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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/236221011 Patogenia das Doenças Auto-Imunes Chapter · March 2009 READS 3,716 3 authors, including: Isabela J Wastowski Universidade Estadual de Goiás 37 PUBLICATIONS 202 CITATIONS SEE PROFILE Eduardo Donadi University of São Paulo 370 PUBLICATIONS 3,312 CITATIONS SEE PROFILE All in-text references underlined in blue are linked to publications on ResearchGate, letting you access and read them immediately. Available from: Isabela J Wastowski Retrieved on: 15 August 2016 Patogenia das Doenças Auto-imunes Isabela J. Wastowski Ivan F. de Carvalho Eduardo A. Donadi INTRODUÇÃO Uma das características primordiais do sistema imune é a sua capacidade de discriminar os antígenos próprios dos não-próprios. Essa característica única é realizada por linfócitos, previamente educados, capazes de reconhecer e responder contra os an- tígenos estranhos e não responder contra auto- antígenos. A não-responsividade das células do sistema imune contra os antígenos próprios tem sido designada como tolerância imunológica e a perda do controle dos mecanismos que mantêm a tolerância tem sido referida como auto-imunida- de. As doenças auto-imunes (DAI) são causadas por uma perda persistente dos mecanismos de con- trole responsáveis pela manutenção da tolerância aos antígenos próprios. A existência de respostas auto-imunes começou a ser considerada a partir do momento em que se de- monstrou que o sistema imune possui especifi cidade no reconhecimento de antígenos, sendo capaz de res- ponder a antígenos estranhos, sem destruir o próprio. Paul Ehrlich, em 1900, defi niu as reações imunes contra o próprio (auto-imunidade) como o “horror autotóxico”. Macfarlane Burnet, 50 anos mais tarde, descreveu o mecanismo de seleção clonal, processo pelo qual os linfócitos auto-reativos sofrem apoptose, a fi m de se evitarem reações auto-imunes. Atualmen- te, sabe-se que os processos auto-imunes são decor- rentes do reconhecimento de antígenos próprios por Capítulo 3 linfócitos auto-reativos, e que a conseqüente ativação dessas células causará as lesões teciduais. O entendimento dos mecanismos que resultam na perda da tolerância com a conseqüente ativação de clones auto-reativos é fundamental para a com- preensão da patogênese das DAI. CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES A auto-imunidade é uma causa importante de doença em seres humanos, afetando cerca de 1% a 2% da população dos Estados Unidos. O termo auto-imunidade, contudo, é muitas vezes utilizado erroneamente para nomear doen- ças que apresentam reações imunes acompanhadas de lesões teciduais, nas quais até o momento, não foi possível estabelecer o papel do sistema imune e os prováveis auto-antígenos. A simples detec- ção de auto-anticorpos, ou mesmo de linfócitos auto-reativos, não implica, necessariamente, o desenvolvimento de auto-imunidade. A presença desses pode ser conseqüência, e não causa, de uma lesão tecidual. Assim, por exemplo, a presença de anticorpos contra antígenos do miocárdio, em um infarto do miocárdio, não é, obviamente, a causa do infarto, mas, sim, conseqüência da liberação de antígenos do tecido cardíaco, promovida pela lesão isquêmica, sendo a função dos auto-anticorpos, nessa situação, a eliminação dos auto-antígenos cardíacos circulantes. 44 CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Prova 2 As DAI são classifi cadas em sistêmicas ou ór- gão-específi cas. Assim, as respostas imunes contra antígenos e/ou células de vários tecidos produzem doenças sistêmicas, ao passo que a resposta auto- imune, contra antígenos de distribuição restrita a tecidos ou grupos celulares, produz doenças órgão- específi cas. As DAI também podem ser classifi cadas pelo tipo de resposta imune responsável pelo início da doença, podendo esta ser humoral (auto-anticorpos) ou celu- lar (linfócitos T auto-reativos). A miastenia gravis, por exemplo, caracteriza-se por auto-anticorpos con- tra os receptores musculares de acetilcolina, o que resulta em degradação desses e conseqüentemente disfunções que culminarão em fraqueza muscular. O mesmo processo ocorre na doença de Graves, em que auto-anticorpos se ligam ao receptor do TSH, causando, assim, o hipertireoidismo. Em contraste, na esclerose múltipla, linfócitos T auto-reativos são responsáveis primariamente pela destruição da bai- nha de mielina e conseqüente perda neurológica; o mesmo ocorre no diabetes mellitus do tipo 1, no qual as células β pancreáticas são destruídas por resposta celular citotóxica. Os exemplos mais típicos de DAI sistêmicas são as doenças reumáticas, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES), a artrite reumatóide (AR), a ar- trite reumatóide juvenil, a síndrome de Sjögren, a esclerose sistêmica e a dermatopolimiosite. Nessas doenças, vários antígenos nucleares, citoplasmáticos e de membrana celular já foram identifi cados como alvos da resposta auto-imune. Por outro lado, as principais doenças órgão-específi cas são a miastenia gravis, o pênfi go, a anemia hemolítica auto-imune e a púrpura trombocitopênica idiopática. Todas elas caracterizadas por resposta a um ou mais antígenos restritos a certos tecidos ou células. Vários mecanismos efetores participam do desenvolvimento das DAI, como auto-anticorpos circulantes, imunocomplexos e linfócitos T auto- reativos. Diversos fatores estão envolvidos no de- sencadeamento dessas doenças, como predisposição genética, fatores hormonais, fatores ambientais e alterações imunológicas. Predisposição Genética Estudos populacionais, familiares e em gêmeos têm demonstrado que fatores genéticos exercem in- fl uência na predisposição às DAI. A prevalência das DAI em gêmeos idênticos, por exemplo, é maior que a prevalência em gêmeos não-idênticos, o que refor- ça a infl uência de fatores genéticos na patogênese, não se desconsiderando, é claro, a forte participação dos fatores ambientais. A complexidade genética das DAI, caracterizada pela grande poligenia, difi culta a identifi cação dos genes envolvidos na sua patogênese; contudo, al- guns grupos de genes mostraram associações claras a essas doenças, como os genes do MHC (major histocompatibility complex). O Papel do MHC nas DAI A maioria dos estudos genéticos em DAI con- centra-se na análise dos genes do MHC e de outros genes envolvidos na resposta imune. As moléculas do MHC podem predispor ao desenvolvimento de DAI por vários mecanismos: modelação do repertório dos TRC (T receptor cells); seleção de peptídeos; apresentação de peptídeos; ativação de clones auto-reativos. A tipifi cação dos antígenos HLA (human leu- kocyte antigens), de grupos relativamente grandes de pacientes, tem mostrado que alguns alelos HLA ocorrem com maior freqüência nesses indivíduos que na população em geral, conferindo um risco relativo maior a esse antígeno HLA. A espondilite anquilosante (EA) é o exemplo mais evidente da associação entre antígenos HLA e DAI. Nessa doença, o antígeno HLA-B27 demons- trou conferir um risco relativo de 90% para o desen- volvimento da doença em diversas populações. Há várias moléculas HLA-B27, e a mais comum, entre caucasianos, é a HLA-B2705, que está presente em 90% dos indivíduos acometidos pela EA. A molé- cula HLA-B2703 também parece estar associada