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r e v i s t a FA E B U S I N E S S , n .4, dez. 2002 8 R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s “NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS! HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!” “NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS!“NÃO SOIS MÁQUINAS! HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!”HOMENS É O QUE SOIS!” CrCrCrCrCresce a imporesce a imporesce a imporesce a imporesce a importância do RH (Rtância do RH (Rtância do RH (Rtância do RH (Rtância do RH (Recurecurecurecurecursos Humanos) nas emprsos Humanos) nas emprsos Humanos) nas emprsos Humanos) nas emprsos Humanos) nas empresasesasesasesasesas,,,,, mas sua consolidação é um desafmas sua consolidação é um desafmas sua consolidação é um desafmas sua consolidação é um desafmas sua consolidação é um desafio pario pario pario pario para os pra os pra os pra os pra os profofofofofissionais da árissionais da árissionais da árissionais da árissionais da áreaeaeaeaea Talvez seja esta a grande descoberta ainda por ser feita nas organizações. Mais do que a pureza e o lirismo de um sonhador, ela revela que a convivência tão estreita com as coisas coisificou-nos, confundiu-nos com peças e programas sem nome, sem rosto, com destino duvidoso. A história de RH, neste quase meio século que contemplamos, ainda é a história de uma grande descoberta a ser feita. É, certamente, um projeto inacabado, pois ainda temos dificuldade em definir exatamente o que compõe, de fato, os melhores recursos de uma organização. Por conta dessa dificuldade de definição – e de reconhecimento – a prática de RH passou por várias abordagens no decorrer da história. Nova dinâmica Na chamada Administração Científica de Taylor, Fayol e Ford, encontramos os primeiros ensaios de um departamento organizado para atender às demandas de registro e de legalidade da relação entre trabalhador e empresa. Assim nasceu o Departamento Pessoal (DP), cuja finalidade era garantir que tudo iria correr bem para a produção do trabalho. “Correr bem” significava realizar os objetivos do capitalista, que era aumentar o seu capital investido. Para tal, era preciso multiplicar os olhos do capitalista por toda a indústria, para que tudo fosse vigiado, conferido e realizado conforme seu desejo. Foi então criada a figura do capataz, filho do feitor e pai do gerente, aquele cujo objetivo era “incorporar os olhos- do-dono”. Estes “chefes” tinham por tarefa fazer acontecer o trabalho de acordo com a vontade de quem o patrocinava. Para tanto, dedicavam-se a caçar ocorrências e deslizes. Era escolhido pelo capitalista e visto como homem de confiança, vivendo a esquizofrenia típica deste papel: “pensar” como patrão e “viver” como empregado. Maria Aparecida Rhein Schirato r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n.4, dez. 2002 ... 9 Certamente, o passado do DP, pai do RH, não é glorioso. Ele foi criado para o registro de trabalhadores entregues ao destino comum de produzir o máximo possível no menor tempo. A função do DP era ser arquivo de gente e, sobretudo, buscar gente cujo perfil se encaixasse à necessidade de produção da indústria. Nesse processo de recrutamento, surgiu a necessidade de seleção de habilidades que reforçassem sem muito custo o resultado do trabalho. O técnico mais hábil para essa seleção deveria ser um estudioso do comportamento, um psicólogo: um ajustador entre a oferta de trabalho e a demanda de trabalhadores. O DP era composto de poucos elementos, todos a serviço de buscar recursos para a realização e continuação do trabalho. Um “arquivista” que registrasse as pessoas em suas funções, salários, faltas e ocorrências, e um psicólogo que cuidasse das habilidades adequadas ao trabalho. Pouco a pouco foi surgindo a figura do assistente social, cujo objetivo era prover eventuais necessidades sociais como alimentação, saúde, condições de moradia e de locomoção da casa para a fábrica. A atenção com as condições gerais de produção era fundamental para que a grande máquina não parasse... nunca. Ao DP competia apenas buscar recursos para o trabalho. A figura do capataz não era de sua competência, apenas recebia dele o “material” necessário para a definição do destino das pessoas... Ele foi o primeiro “homem de RH” que conhecemos na história. Novos conceitos, novos desafios Este complexo de produção, aparentemente bem organizado, sofria, entretanto, permanentes