnológicas e estruturais, saindo de 
um aparente conforto de confiança em relação aos seus pares para uma sociedade de 
desconfiança latente. A imprevisibilidade, a insegurança e a verdadeira quebra de um estado 
de bem-estar social acarretam o crescimento de um pensamento de que a solução de todos os 
problemas sociais e políticos da sociedade pós-industrial está no direito penal, servindo a 
ciência criminal como um salvaguarda genérico. 
Nesse prisma, fala-se na necessidade de superar a linha clássica como um dogma e 
discutir um direito penal da globalização. Afirma Mário Ferreira Monte em apontamento 
introdutório na obra de FERNANDES (2001), que parece evidente que “o direito penal 
tradicional de cunho liberal não está em condições de responder a tais desafios. O bem 
jurídico individual, concreto, não faz aqui o menor sentido”. Portanto, torna-se necessário 
refletir sobre a substituição de uma orientação individual para uma coletiva ou supra-
individual. SGUBBI, citado por SILVEIRA (2003), em 1975, já publicava artigo intitulado 
“Tutela penale di interessi difusi”, ressaltando sua apreensão no que tange à proteção dos 
direitos supra-individuais, numa sociedade de risco que já se configurava. A delinqüência na 
sociedade de risco, segundo PRADO AMARAL (2007), provocou significativa alteração na 
estrutura do delito: “no lugar do homicídio praticado por um único agente, ingressam no 
campo de análise dogmática, por exemplo, os comportamentos de corrupção de uma empresa 
que pratica crimes ambientais”. Efetivamente, o crime tornou-se global e o avanço 
tecnológico permitiu a proliferação de formas perigosas de delinqüir. Salienta FERNANDES 
(2001) que “diluem-se as fronteiras do estado-nação e tudo é feito à escala quase-planetária” 
Nesse aspecto, ganha relevância o estudo sobre os crimes de perigo, usados de forma 
aleatória pelo poder legislativo com o objetivo de responder às angústias impostas por esse 
 
 
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novo modelo social. Assim, constata-se a imposição de uma hipertrofia legislativa que muitas 
vezes não respeita o processo dialético, criando-se um direito penal secundário, totalmente 
desvinculado do direito penal tradicional. Essa versão diferente do direito penal flexibiliza as 
garantias constitucionais, rompendo com os princípios da Intervenção Mínima e da 
Subsidiariedade, configurando o comportamento perigoso como “verdadeiro modelo 
autônomo de tipificação penal” (MAQUEDA ABREU, 1994). Percebe-se, pois, a intimidação 
do legislador ao criar tipos penais cujas sançõessão graves e incapazes de punir 
verdadeiramente os autores da conduta, permitindo, assim, a criação de um direito penal 
próprio de forma desmesurada e simbólica, característica esta marcante nas sociedades pós-
industriais, valorizando a importância penal de acordo com o apelo social, ou seja, atingindo 
os seus efeitos na opinião pública. Assevera SILVEIRA (2003) que aceitar uma legislação em 
moldes puramente simbólicos, “ além de perder qualquer base dogmática, implica em uma 
ingerência política desvirtuada da necessidade pragmática.” Passa-se a penalizar aquilo que a 
opinião pública anseia, o que Sgubbi citado por SILVEIRA (2003) chama de “vedetes 
penais”. Salienta SILVEIRA (2003) que “ o pensamento incutido na sociedade passa a ser o 
de que, se alguém, no ápice da pirâmide social vier a ser punido por um crime, qualquer 
infração de sua parte também o será”. Assim, o grande erro da sociedade de risco são as 
formulações simbólicas, uma vez que, com o passar do tempo, a população não mais confiará 
na proteção, tendo em vista a sua ineficácia, gerando uma insegurança em face do 
ordenamento estatal. 
Assim, alguns questionamentos devem ser feitos na esfera penal decorrentes do 
surgimento de uma sociedade de risco. Esta problemática, de acordo com os ensinamentos de 
SALVADOR NETTO (2006) demonstra a desestruturação das entidades de controle 
tradicionais com os comportamentos que impulsionam a tutela jurisdicional. O direito penal 
moderno apresenta contradição com o caminhar das forças produtivas. Desta forma, verifica-
se um momento de incerteza na esfera criminal, originando um impasse absoluto, ressaltado 
por SALVADOR NETTO (2006): 
 
De um lado, a dogmática como categoria científica de juízos certos, precisos e 
orgânicos parece cada vez mais distanciada da realidade social enquanto aparato 
teórico apto à efetivação do controle e previsibilidade de comportamentos, na 
medida em que se restringe ao universo do positivismo ou idealismo. De outro lado, 
as decisões, no anseio desesperado deste mesmo controle, assumem um julgamento 
tanto mais arbitrário quanto lastreado em uma tida e suposta “ opinião pública”, 
que, de forma ambivalente, ao mesmo tempo em que critica a ciência penal, por 
entendê-la distante e diletante, a utiliza como mero argumento de convencimento 
para decisões pré-determinadas, dissimulando-a e descontextualizando-a. 
 
