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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAÇÃO MICHELE DE OLIVEIRA VASCONCELOS Contribuição dos estágios na formação do profissional da informação: estudo com egressos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) São Paulo 2010 MICHELE DE OLIVEIRA VASCONCELOS Contribuição dos estágios na formação do profissional da informação: estudo com egressos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como requisito para obtenção do grau de bacharel em Biblioteconomia e Documentação, sob orientação da Professora Doutora Asa Fujino. São Paulo 2010 Catalogação na Publicação Vasconcelos, Michele de Oliveira de Contribuição dos estágios na formação do profissional da informação: estudo com egressos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP)/ Michele de Oliveira Vasconcelos. - - São Paulo : M. O. Vasconcelos, 2010. 78 p.; il. Trabalho de Conclusão de Curso – Departamento de Biblioteconomia e Documentação/Escola de Comunicações e Artes/USP. Orientador: Profa. Dra. Asa Fujino. 1. Estágios 2. Profissional da Informação 3. Biblioteconomia I. Fujino, Asa II. Título. CDD 21.ed. – 020 VASCONCELOS, Michele de Oliveira Contribuição dos estágios na formação do profissional da informação: estudo com egressos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como requisito para obtenção do grau de bacharel em Biblioteconomia e Documentação, sob orientação da Professora Doutora Asa Fujino. Aprovado em: ____/____/____ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Prof. Dra. Asa Fujino (Orientadora) _____________________________________________________ Prof. Dr. José Fernando Modesto da Silva _____________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo dos Santos DDEEDDIICCAATTÓÓRRIIAA Aos meus pais, Antonio e Eliene, e ao meu irmão, Filipe, que sempre apoiaram e acolheram minhas escolhas como suas, e trabalharam comigo para a concretização de mais um objetivo AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS Agradeço... Ao meu pai, exemplo de coragem e determinação, pelo incentivo e apoio ao longo de minha trajetória na universidade. A minha mãe, exemplo de dedicação, pelo carinho, pela atenção, por cuidar da minha saúde física e mental, por me dar força e equilíbrio para alcançar meus objetivos. Ao meu irmão, pela amizade e pela disposição em escutar minhas dúvidas, minhas angústias, minhas descobertas, e comemorar comigo as vitórias. A Adriano Rocha, pelo apoio tecnológico, pela paciência, e por me ensinar a encarar os problemas de forma menos complicada. A Douglas Coimbra, por acreditar em mim, quando até eu mesma duvidei, pela paciência, compreensão, e pelo grande apoio dado antes e no início do curso. À professora Asa Fujino, por me guiar na conclusão dessa etapa tão importante na minha vida, e a quem admiro profundamente por sua competência e dedicação. Aos amigos que conquistei na universidade, especialmente aos colegas de turma, pelo companheirismo, pelas contribuições intelectuais e pessoais, e pelos momentos de descontração. Aos formandos dos anos de 2006, 2007 e 2008, pela gentileza de responderem a minha pesquisa. A Ronaldo, funcionário da Secretaria do Departamento, por sempre me atender com atenção e bom-humor. À Joanita Lopes, pelas contribuições intelectuais à minha formação acadêmica e profissional, e ao tema deste trabalho. Para avançar no caminho, é preciso saber para onde queremos ir. E para ir aonde queremos, é preciso abdicar de certezas e arrogâncias. Avançamos tanto mais quanto, tendo consciência de onde estamos, possamos olhar para trás e para frente, articulando as dimensões do passado e do futuro. Mário Sérgio Cortella RREESSUUMMOO VASCONCELOS, Michele de Oliveira. Contribuição dos estágios na formação do profissional da informação: estudo com egressos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). 2010. 78 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Biblioteconomia e Documentação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Este trabalho visa refletir sobre a contribuição dos estágios na formação do profissional da informação, a partir da percepção de profissionais egressos do curso. Trata-se de estudo exploratório baseado em três alicerces: a) referencial teórico que apresenta uma breve evolução histórica da atividade de estágio no Brasil, bem como de sua inserção no contexto da Biblioteconomia; b) análise documental da estrutura curricular do curso de Biblioteconomia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) para contextualizar a disciplina “Estágio Supervisionado em Unidades de Informação” e c) pesquisa com alunos egressos do curso de Biblioteconomia da ECA/USP visando investigar a contribuição dos estágios realizados durante a graduação, para sua formação acadêmica e profissional. A pesquisa mostra que os estudantes realizam muitos estágios extracurriculares desde o primeiro ano de graduação e, no geral, acreditam que o estágio contribuiu de forma muito positiva para sua formação. O trabalho revelou ainda uma necessidade de revisão de conteúdo e metodologia da disciplina Estágio Supervisionado em Unidades de Informação. Palavras-Chave: Estágio curricular obrigatório, Estágio extracurricular; Educação superior, Profissional da informação, Biblioteconomia. AABBSSTTRRAACCTT VASCONCELOS, Michele de Oliveira. Contribution of internships in the training of information professionals: study involving graduates from School of Communications and Arts, University of São Paulo. 2010. 78 p. Completion of Course Work (Bachelor in Librarianship and Documentation) – School of Communications and Arts, University of São Paulo, São Paulo, 2010. This work aims to reflect on the influence of internships in training to information professionals based in perception of professionals graduated by librarianship course at School of Communications and Arts, University of São Paulo. This exploratory study is based on three steps: a) theoretical framework that presents a historical brief of internships in Brazil as well as their integration into context of librarianship, b) documentary analysis of curriculum structure of Librarianship course at School of Communications and ArtsUniversity of São Paulo (ECA / USP) to contextualize the discipline "Supervised Traineeship in Information Units”, and c) research involving students graduated by librarianship course at ECA/USP to investigate the contribution of internships performed during graduation for their academic and professional training. The research showed that many students make internships since the first year of graduation, and in the general, they believe that the traineeship contribute very positively to their training. The study also revealed a need to review content and methodology of discipline Supervised Traineeship in Information Units. Keywords: Internships; Compulsory internship; Higher education; Information professionals, Librarianship. LLIISSTTAA DDEE GGRRÁÁFFIICCOOSS GRÁFICO 1 – Início da realização de estágios....................................................................50 GRÁFICO 2 – Quantidade de estágios realizados por alunos do período matutino X período noturno............................................................................................ 51 GRÁFICO 3 – Importância dos aspectos que motivaram a realização de estágios extracurriculares...........................................................................................52 GRÁFICO 4 – Natureza jurídica das instituições onde os estágios foram realizados..........53 GRÁFICO 5 – Área de atuação das instituições onde os estágios foram realizados........... 53 GRÁFICO 6 – Avaliação da disciplina Estágio Supervisionado em Unidades de Informação................................................................................................... 54 GRÁFICO 7 – Avaliação dos estágios realizados................................................................56 GRÁFICO 8 – Contribuição dos estágios para o desenvolvimento acadêmico e profissional...................................................................................................57 GRÁFICO 9 – Contribuição dos estágios para o desenvolvimento de competências e valores comportamentais..............................................................................58 GRÁFICO 10 – Natureza jurídica das instituições onde os profissionais atuam...................59 GRÁFICO 11 – Setores de atuação dos profissionais............................................................59 LLIISSTTAA DDEE QQUUAADDRROOSS QUADRO 1 – 1º Currículo mínimo para os cursos de Biblioteconomia................................34 QUADRO 2 – 2º Currículo mínimo para os cursos de Biblioteconomia................................35 QUADRO 3 – Grade curricular do curso de Biblioteconomia da ECA/USP (período matutino)......................................................................................................... 