à EA e difere da HLA-B2705 apenas na posição 57, apresentando uma histidina em vez de uma timina. A mudança desse aminoácido poderia alterar o reco- nhecimento do antígeno pelos LT. Duas teorias têm sido propostas para explicar a associação do B27 com a EA. A primeira propõe que linfócitos T reco- nheceriam um peptídeo artritogênico apresentado por moléculas HLA-B27 e também HLA-DR1/DR4,como um antígeno estranho, desencadeando, assim, a resposta auto-imune; contudo, a não-identifi cação de tal peptídeo desfavorece essa hipótese. A segunda teoria sugere que o mimetismo antigênico, ou seme- lhança, entre antígenos próprios e de certos micro- organismos, como a K. pneumoniae e Yersinia ssp, induziria uma resposta imune cruzada, que, apesar de inicialmente desencadeada em reposta ao pató- CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES 45 Prova 2 geno, acabaria por reagir também contra os tecidos próprios. Dentro da hipótese do mimetismo antigê- nico, também se questiona o papel dos determinantes crípticos no processo auto-imune. Esses determinan- tes são seqüências de peptídeos de proteínas próprias que não são apresentadas aos linfócitos durante o processo de seleção clonal. Assim, clones responsi- vos a esses peptídeos podem sobreviver, e, quando ocorrer um processo infeccioso ou infl amatório que induz a exposição desses peptídeos, anteriormente ocultos, os clones auto-reativos poderão iniciar uma resposta auto-imune. Embora a tipifi cação dos antígenos HLA-B27 não esteja incluída nos critérios diagnósticos da doença, a sua presença em espondiloartropatias indiferenciadas confere maior risco para o desen- volvimento de EA. Os estudos genéticos mais recentes em DAI estão focalizados nos antígenos de classe II, princi- palmente, porque essas moléculas estão envolvidas na ativação de linfócitos T CD4 e esses regulam tanto a reposta humoral quanto a celular a antígenos protéicos. O diabetes mellitus do tipo 1 (DM-1) é pro- vavelmente a DAI mais estudada. Nessa doença foi demonstrada inicialmente a associação entre o HLA-DRB1*03 e HLA-DRB1*04 com o maior risco relativo para o seu desenvolvimento. Os produtos gênicos da classe II do MHC, em particular as moléculas DRB1, DQA1 e DQB1, são altamente polimórfi cos e apresentam funções tanto na apresentação de antígenos para linfócito T CD4, como na indução de tolerância. Há um alto grau de desequilíbrio de ligação entre esses grupos de alelos, o que difi culta a identifi cação de marcadores gené- ticos para as DAI. Fato interessante, no caso do dia- betes, foi a demonstração de que os alelos DRB1*03 e DRB1*04 são parte dos haplótipos estendidos DRB1*03-DQB1*02-DQA1*0501 e DRB1*04- DQB1*0302-DQA1*0301, nos quais a heterozigose para DR3/4 aumenta consideravelmente o risco de desenvolvimento do diabetes. Embora essa forte associação haplotípica tenha sido reportada no DM, em 1987, uma associação isolada do locus DQB1 foi ligada à resistência ao DM-1. O alelo caracterizado nesse locus codifi cava um ácido aspártico na posi- ção β57 da molécula DQB, conferindo resistência à doença. Provavelmente isso ocorria pelo fato de esse aminoácido estar diretamente relacionado com a apresentação de antígenos para os linfócitos T, já que se localizava na fenda de ligação do peptídeo antigênico. Sendo assim, acredita-se que a presença desse resíduo poderia atuar diretamente na seleção clonal central, impedindo a sobrevivência de clones de LT auto-reativos. Embora diversas regiões gênicas estejam re- lacionadas com a suscetibilidade ao DM-1, o MHC, certamente, é que apresenta maior força de associação, contribuindo em até 50% na sus- cetibilidade à doença. As tipifi cações dos alelos HLA de classe II têm sido utilizadas, juntamente com os perfi s de auto-anticorpos, para identifi car indivíduos que apresentam chance de desenvolver a doença. Assim, os indivíduos tipifi cados como DQB1*0201 ou DQB1*0302, oriundos de famílias de indivíduos com DM-1 e apresentando pelo menos três anticorpos relacionados com a doença, possuem maior chance de desenvolver a doença em relação aos que apresentam um ou dois auto-anticorpos, ou, ainda, em relação aos indivíduos sem esses alelos de histocompatibilidade. Outra doença cujo perfil genético também é bastante estudado é a artrite reumatóide. O gru- po de genes DRB1 (DRB1*0101, DRB1*0102, DRB1*0401 , DRB1*0404 , DRB1*0405 , DRB1*0408, DRB1*1001 e DRB1*1402) foi implicado na suscetibilidade à atrite. Posterior- mente, foi demonstrado por Gregerson e cols. que a associação dos vários alelos DRB1 com a doen- ça era devida à similaridade dentro das posições β70-β-74 do domínio peptídico dessas moléculas; assim, os alelos associados continham um “epítopo comum” caracterizado pelas seqüências (QKRAA/ QRRAA/RRRAA). Alterações nos aminoácidos dessas seqüências demonstraram também ser o di- ferencial entre alelos de suscetibilidade e proteção (DRB1*0103, DRB1*07, DRB1*1201, DRB1*1301 e DRB1*1501). Pacientes que exibem o epítopo compartilhado e têm o hábito de fumar apresen- tam com mais freqüência anticorpos anticitrulina, caracteristicamente observados em pacientes com AR fator reumatóide positivo. Além disso, diversos autores apontam que os pacientes exibindo os alelos do epítopo compartilhado apresentam doença mais grave em relação àqueles sem o epítopo. Já o LES, quando comparado à artrite reumatóide, apresenta associações ao MHC mais heterogê neas e complexas. O HLA-B8 foi o primeiro antígeno associado à doença. Mais tarde, demonstrou-se que essa associação era decorrente do desequilíbrio de ligação com o HLA-DR3; tanto o HLA-DR3 quanto o HLA-DR2 conferiam risco relativo maior que os antígenos de classe I. Além dos alelos DRB1, os alelos DQB1 e DQA1 também foram associa- dos à produção de certos auto-anticorpos. Assim, 46 CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Prova 2 os haplótipos DR2-DQA1*06-DQB1*06 e DR4- DQA1*0501-DQB1*0201 foram relacionados com altos títulos de anti-Ro (SS-A). Outras associações DR/DQ à produção de diversos auto-anticorpos, como antifosfolipídios, anti-Sm, anti-DNA, foram posteriormente estabelecidas. Posto que o LES seja uma doença bastante he- terogênea em termos de manifestações clínicas e de perfi s de auto-anticorpos, as associações entre HLA e LES têm sido abordadas de acordo com a manifes- tação clínica predominante, o perfi l dos anticorpos ou mecanismo patogênico subjacente. Pacientes com LES neuropsiquiátrico, além dos antígenos HLA- DR3, apresentam maior freqüência dos antígenos HLA-DR9, que, por sua vez, foram associados à produção de anticorpos linfocitotóxicos que reagem de forma cruzada contra antígenos neuronais. A pre- sença de anticorpos antifosfolipídio ou o aumento da taxa de apoptose também estão associados ao grupo de alelos HLA-DRB1*03. Modelos Animais O estudo de modelos animais tem contribuído para o melhor entendimento das DAI. Esses mode- los de doenças podem ser divididos em três grandes categorias, baseadas em como e por que a doença se desenvolve: doenças de ocorrência espontânea, dependentes da combinação de genes em linhagens endocru- zadas; doenças induzidas por imunização, transferência celular, timectomia, infecção viral ou outra expo- sição exógena; doenças desenvolvidas após manipulação genéti- ca, como a expressão transgênica e o knockout