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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO BRUNO CARVALHO, JACQUELINE VIANA, JÚLIA RABELLO, MARCO ANTONIO MOREIRA, MARIA MERGENER, MATHEUS FARIA, MYLENA FURTADO ALÉM DO HOMEM E MULHER: NOVAS FAMÍLIAS RIO DE JANEIRO 2016 BRUNO CARVALHO, JACQUELINE VIANA, JÚLIA RABELLO, MARCO ANTONIO MOREIRA, MARIA MERGENER, MATHEUS FARIA, MYLENA FURTADO ALÉM DO HOMEM E MULHER: NOVAS FAMÍLIAS Trabalho de conclusão da disciplina de Psicologia Jurídica apresentado à Escola de Ciência Jurídica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial à obtenção de aprovação na disciplina. Orientadora: Professora Doutora Denise Maurano Mello RIO DE JANEIRO 2016 RESUMO Este trabalho analisa as novas formas de parentalidades emergentes na sociedade brasileira atual, bem como as questões psicanalíticas agregadas. Após sucinta introdução, o trabalho discute o papel da família monoparental e da constituída por parentes. Depois é mostrado um panorama histórico-evolutivo sobre o divórcio no Brasil e do papel de pais separados no âmbito familiar e da existência da alienação parental. Também é falado sobre pais adotivos e a conjuntura do processo de adoção. Por fim, o trabalho expõe a questão das famílias homoparentais e a homossexualidade; a evolução no campo jurídico da adoção por casais homoafetivos e o florescimento da transexualidade na família e na sociedade. Palavras-chave: Novas Parentalidades. Adoção. Transformação Familiar. ABSTRACT This work analyses the new forms of parenthood that emerged in the modern- day Brazilian society, as well as the psychoanalytic issues attached to it. After a brief introduction, the work talks about the role of the one-parent family and of the family formed by relatives. Then it displays a historical and evolutive perspective about the divorce in Brazil and the role of divorced parents within the family circle and the existence of parental alienation. It also discusses adoptive parents and the circumstances of the adoption process. At the end, the work exhibits the issue of the LGBT family and homosexuality; the improvements in adoption by same-sex parents by the judiciary, and the flourishing of transsexuality in the family and society. Keywords: Modern Parenthoods. Adoption. Family Transformation. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADCT Ato da Disposições Constitucionais Transitórias ---------------------------------- ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ------------------------------------------------- ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ------------------------- CC Código Civil ------------------------------------------------------------------------------ CF Constituição Federal -------------------------------------------------------------------- CNJ Conselho Nacional de Justiça -------------------------------------------------------- ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ----------------------------------------------- RE Recurso Extraordinário ------------------------------------------------------------------ REsp Recurso Especial --------------------------------------------------------------------- STF Supremo Tribunal Federal ------------------------------------------------------------- STJ Superior Tribunal de Justiça ----------------------------------------------------------- SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 6-------------------------------------------------------------------------- 2. FAMÍLIA MONOPARENTAL 7------------------------------------------------------------- 2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO 7 2.2. LICENÇA-MATERNIDADE E PATERNIDADE PARA PAIS ADOTANTES SOLTEIROS 11 2.3. QUESTÕES PSICANALÍTICAS 12 3. FAMÍLIA ENTRE PARENTES 15------------------------------------------------------------ 3.1. O PLANO DOGMÁTICO 15 3.2. O PLANO ZETÉTICO 16 4. PAIS SEPARADOS 19---------------------------------------------------------------------- 4.1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA 19 4.2. O DIVÓRCIO E O DIREITO BRASILEIRO 19 4.3. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA 23 4.4. O DIVÓRCIO E A ALIENAÇÃO PARENTAL 23 5. PAIS ADOTIVOS 25------------------------------------------------------------------------ 5.1. O PERIGO DA MOTIVAÇÃO PARA ADOTAR 25 5.2. A CRIANÇA ADOTIVA 25 5.3. AS EXPECTATIVAS E AS ANGÚSTIAS DOS PAIS ADOTIVOS 26 5.4. A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA 28 6. PAIS HOMOSSEXUAIS 30----------------------------------------------------------------- 6.1. A HISTÓRIA DA HOMOSSEXUALIDADE 30 6.2. AS FORMAS DE PARENTALIDADE HOMOSSEXUAL 31 6.3. QUESTÕES PSICANALÍTICAS 32 6.4. A VISÃO DA SOCIEDADE 34 7. A EVOLUÇÃO JURÍDICA NO PROCESSO DE ADOÇÃO 36---------------------------- 8. TRANSSEXUAIS 39------------------------------------------------------------------------ 8.1. TRANSEXUALIDADE, TRAVESTILIDADE, INTERSEXUALIDADE E DRAG QUEENS 39 8.2. PRECONCEITO E SEGREGAÇÃO 40 8.3. VIOLÊNCIA SILENCIADORA 40 8.4. CONTEMPORANEIDADE 41 9. CONCLUSÃO 43-------------------------------------------------------------------------- REFERÊNCIAS 45-------------------------------------------------------------------------------- �6 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo expor os diferentes tipos de família existentes na sociedade atual. É verdade que a família, enquanto instituição social, tem passado por inúmeras mudanças em relação à sua organização e à sua estrutura no decorrer do último século. O modelo tradicional de família passa a dividir espaço com diversos outros que não são melhores ou piores, apenas diferentes. A família é responsável por promover a educação dos filhos e orientar, em primeira instância, o comportamento no meio social. É importante salientar que o ambiente familiar deve ser um local de harmonia, afeto e suporte, independentemente de sua configuração. Essas relações de confiança e bem-estar são responsáveis pela unidade familiar. Ao longo do trabalho entraremos em contato com essas configurações modernas de família e veremos como elas são encaradas frente à sociedade. Poderemos observar também as dificuldades e peculiaridades que cada uma delas enfrentam, seja no âmbito legal, ou nas questões sociais. Passaremos pelos desmembramentos da família tradicional, com pais divorciados e famílias monoparentais (seja por óbito ou pelo desconhecimento de um dos genitores) e também por novos tipos de família como a homoafetiva. A questão da adoção é bastante explorada ao longo do trabalho. As dificuldades enfrentadas por pais adotivos são apresentadas, bem como os preconceitos e o reconhecimento dos filhos como membros da família. Também observaremos como as configurações familiares enfrentam a questão da criação dos filhos, do reconhecimento enquanto família e em alguns casos, da adoção. O trabalho também apresenta a questão da transexualidade e todo o preconceito envolvido. O mais importante a se salientar é que não importa qual seja a configuração, não existe um tipo de família ideal ou modelo correto. Todos os tipos familiares tem a mesma potencialidade de ser responsável pela formação dos cidadãos na sociedade. �7 2. FAMÍLIA MONOPARENTAL Por Júlia Rabello 2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO Paulo Roberto Ceccarell i , no artigo Configurações edípicas da contemporaneidade: reflexões sobre as novas formas de filiação, traz o seguinte questionamento, gerado pela polemização que paira sobre as novas formas de filiação na sociedade contemporânea: "As crianças criadas por apenas um dos genitores (às vezes o outro é totalmente desconhecido) (…) terão necessariamente problemas de subjetivação? Ou seja, a falta de um dos genitores — monopaternidade — (…) terá repercussões particulares nos processos identificatórios e, por conseguinte, na organização psíquica do sujeito?" A partir dessa questão,que Ceccarelli também aplica à família homoparental, foco do seu artigo, esta seção do trabalho procura situar as famílias monoparentais em um contexto histórico, jurídico e psicanalítico. Por família monoparental entende-se "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, como consta na Constituição Federal de 1988, a primeira positivação brasileira desse modelo como uma forma de família. Essa modalidade será considerada neste trabalho dentro de algumas possibilidades: a morte, separação ou abandono de um dos pais (sendo o caso do divórcio contemplado em outra seção), a adoção por uma pessoa solteira, viúva ou separada, ou a inseminação artificial