38 QUADRO 4 – Dez maiores valores médios de bolsa-auxílio para estagiários de nível superior............................................................................................................42 SSUUMMÁÁRRIIOO INTRODUÇÃO....................................................................................................................12 OBJETIVOS.............................................................................................................................. 13 JUSTIFICATIVA........................................................................................................................ 13 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................................................ 14 PARTE I 1 ENSINO SUPERIOR...............................................................................................................15 1.1 BREVE HISTÓRICO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL......................................................... 15 2 A APROXIMAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO............................................................ 18 2.1 EVOLUÇÃO DO ESTÁGIO NO BRASIL.................................................................................. 18 2.2 A FUNÇÃO DOS ESTÁGIOS..................................................................................................23 2.2.1 O ESTÁGIO CURRICULAR E O ESTÁGIO EXTRACURRICULAR............................................ 25 2.3 A RESPONSABILIDADE PELO ESTÁGIO: A INSTITUIÇÃO DE ENSINO, A EMPRESA, O AGENTE DE INTEGRAÇÃO E O ESTAGIÁRIO............................................................................................ 27 3 A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO........................................................... 33 3.1 BREVE HISTÓRICO DA BIBLIOTECONOMIA E DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO NO BRASIL..... 33 3.2 O CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP...................................... 36 3.2.1. O ESTÁGIO NO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP.........................................40 PARTE II 4 PESQUISA COM EGRESSOS DA ECA-USP...........................................................................47 4.1 OBJETIVOS........................................................................................................................ 47 4.2 METODOLOGIA..................................................................................................................47 4.2.1 UNIVERSO E AMOSTRA................................................................................................... 47 4.2.2 COLETA DE DADOS.........................................................................................................48 4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS............................................................................................... 48 4.3.1 IDENTIFICAÇÃO.............................................................................................................. 49 4.3.2 FORMAÇÃO.................................................................................................................... 49 4.3.3 VIDA PROFISSIONAL.......................................................................................................58 4.4 SÍNTESE DOS RESULTADOS................................................................................................ 60 PARTE III 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 62 REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 65 ANEXOS.................................................................................................................................. 71 12 IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO A formação do profissional da informação tem sido um tema bastante discutido ao longo dos últimos anos, estimulado principalmente pelo contexto das transformações decorrentes do processo de globalização e desenvolvimento acelerado das tecnologias da informação e comunicação (TICs), que caracterizam a chamada Sociedade da Informação. Tais transformações estimularam a reflexão sobre o papel a ser assumido pelo profissional da informação nessa nova sociedade onde predominam novos mecanismos de produção, distribuição e disseminação da informação e do conhecimento. Embora freqüentes, as discussões e debates acerca do profissional da informação são geralmente teóricas e pouco contextualizadas. Poucos estudos analisam de maneira concreta a formação do profissional com relação às necessidades atuais, quer do mercado de trabalho, quer dos problemas informacionais da sociedade (ALMEIDA JÚNIOR, 2000). Para entender o papel a ser desempenhado pelo profissionalda informação e planejar sua formação de forma mais adequada, são necessários estudos aprofundados, que ultrapassem as dimensões teóricas. Certamente uma das formas mais apropriadas para este fim é ouvir os próprios profissionais, já que eles é que estão permanentemente em contato com as exigências do mercado, e convivem diariamente com os problemas demandados pela sociedade. São, portanto, capazes de perceber as lacunas, bem como, os pontos fortes do seu processo de formação, e podem apontar os elementos que devem ser aprimorados, reforçados ou descartados. Um elemento que vem adquirindo cada vez mais importância e destaque no processo de formação dos profissionais de qualquer área do conhecimento são os estágios, sejam os curriculares, exigidos para obtenção do diploma, sejam os estágios extracurriculares (também chamados de não-obrigatórios), realizados opcionalmente pelos estudantes. É fundamental para as instituições de ensino avaliar os seus cursos, tanto no que tange a estrutura curricular, quanto aos demais aspectos que envolvem a formação, dentre os quais está o estágio. O estágio se constitui como um componente pedagógico de extrema importância na perspectiva da relação teoria-prática no processo de formação universitária (COUTINHO; DENGENSZAJN, 2003). É preciso garantir que essa prática esteja de acordo com os objetivos do projeto pedagógico da instituição e do curso. Para isso as instituições precisam 13 ter mecanismos de acompanhamento da prática profissional de seus alunos, durante o curso de graduação quando estes realizam estágios curriculares e extracurriculares, e até mesmo após a formação, a fim de avaliar o quanto e como essa atividade influencia no exercício da profissão. OBJETIVOS Diante do exposto, este trabalho tem como objetivos gerais, apresentar uma breve evolução histórica da atividade de estágio no Brasil, bem como sua inserção no contexto da Biblioteconomia, como foco para o curso de graduação em Biblioteconomia da ECA/USP. Como objetivo específico, este trabalho busca avaliar a percepção dos profissionais egressos do curso de Biblioteconomia da ECA/USP, quanto à contribuição da experiência adquirida nos estágios curriculares e extracurriculares, para sua formação acadêmica e profissional. JUSTIFICATIVA O estágio, embora considerado um elemento de grande relevância para a formação profissional, tem sido um tema pouco discutido. É escassa a quantidade de estudos que tratam da situação dos estágios. Muito se discute sobre os objetivos da atividade de estágio, mas não se tem dados de como ela é efetivamente desenvolvida na prática. A atividade de estágio é acompanhada de uma série de problemas decorrentes, seja da dificuldade das instituições de ensino superior em acompanhar a atividade, seja da irresponsabilidade das empresas contratantes, e até da própria submissão dos estudantes, por conta de fatores como a necessidade financeira, por exemplo. No curso de Biblioteconomia, os problemas mencionados podem ser agravados, já que a maioria dos estudantes realiza estágios durante todo o curso de graduação, dada a grande oferta de vagas. 14 Entretanto, mesmo com todos os problemas, não há dúvida de que a atividade de estágio constitui-se como um elemento fundamental no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que possibilita a ligação do saber teórico com a experiência. Essa experiência pode ser muito mais rica se for tratada com fins pedagógicos, não funcionando apenas como uma simples aplicação e verificação de teorias, mas também como uma experiência geradora de conteúdos. Isso representaria um ganho para todos os envolvidos: instituição de ensino, empresas e estudantes. Para conhecer os fatores que impedem o diálogo entre os atores envolvidos, é preciso mais estudos que forneçam dados concretos sobre o tema. Pochmann (2003) destaca a falta de estudos científicos que caracterizam a situação dos estágios na atualidade. Consciente dessa realidade, esse trabalho pretende ser um pequeno passo, que tratará da questão em um lócus específico - o Departamento de Biblioteconomia da ECA-USP - mas poderá funcionar como um chamariz para a reflexão sobre o tema, e estimular estudos mais abrangentes. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para realização deste trabalho foram adotados procedimentos metodológicos constituídos de duas fases. A primeira fase consistiu na composição de um quadro teórico de referência obtido por meio de pesquisa bibliográfica e documental, o qual contemplou os temas: ensino superior, estágios, e formação do profissional da informação com enfoque para o curso de graduação em Biblioteconomia da ECA/USP. Na segunda fase foi realizada uma pesquisa de campo de caráter descritivo e explicativo, junto a profissionais egressos do curso de Biblioteconomia da ECA/USP, formandos dos anos de 2006 a 2008. O instrumento para levantamento dos dados foi um questionário eletrônico semi-estruturado constituído de 23 questões. O tratamento estatístico foi realizado por meio do software Microsoft Excel, que possibilitou a elaboração dos gráficos necessários para análise dos resultados. 15 PPAARRTTEE II 1 ENSINO SUPERIOR 1.1 BREVE HISTÓRICO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL Como observam COLOSSI et al (2001, p.51), pode-se dizer que “a história do progresso humano coincide com a história das instituições de ensino superior”. No Brasil, certamente, as instituições de ensino superior integram a história de formação da sociedade. As primeiras instituições de ensino superior foram criadas logo após a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil em 1808. A Escola de Medicina do Rio de Janeiro, a Escola de Medicina da Bahia e a Escola de Engenharia e Arte Militar do Rio de Janeiro foram as primeiras. Em 1889, durante a República, foram fundadas 14 Escolas Superiores. A Universidade de Manaus é criada em 1909, durante o ciclo da borracha e, em 1912, a Universidade do Paraná, no contexto do ciclo do café. Posteriormente foram criadas a Universidade do Rio de Janeiro em 1920, a Universidade de Minas Gerais em 1927, a Universidade de São Paulo em 1937, e em 1961, a Universidade de Brasília. Hoje, de acordo com dados do último Censo da Educação Superior (2009) realizado pelo Ministério da Educação (MEC), o país conta com aproximadamente 2.252 instituições de ensino superior, dentre universidades, faculdades, institutos, centros federais de educação tecnológica e faculdades de tecnologia, públicas e privadas. Nestas instituições estão matriculados cerca de 5.808.017 alunos, em 24.719 cursos. Estes números revelam o grande processo de expansão pelo qual passou o ensino superior brasileiro, sobretudo no setor privado. Infelizmente, essa expansão foi acompanhada de queda na qualidade, resultante de um processo de crescimento desprovido de avaliação das instituições e dos cursos oferecidos. A constatação é preocupante, tendo em vista que a educação superior constitui-se como uma instituição social, responsável pelo papel fundamental de formação do corpo intelectual e científico da sociedade em que se insere. A instituição de ensino superior “é, 16 acima de tudo, um ideal que se destina, enquanto integrador de um sistema, à qualificação profissional e promoção do desenvolvimento político, econômico, social e cultural”. (COLOSSI et al, 2001, p.51). Embora o processo de expansão acelerado do ensino superior brasileiro tenha se iniciado em meados da década de 70, foi somente a partir de 1996, com a instituição da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96), que se começou a demonstraruma preocupação com a qualidade do ensino. A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional caracterizou detalhadamente as instituições de ensino superior, como instituições onde ensino, pesquisa e extensão desenvolvem-se concomitantemente. No mesmo ano, foi implementado o Exame Nacional de Cursos (ENC-Provão), que foi aplicado aos formandos no período de 1996 a 2003 com o objetivo de avaliar os cursos de graduação da educação superior, no que tange aos resultados do processo de ensino- aprendizagem. A partir de 2004, este exame foi substituído pelas avaliações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que incluem o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), a Avaliação dos Cursos de Graduação e o Censo da Educação Superior. De acordo com Tramontin (1995, p.15), as instituições de ensino superior têm por objetivos, basicamente: produzir e difundir conhecimentos, formar profissionais qualificados para o mercado de trabalho, promover a cultura, a ciência e a tecnologia e assegurar serviços de qualidade para a sociedade. Os mecanismos do Sinaes representam um grande avanço na avaliação do ensino superior brasileiro, porém se pensarmos nos objetivos apresentados acima e em todos os aspectos que envolvem a formação universitária, esses mecanismos são insuficientes, já que seu foco principal é a estrutura curricular. A formação profissional, além de conteúdo curricular, envolve muitos outros fatores. Dentre estes, um fator fundamental é o desenvolvimento da capacidade de relacionar o conteúdo com a realidade. Izabel Petraglia (2001), em seu livro sobre o filósofo, sociólogo e epistemólogo Edgar Morin, enfatiza a importância de relacionar teoria e prática, pois “o aluno busca relações para entender. Só quando sai da disciplina e consegue contextualizar é que ele vê ligação com a vida”. Nesse sentido os estágios são de fundamental importância no processo de formação. Contudo, é importante que esta prática seja realizada em sintonia com o projeto pedagógico 17 da instituição de ensino. É preciso que as instituições de ensino acompanhem e supervisionem essa atividade, para que ela seja efetivamente um instrumento de ensino-aprendizagem. 18 2 A APROXIMAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO 2.1. EVOLUÇÃO DO ESTÁGIO NO BRASIL Relacionar educação e trabalho é uma preocupação relativamente recente. Essa aproximação só se iniciou no Brasil a partir da década de 40. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova1, datado de 1932, considerado um marco inaugural do projeto de renovação educacional do país, já mencionava a necessidade de integrar o ensino teórico com o prático, mas foi somente dez anos depois, que a relação educação-trabalho começou a se concretizar. Em 1942 o estágio foi mencionado pela primeira vez, na Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto Lei nº. 4.073/92) que regia os cursos profissionalizantes. O artigo 48 trazia a prescrição “consistirá o estágio em um período de trabalho, realizado por aluno, sob o controle da autoridade docente, em estabelecimento industrial”. E ainda, em seu parágrafo único: “Articular-se-á a direção dos estabelecimentos de ensino com os estabelecimentos industriais cujo trabalho se relacione com os seus cursos para o fim de assegurar aos alunos a possibilidade de realização de estágios, sejam estes ou não obrigatórios”. (BRASIL, 1942). Embora, a Lei Orgânica do Ensino Industrial mencione que os estágios são realizados em estabelecimento industrial, inicialmente, a atividade era realizada nas próprias escolas, as quais possuíam espaços destinados à simulação de atividades praticadas no mercado de trabalho. As oficinas e laboratórios eram partes integrantes das plantas escolares, e simulavam a realidade de cada setor de profissionalização. Essa metodologia era eficiente, levando em conta que os alunos ainda eram pouco numerosos. Porém, a partir do processo de democratização das oportunidades escolares, e a conseqüente elevação do percentual de matrículas nos cursos, as oficinas e laboratórios escolares tornaram-se insuficientes. 1 O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" trata-se de um documento escrito por 26 intelectuais, com o título A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Os autores, entre os quais Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles, acreditavam na possibilidade de intervir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação. Além de constatar a desorganização do sistema escolar, o documento recomendava que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. 19 Além do processo de democratização das oportunidades educacionais, iniciado nos anos 50, os avanços tecnológicos dos processos produtivos, tornaram inviável qualquer esforço das escolas de simular em seus laboratórios os processos produtivos, o que forçou a saída das salas-ambientes, encerrando a fase dos estágios intraescolares. A partir de então, o estágio transpôs os muros escolares e passou a ser realizado no mundo empresarial propriamente dito, proporcionando aos alunos o contato direto com os ambientes organizacionais do mercado de trabalho. No ensino superior, os estágios começaram a ser inseridos nos anos 60. Em dezembro de 1962, o MEC baixou uma Portaria Ministerial que proclamava o “treinamento profissional” como exigência dos cursos de Direito, Medicina, Veterinária, Odontologia, Serviço Social, Educação Física, Engenharias, Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Geologia, Químicas, Enfermagem, Ciências Sociais, Filosofia, Jornalismo, Letras, Desenho, Física, Matemática, História Natural, Matérias Pedagógicas e Biblioteconomia. (NATHANAEL, 2006, p.135) Daí em diante, o estágio foi tratado em diversos documentos legais, os quais tiveram como principais pontos: i. Portaria nº. 1.002/67 - regulamentou a relação entre empresas e estagiários, instituindo nas empresas a categoria de estagiário, a ser integrada por alunos oriundos das faculdades ou escolas técnicas de nível colegial; ii. Decreto nº. 66.546/70 - teve como objetivo a implementação de programa de estágios destinadas a proporcionar a estudantes do sistema de ensino superior de áreas prioritárias, especialmente as de engenharia, tecnologia, economia e administração, a oportunidade de praticar em entidades e órgãos públicos e privados o exercício de atividades pertinentes às respectivas especialidades; iii. Lei nº. 5.692/71 - fixou as diretrizes e bases para ensino de 1º e 2º graus (atual ensino fundamental e ensino médio, respectivamente), prevendo o estágio como forma de cooperação entre empresas e escolas; iv. Decreto nº. 69.927/72 - instituiu o Programa Bolsa de Trabalho, com a finalidade de proporcionar aos estudantes de todos os graus de ensino, oportunidades de exercício profissional em entidades públicas ou particulares. 