 
 
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Portanto, há de se investigar de que modo a dogmática penal irá acompanhar essas 
transformações e se isso implicará em uma crise para o Direito Penal. Diante de tais 
questionamentos, resta-nos demonstrar algumas alternativas conferidas à dogmática penal. 
 
4.1 A flexibilização do direito penal 
A primeira alternativa para a dogmática penal seria a flexibilização das garantias 
materiais. A modalidade clássica de delinqüência estaria de acordo com as regras de 
imputação relaxadas. Neste sentido, enfatiza PRADO AMARAL (2007): 
Seria exigida uma absurda desconsideração do sistema geral de regras como está 
atualmente configurado, com sua clara vocação garantista, a partir da constatação da 
gravidade das conseqüências jurídico-penais. [...] 
Em tema de flexibilização de garantias penais, registre-se somente, quão 
impressionante é o fato de que a modificação do paradigma da criminalidade 
ocasionada pela sociedade de risco – para os seus adeptos- agiu, e com tal força que 
os fez perder de vista o marco político-criminal recente, que tinha gerado uma 
notável evolução positiva na humanização do direito penal. 
 
Essa alternativa recebe enormes críticas da doutrina, uma vez que representa um 
enorme retrocesso. 
 
4.2 A setorização do direito penal 
A segunda alternativa para a dogmática penal estaria em estabelecer o direito penal em 
blocos. Deve-se analisar a sanção penal aplicada (se privativa de liberdade ou não) e, 
conseqüentemente, a postura assumida pelo indivíduo no que tange ao reconhecimento ou 
não do direito. Vislumbra-se, assim, o surgimento de uma pluralidade de direitos penais, 
como por exemplo, no mínimo, um direito penal principal e um direito penal secundário. 
Segundo PRADO AMARAL (2007), tal aberração surge como uma tentativa de solucionar 
um problema criado com o surgimento da sociedade de risco e que a teoria clássica do direito 
penal não consegue responder. Neste diapasão, alinham-se propostas de um direito penal “de 
velocidades”, “do risco” e “do inimigo”. 
 
4.2.1 O direito penal de velocidades 
SILVA SÁNCHEZ (2002), afirmando que seria extremamente difícil limitar a 
expansão do direito penal diante da configuração de uma sociedade de risco, adota a 
imposição de um direito penal de “primeira velocidade”. Esse direito seria aplicado todas as 
vezes que houver a possibilidade de cominação, de forma concreta, da pena privativa de 
liberdade. Já o direito penal de “segunda velocidade” ficaria restrito para os delitos cuja pena 
 
 
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abarcaria a restrição de direitos ou a pena pecuniária. Salienta FERNANDES (2001), que de 
um lado estariam as condutas mais graves (penas privativas de liberdade) e de outro lado fatos 
puníveis cuja conseqüência se distancia do núcleo criminal, impondo-se penas mais próximas 
às sanções administrativas. Nesse mesmo sentido, enfatiza BOTTINI (2007): 
 
Desta forma, o autor mantém no âmbito do direito penal tanto as condutas que 
afetam bens jurídicos tradicionais (ataques à vida, à saúde, à propriedade), como 
aquelas ações que afetam bens coletivos, ou que apenas apontam para uma 
periculosidade em relação aos interesses protegidos pela norma penal. No primeiro 
caso, valeriam as regras e os instrumentos dogmáticos do sistema penal atual, com 
os seus princípios rígidos e suas penas ancoradas na privação de liberdade. Na 
segunda hipóteses, vigoraria um direito penal diferente, mais brando, com sanções 
não privativas de liberdade, com institutos e limites mais flexíveis para amparar os 
contextos novos e os riscos inéditos trazidos pelo desenvolvimento científico. 
 