por uma mulher que deseja criar um filho sem um parceiro ou parceira. Esses núcleos ganharam visibilidade exponencialmente desde os anos 60, apesar de sempre haverem existido famílias órfãs de pai ou mãe, pais solteiros, separados ou abandonados por seus parceiros. Segundo o Censo 2010 do IBGE, a família composta por mulher sem cônjuge e com filhos aumentou de 11,5%, em 1980, para 15,3%, em 2010. Já a composta por homem sem cônjuge passou, no mesmo período de tempo, de 0,8% para 2,2%. Verifica-se, então, um fenômeno crescente, que passou a constituir tema relevante nos estudos jurídicos e psicanalíticos. �8 2.1.1.ADOÇÃO MONOPARENTAL A possibilidade de se adotar independentemente do estado civil foi admitida no Brasil com a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) . 1 Em março de 2013, no Brasil, os pais solteiros, viúvos ou separados que querem adotar uma criança sem um parceiro representavam 10,72% do total de 29.164 pretendentes inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, gerido pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A maioria correspondia ao sexo feminino, com 9,49%. Os pretendentes cujo estado civil era solteiro eram 8,46%, divorciado ou separado 2,44% e viúvo 0,8%. Dados mais atuais do mesmo órgão, porém menos específicos, revelam que, em 2016, entre cerca de 37 mil pretendentes, 5.019 são solteiros, número que já corresponde a mais de 13,56% dos adotantes. 2.1.2.VIUVEZ Em 1968, para cada duas mulheres de famílias monoparentais no Brasil, uma era viúva. A partir de 1982, esse número começa a cair para uma mulher viúva em cada três de famílias monoparentais, coincidindo com um aumento da expectativa média de vida dos homens e um aumento dos índices de divórcio e separação. Na viuvez, seja de qualquer uma das partes, em que existem filhos, a criança continua a residir com o progenitor vivo. Constitui-se, assim, a forma mais remota, porém mais antiga de família monoparental. Desde 1980, a porcentagem dessas famílias decorrentes da viuvez de uma das partes de um casal vêm decrescendo. Uma teoria para esse fenômeno é o aumento da expectativa de vida dos homens, já que, em sua maioria, são as mulheres que tornam-se viúvas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm.1 �9 As mães viúvas, segundo um levantamento de dados de 2009, da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), compõem 27% dos domicílios de famílias monoparentais femininas, isto é, famílias nas quais a mãe é a única progenitora responsável pela criação os filhos. 2.1.3.ABANDONO A Constituição Federal de 1988 afirma, no art. 227, que o dever de um pai é prover sustento, cuidado e zelo a sua prole. No entanto, um problema sério no cotidiano atual do país é o abandono de pais para com os seus filhos, deixando centenas de crianças desamparadas econômica e emocionalmente, resultando no crescimento exponencial de famílias monoparentais. O abandono de um pai pode ser caracterizado de três formas diferentes: intelectual, material e afetivo, sendo os dois primeiros crimes contra a assistência familiar. O abandono intelectual ocorre quando um dos pais deixa de educar o seu filho ou permite que ele seja mal influenciado, roubando-lhe de seu direito à educação. O abandono material, por sua vez, constitui-se quando um dos pais deixa de pagar a pensão alimentícia, não custeando as necessidades da criança. Já o abandono afetivo, a única forma não criminalizada , caracteriza-se quando um 2 dos pais simplesmente não dá atenção ao seu próprio filho, mantendo uma postura indiferente. A evasão paternal é a forma mais comum de abandono afetivo. Em 2015, uma estimativa da Corregedoria Nacional de Justiça na Cartilha Pai Presente, com base em declarações dos alunos no Censo Escolar de 2011, indicou que 5,4 milhões de estudantes brasileiros não tinham o pai em seus registros, o que corresponde aproximadamente a 10% dos estudantes contemplados pelo Censo. Em 2014, a então Presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei n.º 13.058/14, que modificou parte do Código Civil para prever a guarda compartilhada entre Apesar de não criminalizada, a prática é passível de compensação por dano moral 2 conforme o REsp 1.159.242/SP. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/ documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=15890657. �10 ambos os pais. A guarda unilateral será concedida, no entanto, quando uma das partes intencionalmente abrir mão da guarda da criança . 3 Além disso, o pai, mesmo quando abandona seu filho, é obrigado a reconhecê-lo como seu perante à Justiça. Caso haja a recusa de fazê-lo, é possível mover contra ele o processo de Ação de Investigação de Paternidade, no qual a criança é representada por sua mãe. Assim, um juiz ordena um exame de DNA para comprovar paternidade . Se este for positivo, o pai será obrigado a cumprir com 4 suas obrigações legais, incluindo o registro e o pagamento da pensão, assim como a previsão da criança no recebimento de sua herança. O papel geralmente exercido por um pai no crescimento de uma criança pode ser cumprido através de outras figuras, porém o abandono é uma marca psíquica, capaz de deixar cicatrizes vitalícias. 2.1.4.INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL Tema que instiga debate entre juristas e psicólogos, a técnica de inseminação artificial consiste em engravidar uma mulher de forma não convencional, concretizando seu desejo de tornar-se mãe, sem necessitar de um parceiro, apenas de um doador de esperma. No caso das famílias monoparentais constituídas por mulheres, o processo é geralmente o heterólogo — quando o doador do esperma utilizado na fecundação não é uma pessoa vinculada à mulher, mas um doador anônimo. O processo é custoso, além de não ter garantia de sucesso — as chances de engravidar variam entre 25% e 35%. Apesar da Constituição de 1988 prever o planejamento familiar livre, ou seja, consagrar o direito de todo e qualquer indivíduo, seja este casado ou não, de formar uma família, há uma lacuna jurídica no que diz respeito à mulher solteira que deseja realizar inseminação artificial. A única previsão na legislação brasileira é o art Lei nº 10.406/02, art. 1.584, § 2º — "Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os 3 filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:" Ainda que o pai se recuse a fazer o exame, a súmula 301 do STJ diz: "Em ação 4 investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade." �11 1.597 do Código Civil que dispõe que há presunção de paternidade do marido falecido no caso de uma viúva, tendo consentimento oficial de seu marido antes de sua morte, ser inseminada com seu esperma, preservado por técnicas de congelamento, ou de outro homem. Existe um grande preconceito em torno dessa forma de gerar um bebê quando se diz respeito a uma mulher solteira. Há quem afirme que a criança que vier a ser concebida será prejudicada devido à faltade uma figura paterna desde o seu nascimento, defendendo que todo indivíduo deveria ter, inerentemente, acesso a um núcleo familiar “normal”, dotado de uma mãe e de um pai. 2.2. LICENÇA-MATERNIDADE E PATERNIDADE PARA PAIS ADOTANTES SOLTEIROS Normalmente, quando há a concepção biológica de uma criança, a mãe tem direito a licença-maternidade, que pode durar de 4 a 6 meses. O pai, por sua vez, tem direito a licença-paternidade por 5 dias, de acordo com o art. 7º do inciso XIX da CF/88 c/c art. 10, § 1° do ADCT. Para os pais que trabalham em empresas participantes do programa Empresa Cidadã, no entanto, segundo a Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, que altera artigos da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, há direito a 20 dias de licença. A partir do art. 5º da Lei nº 12.873, de 24 de outubro de 2013, altera-se o art. 71-A da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e o direito à licença e ao salário- maternidade passa a ser concedido também a quem adota uma criança. Além disso, um dos pais adotivos têm direito a 120 dias afastados de seu emprego para cuidar da criança . 