20 Analisando esses decretos, Probst (2003) destaca que o estágio inicialmente era tratado apenas como uma atividade a ser desenvolvida no mundo do trabalho, não havendo nenhuma preocupação com o aspecto pedagógico. Dava-se ênfase mais à prestação de serviços do que ao processo de aprendizagem. Foi somente no final da década de 70, consolidando-se na década de 80, que a legislação começou a promover uma aproximação entre mercado de trabalho e educação, demonstrando maior preocupação com o aspecto pedagógico. Em 1977 foi promulgada a Lei nº. 6.494,a Lei do Estágio; que dispôs sobre os estágios de estudantes de estabelecimento de ensino superior e ensino profissionalizante do 2º Grau e Supletivo. Essa lei marca a consagração do estágio na história da educação brasileira. Suas principais disposições foram: i. As pessoas jurídicas de direito privado, órgãos da administração pública e instituições de ensino, ficam autorizadas a aceitar como estagiários, os alunos regularmente matriculados em cursos de nível superior, cursos profissionalizantes de segundo grau ou de educação especial; ii. Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e serem planejados, executados, acompanhados e avaliados em consonância com currículos, programas e calendários escolares pela própria instituição de ensino; iii. Os estágios, além de profissionalizantes, podem assumir a forma de atividade de extensão, mediante a participação do estagiário num projeto de interesse social – como o projeto Rondon2, por exemplo; iv. A realização do estágio deve ser regulamentada por meio de contrato celebrado entre o estudante e a parte concedente, com obrigatória interveniência da instituição de ensino; 2 Os megaprojetos Rondon, Mauá e outros levaram estudantes universitários para prestação de serviços a diversas regiões carentes do país, valendo sua participação como estágios curriculares. Essas participações eram tidas como um misto de civismo e de prática experimental da formação acadêmica. Nesses projetos tiveram lugar, especialmente, os alunos de Engenharia, Tecnologias, Economia e Administração. (NATHANAEL, 2006, p.135) 21 v. O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, e o estagiário pode receber bolsa-auxílio, devendo o estudante em qualquer hipótese, estar segurado contra acidentes pessoais; vi. A carga horária de estágio deve ser compatível com o horário escolar e deve ser determinada pela instituição de ensino; vii. A carga horária de estágio no período de férias escolares pode ser especial e deve ser acordada entre o estagiário e a parte concedente do estágio, sempre com a interveniência da instituição de ensino. Como se pode perceber, diferentemente dos decretos e leis anteriores, o texto da Lei do Estágio de 1977, destaca a função pedagógica da atividade de estágio, além de garantir proteção ao estagiário. A lei só foi regulamentada cinco anos depois, com a publicação do Decreto nº. 87.497/82, que trouxe algumas novidades. Dentre as quais, destacam-se: i. A reafirmação da competência exclusiva da instituição de ensino, “a quem cabe a decisão sobre a matéria”, para regularizar a organização e o funcionamento do estágio; ii. A obrigatoriedade do estágio na programação didático-pedagógica do curso; iii. A fixação em um semestre da duração mínima do estágio; iv. Obrigatoriedade da existência do instrumento jurídico entre as partes para legalizar o contrato de estágio; v. Contratação do seguro obrigatório contra acidentes pessoais para o estagiário; vi. Reconhecimento da existência e a competência dos agentes de integração como intermediários entre o empresariado, as universidades e os estudantes. Outra novidade é exposta no artigo 2, que trata de conceituar o estágio curricular: “Consideram-se estágio curricular as atividades de aprendizado social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho em seu meio, sendo realizadas na comunidade em geral, ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado sob responsabilidade e coordenação da instituição de ensino”. (BRASIL, 1982) 22 Essa conceituação revela todos os componentes do estágio, a saber: o aluno, as atividades tipificadoras do estágio, as concedentes de estágio e o papel da escola como a única instituição competente para decidir sobre os estágios de seus alunos. (NATHANAEL, 2006, p.138) Durante a vigência dessa lei, houve somente mais duas alterações na legislação de estágio. A primeira em 1994, com o Decreto nº. 8.859, que estendeu aos alunos de ensino especial o direito à participação em atividades de estágio. E a segunda, no ano de 1996, quando foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96), que apresentou mudanças em relação aos estágios. Segundo Motta (2002) o estágio deixou de ser uma atividade complementar regulada segundo critérios das próprias instituições de ensino, e ganhou uma nova dimensão, adquirindo grande importância na formação para o trabalho, e acompanhando a lógica de ampliar a relação teoria-prática. A última e mais significativa mudança na legislação do estágio se deu recentemente com a aprovação da Lei nº. 11.788 de 2008, após longo debate entre governo, empresários, instituições de ensino e estudantes. A nova Lei de Estágio, como é chamada, trouxe benefícios importantes para os estagiários. Dentre os mais expressivos, estão: i. Limitação da carga horária de estágios em 20 horas semanais para estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos, e de 36 horas semanais para estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular; ii. Obrigatoriedade da concessão de bolsa-auxílio e vale-transporte aos estudantes, no caso de estágio não-obrigatório; iii. Obrigatoriedade da concessão de férias remuneradas de 30 dias, sempre que estágio tenha duração igual ou superior a um ano, ou proporcional, nos casos de o estágio ter duração inferior a um ano; iv. Determinação do número máximo de estagiários em relação ao quadro de empregados das entidades concedentes. A nova lei divide opiniões, enquanto uns acreditam na diminuição das ofertas de estágios, outros presumem o contrário e apostam na ampliação de vagas. Há também os que acreditam na redução do valor da bolsa-auxílio pago aos estagiários, em conseqüência da 23 limitação da carga horária de estágio. O que seria um impacto bastante negativo, considerando que grande parte dos estagiários utiliza a bolsa-auxílio para financiar os estudos. Embora as especulações sobre os impactos da nova lei de estágio sejam bem diversas, há certo consenso de que ela representa um grande avanço para as relações de trabalho estudantis. A lei determina de forma mais clara os direitos e deveres dos estudantes, das empresas e das instituições de ensino, e contribui para o combate a um dos maiores problemas que descaracterizam a real função do estágio. A nova lei controla o emprego de estudantes como mão-de-obra barata e obriga as empresas a contratarem estagiários para o exercício de atividades que desenvolvam o lado profissional, e não mais para atividades supérfluas. Isso, sem dúvida, é um avanço, e resgata o estágio como um ato educativo. 2.2. A FUNÇÃO DOS ESTÁGIOS Andrade (2003), a partir da síntese dos dispositivos legais, aponta as seguintes características do estágio: trata-se de experiência prática no campo de atuação da formação; complementa o ensino, está contemplado no currículo e, é de responsabilidade da instituição de ensino. O dicionário Houaiss define o estágio como um período de prática que habilita uma pessoa a exercer proficientemente a sua profissão. Ou seja, segundo essa definição, a prática é o meio pelo qual o estudante adquire capacidade para desempenhar com proficiência a profissão para a qual se preparou academicamente. Nathanael (2006) alerta, porém, que o estágio não substitui a aprendizagem escolar. Sua função é complementar o conhecimento adquirido em sala de aula, através da vivencia na práticado saber teórico que provém do conjunto de disciplinas do currículo de curso. O autor aponta a seguinte finalidade do estágio: “A finalidade do estágio, pois, está na sua função auxiliar de inserir um aluno nas realidades extracurriculares do trabalho. Em razão dessa natureza pragmática não integra o estágio a estrita curricularidade deste ou daquele curso, devendo antes ser entendido como uma extensão do currículo e sua completação formativa, na capacitação de alunos para o trabalho”. (NATHANAEL, 2006, p.126). 