de alguns genes. Os modelos animais com maiores similarida- des à DAI humana incluem aqueles que apresen- tam desenvolvimento espontâneo e alta incidência da doença, como ocorre nos camundongos NOD (nonobese diabetic mouse). Estes desenvolvem diabetes do tipo I, e nos camundongos New Zee- land Hybrid, MRL-fasIpr e BXSB, que desenvol- vem o LES. Esses modelos animais têm permitido o dessecamento dos fatores genéticos e ambientais que atuam nessas doenças. A segunda categoria de modelos experimentais é aquela induzida por inoculação de auto-antíge- nos em animais suscetíveis para a DAI. A maioria desses modelos utiliza antígenos órgão-específi cos como proteína básica da mielina, receptor para ace- tilcolina, tireoglobulina, ou colágeno do tipo II. O melhor modelo órgão-específi co caracterizadoé o de encefalomielite auto-imune experimental (EAE), no qual a desmielinização do sistema nervoso central e a subseqüente paralisia são induzidas no animal após a imunização do mesmo com proteína básica da mielina ou peptídeos derivados desse antígeno. Esse modelo forneceu importantes esclarecimentos de como os linfócitos T auto-reativos recrutam macró- fagos e produzem diversas citocinas que medeiam a destruição da mielina. A terceira categoria de modelo experimental envolve a manipulação genética do animal, através do desenvolvimento de animais transgênicos ou no- cautes para determinados genes, como os envolvidos com a apoptose e com a codifi cação do TCR, BCR e certas citocinas. Essa classe de modelos também permite o estudo de mecanismos de tolerância, pois é possível acompanhar todo o desenvolvimento dos linfócitos auto-reativos. Um modelo animal muito estudado pertencente a essa categoria é o da colite infl amatória induzida por nocaute dos genes de IL-2 e IL-10. Os modelos animais fornecem importantes esclarecimentos sobre a patogênese das DAI; con- tudo, o fator genético nessas doenças é complexo e determinado pela combinação de múltiplos genes de suscetibilidade. Isso é bem caracterizado ao se estudar o MHC, no qual há grande desequilíbrio de ligação, ou seja, esses genes são herdados em blo- cos. Essa estrutura difi culta a determinação de um marcador genético para uma doença, pois um alelo que apresente freqüência aumentada em determina- da doença pode não estar diretamente relacionado com ela, mas sim fazer parte de um grupo de genes, entre os quais pode haver um que esteja diretamente envolvido na patogênese. Outros Marcadores Genéticos das DAI Estudos de associação têm demonstrado a impor- tância de genes não-relacionados com o MHC no desenvolvimento das DAI. A maioria desses genes está ligada diretamente à resposta imune, como os genes de imunoglobulinas, receptores de células T e B, componentes do complemento e genes envolvidos na apoptose. A participação de genes não-relacionados com o MHC tem sido bem demonstrada no LES. Alelos que determinam a defi ciência de certos componen- tes do sistema complemento já foram associados ao desenvolvimento de LES. Demonstrou-se que indivíduos defi cientes em C1q, C1r, C1s ou C4 (C4A CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES 47 Prova 2 e C4B) desenvolvem uma síndrome semelhante ao lúpus. No LES, contudo, a defi ciência de C4 é a mais presente, chegando a acometer de 12% a 15% dos pacientes. A defi ciência de componentes do comple- mento pode infl uenciar na patogenia ao prejudicar a remoção de partículas infecciosas, complexos imu- nes ou células apoptóticas, o que resulta na produção de auto-anticorpos e deposição de imunocomplexos em vários órgãos. Genes codifi cadores de receptores para IgG (Fcγ) podem atuar na patogenia do LES da mesma forma que os genes ligados à produção de componentes do complemento. Foi demonstrado que pacientes com LES, princi- palmente aqueles com nefrite, possuem uma variante do receptor FcγRIIA (CD32 – expresso em monóci- tos, macrófagos e neutrófi los) com menor afi nidade para a IgG2, o que resultaria também em défi cit na remoção de imunocomplexos. Recentemente, o polimorfi smo genético de certas citocinas, como o TNF-α, IL-6 e IL-10, também tem sido relacionado com o desenvolvimento de LES e outras auto-imunidades, assim como o polimorfi smo do TCR e genes de imunoglobulinas. Todavia, um importante avanço para o entendimento da predis- posição genética nas DAI, mais especifi camente no LES, é o estudo de genes envolvidos na apoptose. A apoptose, ou morte celular programada, é um processo complexo e direcionado por moléculas indutoras de morte, como o Fas e Apo I, e por molé- culas inibitórias, como o bcl-2. No desenvolvimento do sistema imune até a resposta imune efetora, a apoptose se faz presente, e é crucial, tanto no pro- cesso de manutenção da tolerância imunológica, como no controle da resposta imune periférica. Mutações nos genes codifi cadores de Fas e de seu ligante podem resultar em falhas na via da apoptose e conseqüentemente em perda da tolerância, pois a morte de linfócitos T e B auto-reativos será prejudi- cada. A síndrome linfoproliferativa auto-imune, por exemplo, é causada por mutações no Fas e lembra a doença dos dois principais modelos experimentais para tal gene: o lpr/lpr e o gld/gld que apresentam auto-imunidade e linfoproliferação por defi ciência em Fas e Fas ligante, respectivamente. Assim como os fatores Fas estão relacionados, dentre outras coisas, com a apoptose de linfóci- tos auto-reativos, o gene codifi cador do CTLA-4 (cytotoxic T lymphocyte antigen 4) está relacionado com a anergia de linfócitos T. Conseqüentemente, a perda funcional desse leva à quebra na tolerância imunológica. O CTLA-4 e uma molécula inibitória que se liga a B7-1 e B7-2 e induz anergia celular. Camundongos nocautes para tal gene desenvolvem uma síndrome fatal caracterizada por infiltrado linfocítico em múltiplos órgãos. Esses sintomas são semelhantes aos dos processos auto-imunes sistê- micos. Doenças como o DM, a doença de Graves e endocrinopatias estão associadas a polimorfi smos que resultam em baixa produção dessa molécula. O gene AIRE (autoimmune regulator) foi identi- fi cado na síndrome poliendócrina (APS-1), na qual múltiplos órgãos endócrinos, pele e outros tecidos sofrem ataque do sitema imune. Mutações no AIRE podem induzir à redução na expressão de antígenos próprios no timo e conseqüentemente a falhas na seleção negativa de linfócitos T auto-reativos. Pro- cesso semelhante é sugerido para a DM do tipo I, na qual polimorfi smos nos genes de insulina resulta- riam também em menor expressão gênica no timo e escape de LT auto-reativos. A Tabela 3.1 sumariza os principais marcadores genéticos não-pertencentes ao MHC e sua relação com os processos auto-imunes. Tabela 3.1. Principais Marcadores Genéticos Não-pertencentes ao MHC Relacionados com Processos Auto-imunes Gene Doença em Humanos Modelo Animal Mecanismo de Auto-imunidade AIRE APS-1 Nocaute Redução na apresentação de auto-antígenos no timo, resultando em seleção negativa defectiva de células T auto-reativas CTLA-4 Doença de Graves, DM e Nocaute Falha na indução de anergia de LT auto-reativos outras doenças auto-imunes FOXP3 IPEX Nocaute e mutante Redução na geração de linfócitos T CD4 CD25 regulatórios Fas, FasL ALPS Ipr/Ipr; gld/gld Falha nas vias de apoptose de linfócitos T e B mutantes auto-reativos C4 Associado ao LES Nocaute Déficit no clearance de imunocomplexos AIRE – autoimmune regulator; CTLA-4 – cytotoxic T lymphocyte 4; FOXP3 – transcription factor for the forkhead family. 