5 Esses direitos podem, também, ser aplicados a pais adotivos solteiros. No entanto, ainda há uma lacuna jurídica, pois, em muitos casos, a falta de clareza das normas leva à necessidade de processos judiciais para que tal pedido seja reconhecido como válido, com base na garantia de um período de adaptação da Lei nº 8.213/91, art. 71-A: "Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou 5 obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias.” �12 criança com o pai ou a mãe adotivos, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal. 2.3. QUESTÕES PSICANALÍTICAS 2.3.1.FUNÇÕES DE MÃE E DE PAI APLICADAS AO CASO DE PAIS SOLTEIROS Segundo os estudos de Jacques Lacan e sua releitura de Freud, a partir dos anos 50, o sujeito se constitui a partir da linguagem, posto que o inconsciente se estrutura como uma linguagem. O sujeito precisa da linguagem porque é através dela que ele exprime o desejo advindo da pulsão, conceito desenvolvido por Freud que se atribui a uma “força constante que impele o sujeito à satisfação“ (Guerra e Fuks, 2014, p.178). O instante do nascimento, para Freud, representa uma condição de desamparo fundamental, pois o bebê precisa de um Outro que corresponda à ação necessária para que ele sobreviva. A amamentação será a ação que dá sentido à mensagem presente no apelo da criança: é a linguagem que permite que a mãe interprete esse choro. Nessa primeira demanda do bebê, está o desejo de restituição de um estado de completude que o sujeito acredita ter existido. O Outro, portanto, satisfaz a necessidade e introduz a criança ao campo da linguagem, o que faz com que ela queira a presença desse Outro e de seu afeto. Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud explica que o desenvolvimento psíquico dos sujeitos passa pelo desejo de matar o pai e ter a mãe para si, pois ela seria o primeiro objeto de desejo, estabelecido na relação dual que se dá a partir do nascimento. É para ilustrar esse desejo que ele apresenta o mito de Édipo, de Sófocles (427 A.C.), que, rejeitado ao nascer, retorna a Tebas e cumpre um destino de assassinar o pai e casar com a mãe. É a mãe, ou a figura que corresponde à função de mãe, que satisfaz as necessidades da criança. Porém, como afirmam Guerra e Fuks, “se essa relação é necessária, fundamental à sobrevivência do homem, mostra-se igualmente perigosa, já que não seria possível o desenvolvimento psíquico da criança se não acontecesse nada capaz de limitar esse princípio do prazer” (2014, p. 185). A �13 introdução da figura do pai nesse meio corresponderia à limitação desse gozo; é o pai que revela a não-liberdade da criança para gozar com o objeto de desejo. Na Psicologia, quando se fala em função materna e paterna, na verdade, qualquer pessoa na vida da criança pode representar essas funções. “Em uma família monoparental, por exemplo, onde não há a figura física de um homem, pode haver o exercício da função paterna pela mulher, que deve sinalizar as interdições culturais ao filho” (Guerra e Fuks, 2014, p. 186). Da mesma forma, é possível que um pai corresponda à função materna, por corresponder às necessidades afetivas da criança desde o nascimento. Por isso, respondendo ao questionamento que as famílias monoparentais geram na sociedade, colocado em discussão por Ceccarelli, não se pode afirmar na falta de uma figura paterna ou materna um motivo para falhas na subjetivação e na organização psíquica do sujeito. Nas configurações monoparentais, as funções de pai e de mãe são representadas por alguém, seja o próprio pai ou a mãe, um parente, a escola ou qualquer outro elemento em suas vidas. Logo, não é simplesmente a partir da criação por apenas um dos pais que são passíveis de se desenvolverem problemas psíquicos. 2.3.2.PAPEL DO PSICÓLOGO NA ADOÇÃO O processo de adoção pode demorar muito tempo, variando de acordo com a região do país e com a idade da criança. No entanto, a média é de aproximadamente dois anos, durante os quais ocorrem o pedido de inscrição, a participação no curso de preparação e o estudo psicossocial. Essa espera cria uma expectativa nos adotantes e uma idealização de como será a criança. Logo, a adoção envolve não só a adaptação dos pais com o filho como também a adaptação diante das diferenças entre o que foi imaginado e a realidade. A ausência de vínculo genético, a impossibilidade de acompanhar a gestação e o receio em relação aos pais biológicos são outros fatores que afetam os pais. Ao fim desse processo, há ainda a fase de adaptação do adotante à criança e ao papel de mãe ou pai, na qual é necessária a formação de um vínculo. A constituição da identidade parental apresenta-se como pré-requisito para que esse vínculo se estabeleça, pois é a partir da subjetividade, da compreensão que o �14 sujeito tem de si mesmo, que