24 Além de ser uma atividade complementar do currículo, a ligação do estágio com o mundo do trabalho, vai muito além da prática dos saberes adquiridos em sala de aula. O estágio constitui-se também, como uma maneira de o estudante “confirmar” sua verdadeira vocação para o trabalho, uma vez que ele entra em contato direto com a rotina profissional da área em que pretende atuar. Um outro aspecto importante desenvolvido no estágio, diz respeito às competências comportamentais como disciplina, senso de hierarquia, trabalho em equipe, liderança, criatividade, entre outros, características que se tornam cada vez mais importantes na atualidade, sendo até mais valorizadas pelo mercado de trabalho do que muitas competências técnicas. Nathanael (2006) sintetiza as contribuições do estágio em quatro pontos: o estágio promove maturidade existencial, uma iniciação indiscutível, riqueza comportamental e a cultura do saber acadêmico, que leva à compreensão racional da realidade. Outro componente, agregado ao estágio ao longo do tempo, é de conteúdo social. A bolsa-auxílio constitui-se como um recurso financeiro fundamental para que um imenso contingente de estudantes de baixa renda possa financiar seus estudos. Soma-se a isso, a importância do estágio para inserção dos jovens no mercado de trabalho. Uma série de estudos realizados pela empresa InterScience - Informação e Tecnologia Aplicada, em conjunto com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), desde 2002, revela dados interessantes sobre o aspecto social do estágio. Um levantamento, realizado no ano de 2003, apontou que 64% dos estagiários de ensino médio e superior são efetivados nas empresas em que estagiam. Em 2004, o estudo intitulado “O valor do estágio” que ouviu 818 estagiários do ensino médio e superior e, jovens recém formados de todas as regiões do país, constatou que a maior parte (55%) pertencia a famílias com renda familiar variando de R$ 424,00 a R$ 1.669,00. Nessa pesquisa, a bolsa-auxílio foi apontada por 23% dos entrevistados, como um apoio financeiro importante nas despesas escolares, especialmente para os alunos do ensino médio. De acordo com os estagiários entrevistados, a remuneração ajudou principalmente nas despesas com transporte e material didático. Uma das questões da pesquisa perguntou o que os estudantes estariam fazendo se não freqüentassem um estágio, para a qual 35% responderam que estariam em casa, 27% fariam cursos e 20% atuariam fora da área de interesse. 25 Os jovens demonstraram ainda ter consciência de que teriam maiores dificuldades para ingressar no mercado de trabalho sem a realização do estágio. A maior dessas dificuldades, para 28%, seria a falta de visão profissional; a falta de perspectiva é apontada por 23%; dificuldades de relacionamento e a dependência pessoal e financeira são dois outros obstáculos mencionados. Esses dados demonstram que os estudantes, muitas vezes vistos como a parte mais “frágil” na relação de estágio, têm plena consciência sobre a importância da atividade de estágio para sua formação, iniciação profissional e inserção no mundo do trabalho. 2.2.1. O ESTÁGIO CURRICULAR E O ESTÁGIO EXTRACURRICULAR Como vimos, o estágio surgiu da necessidade de complementar o ensino, integrando teoria e prática, e passou a compor os currículos de cursos profissionalizantes e de cursos de ensino superior como um requisito imprescindível para a formação do estudante. Ao longo do tempo, além de ser uma extensão do currículo, o estágio adquiriu outras funções, e passou a ser classificado em duas modalidades: estágio curricular e estágio extracurricular. A nova Lei de Estágio caracteriza em seu artigo 2, as duas modalidades de estágios existentes: o primeiro denominado Estágio Obrigatório “é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma”; o segundo denominado Estágio Não-Obrigatório “é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória”. Pimenta (2003) faz uma observação sobre a “curricularidade” do estágio. A autora ressalta que o estágio não deve se constituir como uma estratégia de prática aplicada ou de verificação da teoria, mas deve ser simultaneamente teoria e prática. Segundo ela, o estágio curricular deveria ser definido como: "(...) processo de pesquisa do real, realizada na universidade e no lócus da aplicação profissional, de maneira a contextualizá-lo na sociedade como um todo. Teria como objetivo realizar o diálogo entre o teórico existente e o real, explorando as contradições na busca de alternativas. Seria uma estratégia de formação universitária, de interesse da escola”. Já o estágio extracurricular, que a autora chama de estágio profissional, seria: 26 “(...) um processo de aprendizagem através do exercício e aplicação de práticas no ambiente de atuação profissional. Teria como objetivo desenvolver e treinar habilidades específicas. Seria uma estratégia de formação pessoal, de interesse do indivíduo”. De acordo com as definições de Pimenta, percebemos que uma das diferenças entre as duas modalidades está na atribuição da responsabilidade. O estágio curricular seria de responsabilidade da instituição de ensino, já que ele é de cumprimento obrigatório e está inserido no projeto pedagógico do curso, e o estágio extracurricular seria de responsabilidade do próprio estudante, já que neste caso é uma atividade opcional. Ao contrário do estágio curricular, o qual é tido por todos os agentes envolvidos como fundamental para a formação, o estágio extracurricular é alvo constante de críticas por ser considerado muitas vezes como uma estratégia do mercado para driblar os encargos trabalhistas. Essa visão fica clara na diferenciação que Oliveira e Souza (2004) fazem das duas modalidades de estágio: “Frente à Universidade, não deveriam [os estágios] ser tratados de forma distinta. Entretanto, frente ao mercado de trabalho, são duas lógicas diferentes: o estágio não obrigatório é sempre demandado pelo mercado, e o estágio obrigatório é uma demanda, ao menos em princípio, da IES que dele necessita para integralizar o currículo de seus alunos. É claro que os estágios não obrigatórios também são uma demanda dos alunos e são legitimados quanto ao seu potencial de aprendizagem pela universidade. Entretanto, eles não existiriam se não fosse do interesse das empresas concedê-los”. Os estágios extracurriculares vêm sendo cada vez mais praticados pelos alunos, como forma de desenvolver habilidades, ou por outros fatores bem distantes de qualquer caráter pedagógico, como a necessidade financeira, por exemplo. Como apontado na pesquisa da Interscience, a bolsa-auxílio é um importante recurso financeiro para o estudante. Infelizmente, algumas empresas se beneficiam dessa realidade contratando estagiários como uma estratégia para se isentar dos encargos trabalhistas que teriam na contratação de um profissional efetivo. Pochmann (2003) revela que ao lado das cooperativas, da terceirização e do trabalho autônomo, o estágio emprega uma grande massa 27 de estudantesque trabalham sem o amparo da legislação. Assim, a atividade perde o caráter pedagógico. Na tentativa de amenizar esse problema a nova Lei de Estágio determina que o descumprimento dos requisitos legais pelas empresas concedentes - o que inclui a compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e a área de formação do estudante - caracteriza vínculo empregatício do estudante com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária. Ou seja, o estagiário que realizar tarefas dissociadas de sua área de formação que em nada complementem o ensino e a aprendizagem, pode ser considerado empregado, e exigir o recebimento de todos os direitos trabalhistas e previdenciários. Além disso, a instituição que reincidir na irregularidade fica impedida de receber estagiários pelo período de dois anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente. Desta forma, as empresas que optam pela contratação de estagiários, devem observar rigorosamente os requisitos legais para não correr o risco de ter o vínculo empregatício reconhecido e pagar as verbas trabalhistas devidas. (FIGUEROA JUNIOR, 2010) 2.3. A RESPONSABILIDADE PELO ESTÁGIO: A INSTITUIÇÃO DE ENSINO, A EMPRESA, O AGENTE DE INTEGRAÇÃO E O ESTAGIÁRIO No que tange à responsabilidade, o estágio envolve quatro agentes principais: a instituição de ensino, a instituição concedente, o estagiário, e opcionalmente, o agente de integração. Dentre estes, a maior responsabilidade recai sobre a instituição de ensino, que em síntese, tem as seguintes obrigações determinadas por lei: i. Estabelecer termo de compromisso com o estudante e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, e zelar pelo seu cumprimento; ii. Avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação do estudante; iii. Designar professor orientador para acompanhar e avaliar as atividades do estagiário; 28 iv. Exigir do estudante a apresentação periódica de relatórios das atividades desenvolvidas no estágio; v. Elaborar normas e instrumentos de avaliação dos estágios; vi. Comunicar à parte concedente do estágio as datas das avaliações escolares ou acadêmicas. Cabe destacar as dificuldades que as instituições de ensino têm para supervisionar, sobretudo os estágios