alterações graças aos avanços tecnológicos, que exigiam novos ajustes das estruturas de funcionamento. À medida que as operações repetitivas foram sendo substituídas pela automação, o gesto desprovido de pensamento foi reduzindo-se e, de operador na máquina, o trabalhador passa a operador da máquina. A introdução da esteira rolante com a Ford, a criação dos Círculos de Controle de Qualidade na Toyota, enfim, os avanços tecnológicos em geral levaram à necessidade de tomadas de decisão mais rápidas, de comunicação mais ágil, portanto, à necessidade de informações “em tempo” igualmente cada vez menor. Os conceitos aparentemente consagrados sobre o binômio homem-máquina foram questionados à medida que também eram questionados os conceitos de qualidade, retrabalho, estoque, programação de produção, etc. A relação de justaposição homem-máquina, como se ambos estivessem no mundo da produção em pé de igualdade, como se braços e pernas humanos fossem as partes que compunham a sinfonia do todo, operando com botões, alavancas, correias, etc. entra em colapso. Dá-se por determinação do desenvolvimento tecnológico – e do pragmatismo advindo dele – a superposição: o trabalhador opera a máquina, programa a máquina, controla e determina o ritmo da produção: tem que pensar... não basta a memória mecânica dos gestos repetitivos. O progresso tecnológico e, por conseqüência, o avanço informacional determinaram um novo perfil de trabalhador: de simples operário passa a operador. Com o deslocamento do controle de produção e qualidade da repetição cega da linha de montagem para indicadores estabelecidos por planejamentos, programação, avaliação, discussões constantes sobre “o que” e “como”, a facilidade da subordinação pelo comando se torna obsoleta e, portanto, improdutiva. Há maior comunicação entre os trabalhadores. A aparente linha reta entre o investimento e o lucro sofre constantes interrupções, quando no processo de produção o capitalista se defronta com a necessidade de um controle mais estreito da qualidade, com a exigência de um planejamento mais apurado do processo e com os problemas e desafios que a tecnologia traz, requerendo um novo perfil de trabalhador. A figura óbvia do capitalista sedento de lucro, via produção, entra também em colapso. É preciso saber empreender técnicas e engendrar soluções para enfrentar os novos desafios do mundo do trabalho. A indústria não é mais uma ilha de produção encravada no seio da sociedade para ajudá-la a não morrer de fome. Passa, sim, a fazer com o mercado uma dupla mão de direção: a indústria não apenas supre o mercado com oferta de trabalho e produtos, mas também é determinada por ele quanto à sua forma e destino de produção. A história de RH, neste quase meio século que contemplamos, ainda é a história de uma grande descoberta a ser feita r e v i s t a FA E B U S I N E S S , n .4, dez. 2002 10 R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rso s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s O antigo “dono da firma” passa a empreender meios de produção e lucro, passa a ser empresário. Os trabalhadores, igualmente, de simples depositários de decisões alheias passam a conviver mais com a idéia de participação. Há, realmente, mudanças nesses novos tempos, que não mais assimilaram a figura bufadora do capataz e a limitação do acanhado Departamento Pessoal. O avanço tecnológico e informacional mobilizou os especialistas em comportamento na busca de profissionais com os mais variados perfis. A passagem de simples operário para operador, de executor para controlador, de objeto de avaliação da qualidade para o autocontrole da qualidade, produziu situações de convivência, focos geradores de conflito que ultrapassaram a competência de um “chefe” e os limites de uma precária administração de pessoal. Outros itinerários de salvação foram traçados: era preciso garantir a viabilidade do trabalho em seu complexo inteligente de ação-participação-avaliação, ou seria a falência de todas as conquistas tecnológicas e informacionais por mais espetaculares que elas fossem… Identificar, enumerar, arquivar, escalar pessoas era pouco. Fez-se necessária uma corrida desenfreada à procura de recursos de pessoas: Recursos Humanos. Projeto inacabado Grandes programas de skill (desenvolvimento de habilidades) foram implementados nas organizações com a finalidade de captar ao máximo o potencial laborioso dos selecionados. É fato