o adotante passa a se enxergar como pai ou mãe em uma “gravidez psicológica”, já que não participa do período pré-natal. Dessa forma, é indispensável o acompanhamento psicológico durante os primeiros estágios da adoção, pois ele contribui para que os pais percebam suas motivações conscientes e inconscientes para adotar. Grupos de apoio a pais adotivos também podem ser positivos durante a espera pelos trâmites legais, pela troca de experiências e conhecimentos, além do sentimento de pertencimento a um grupo de interesse afim. Cursos preparatórios para os pretendentes à adoção foram instituídos com a Lei nº 12.010/09 . O programa é oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude e 6 inclui preparação psicológica. Adotantes devem ter frequência de 100% nas “aulas”, planejadas e realizadas pela equipe técnica do Setor Psicossocial da Vara da Infância e da Juventude e do juiz titular da Vara. O estudo psicossocial acontece após a inscrição e a preparação e consiste em entrevistas e visitas domiciliares para verificar as motivações e os sentimentos dos candidatos. O adotante é avaliado de acordo com sua capacidade de exercer papel parental e satisfazer as necessidades da criança durante o seu desenvolvimento. Prioriza-se, portanto, o interesse da criança, conforme o ECA, a partir da observação, em candidatos a pais ou mães, de aspectos como personalidade, maturidade, desempenho no trabalho, tolerância, disciplina, relações familiares e forma de lidar com situações adversas, que os permitam assumir a responsabilidade total sobre um filho. O trabalho do psicólogo, portanto, como mediador do processo de adoção envolve dar visibilidade à subjetividade do outro. O objetivo principal é favorecer a comunicação e a vinculaçãoafetiva do pai ou da mãe adotiva com o filho, promovendo a adequação dessa família. Lei que alterou o ECA para conter o art. 197-C: 6 "Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei." �15 3. FAMÍLIA ENTRE PARENTES Por Marco Antonio Moreira 3.1. O PLANO DOGMÁTICO Entende-se como adoção, a modalidade artificial de filiação, onde toma-se um filho no seio familiar, de maneira voluntária e legal. O Brasil possui uma legislação específica para tratar casos de adoção por consanguíneos, com a proposta de equilibrar a relação entre abandonados e adotantes, tendo em vista que crianças da mesma família (relação sanguínea) teriam uma espécie de preferência na hora de serem selecionadas. A lei brasileira veda a adoção a parentes ascendentes (avós, bisavós) e descendentes (filhos, netos e irmãos), mas permite que tios e primos possam fazê- lo. A intenção da lei é de evitar que o adotado passe por conflitos de entendimento familiar. Um exemplo: uma pessoa que é adotada por sua avó, deixa de ser neta e passa a ser filha, o que pode gerar confusão na cabeça de adotados. Além disso, a lei brasileira só considera como parentes colaterais até o quarto grau. O Código Civil estabelece: Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes. Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente. Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. �16 § 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. 3.2. O PLANO ZETÉTICO No entanto, na prática vemos situações muito diferentes. Inúmeras são as pessoas criadas por avós, especialmente na sociedade em que nos encontramos. A necessidade de que ambos os pais trabalhem e deixem seus filhos aos cuidados dos avós, faz com que eles sejam parte extremamente importante na formação dos netos. Embora os avós não sejam tutores legais da criança, a questão da família vai muito além do âmbito legal. Família também diz respeito ao psicológico, ao sentimento de pertencimento, e é nesse aspecto que a Psicologia e o Direito se chocam com frequência. O problema é que, no Brasil, a adoção de netos por avós era utilizada com o propósito de fraudar a segurança fiscal. A ideia era de manter os benefícios aos netos, quando os avós viessem a falecer. Dessa maneira, não existia como a Previdência Social se negar a fornecer os benefícios aos netos, visto que eles também eram filhos dos contribuintes. Porém com a elaboração do ECA, a adoção por ascendentes foi proibida, e consequentemente os avós foram proibidos de adotar seus netos, tento de certa forma sanado o problema. Há quem alegue, entretanto, que essa proibição é inconstitucional, e nesse meio são destacadas algumas hipóteses para a adoção de crianças por seus avós. Elas são: quando a criança for órfã; ou quando o pai for destituído do poder familiar. Nestes casos, entende-se como constitucional a adoção dos jovens por avós . 