extracurriculares. Pois essa tarefa demanda recursos financeiros e humanos. Na atual conjuntura, a universidade tornou-se o elo fraco na corrente, pois sofre pressões do mercado de trabalho, da justiça do trabalho e dos agentes de integração. (PROBST, 2003). O mercado de trabalho deseja da universidade que ela ofereça uma formação acadêmica direcionada às suas necessidades. Pochman (2003) afirma que “a universidade e o sistema produtivo estão se distanciando cada vez mais e para agravar o problema, não existem políticas públicas que facilitem essa ligação”. Por outro lado, Degenszajn3 (2004) adverte que não é função da universidade formar profissionais para determinada empresa ou para o mercado. O papel da universidade é “formar cidadãos que possam ser sujeitos de sua própria carreira profissional”. A autora, porém, admite que a atividade de estágio seja uma responsabilidade das universidades, as instituições formadoras; mas alerta que se não existir uma ação coordenada entre a comunidade acadêmica, o poder público e as empresas não é possível avançar na qualificação dos estágios como espaço formativo e de sensibilização dos estudantes para o atendimento das necessidades sociais, preservando os valores éticos que devem orientar a prática profissional. As instituições de ensino devem fortalecer a condição de aprendizagem do estudante, orientá-lo para que ele não se submeta à execução de atividades degradantes não relacionadas à sua área de formação, ou que possam prejudicar seu desempenho acadêmico. As empresas concedentes de estágios, por sua vez, possuem as seguintes responsabilidades, de acordo com a legislação: 3 Rachel Raichelis Degenszajn foi coordenadora do ForGRAD Região Sudeste na Gestão 2003/2004 e Vice- Reitora Acadêmica da PUC-SP na Gestão 2000-2004. 29 i. Firmar termo de compromisso com a instituição de ensino e o estudante, zelando por seu cumprimento; ii. Oferecer instalações com condições de proporcionar ao estudante atividades de aprendizagem social, profissional e cultural; iii. Designar funcionário com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até dez estagiários simultaneamente; iv. Contratar seguro contra acidentes pessoais em favor do estagiário; v. Entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho, quando houver desligamento ou encerramento de estágio; vi. Disponibilizar à fiscalização, documentos que comprovem a relação de estágio; vii. Enviar relatório de atividades à instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses. Diante do exposto nos itens anteriores, podemos perceber que as obrigações das empresas concedentes são mínimas tendo em conta os benefícios trazidos com a contratação de estagiários. Além dos benefícios financeiros, proporcionados principalmente pela isenção de encargos trabalhistas decorrentes da não vinculação empregatícia, a contratação de estagiários possibilita às empresas formar um quadro qualificado de recursos humanos em conformidade com sua cultura organizacional. Isso conseqüentemente acaba contribuindo para a redução de custos no processo de recrutamento e seleção de novos profissionais. A efetivação de um estagiário é muito mais vantajosa para a empresa do que a contratação de um profissional recém-formado, por exemplo, não só do ponto de vista financeiro, mas considerando também outros aspectos, como o investimento em treinamento e o tempo despendido para a integração do novo profissional à empresa. Felizmente, nem todas as empresas estão preocupadas única e exclusivamente com as vantagens proporcionadas pela contratação de estagiários, mas possuem também a consciência do conteúdo social envolvido na atividade de estágio. 30 As empresas que se preocupam em trabalhar em sintonia com as instituições de ensino e procuram fazer do estágio um espaço efetivo de ensino-aprendizagem, cumprem o seu papel social, ajudando a formar as novas gerações de profissionais. Se as instituições de ensino têm o papel de entregar à sociedade jovens melhor preparados, às empresas cabe oferecer-lhes oportunidades reais de crescimento e desenvolvimento. (REAVALIANDO..., 2009) Entre as instituições de ensino e as empresas concedentes pode haver, opcionalmente, a intermediação dos agentes de integração. A atuação dos agentes de integração passou a ser permitida a partir da promulgação do decreto nº. 87.497/82 que regulamentou a Lei de Estágio (nº. 6.494/77). O decreto autorizou a atuação dos agentes de integração como prestadores de serviço às empresas, e às instituições de ensino, mediante condições acordadas em instrumento jurídico adequado, e indicou as competências dessas entidades. A partir de então, os agentes de integração cresceram e hoje instituições como CIEE e Instituto Euvaldo Lodi (IEL), mais do que intermediadores, adquiriram papel social e poder político. A nova Lei de Estágio trata dos agentes de integração em seu artigo 5, que aponta - com poucas diferenças em relação ao decreto de 1982 - as seguintes responsabilidades: i. Identificar oportunidades de estágiosjunto a pessoas jurídicas de direito público e privado; ii. Facilitar ajustes das condições de realização do estágio; iii. Fazer o acompanhamento administrativo do estágio; iv. Fazer negociação de seguros contra acidentes pessoais; v. Cadastrar os estudantes; A novidade da lei em relação ao decreto de 1982 é apresentada em seu parágrafo 3º, que responsabiliza civilmente os agentes de integração, caso estes venham a indicar estagiários “para a realização de atividades não compatíveis com a programação curricular estabelecida para cada curso, assim como estagiários matriculados em cursos ou instituições para as quais não há previsão de estágio curricular”. A Associação Brasileira de Estágios (ABRES) expõe de forma minuciosa quais são as competências dos agentes de integração. Segundo a entidade, ao estabelecer convênio com a 31 instituição de ensino, o agente de integração assume as tarefas de captação de oportunidades de estágios; manutenção de um cadastro de estudantes candidatos a estágio e encaminhamento dos mesmos às unidades concedentes; negociação e ajuste das condições de estágio definidas pela instituição de ensino com as possibilidades da empresa concedente; preparação da documentação legal referente ao estágio. Além do auxílio ligado ao processo de contratação, o agente de integração deve ainda disponibilizar para a instituição de ensino, informações pertinentes como, total de estudantes cadastrados candidatos a estágio, total de estudantes em estágio, por curso, indicando as respectivas unidades concedentes e a vigência dos Termos de Compromisso de Estágio. O agente de integração deve ainda realizar acompanhamento durante a vigência do estágio, visando à garantia dos aspectos legais e técnicos da atividade. Para tanto, deve confirmar periodicamente, a regularidade da situação escolar dos estagiários junto às respectivas instituições de ensino, receber e analisar os relatórios de estágio preenchidos pelos estagiários e encaminhar às instituições de ensino, acompanhar in loco por meio de reuniões com os estagiários, previamente agendadas com as empresas concedentes do estágio, acompanhar a vigência do Termo de Compromisso de Estágio, avaliando e propondo às empresas a possibilidade de prorrogação dos estágios. (ABRES, 2010). É importante enfatizar, contudo, que a universidade não pode transferir ao agente de integração a função de acompanhamento pedagógico dos estágios, pois esta não é responsabilidade do agente de integração, é uma obrigação legal da universidade. Os agentes de integração devem ser vistos como facilitadores do processo, mas devem atender às necessidades de formação do aluno conforme os projetos pedagógicos das instituições de ensino. Por fim, ao estudante, o maior interessado no estágio, antes de dar os primeiros passos rumo à inserção no mundo do trabalho cabe tomar conhecimento da legislação que rege a atividade, e da regulamentação específica vigente em sua instituição de ensino. O estudante deve ter ainda consciência de seu campo de atuação e avaliar se a ocupação oferecida pela instituição concedente do estágio é compatível com sua formação, e possibilita o aprendizado. Deve agir de forma que a relação profissional seja regida com seriedade, ética e compromisso entre as partes. Como já citado anteriormente, o fim essencial de qualquer modalidade de ensino é formar cidadãos que possam ser sujeitos de sua própria carreira profissional e trajetória 32 pessoal. Assim sendo, cabe ao estudante ter atitude frente ao papel que lhe cabe dentro da organização. Muitos jovens encaram o estágio apenas como uma forma de cumprir créditos para a faculdade ou obter ganhos financeiros, ignorando que esta atividade é o começo para o desenvolvimento integral do indivíduo, e pode gerar resultados não apenas no nível profissional, mas também no nível pessoal. Por isso, em sua atuação nas empresas, aos estagiários cabe usar, além dos braços e pernas, o cérebro em função de um desenvolvimento profissional e humano, de forma a acarretar em mudanças reais dentro de uma organização, contribuindo para que esta caminhe com mais competência rumo ao futuro. (REAVALIANDO..., 