Excepcionalmente, adota-se um direito penal de “terceira velocidade” que, de acordo 
com SILVA SÁNCHEZ (2002), “a pena de prisão concorre com uma ampla relativização de 
garantias político-criminais, regras de imputação e critérios processuais”. 
Várias críticas são feitas a essa teoria, enfatizando PRADO AMARAL (2007): 
 
1) do ponto de vista científico-sistêmico, conduz à quebra da teoria do delito como 
concepção geral e uniforme do ilícito, em claro retrocesso histórico; 2) também, 
aproxima-se muito das propostas de Hassemer e outros- exceto pelo fato de propor 
a manutenção do direito penal de segunda velocidade dentro do próprio direito penal 
– no sentido de um direito da intervenção (Intervenktionsrecht), cujo conteúdo ainda 
carece de precisão; 3) ainda, traria para dentro do direito penal a possibilidade de 
relativização das garantias penais heróica e historicamente conquistada; 4) não se 
pode deixar de apontar também que criaria um direito penal de classes, em que 
seriam sancionados com pena privativa de liberdade os indivíduos da camadas 
menos favorecidas, enquanto na delinqüência agressiva aos bens coletivos (por 
exemplo a que atinge a economia) seus autores seriam sancionados com penas não 
detentivas; 5) outrossim, desconsideraria o caráter estigmatizante que possui 
qualquer pena criminal, ainda que não privativa de liberdade; 6) e, afinal, um direito 
penal de velocidades causaria uma inapropriada atuaçãodo princípio da 
proporcionalidade. 
 
Desta forma, SILVA SÁNCHEZ (2002) “deslocou o modelo excludente da pena 
privativa de liberdade e, portanto, o modelo menos garantístico, para dentro do sistema 
penal”, diferentemente do que havia proposto HASSEMER (1994) que o situava fora do 
penal, ao lado do direito administrativo sancionador. 
 
4.2.2 O direito penal do risco 
Busca-se com esta teoria a definição do que seria o risco penalmente relevante, que 
segundo PRADO AMARAL (2007) ocorreria por meio de um “processo dialético, o que pode 
 
 
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ser alcançado com a atualização da elaboração dogmática de suas categorias básicas de ação, 
tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade”. 
Assim, verifica-se uma concepção distinta do direito penal, criando-se dois pólos: de 
um lado o direito penal comum e de outro o direito penal do risco. 
Tal proposta desconsidera a idéia que o risco não é uma novidade da sociedade 
contemporânea. Ademais, o risco pode ser considerado como uma característica marcante da 
modernidade, mas não o adjetivo designante de tal sociedade (PRADO AMARAL, 2007). 
 
4.2.3 O direito penal “do inimigo” 
 Afirma PRADO AMARAL (2007) que o direito penal do inimigo designa uma 
ampliação do direito penal e, ao mesmo tempo, representa um direito claramente preventivo, 
ou seja, uma tutela penal antecipatória. Conceitua JAKOBS (2003) que esse direito – o do 
inimigo – representa “uma leve defesa frente a riscos futuros”. Já SILVA SÁNCHEZ (2002) 
relaciona esse direito com a sua proposta de um direito penal de “terceira velocidade”. 
Para essa teoria, o inimigo será aquele indivíduo que demonstra uma conduta de total 
abandono do direito; aquele indivíduo que se recusa às normas de cidadania. Desta forma, o 
Estado não reconhece os seus direitos e em face dele é imposto um procedimento de guerra. 
 
4.3 Traços distintivos do bem jurídico protegido no contexto da sociedade de 
risco 
Primeiramente, será considerada a questão do bem jurídico protegido no direito penal 
ambiental. Neste contexto, SILVEIRA (2003) salienta que de uma forma global, deve-se 
entender o ambiente não em seu aspecto individual, mas sim tendo como norte a coletividade. 
Sua presença somente poderá ser imposta se “respeitado o princípio da subsidiariedade, pois 
d’outra forma, desconfigurado estaria o Direito Penal liberal”. Enfatiza SILVEIRA (2003) 
que: 
[...] evidente fica a tendência de uma salvaguarda penal através da incidência de 
figuras de crime de perigo. Nítida é a opção do legislador por esta modalidade de 
tipificação. Por diversas vezes, incorre ele no perigoso campo da proliferação 
indiscriminada de normas, não considerando as necessárias análises ex ante e ex 
post da determinação do perigo. Passam, assim, as normas a perder, por completo, 
sua rigidez metodológica, caindo no vazio da determinação aleatória de crimes. 
 