7 Além disso, dar a possibilidade de ser criada por alguém do mesmo grupo familiar, propicia a manutenção do sentimento de pertencimento e identidade do adotado. Assim, a adoção por avós ou outro parente consanguíneo ascendente é uma espécie de maneira de resguardar o interesse da criança e zelar pelo seu bem- estar psicológico. Certamente isso não quer dizer que outra família não teria a capacidade de proporcionar tudo isso a um adotado, mas o importante aqui é a manutenção do afeto e da proximidade com os avós. É o decidido no REsp 1.448.969/SC. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/7 documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=40700170. �17 Diante de tudo isso, alguns tribunais têm dado pareceres favoráveis a adoção de netos por avós no Brasil. Um exemplo é o do STJ que reconheceu a relação sócio afetiva do casal de avós com uma criança que nasceu após a mãe, de oito anos, ter sido abusada sexualmente. A menina foi adotada pelo casal já estando grávida, e tanto ela quanto o bebê passaram a ser cuidados pelo casal, que conseguiu adotar ambos. Sobre esse ocorrido, pode ser citada a fala de Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). “O ser social não é estanque; pelo contrário, é absolutamente mutável. Os princípios basilares insculpidos na Constituição Federal são norteadores dos novos direitos e caminha no reconhecimento das novas configurações familiares”. Outro tipo de adoção importante é a feita por tios. A legislação brasileira entende que parentes colaterais podem adotar, desde que seja algo consensual e que a família (tios) tenha total condição de manter a criança. Ou seja, a preferência da adoção não será dada aos parentes apenas por serem parentes, pois os mesmos se submetem a uma série de requisitos iguais aos de qualquer outra família que não tenha laços sanguíneos com o adotado. A nova lei da adoção também nos apresenta o que é conhecido como parentesco por afinidade. Esse grau de parentesco surge com o casamento e outras relações sociais que criam vínculos afetivos entre as pessoas. Por exemplo, uma mulher que se case com o avô de um indivíduo, passa a ser sua parente por afinidade. É interessante dizer que esses parentes por afinidade não são impedidos de adotar, mesmo sendo casados com membros ascendentes do adotando, pois não são entendidos como parentes consanguíneos. Esse parentesco sócio afetivo também surge com o que conhecemos como “pais de criação”, que assumem a paternidade de crianças que sabem não serem pais, mas tratam como se fossem. Essa relação de afinidade e afetividade tem sido cada vez mais importante em decisões judiciais, onde entende-se que parentesco biológico e parentesco sócio afetivo são distintos entre si, e, portanto, a ausência de um não significa a impossibilidade de reconhecimento do outro. �18 É importante entender principalmente, que a adoção rápida por parentes, sejam colaterais, sócio afetivos ou até mesmo ascendentes (alguns raros casos) evita que a criança ou adolescente passe por diversos transtornos que podem ser acarretados pela ausência de família. Existem inúmeros estudos que mostram os danos psicológicos sofridos por crianças que esperam na fila da adoção. Muitas passam tanto tempo na fila para um lar, que quando conseguem, já nem mais sabem como se comportar em família, pois nunca tiveram uma, ou passaram muito tempo sem esse laço. Segundo John Bowlbly, a privação das relações com os pais pode gerar uma série de problemas, tais como angústia, exagerada necessidade de amor, distúrbios nervosos, personalidade instável, entre diversos outros. Além disso, muitas crianças desenvolvem problemas de depressão, sentimento de rejeição pela sociedade, o que acaba levando-as a quadros gravíssimos. Por fim, é importante tocar mais uma vez no ponto da identidade.Sendo adotado por parentes, onde já se tem afinidade, laços afetivos, o jovem já se reconhece como membro da família. Para