2009) 33 3. A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO 3.1 BREVE HISTÓRICO DA BIBLIOTECONOMIA E DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO NO BRASIL O ensino de Biblioteconomia se iniciou no Brasil em 1915 na Biblioteca Nacional (BN), no Rio de Janeiro, com a finalidade de atender as necessidades de mão-de-obra da própria instituição. Segundo Castro (2002) o curso da BN tinha como foco a formação de profissionais de perfil humanista e refletia a estrutura organizacional da instituição com um método de ensino centrado no repasse de experiências pelos professores, que eram encarregados durante anos das seções da Biblioteca. Na década seguinte, foram criados os cursos da Divisão de Bibliotecas do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, e do Instituto Mackenzie, ambos nos mesmos moldes da BN no que se refere à estrutura curricular. Porém, diferentemente deste, os cursos de São Paulo privilegiaram uma formação mais técnica. A partir dos anos 40 a área começa a se expandir com a transferência do curso da Prefeitura Municipal de São Paulo para a Escola Livre de Sociologia e Política, a criação de várias outras escolas, e mais tarde com o surgimento das associações de classe e eventos da área. Em 1954, foi realizado em Recife-PE, o 1º Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD). Cinco anos mais tarde, na segunda edição do evento, em Salvador- BA, Laura Russo e Rodolfo Rocha Júnior propuseram a criação da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB) que foi fundada em 26 de julho de 1959, tendo como principal objetivo defender e incentivar o desenvolvimento da profissão. Segundo os proponentes “sua criação tornava-se imperativa para a categoria, na medida em que com o passar do tempo (...) os problemas da classe e das bibliotecas foram se aviltando, dado o processo da técnica e da ciência’” (CASTRO, 2000, p.178). Em 1962, a regulamentação inicial da profissão através da Lei nº 4.084/62 estabelece um avanço para o ensino. A lei determina as atribuições da profissão, trata do ensino de Biblioteconomia e cria os Conselhos Regionais para fiscalizar o exercício da profissão de bibliotecário e contribuir para o aprimoramento da área e seus profissionais. Essa lei é 34 regulamentada mais tarde pelo Decreto nº. 56.725 de 1965, e atualizada pela Lei nº. 9.674 de 1998. Foi também no ano de 1962, que se estabeleceu o primeiro currículo mínimo para os cursos de Biblioteconomia. Antes disso, cada escola determinava o seu programa curricular, o que gerava uma ausência de uniformidade nos conteúdos. O primeiro currículo mínimo compreendia as seguintes disciplinas: Quadro 1 1º Currículo mínimo para os cursos de Biblioteconomia 1º CURRÍCULO MÍNIMO - 1962 História do Livro e das Bibliotecas História da Literatura História da Arte Introdução aos Estudos Históricos e Sociais Evolução do Pensamento Filosófico Científico Organização e Administração de Bibliotecas Catalogação e Classificação Bibliografia e Referência Documentação Paleografia (Fonte: CASTRO, 2002, p.46) Nos anos que se seguiram, este currículo ainda foi muito discutido entre as escolas e associações de classe, tendo sido tema de eventos como, o Seminário sobre Currículo do Ensino de Biblioteconomia, que aconteceu em Brasília-DF no ano de 1980. Em 1982,após muitos debates, foi aprovado pela Resolução n. 08/82 do Conselho Federal de Educação, o segundo currículo mínimo de Biblioteconomia que contemplava as seguintes matérias: 35 Quadro 2 2º Currículo mínimo para os cursos de Biblioteconomia 2º CURRÍCULO MÍNIMO - 1982 Comunicação Aspectos Sociais, Políticos e Econômicos do Brasil Contemporâneo História da Cultura Lógica, Língua e Literatura Portuguesa Métodos e Técnicas de Pesquisa Informação Aplicada à Biblioteconomia Formação e Desenvolvimento de Coleções Controle Bibliográfico dos Registros do Conhecimento Disseminação da Informação Administração de Bibliotecas (Fonte: CASTRO, 2002, p.46) Além das matérias acima relacionadas, a resolução de 1982 também instituiu o estágio curricular, seguindo a tendência das instituições educacionais de buscar a aproximação entre educação e trabalho, como forma de aprimorar o processo de ensino-aprendizagem. Em 1986 foi aprovado o código de ética, pela resolução nº. 327 do Conselho Federal de Biblioteconomia, que fixou as normas de conduta para os profissionais quando no desempenho da profissão. Ao longo do tempo, a área de Biblioteconomia, ampliou e aprofundou sua atuação sobre a organização e análise da informação, seu objeto de estudo e pesquisa. Segundo Barbosa et al (apud SOUZA; RIBEIRO, 2009) isso foi possível através da assimilação de recursos de outros campos do conhecimento que lhe permitiu estudar e entender a produção e o registro da informação, o armazenamento em diversos suportes, a organização para o acesso, o processo de recuperação e as consequências socioculturais do uso da informação. A expansão da área deu origem a um campo mais abrangente, a Ciência da Informação, cujo surgimento oficial no Brasil se deu com a criação do curso de mestrado em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD) em 1970. Segundo Oddone (2006), a Ciência da Informação se constituiu no Brasil – assim como no resto do mundo – de maneira a romper com um passado de práticas que não se mostravam mais competentes para atender às necessidades bibliográficas e documentais de uma sociedade marcada pela explosão tecnológica e, 36 principalmente, de uma comunidade científica em contínuo processo de crescimento. (ODDONE, 2006, p.46) O IBBD (atual Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT) foi responsável ainda pela criação, em 1972, da revista Ciência da Informação, que surgiu diretamente ligada às atividades do curso de mestrado, e hoje é um dos periódicos mais importantes da área. A Ciência da Informação no país avançou consideravelmente com a criação, em 1989, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB). À semelhança de outras associações do mesmo gênero, a ANCIB tem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é atualmente a principal sociedade científica da área e que vem, desde sua criação, promovendo Encontros Nacionais de Pesquisa em Biblioteconomia e Ciência da Informação, acompanhando e estimulando as atividades de ensino de pós-graduação e de pesquisa. (SOUZA; RIBEIRO, 2009, p.85) Nos últimos anos, os cursos na área tem se multiplicado e mostrado uma diversificação de conteúdos. Além da Biblioteconomia – ainda majoritária -, da Arquivologia e da Museologia, a área conta com formações em Ciência da Informação, Gestão da Informação e Administração da Informação. Segundo dados da ABECIN do ano de 2009, existem atualmente 43 escolas de graduação oferecendo cursos de Biblioteconomia, Arquivologia, Museologia, Ciência da Informação e Gestão da Informação no Brasil. O país já conta também com cursos de mestrado e/ou doutorado em 12 universidades, segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de vários cursos de pós- graduação em nível de especialização. Como vemos, a Ciência da Informação é uma área do conhecimento reconhecida nacional e internacionalmente por meio de cursos, instituições científicas, periódicos e outras formas de institucionalização. (SOUZA; RIBEIRO, 2009) 3.2. O CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP O curso de Biblioteconomia da ECA/USP nasceu na mesma época em que a profissão de bibliotecário foi regulamentada no país. 37 Em 1965, o então reitor da USP Professor Doutor Gama e Silva solicitou a uma comissão formada por dez pessoas, entre professores e profissionais, a concepção de um instituto que trabalhasse com comunicações culturais. Maria Luiza Monteiro da Cunha, responsável pela Biblioteca Central da universidade e Guelfo Oscar Campliglia, responsável pelo Serviço de Documentação, fizeram parte dessa comissão. Em junho de 1966, o Decreto estadual nº. 46.419, instituiu a fundação a Escola de Comunicações Culturais – ECC, que mais tarde passou a se chamar Escola de Comunicações e Artes (ECA), com o Decreto nº. 52.326, de 16 de dezembro de 1969. Os primeiros cursos da unidade foram: Artes Dramáticas, Biblioteconomia, Documentação, Cinema, Jornalismo, Rádio e TV, e Relações Públicas. Em 1968, os cursos de Biblioteconomia e Documentação foram unificados e a escola adotou o currículo mínimo, que vigorou até 1984, quando foi aprovado o 2º currículo mínimo, e o Departamento de Biblioteconomia e Documentação iniciou a implantação de um novo currículo para o curso. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases em 1996, o currículo mínimo deixou de existir e no ano seguinte o departamento elaborou um novo currículo de acordo com as diretrizes curriculares. O aperfeiçoamento do currículo sempre foi uma preocupação constante do departamento. O currículo foi reformulado várias vezes, buscando formar profissionais críticos. Lopez (apud SAITO, 2006) afirma que todas “as alterações curriculares ocorridas no CBD tiveram como força motriz o objetivo de formar profissionais que respondam positivamente às exigências sofisticadas do trabalho específico da área da informação”. De acordo com o projeto pedagógico vigente, O curso de Biblioteconomia, ministrado na Escola de Comunicações e Artes tem como missão principal formar profissionais capazes de atuar no campo da informação, numa perspectiva integrada, com visão crítica e com habilidades suficientes para gerenciar unidades de informação das diferentes organizações, por meio da utilização de técnicas e instrumentos específicos da prática profissional. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2007, p.4) A formação que se pretende oferecer ao aluno do curso de Biblioteconomia, durante os quatro ou cinco anos4 de sua permanência da universidade, se pauta nos seguintes objetivos: 4 Quatros anos para o período matutino e, cinco anos para o período noturno. 38 i. Formar cidadãos conscientes de seu papel e responsabilidade para com a sociedade; ii. Formar profissionais com visão estratégica de negócios numa sociedade globalizada e complexa; iii. Formar profissionais capazes de gerir os processos de informação em organizações públicas, privadas e do terceiro setor, quer seja em unidades de informação ou empresas de consultorias; iv. Formar empreendedores na prestação de serviços de informação para atender as demandas sociais da sociedade brasileira e internacional; v. Possibilitar ao aluno, por meio da produção do Trabalho de Conclusão de Curso, seu ingresso à pesquisa e à produção científica no campo da Ciência da Informação. Para tanto, a estrutura curricular do curso é composta de disciplinas teóricas de formação humanísticae disciplinas técnicas laboratoriais mais específicas da formação profissionalizante, como mostra o quadro 3. O currículo inclui ainda matérias de outros campos do conhecimento, as quais, segundo o projeto pedagógico, têm como objetivo principal dar ao profissional uma formação geral e humanística, que lhe permitam ter uma visão crítica sobre o seu fazer profissional, bem como uma percepção maior sobre a inserção das unidades e serviços de informação na dinâmica da sociedade moderna. Quadro 3 Grade curricular do curso de Biblioteconomia da ECA/USP (período matutino) 1º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Fundamentos em Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação Inglês Instrumental para Comunicações I Informação, Educação e Conhecimento Leitura Documentária História da Cultura e da Comunicação I* Língua Portuguesa - Redação e Expressão Oral I* Disciplinas Optativas Livres Introdução à Organização de Arquivos Imaginário e Ação Cultural Organização de Arquivos Fotográficos Acesso às Bases de Dados Redes Eletrônicas e Ambientes de Informação Introdução à Terminologia Aplicada à Documentação Ontologias em sistemas digitais 39 2º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Representação Descritiva I Inglês Instrumental para Comunicações II Resumo: Teoria e Método História da Cultura e da Comunicação II* Disciplinas Optativas Livres Introdução a Museologia Tecnologia da Informação: Estudo de Casos Software Livre e Informatização de Bibliotecas Biblioteca com Função Educativa: a Criança e o Jovem Métodos e Técnicas de Avaliação da Produção Científica Info Educação Estados e Formas da Cultura na Atualidade 3º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Biblioteca e Sociedade Representação Descritiva II Elementos de Lógica para Documentação Linguagens Documentárias I 4º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Orientação à Pesquisa Bibliográfica Recursos Informacionais I Linguagens Documentárias II Teoria da Ação Cultural Documentação Audiovisual Introdução à Administração de Serviços de Informação Teoria da Ação Cultural Disciplinas Optativas Livres Introdução ao Uso dos Metadados no Ambiente das Unidades de Informação 5º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Recursos Informacionais II Lingüística Documentária Estágio Supervisionado em Unidades de Informação Administração de Recursos e Produtos de Informação Disciplinas Optativas Livres Cultura e Política Cultural 6º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Documentação e Informática Estudo de Usuários da Informação Introdução à Pesquisa em Ciência da Informação Indexação: Teoria e Métodos Realidade Sócio-econômica e Política Brasileira* 40 7º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Serviços ao Usuário Projeto Experimental Em Biblioteconomia I Informação, Ciência e Tecnologia Planejamento e Avaliação de Bibliotecas e Serviços de Informação I 8º SEMESTRE Disciplinas Obrigatórias Planejamento e Avaliação de Bibliotecas e Serviços de Informação II Projeto Experimental em Biblioteconomia II *Disciplinas ministradas pelo Departamento de Comunicação e Artes (CCA) (Fonte: elaborado pela autora, com base em dados disponíveis no Sistema Júpiter, 2010) O curso é ministrado atualmente por um corpo de 19 docentes do CBD, em sua maioria com título de doutorado. São oferecidas 35 vagas anualmente, sendo 20 vagas para o período noturno e 15 para o período matutino. 3.2.1. O ESTÁGIO NO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP Antes mesmo da instituição do estágio no currículo mínimo para os cursos de Biblioteconomia, docentes da área já discutiam os objetivos dessa atividade. Trombelli e Santoro (1979) já apontavam a finalidade do estágio para a formação do profissional bibliotecário, que seria, dar condições para que o universitário, munido de seus conhecimentos teóricos, entre em contato com a prática integrada das diferentes técnicas exigidas na organização de Biblioteca e consiga uma avaliação dos problemas ambiente dando vazão ao seu potencial de trabalho. (TROMBELLI e SANTORO, 1979, p.1) Campello et al (apud VALLS, 1990) apontou como objetivos do estágio em Biblioteconomia, possibilitar a visão da biblioteca em funcionamento: seus aspectos técnicos e administrativos, seu relacionamento com a comunidade a que serve, permitindo o confronto entre o conhecimento teórico adquirido na escola e a prática adotada na biblioteca.”(CAMPELLO et al apud VALLS, 1990) 41 Devido à data em que tais objetivos foram pensados, 1979 e 1987, respectivamente, se referem à instituição Biblioteca, e abordam o estágio com a função básica de confrontar teoria e prática. Mas, no contexto atual sabemos que os estágios de Biblioteconomia e Ciência da Informação se estendem a diferentes tipos de instituições, e possuem funções mais amplas. O MEC, no parecer nº. 492/2001, que apresenta diretrizes para os cursos de Biblioteconomia, aponta a seguinte deliberação com relação aos estágios e atividades complementares: Mecanismos de interação do aluno com o mundo do trabalho em sua área, os estágios serão desenvolvidos no interior dos programas dos cursos, com intensidade variável segundo a natureza das atividades acadêmicas, sob a responsabilidade imediata de cada docente. Constituem instrumentos privilegiados para associar desempenho e conteúdo de forma sistemática e permanente. Além disso, o colegiado do curso poderá estabelecer o desenvolvimento de atividades complementares de monitoria, pesquisa, participação em seminários e congressos, visitas programadas e outras atividades acadêmicas e culturais, igualmente orientadas por docentes (de preferência em regime de tutoria) a serem computadas como carga horária. (BRASIL, 2001). Como podemos ver, as diretrizes estendem o estágio a atividades complementares de monitoria, pesquisa, participação em seminários e congressos, visitas programadas e outras atividades acadêmicas e culturais. As diretrizes fornecem orientação ás instituições para o desenvolvimento do estágio, porém o planejamento e o período do curso em que devem ser realizados ficam sob responsabilidade das próprias instituições de ensino. Em relação à definição do período do curso em que os estágios devem ser realizados, a ABECIN (2002) destaca que nas estruturas curriculares das instituições de ensino, predomina a percepção de que a teoria vem sempre antes da prática e, com esta compreensão, as instituições organizam o conhecimento em grades disciplinares hierárquicas e fragmentadas e os estágios curriculares estão na maioria das vezes localizados no final de seus cursos. Embora seja verdade que os estágios curriculares estejam geralmente situados ao final dos cursos de graduação, a área de Biblioteconomia e Ciência da Informação detém uma singularidade. Trata-se da grande oferta de estágios remunerados para os estudantes desde o primeiro ano da graduação, sobretudo em grandes cidades como São Paulo. Além disso, os estágios da área estão entre os que oferecem os melhores valores de bolsa-auxílio. 42 Em levantamento do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube) feito com 16.328 estagiários de diferentes níveis, entre os dias 22 de março e 23 de abril de 2010, os estágios de Biblioteconomia apareceram em 6º lugar no ranking de valores médios de bolsa-auxílio pagos a estagiários de cursos de nível superior, como mostra o quadro 4. Quadro 4 Dez maiores valores médios de bolsa-auxílio para estagiários de nível superior CURSOS VALOR MÉDIO DE BOLSA-AUXÍLIO 1) Engenharia R$ 1.022,30 2) Relações Internacionais
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