48 CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Prova 2 Fatores Hormonais Várias evidências sugerem a participação de fa- tores hormonais nas DAI. Dentre elas está o fato de as DAI serem mais freqüentes em mulheres (2-4:1 na AR; 5-13:1 no LES; 3:1 na esclerodermia; 9:1 na síndrome de Sjögren e 4-8:1 na doença de Graves) e a diferença na intensidade da resposta imune entre homens e mulheres. Tanto em humanos como em modelos animais é possível diferenciar o perfi l de resposta imunológica entre os sexos masculino e feminino. No sexo feminino as respostas imunes celular e humoral são mais fortes, havendo maior concen- tração sérica de anticorpos; a rejeição a enxertos é também mais exacerbada. Os hormônios sexuais têm papel central nesse dimorfismo de gênero, pois a diferença na produção de anticorpos só é observada após a maturidade sexual, e é grande- mente reduzida depois de uma gonadectomia. Os estrógenos demonstraram estimular a resposta de linfócitos B e inibir respostas mediadas por LT, ao passo que andrógenose progesterona inibem ambas as respostas. No LES, verifi cou-se que andrógenos reduzem a incidência e a gravidade da doença em modelos murinos, já os estrógenos têm ação inversa. Isso é possível de ser observado no uso de contracep- tivos orais por pacientes acometidas por LES que acabam por sofrer exacerbação dos sintomas. Em tireoidites e na anemia hemolítica os mesmos efeitos hormonais foram observados. Estudos in vitro demonstraram os potenciais efeitos diretos dos hormônios sobre as células do sistema imune, como a modulação da produção de citocinas por essas células, incluindo IL-1, IL-6, IL-2, IL-4, IL- 5, IFN-γ e TGF-β. A hipótese de ação direta dos hormônios sexuais na resposta imune também é reforçada pela presença de receptores para estró- geno em macrófagos sinoviais e linfócitos T CD8 circulantes. Receptores para andrógenos também foram descritos em timócitos. Contudo, a ação hormonal in vivo parece ser indireta, mediada por interações com outros fatores imunomoduladores, como hormônios tímicos, hormônio do crescimento e prolactina. A infl uência dos esteróides na produ- ção desses hormônios também tem sido associada à complexa rede de interações proposta para explicar o dimorfi smo e a infl uência dos hormônios sexuais na resposta imune. Os glicocorticóides são a principal fonte endóge- na de agentes antiinfl amatórios in vivo, interferindo em praticamente todos os estágios da resposta imu- ne. Estrógenos e andrógenos demonstraram modular a expressão de receptores para glicocorticóides no hipocampo e na glândula pituitária. Recentes estudos reforçam o conceito de que os estrógenos aumentam a responsividade do eixo hipotálamo-pituitária-adre- nal (HPA) pela inibição da ação dos glicocorticóides sobre o hipotálamo. Durante a resposta inflamatória, há respostas sistêmicas, dentre as quais está a maior secreção de glicocorticóides, que tendem a reduzir o processo infl amatório. Por sua vez, o próprio processo in- fl amatório estimula o eixo HPA, o que culmina na estimulação da secreção de glicocorticóides pelas adrenais. Nesse processo os hormônios sexuais podem agir no eixo HPA, além de poderem atuar diretamente sobre a produção de citocinas e as célu- las do sistema imune. Dessa forma afetam a resposta dos glicocorticóides à infl amação. Na AR é possível observar a relação entre os hormônios sexuais e os glicocorticóides. Nessa doença, os estrógenos, como os andrógenos, têm a habilidade de reduzir a resposta imune e proteger a cartilagem da degradação causada pelo processo infl amatório. Contudo, enquanto os estrógenos au- mentam os níveis de glicocorticóides, os andróge- nos têm efeito oposto. Portanto, essas observações sustentam a idéia de que os efeitos imunossupres- sivos induzidos pelos estrógenos in vivo em parte devem ser mediados pela habilidade de aumentar a resposta aos glicocorticóides. Em contraste, o mesmo efeito imunossupressor desencadeado pe- los andrógenos deve ser independente da ação dos glicocorticóides. As disfunções no eixo HPA mostraram estar relacionadas com a patogênese das DAI. A AR, por exemplo, é associada a anomalias na secreção de cortisol, existindo baixa concentração desse hormônio tanto em condições fi siológicas quanto infl amatórias. Há ainda resistência à ação dos glico- corticóides, devido à baixa expressão de receptores para o hormônio e até mesmo à produção de auto- anticorpos contra moléculas mediadoras de sua ação, o que acaba por gerar uma resistência intrínseca à ação hormonal. Alterações semelhantes foram tam- bém descritas no LES. Fatores Ambientais Infecções Infecções bacterianas, virais ou parasitárias par- ticipam do desenvolvimento de diversas DAI. Esses processos infecciosos podem auxiliar no desencade- CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES 49 Prova 2 amento da auto-imunidade através de vários meca- nismos, como o mimetismo molecular; a exposição de antígenos criptogênicos; o espalhamento de an- tígenos; a persistência do patógeno ou de antígenos; superantígenos bacterianos e retrovírus. Mimetismo Antigênico Um modelo de auto-imunidade freqüentemente citado é o da similaridade estrutural de antígenos microbianos com antígenos próprios. Assim, a resposta contra o antígeno microbiano provoca uma reação cruzada contra antígenos próprios e a perpetuação da resposta imune. A utilização de peptí deos sintéticos semelhantes a peptídeos com- partilhados por proteínas humanas e bacterianas em modelos experimentais demonstrou que esses são capazes de expandir clones auto-reativos. Essa hipó- tese passa a ser uma explicação plausível para várias doenças infl amatórias associadas à auto-imunidade, como, por exemplo, a associação entre infecção estreptocócica, febre reumática e glomerulonefrite difusa aguda, ou, ainda, a infecção por Yersinia ssp. e clamídia também relacionada com a artrite reativa ou síndrome de Reiter. No entanto, é difícil explicar como a doença auto-imune é mantida após a reso- lução da infecção. Vários modelos experimentais têm sido utilizados para o estudo do mimetismo antigênico, muitos deles fazem uso de imunização de animais geneticamente suscetíveis com proteínas estranhas, mas que são homólogas a proteínas teciduais próprias. O modelo da encefalomielite auto-imune experimental (EAE), no qual a inoculação da proteína básica da mielina ou de peptídeos derivados desse antígeno acarreta a desmielinização do sistema nervoso central, produ- zindo uma doença semelhante à esclerose múltipla humana, é um desses modelos já bem caracteriza- dos. Os modelos, em roedores, de AR induzida por colágeno do tipo II ou de MG pela inoculação de acetilcolina, também são muito estudados. Interes- sante é que a maioria desses modelos, como ocorre no caso da AR, precisa de um co-estímulo de pro- dutos bacterianos para que haja uma resposta efi caz. Normalmente é usado o adjunto completo de Freund, pois quando se usa o produto incompleto não há o desenvolvimento da artrite, por exemplo. Um conceito atualmente proposto é que a repos- ta imunológica cruzada promove uma infl amação, expondo antígenos que normalmente não