que a criação, a manutenção e a expansão de RH se deram de forma reativa, igualmente como um recurso. A questão das pessoas, elemento fundamental de qualquer operação humana, parece sempre estar a reboque, vem porque não pode deixar de vir. Entretanto, nunca se mostrou tão importante como nos últimos dez anos. A formalização das políticas de RH se mostrou essencial para dar conta do enorme complexo organizacional em que se transformou a produção do trabalho. O DP é e continua sendo um setor importante, mas não único. Seu papel e importância estão restritos a registrar pessoas e seus processos dentro da organização. No entanto, esta se vê obrigada a fazer muito mais do que o registro e a documentação pessoal. A demanda é realmente muito grande, como atendê-la? Temos, hoje, apesar de todos os avanços, um projeto inacabado para RH. Aonde queremos chegar? Qual a melhor direção? A partir de quais valores vamos nortear nossas ações? A quem servimos? Quem representamos? Somos recursos para a organização ou levantamos recursos da organização?... Por uma hábil manobra da própria inconsistência, muitos profissionais de RH somam perguntas a perguntas, como se apenas o papel de questionador fosse consistente para orientar a prática cotidiana, as escolhas angustiantes, as respostas decisivas. A inquietação é legítima. Porém, quando temos questões reverberando no eco do nada, assumimos via de regra um papel festivo de adolescência epistemológica, de descompromisso com o tempo e de mornidão nas atitudes efetivas. RH não tem que vir a reboque, ele é carro-chefe. É propagador de valores e referência ética. Este frescor pueril dos profissionais de RH, como se tudo não passasse de descobertas recentes e entusiásticas, leva-nos à indefinição ideológica, ao desempenho de franco-atiradores: sem querer até dá para acertar. Enquanto pautarmos a performance de RH nos modelos de outros setores-fim, seremos arremedos de profissionais. Aderir a modismos, comprar pacotes de treinamentos indistintamente, praticar o caducismo de políticas trabalhistas atualíssimas há mais de meio século nos levam ao amadorismo e ao desserviço. “Contratamos ou não contratamos?”; “instituímos feedback por avaliação ou não?”; “fornecemos incentivos à demissão voluntária ou simplesmente demitimos?...” Estas e outras questões atordoam o dia-a-dia do profissional de RH. Significam o jogo do vai-não-vai em que muitas vezes está o setor de RH, uma nau sem rumo na condução das pessoas. Esse projeto inacabado de RH nos indica felizmente alguns caminhos. Se aquele esquema autoritário com chefes A formalização das políticas de RH se mostrou essencial para dar conta do enorme complexo organizacional em que se transformou a produção do trabalho r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n.4, dez. 2002 ... 11 ferozes e ameaçadores entra em colapso, assim como a figura do capitalista, então é hora de compor, a muitas mãos, a “Missa de Requiem” deste passado de submissão e alienação a que se reduziu a relação homem-trabalho. É certo que a herança deixada pela estrutura taylorista ainda está presente. Ao mesmo tempo que despontam modificações significativas em algumas empresas, em outras ainda há um cenário autoritário do esquema tradicional de administração. Se cronologicamente nos distanciamos dos esquemas primordiais da administração científica, qualitativamente ainda temos um mix do novo e do velho modelo de produzir trabalho e gerar lucros. É correto também afirmar, porém, que nos últimos 45 anos mudanças essenciais ocorreram, sobretudo de 1980 para cá. Avanços Muitas organizações deram efetivamente grandes avanços na política de RH. Começaram pela identificação do próprio conteúdo imaginário, da imagem que tem de pessoa humana e de trabalho e da imagem que querem construir. Não é mais necessário lançar mão de técnicas enfeitiçantes para obter adesão e dedicação do trabalhador. A política de RH contempla uma relação de parceria, em que possíveis benefícios incorporados à remuneração dos trabalhadores representam apenas conquistas de redução de custos ao acesso deste ou daquele bem ou serviço e não a prática da caridade, da troca do suor pelo feijão, da dignidade pelo pão. Já podemos observar alguns avanços significativos já praticados pela política de RH em muitas organizações: 1. O setor de RH passa a ter profissionais humanistas, competentes para a atuação com pessoas, especialistas em comportamento humano e em