Segundo SILVEIRA (2003), a proliferação de tipos penais não protegem de forma 
eficaz o ambiente. Tal expansão do direito penal ambiental é decorrente de diversos fatores 
como a seletividade das cifras negras - que procuram punir de forma incisiva os pequenos 
poluidores em face dos grandes; a presença de uma acessoriedade administrativa do meio 
 
 
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ambiente (não representando o direito penal como a melhor solução para o problema); e, por 
fim, o fato de que a Administração Pública permite a exploração de diversos recursos 
ambientais, adotando o conceito de “poluição aceitável”. 
Assim sendo, percebe-se que o grande problema é a falta de uma política ambiental 
efetiva e real. 
No que tange ao direito penal econômico, assevera FERNANDES (2001) que a sua 
natureza artificial, decorrente do intervencionismo do Estado em face da economia. Desta 
forma, afirma o autor que o direito penal econômico “não conta com aquele substrato onto-
antropológico definido e sedimentado, ao contrário do que sucede com os bens jurídicos, 
chamemo-lhes, clássicos, como a vida ou a integridade física”. É importante ressaltar que, o 
direito penal econômico visa a proteção de um direito supra-individual, utilizando-se de 
recurso a crimes de perigo abstrato, refletindo uma antecipação da tutela de bens e a 
tipificação de condutas criminosas de maneira vaga. 
Nesse mesmo sentido, o legislador vem a proteger comportamentos ofensivos à 
relação de consumo. De forma criticável, adota conceitos não nítidos e utiliza-se de normas 
penais em branco, dificultando, assim, a aplicação de um direito penal que visa garantir a 
segurança jurídica e preservar a saúde dos consumidores. 
 
 
5 Considerações finais 
 
O presente trabalho analisou um dos atuais temas da sociologia e da dogmática 
jurídico-penal, que é a sociedade de risco, com o propósito de compreender as definições e a 
amplitude do risco e, conseqüentemente, refletir sobre as delimitações referentes ao bem 
jurídico protegido. Destaca-se presente estudo focou no direito penal. 
Embora haja dificuldades com as quais o Estado continuará se deparando para se 
adequar as novas mudanças ocorridas na sociedade pós-industrial, torna-se necessário o 
estudo da sociedade de risco através de uma concepção sociológica, filosófica e jurídica. A 
cada dia novos riscos serão impostos aos cidadãos, devendo o Estado procurar soluções aptas 
à proteção de uma sociedade descrente e desconfiada de seus institutos. 
Desta forma, deparamo-nos com determinadas mudanças sociais que provocam e 
exigem uma atuação punitiva por parte do Estado. E é justamente a proteção de bens jurídicos 
novos que vêm criando contornos jamais imaginados em um ramo do direito que sempre 
 
 
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adotou princípios como o da subsidiariedade ou o da intervenção mínima. Deixamos de lado a 
proteção exclusiva do indivíduo para protegermos bens jurídicos supra-individuais, como o 
meio ambiente, o consumidor, a bioética e a economia. Na verdade, com a constatação da 
existência de uma sociedade de risco, percebemos uma expansão do direito penal como o 
único ramo capaz de solucionar os problemas que assolam essa sociedade pós-moderna. 
Neste contexto, nota-se que o direito penal vive um período de crise. O sistema 
punitivo perdeu a sua referência, sendo orientado por influências midiáticas e pela opinião 
pública. Assim, o direto penal deixa de ter um caráter garantista, passando a adotar uma visão 
mais prevencionista com a utilização de mecanismos muitas vezes vagos, tais como a norma 
penal em branco e o crime de perigo abstrato. O direito penal tornou-se simbólico. 
Assim, não adianta negarmos a ideia de que a sociedade de risco nunca existiu ou que 
o risco sempre esteve presente nas relações humanas. Na verdade, vivenciamos um momento 
de transformação social que exige um estudo detalhado e a reflexão de quais posições 
efetivamente irão atender os direitos fundamentais dos indivíduos e, conseqüentemente, 
resguardar a aplicação das normas constitucionais. 
 
 
Abstract 
The current study aims to analyse the risk society as a sociological and criminal phenomenon, 
main source, prevention and potencial control. Initially, it will be done a brief analysis of the 
concept of risk society came out in post-industrial period. It will examine various sociological 
concepts on the subject, presenting the point of views of the main authors and the influence of 
theirs thoughtsfor the society. After that, it will be analysed definitions and concepts of the 
globalization and their influences on postmodern period, which is led by insecurity, instability 
and distrust. Finally, it will be studied the criminality ahead the risk society, presenting 
different dogmatic ideas and the true legal asset protected by the supra-individual criminal 
law. 
 
Keywords: Risk Society. Sociological Conceptions. Globalization. Criminal Consequences. 
 
 
 
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