são aces- síveis ao sistema imune: os antígenos crípticos. Uma hierarquia de determinantes antigênicos próprios tem sido proposta, e essa é uma das prin- cipais infl uências na modelação do repertório de células T auto-reativas. Nesse modelo é proposto que o ótimo processamento e apresentação de determinantes antigênicos resulta na produção de determinantes próprios dominantes, ao passo que o inverso, o processamento ou a apresentação defi cien- te, resultará em antígenos invisíveis para as células T ou os antígenos crípticos. Essa apresentação de antígenos próprios é particularmente importante durante a seleção tímica; sabe-se que os LT que so- brevivem à seleção, em sua maioria, reagem contra determinantes crípticos. Durante uma resposta imune, o aumento na expres- são de moléculas do MHC, o aumento da atividade de enzimas proteolíticas, a infl uência de citocinas e a atividade co-estimulatória das células apresentadoras de antígenos resultam em maior processamento e apresentação antigênica. Isso pode acarretar a apre- sentação dos antígenos crípticos e o início de uma resposta a proteínas próprias. Um modelo típico de antígenos crípticos é o da proteína do citocromo c. Essa proteína é expressa em todos os tecidos, e é um componente mitocon- drial de transporte de elétrons. Camundongos nor- mais, como esperado, são tolerantes a essa proteína, não havendo resposta T ou B após imunização com o citocromo c autólogo. No entanto, a imunização com o citocromo c de outras espécies induz à for- mação de anticorpos que se ligam ao citocromo c autólogo e estranho, sugerindo que a tolerância ao citocromo c autólogo sejamantida ao nível celular. A imunização concomitante com o citocromo c autólogo e estranho produz ativação de clone de LT auto-reativos, cuja especifi cidade é dirigida aos resíduos de 1-80 aa da proteína (peptídeos imunodo- minantes). A imunização com um peptídeo sintético 81-104 aa correspondente à região c-terminal dos antígenos próprios produz também anticorpos, su- gerindo que o epítopo 81-104 não seja normalmente gerado pela APC em níveis sufi cientes para permitir o reconhecimento por células T auto-reativas. O conceito de epítopo críptico é útil para expli- car a existência de células T potencialmente auto- reativas no sangue, pois esses linfócitos não são eliminados durante a seleção clonal e nem se tornam anérgicos, pois os peptídeos que poderiam induzir esse processo encontram-se “invisíveis” a essas células. Estudos sugerem que substâncias derivadas de bactérias patogênicas da fl ora normal aumentem a apresentação de antígenos crípticos, induzindo a ativação desses clones T auto-reativos. Assim, ca- mundongos transgênicos, nos quais a maioria dos linfócitos tem TCR específi co para a proteína básica 50 CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Prova 2 da mielina, desenvolvem espontaneamente encefa- lomielite alérgica experimental, quando criados em condições não-estéreis. No entanto, quando criados em condições livres de germes, a doença não se desenvolve. Em adição, a inoculação de produtos bacterianos, como a toxina pertussis e LPS, aumen- ta a freqüência do desenvolvimento espontâneo da encefalomielite. Espalhamento do Antígeno (Epitope Spreading) O mimetismo molecular por si só não deve de- sencadear o processo auto-imune, a menos que uma resposta inicial a um determinante próprio possa expandir a resposta a outros determinantes da mes- ma molécula e de outras moléculas próprias. Esse processo de “espalhamento” da resposta imune a outros epítopos tem sido bem estudado em vários modelos animais de auto-imunidade. No modelo de EAE (encefalomielite experimental aguda), a imunização de camundongos suscetíveis a doença com um peptídeo sintético correspondente ao principal sítio antigênico da proteína básica da mielina (aa 1-11) é sufi ciente para induzir a doença infl amatória do SNC. No entanto, o exame dos clo- nes de linfócitos produzidos como resultado dessa imunização revela uma resposta inicial dirigida ao epítopo 1-11 da PMB, e subseqüentemente ocorre forte resposta a outros epítopos da molécula, por exemplo, contra os resíduos 35-47; 81-100; 121- 140, espalhando a resposta auto-imune de maneira intramolecular. Além disso, após imunizações com o peptídeo 1-11, tem-se verifi cado a resposta contra outras proteínas associadas à mielina, caracterizan- do um espalhamento intermolecular. É interessante notar que a apresentação dos peptídeos subseqüen- tes ao peptídeo inicial pode ocorrer via diferentes moléculas de HLA, o que difi culta ainda mais a identifi cação de associações entre os alelos do HLA e a doença. Persistência dos Antígenos e/ou Patógenos A persistência do patógeno como forma oculta seria uma doença infecciosa crônica, no entanto é possível a persistência de antígenos microbianos como uma causa de doença infl amatória crônica. O papel da persistência dos antígenos micro- bianos tem sido extensivamente estudado em pa- cientes que desenvolvem artrite pós-infecção pela Yersinia enterocolitica. Em 40% desses pacientes são detectados auto-antígenos de Yersinia em células do fl uido sinovial (PMN e células monocucleraes), mesmo muitos anos após a infecção. A procura por organismos viáveis através da identifi cação do DNA microbiano, por meio da reação em cadeia de poli- merase (PCR), quase sempre é negativa, contudo outras técnicas que avaliam a presença de proteí- nas, como a imunofl uorescência e o Western Blot, tiveram resultados positivos. Clones de linfócitos T reativos contra Yersinia também têm sido isolados do fl uido sinovial desses pacientes. A doença de Lyme é um exemplo de como uma artrite infl amatória com características de doença auto-imune pode ser causada por um patógeno mi- crobiano oculto. A doença é causada pelo espiroque- ta Borrelia burgdorferi, transmitido pela picada do carrapato Ixodes demmini. Contudo, em contraste a artrite reacional, a artrite da doença de Lyme é cau- sada por um microrganismo viável, e seu material genético pode ser detectado por PCR. Superantígenos Os superantígenos são proteínas que se ligam e ativam todos os linfócitos T em um indivíduo que expressem um determinado grupo ou família de ge- nes para a região variável do TCR. Essas proteínas são apresentadas aos linfócitos T ligadas às regiões não-polimórfi cas das moléculas de MHC de classe II, expressas em células apresentadoras de antígenos, não havendo necessidade de processamento desses antígenos para tal apresentação. O reconhecimento de superantígenos por uma célula T pode ocasionar proliferação e ativação de suas funções efetoras, ou mesmo induzir anergia ou morte celular. A ativação de células T imaturas no timo pelos superantígenos causa eliminação dessas células. A capacidade de ativação da célula T é depen- dente em muitos casos da expressão pela célula T de um dos subgrupos de elementos Vβ específi cos (seg- mentos variáveis na cadeia β do TCR). Desde que a ativação é dependente somente dos elementos Vβ e nenhum outro elemento variável dentro do TCR, um único superantígeno é capaz de ativar várias populações de células T. Assim, em camundongos, a enterotoxina estafi locócica B ativa muitas células T que expressam o elemento Vβ8. Em contraste, a proteína básica principal de mielina que causa a EAE ativa populações de linfócitos