relações interpessoais. - O psicólogo é um especialista em administração de conflitos, sendo estes encarados como ocorrências corriqueiras. O psicólogo-testólogo está ultrapassado. Atualmente os testes bem vistos são os caracterizadores de personalidade – MBTI, por exemplo – e não os classificatórios. - O recrutamento, a seleção e a integração são vistos como momentos fundamentais na busca de novos perfis e novos valores, para fazer crescer a organização e não simplesmente endossar a mesmice. - O assistente social é realmente um cientista social e não a “dama de caridade que tem dó dos pobres”. Pratica, portanto, uma política de leitura, identificação e análise das possíveis demandas dos vários segmentos sociais, nos seus núcleos de relacionamento, e intervém como cientista: busca recursos de aprendizagem, reciclagem, emancipação e autonomia das pessoas. - Aparece a figura do consultor interno, o indivíduo que oferece internamente seu conhecimento e experiência. A própria formação da consultoria interna desloca o RH de seu aspecto puramente institucional e o leva às situações pontuais necessárias. Ele é itinerante e atende, portanto, o cliente interno com mais agilidade. 2. A contratação de pessoas não está somente sob a forma do emprego pleno. A política de contratação flexibiliza seus modos de contratar e não se restringe à carteira de trabalho. 3. A remuneração é flexível e negociada caso a caso, com ganhos adicionais por produtividade e participação nos lucros e resultados. 4. As promoções, os remanejamentos internos, os aumentos salariais, a remuneração variável e as demissões são frutos de um trabalho sério de avaliação de desempenho, fundamentada em indicadores objetivos, claros e acordados por todos, para eliminar arbitrariedade, indicação subjetiva e corporativismo. 5. A figura do capataz é substituída pela docoordenador: a liderança baseada na competência e na construção da afetividade (desenvolvimento dos sentimentos de troca, reconhecimento e aceitação). Ele não mais vigia, controla ou amedronta. Ele coordena estrategicamente o potencial da equipe para o trabalho. 6. A organização é apresentada ao trabalhador como seu primeiro cliente. Todo seu empenho é dirigido na busca de qualificação para ganho de competência no seu trabalho. r e v i s t a FA E B U S I N E S S , n .4, dez. 2002 12 R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s R e c u rs o s H u m a n o s 7. A criatividade e a afetividade, características tipicamente femininas, são estimuladas. Tradicionalmente pautadas em valores masculinos, as empresas passam a valorizar o “olhar feminino” e a percepção menos lógico-racional e mais criativa e afetiva. 8. A empresa foge da mesmice e se abre para o novo. Para oxigenar a própria cultura e compor novos valores, integra-se na dinâmica da mescla, na porosidade da troca, no “vai-e-vem” entre organização e mercado. 9. As políticas de RH estabelecem como ponto de honra o estímulo à construção de um conteúdo saudável no imaginário do trabalhador, que passa pela elaboração de sua agenda pessoal, onde devem constar seus vínculos amorosos, seus sonhos, sua carreira profissional, enfim seu direito à vida plena, responsável e livre. Poderíamos somar outros tantos itens às empresas adultas; àquelas que crescem no mercado sem depender da venda de ilusões para os trabalhadores e sem travestir- se das roupagens de grande família, pois a empresa cresce na reposição – de peças, sistemas, pessoas, etc. – e a família cresce na multiplicação de seus membros. São dois universos diferentes, confundi-los constitui um equívoco conceitual, uma ilusão desnecessária, um engano doloso, cujo preço muitas vezes não é mensurável. Se foi sugerida a composição de uma Missa de Requiem para celebrarmos o colapso do caducismo de valores e práticas ultrapassadas, talvez seja o momento de comemoração dos avanços nos últimos anos. Se consideramos RH um projeto inacabado, temos mais a comemorar nas possibilidades reais de nossos projetos que ainda estão por vir. Comemoremos a certeza do futuro. Talvez possamos, então, desde já começar a composição da esperança numa Sinfonia do Amanhecer... Maria Aparecida Rhein Schirato é especialista em Psicologia Social pela PUC-SP e em Psicologia Organizacional pela USP, mestre e doutoranda em Educação pela USP e professora da pós-graduação da FAE Business School. E-mail: rheins@uol.com.br
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