T que expressem Vβ8 em combinação com Vβ2. Vários superantígenos, derivados de diferentes espécies bacterianas, têm sido caracterizados, alguns deles associados a doenças humanas. A Tabela 3.2 mostra alguns dos superantígenos bacterianos já bem caracterizados. CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES 51 Prova 2 Pelo menos dois mecanismos de ação dos supe- rantígenos têm sido propostos. O primeiro propõe que o superantígeno ative células T normais e cé- lulas T auto-reativas, facilitando, assim, a expansão de linfócitos B auto-reativos. Isso ocorre de modo similar à doença do enxerto-versus-hospedeiro, na qual uma grande proporção de células T enxertadas reconhece aloantígenos expressos nas células B do hospedeiro, resultando em produção de auto- anticorpos com especifi cidades similares àquelas observadas no LES. O segundo modelo de indução de auto-imuni- dade por superantígenos consistiria na ativação de linfócitos T previamente anérgicos. Assim, células B normais, quando cultivadas na presença de linfócitos CD4 e enterotoxina D, produzem fator reumatóide (FR). Em contraste, as mesmas células, quando cul- tivadas com LT CD4 e anticorpo monoclonal para CD3, produzem IgG e IgM, de forma policlonal, mas não FR. Outro exemplo experimental da ação dos supe- rantígenos em DAI é obtido pela injeção de superan- tígenos do Mycoplasma arthritidis nas articulações de camundongos. Esse quadro desencadeia uma artrite infl amatória com as mesmas características da infecção pelo Mycoplasma, sugerindo que a artrite seja causada pelo superantígeno. Retrovírus e Auto-imunidade Pelo fato de os retrovírus poderem integrar-se de- fi nitivamente ao genoma das células do hospedeiro e persistir pela vida toda do animal como parasitas intracelulares, esses agentes podem ocasionar falhas na diferenciação do próprio do não-próprio. Po- dendo mimetizar epítopos do próprio, como ocorre na reatividade cruzada entre a proteína p30gag do vírus da leucemia murina e a proteína humana de 70 KDa (subunidade de RNP U1), reconhecida pelos anticorposanti-Sm e anti-RNP associados ao LES. Além disso, muitos retrovírus codifi cam proteínas com atividade de superantígenos. Outro provável mecanismo de ação desses patógenos nas DAI, seria interrompendo a síntese de genes importantes, por exemplo, para a manutenção da tolerância imunoló- gica. Tal processo ocorre em relação à expressão do gene Fas em camundongos MRL/mlp. Drogas A infl uência de drogas no desenvolvimento de processos auto-imunes tem sido demonstrada, prin- cipalmente, em síndromes semelhantes ao LES e na esclerose sistêmica (SSc). Na SSc a exposição a diversos agentes químicos e ambientais tem-se mostrado determinante para o seu desencadeamento. As primeiras observações sobre o papel dos agentes químicos na patogênese da SSc foram feitas em mineradores expostos a sílica que desenvolveram SSc. Mais recentemente, novos químicos foram associados à doença. A SSc idiopática tem maior incidência no sexo feminino, contudo a doença por exposição ocupa- cional é mais freqüente no sexo masculino. Estudos mostram que 56% a 77% dos homens com SSc estão expostos a agentes ambientais danosos. Assim, como a exposição à sílica foi associada à SSc, vários estudos mostraram relação entre o silicone e a esclerodermia, além de outras patolo- gias do tecido conectivo. Esses achados têm gerado controvérsia, principalmente devido ao grande uso de próteses de silicone na medicina. O quadro clí- nico da SSc associada ao silicone é semelhante ao da SSc idiopática, podendo ocorrer fi brose limitada ou difusa, fenômeno de Raynaud, ulcerações digi- tais, artralgias ou artrite e envolvimento visceral. O mecanismo proposto para a ação tóxica do silico- ne é que esse agente deve escapar dos implantes e migrar para os linfonodos, onde desencadeia proces- Tabela 3.2. Bactérias, Superantígenos e seus Efeitos Biológicos Bactéria Toxina Efeitos Biológicos Staphylococcus A, B, C, D e E Choque, síndrome do choque tóxico, envenenamento alimentar e Toxina do choque tóxico doença de Kawasaki Streptococcus Endotoxina pirogênica e Escarlatina e choque, febre reumática Proteína M Yersinia Mitógeno de Yersinia Doença de Kawasaki Mycoplasma Mitógeno de Mycoplasma Artrite e choque arthritidis 52 CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Prova 2 so infl amatório e fi brótico. Essa hipótese tem sido justifi cada por modelos experimentais, nos quais a inoculação subcutânea do silicone desencadeia resposta infl amatória, com acumulação de macró- fagos e posterior fi brose. Além disso, acredita-se que o silicone possa ser convertido em sílica in vivo, a qual experimentalmente demonstrou exercer extenso efeito sobre o sistema imune. A exposição a solventes orgânicos e ao vinil cloreto pode também ocasionar doenças semelhantes à SSc. O lúpus induzido por drogas, ao contrário da SSc, é mais facilmente diferenciado do lúpus idiopático. No LES induzido há principalmente comprometi- mento articular, e o acometimento renal e nervoso são pouco freqüentes. A doença sofre remissão com a descontinuação da exposição à droga, mas em alguns casos é necessário o tratamento do quadro com antiinfl amatórios e corticóides. As duas princi- pais drogas até o momento associadas ao LES são a hidralazina e a procainamida. Alterações Imunológicas As alterações dos mecanismos imunológicos que levam à auto-imunidade são caracterizadas por resposta a antígenos próprios e defeito na indução de tolerância imunologia central e periférica. A auto-imunidade causada por uma resposta imune normal contra auto-antígenos pode ocorrer quando esses antígenos são seqüestrados, apresen- tam epítopos crípticos, há mimetismo molecular com antígenos de patógenos e quando ocorre a for- mação de neoantígenos. Já os defeitos na indução e na manutenção da tolerância, tanto central quanto periférica, podem ser devidos a defeitos intrínsecos dos linfócitos T e/ou B, além de distúrbios nos me- canismos de imunorregulação. Liberação de Antígenos Anatomicamente Seqüestrados Os antígenos presentes em tecidos periféricos, especialmente aqueles isolados através de bar- reiras anatômicas, não entram em contato com o repertório de linfócitos T, portanto não é neces- sária a indução de tolerância para tais antígenos. Assim, a liberação anormal desses antígenos irá ocasionar a ativação de linfócitos auto-reativos, desencadeando um processo auto-imune. A oftalmia simpática, na qual a lesão de um olho, com subseqüente liberação de antígenos, leva ao ataque do outro olho por células T, bem como a orquite, decorrente de vasectomia; ambas são exem- plos desse mecanismo. Em ratos que desenvolvem diabetes por mecanis- mos auto-imunes (BB e NOD), a injeção neonatal intratímica de células das ilhotas pancreáticas pode prevenir o desenvolvimento da doença. No modelo de encefaolomielite auto-imune experimental, o desenvolvimento da doença pode também ser pre- venido pela injeção intratímica da proteína básica da mielina. Vários mecanismos protegem sítios anatômicos, como os olhos, da ação do sistema imune. Nesses locais há presença de barreiras que impedem a infi l- tração de LT, expressão constitutiva de Fas ligante e de citocinas supressoras, como o TGF-β. Formação de Neoantígenos Drogas, infecções, radiação UV e outros fatores podem induzir mudanças moleculares em proteínas e assim promover a formação de novos determi- nantes antigênicos. Esse fenômeno fica claro ao se estudarem interações antígeno-anticorpo, nas quais a conformação da molécula do antígeno é fundamental para o reconhecimento pelo anticorpo, ou seja, mesmo que o antígeno mantenha a mesma seqüência de aminoácidos, se houver mudanças na estrutura terciária ou quaternária dessa molécula, essa, provavelmente não será mais reconhecida pelo mesmo anticorpo, caracterizando a formação de um neoantígeno. Um exemplo desse mecanismo pode ser observado pelo uso de metildopa, que pode expor determinantes antigênicos neoformados na superfície da hemácia e promover anemia hemolítica auto-imune, que persiste mesmo após a retirada da droga. Alterações na Tolerância Central e/ou Periférica Tolerância Central A tolerância central de linfócitos T é obtida em duas etapas durante a migração no timo. Os LT, quando são liberados pela medula óssea, expressam o receptor TCR, gerado por rearranjos gênicos, que pode reconhecer uma variedade de antígenos, tanto próprios quanto não-próprios. No timo, durante o pri- meiro estágio de maturação, ocorre a seleção positiva do repertório de células T, envolvendo a interação dos timócitos naive CD4+CD8+ com as moléculas do MHC de classe I e II expressas por células epiteliais tímicas. Os timócitos cujos TCR interajam com as moléculas de MHC recebem sinalização celular que previne que esses entrem em processo de apoptose. Ao contrário, os timócitos cujos TCR tenham baixa afi nidade pelas moléculas de MHC não recebem CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES 53 Prova 2 sinalização que os proteja e morrem. Esse estágio ocorre no córtex tímico. O próximo estágio, que ocorre na medula tímica, é denominado seleção negativa. Durante a seleção negativa, várias APC, como células epiteliais tímicas da medula, células dendríticas e macrófagos, interagem com os timó- citos. Essas APC apresentam antígenos próprios, ligados às moléculas de MHC, aos timócitos, e, caso essas células reconheçam com alta afi nidade o complexo peptídeo-MHC, elas sofrerão apoptose. A Fig. 3.1 ilustra o processo de seleção clonal de linfócitos T. Um problema inerente à tolerância central é que nem todos os antígenos próprios são expressos no timo. Portanto, LT auto-reativos, específi cos para tais antígenos não-expressos, não sofrem morte celular, são liberados na circulação e podem de- sencadear umprocesso auto-imune na periferia. Recentemente, vários genes têm sido associados às falhas no mecanismo de tolerância central, dentre eles está o AIRE, cujas mutações causam a síndrome poliendócrina. Alterações nesse gene provocariam uma redução na expressão dos antígenos próprios no timo, permitindo, assim, um escape maior de LT auto-reativos. As falhas no mecanismo central de tolerância podem ocorrer tanto na fase cortical (seleção posi- tiva), quanto medular (seleção negativa), contudo nessa segunda etapa têm-se caracterizado mais mecanismos etiopatogênicos das DAI. Diversos modelos experimentais demonstraram a importância das células medulares tímicas na manutenção da tolerância. Nesses, a ausência de moléculas co-esti- mulatórias (como B7) nas células medulares resulta em liberação maciça de linfócitos, com TCR auto- reativos, para a periferia, desencadeando processos infl amatórios sistêmicos. Uma alteração, ainda pouco caracterizada, no processamento e/ou na apresentação de antígenos por células medulares tímicas, parece ser a respon- sável pelo desenvolvimento da miastenia gravis; nessa doença acredita-se que haja hiperproliferação de células tímicas que estejam apresentando por- ções do receptor de acetilcolina, ativando linfócitos T. Fato interessante é que a timectomia, em alguns casos, cura a doença. Os eventos de sinalização celular durante a seleção negativa ainda são pouco compreendidos, mas modelos experimentais, nos quais há defi ciên- cias em várias moléculas envolvidas em diversas Fig. 3.1 – Diferenciação de linfócitos T. DC (células dendríticas); CET (célula epitelial tímica); APC (células apresentadoras de antígeno); Ag (antígeno). Medula óssea Córtex timico Medula tímica Periferia Seleção positiva Seleção negativa CD 4– CD 8– TCR– DC CET CD 4– CD 8– TCR-aB– CD 4+ CD 8+ TCR-aB low CD 4+ CD 8– TCR-aB+ DC CET CD 4– CD 8+ TCR- Ag próprios CD 4+ CD 8– TCR-aB+ Ag. estranho APCs CD 4– CD 8+ TCR-aB+ 54 CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Prova 2 cascatas de sinalização que ocorrem nessa fase, desenvolvem processos infl amatórios e auto-imu- nes. Isto ocorre em camundongos, por exemplo, defi cientes em ZAP-70 (ζ-chain-associated protein kinase of 70 KDa), requerida na deleção de clones auto-reativos, o que permite o escape de clones da seleção e o estabelecimento de processo infl amatório sistêmico, semelhante à AR. Defi ciências em molé- culas como a ERK (extracellular signal-regulated kinase) e JNK (jun kinase), ambas envolvidas em sinalização intracelular, acarretam o mesmo quadro clínico. No modelo NOD, essa resistência intrínseca dos timócitos à apoptose, provavelmente por vias de sinalização defeituosas, parece ser fundamental para o desenvolvimento do diabetes. Tolerância em Linfócitos B A indução de tolerância em linfócitos B (LB) ocorre por diversos mecanismos. Os receptores de células B (BCR), assim como os TCR, têm grande diversidade, obtida a partir de rearranjos genéticos (ocorrem nos órgãos linfóides centrais) e pela ma- turação de afi nidade (órgãos linfóides periféricos). Dentro desse amplo repertório gerado, há células auto-reativas, e para impedir a resposta auto-imune dessas há quatro mecanismos básicos demonstrados até o momento. O primeiro deles consiste na indução de apoptose desses clones, ou na seleção clonal. O segundo caracteriza-se por reedição do BCR, ou por nova recombinação VDJ ou mesmo por hipermuta- ções somáticas. O terceiro mecanismo é a indução de anergia celular, que ocorre por meio de alterações gênicas e bioquímicas do linfócito. Por fi m, se os três mecanismos anteriores falharem, ainda há um quarto, que é o controle extrínseco desses clones, seja pela liberação de citocinas supressoras, ausência fatores de crescimento e mediadores importantes na resposta imune, ou mesmo pela ação direta de linfó- citos T regulatórios. Os mecanismos extrínsecos são complexos e ainda pouco entendidos (Fig. 3.2). Tolerância Periférica Os mecanismos de tolerância periférica visam a prevenir tais respostas auto-imunes. Esses meca- nismos envolvem inativação funcional sem morte celular, ou indução de anergia, e supressão imunoló- gica promovida por linfócitos T CD4+ regulatórios (Tregs), cuja ação é mediada por moléculas co-esti- mulatórias regulatórias (CD28 e CTLA-4). As Tregs suprimem a ativação e as funções efetoras dos LT auto-reativos, caso sejam ativados na periferia. A hipótese de que a auto-imunidade resulta em falhas na seleção negativa tímica é questionada, pois há ainda poucas evidências que reforçam essa hipótese em humanos ou em modelos experimentais. O fato é que mesmo que haja falha na tolerância central, a tolerância periférica seria adequada para a manutenção da não-responsividade aos antígenos próprios. No entanto, há várias situações que podem Fig. 3.2 – Diferenciação de linfócitos B. BCR (receptor de célula B); Treg (linfócito T regulatório); TLR (toll like receptor); CTLA-4 (cytotoxic T lymphocyte antigen 4). An tíg en o pr óp rio Re cep tor au to- rea tiv o Morte celular APOPTOSE Reedição de receptor Linfócito B Regulação intrínseca e extrínseca Reedição VDJ do BCR hipermutação ↓ Expressão de BCR CTL-4, ↓ Co-estímulo (B7; TLR; CD40L) Ativa supressão (p. ex., Tregs) CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES 55 Prova 2 culminar com a quebra da tolerância periférica. Dentre elas está a expressão adequada de moléculas co-estimulatórias, por meio da ação de adjuvantes, citocinas etc. Um dos modelos experimentais de perda de tole- rância periférica é o de camundongos nocautes para gene de CTLA-4; estes desenvolvem uma síndro- me fatal caracterizada por infi ltrado linfocítico em múltiplos órgãos. Isso é devido à perda de anergia de linfócitos auto-reativos, já que o CTLA-4 é uma molécula inibitória que se liga a B7-1 e B7-2, indu- zindo anergia celular. A Tabela 3.3 sumariza os mecanismos de indução de tolerância a antígenos próprios. Linfócitos T Regulatórios e Auto-imunidade Um dos mais importantes grupos de células regu- latórias são as nTregs, ou linfócitos T CD4+CD25+, que são oriundos do timo. Alterações deletérias nes- sas células resultam em auto-imunidade em modelos animais semelhantes às DAI humanas. O exato mecanismo pelo qual as nTreg exercem supressão ainda é desconhecido, contudo o contato celular parece ser necessário. A atividade regulatória também pode ser indu- zida em linfócitos T naive por numerosos fatores ambientais, e os exemplos mais comuns dessas células regultórias induzidas são os LT CD4+ (Tr1) ou iTreg, e as células Th3. Em contraste às nTreg, a maioria das iTreg medeiam a supressão via secreção de citocinas. As nTregs compreendem de 5% a 10% dos LT CD4+ periféricos de humanos e camundongos. Es- tudos mostraram que a transferência de populações de linfócitos T defi cientes em nTreg para animais irradiados resulta em desenvolvimento espontâneo de várias DAI. Essas células parecem ser capa- zes de suprimir uma ampla variedade de células imunes, tanto da resposta imune inata quanto da adaptativa. A deficiência de fatores importantes para a maturação das nTregs induz processos de auto- imunidade, como ocorre quando há alteração na produção de FOXP3 (encoding trascription factor of the forkhead family). Essa molécula demonstrou ser uma das mais críticas para o desenvolvimento das nTregs. Camundongos nocautes para esse gene apresentam auto-imunidade por ausência de células T regulatórias CD4 CD25, o que sugere a participação desse gene no desenvolvimento e/ou função dos linfócitos T regulatórios. Em humanos a síndrome conhecida pelo acrônimo IPEX (immu- ne dysregulation, polyendorinopathy, enteropathy,X-linked syndrome) foi associada a baixos níveis de FOXP3. Além do FOXP3, moléculas como CD28, CD40 e IL-2 são fundamentais para a maturação das nTreg. Tabela 3.3. Mecanismos de Indução de Tolerância a Antígeno Próprio Indução Normal Falha da Indução Central Mecanismo Predisposição Genética Linfócito imaturo Polimorfismo cél. T# (timo) → Deleção clonal (apoptose) Expressão de MHC classe II cél. B# (medula) → Deleção clonal Mutações (AIRE, Fox P3) → Alteração de especificidade de receptor Deficiência de C2, C4 Periférica (tecido linfóide secundário) Defeito na apoptose Difusão de epítopo Linfócito maduro Mimetismo molecular cél. T# → Anergia (inativação funcional) Infecções → Deleção (apoptose) Mediadores inflamatórios → Supressão (cél. regulatória) Exposição de auto-antígenos Trauma, isquemia, infecção, inflamação cél. B# → Anergia Alteração da produção de citocinas → Exclusão de folículo linfóide Hormônios sexuais, prolactina Estresse oxidativo Imunoignorância ↓ cél. auto-reativa → Não responde ao auto-antígeno Ativação de linfócito auto-reativo Autotolerância Auto-imunidade #cél. – células. 56 CAPÍTULO 3 PATOGENIA DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES Prova 2 As Treg induzidas, Tr1 e Th3, caracterizam-se por promover supressão via citocinas. A Tr1 produz principalmente IL-10, ao passo que a Th3 produz TGF-β. Ambas são encontradas principalmente na mucosa intestinal. Apesar de diversos tipos de Treg já terem sido descritos, os principais modelos de auto-imunidade têm demonstrado a grande infl uência das nTreg no desenvolvimento de várias doenças. Na AR, na esclerose múltipla e na síndrome po- liglandular do tipo II, por exemplo, demonstrou-se que as nTregs são inefi cientes em induzir supressão da produção de citocinas, como o IFN-γ e o TNF- α, e supressão da proliferação de LT. Na doença de Kawasaki e na MG, quadro semelhante é observado, havendo também baixos níveis de FOXP3 nesses pacientes. A Fig. 3.3 sumariza a ação dos três prin- cipais tipos de Tregs. CONCLUSÕES As doenças auto-imunes têm complexa pato- gênese, na qual fatores ambientais, genéticos e imunológicos se somam para o seu estabelecimen- to. Essa variedade de agentes etiológicos difi culta o entendimento dos mecanismos envolvidos nos processos auto-imunes. A maior dúvida é por que apenas 3% a 8% da população desenvolvem DAI, já que 20% a 50% dos linfócitos T e B podem reagir contra o próprio. Sabe-se que complexos mecanis- mos de indução de tolerância central, bem como periférica, eliminam ou controlam a ação dessas células auto-reativas; todavia, há ainda escape de clones que podem ser ativados durante uma respos- ta imune natural. Observou-se também que certas pessoas produzem auto-anticorpos naturalmente, sem sofrerem nenhum dano tecidual por isso, e, ainda, que a produção transitória desses auto-an- ticorpos durante respostas imunes também pode ocorrer sem maiores danos. Todos esses achados reforçam a complexidade das DAI, pois a falha em um desses pontos de controle do sistema imune não deve ser o sufi ciente para desencadear a patologia. O somatório de vários agentes etiológicos (ambien- tais, imunológicos e genéticos) se faz necessário para o desencadeamento e a manutenção de uma DAI. O progressivo entendimento de mecanismos genéti- cos e imunológicos permitirá defi nir os eventos cru- ciais para a manutenção da tolerância imunológica e, conseqüentemente, o entendimento dos fatores que aumentem a suscetibilidade às DAI. LEITURA RECOMENDADA 1. Abbas AK, Lichtman AH. Cellular and molecular immunology. 6a ed. Philadelphia, Saunders Company, 2007. 2. Rich RR, Fleisher TA, Shearer WT, Kotzin BL, Schroeder HW Jr. Clinical Immunology. Principles and Practice. 2a ed. Mosby, 2001. 3. Goodnow CC, Sprent J, Groth BF, Vinuesa CG. Cellular and genetic mechanisms of self tolerance and autoimmunity. Nature, 435:590-7, 2005. 4. Rioux JD, Abbas A. Paths to understanding the genetic basis of autoimmunity disease. Nature, 435:584-8, 2005. 5. Vinuesa CG, Cook MC. Gender and autoimmunity. Autoimmun Rev, 6(3):366-72, 2007. 6. Vinuesa CG, Cook MC. Genetic analysis of systemic autoim- munity. Novartis Found Symp, 281:103-20, 2007. Fig. 3.3 – Mecanismos de ação das células T regulatórias. nTregs (Tregs naturais); Th3 e Tr1 (linfócitos T CD4+ regulatórios induzidos); DC (célula dendrítica). LT CD4 naive nTregs Th3Tr1 C él ul a- cé lu la IL -1 0 TG F- β Supressão Th1 Th2 LT Cd 8 DC Monócitos TIMO Células-alvo
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