recém-nascidos, isso pode não ser tão significativo, porém para crianças maiores e adolescentes, essa relação, o sentimento de pertencimento é extremamente importante. Além disso, os pais- parentes também vão poder apresentar ao adotado a história de seus pais biológicos com muito mais proximidade, o que é de suma importância para grande porção dos adotados. �19 4. PAIS SEPARADOS Por Mylena Furtado 4.1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA Analisando a história percebe-se que o conceito de família passou por diversas transformações. A família medieval obedecia aos moldes ditados pelo discurso religioso, mas a família contemporânea, ao contrário do que se poderia inicialmente supor, também se submete a padrões que, embora não mais referendados pela Igreja, são desenhados pela norma jurídica. É indubitável que na atualidade, as leis e as decisões judiciais, detêm o poder de ditar não apenas o jurídico e o antijurídico, mas o certo e o errado no que diz respeito aos comportamentos, aptidão outrora pertencente, primordialmente, aos patriarcas das famílias e à religião. A propósito, é interessante ressaltar que os deveres e direitos parentais ganharam novo enfoque nos últimos anos. Não se fala mais em pátrio poder, mas sim, em poder parental. O Judiciário, diante de um conflito familiar, deve considerar a abrangência da família em cada comunidade, levando em conta seus valores e costumes. O matrimônio, antes indissolúvel, passou por modificações ao longo do tempo, tanto social quanto juridicamente. A Segunda Guerra Mundial, que trouxe à mulher fortalecimento e independência em relação aos homens, jamais tidos anteriormente, é considerada como um grande fator impulsionador para tal mudança. 4.2. O DIVÓRCIO E O DIREITO BRASILEIRO Inicialmente, vale ressaltar que o casamento tal qual como fora introduzido no Brasil do tempo do Império era regido pelas normas da Igreja Católica, haja vista que o catolicismo era a religião oficial da nossa metrópole, Portugal. Sendo assim, aplicavam-se as disposições estabelecidas no Concílio de Trento. �20 Com relação ao matrimônio, o maior dogma instituído referia-se à sua indissolubilidade. Até mesmo nas hipóteses em que se autorizava a separação de corpos não havia rompimento do vínculo matrimonial. Séculos se passaram e, mesmo com a independência do Brasil, nada mudava com relação à autoridade da normatização eclesiástica do matrimônio. Apenas em 1890 surgiram as condições favoráveis para a implantação, com o Decreto nº 181/1890 , do casamento civil no Brasil, em que pese ainda continuasse 8 a existir o casamento religioso. Com o surgimento do referido diploma, também passou a existir a separação de corpos, denominada de divórcio, que era regido pelas leis da Igreja. As causas que a justificavam eram as mesmas que depois foram utilizadas para autorizar o desquite no Código de Beviláqua. Além do adultério, admitia-se como causa para a separação de corpos a tentativa de morte, a sevícia ou injúria grave, o abandono voluntário do domicílio conjugal por dois anos contínuos e o mútuo consentimento dos cônjuges que fossem casados há mais de dois anos. Com o advento do Código Civil de 1916, surge no direito brasileiro o instituto do desquite, que era, nas palavras de Pontes de Miranda, "a separação sem quebra do vínculo". Percebe-se, por conseguinte, que a modificação efetuada foi apenas terminológica. O novo instituto introduzido nada mais era do que o divórcio regido pelo Decreto nº 181/1890, mas com outra nomenclatura. Segundo Sílvio Rodrigues, “A palavra ‘desquite’ foi introduzida no direito brasileiro com o Código Civil de 1916. O Decreto nº 181/1890, que instituiu entre nós o casamento civil, ainda utilizava a expressão divórcio, embora não o admitisse com o efeito de romper o vínculo conjugal. De forma que o Código Civil, fora modificações menores, nada inovou ao direito anterior, a não ser o nome do instituto” Frente ao crescimento do movimento divorcista, que aos poucos vinha ganhando força principalmente entre os congressistas, o legislador constitucional se antecipou a uma possível regulamentação infraconstitucional da separação e do divórcio e inseriu a indissolubilidade do casamento na Constituição de 1934, o que conferiu status constitucional a esse preceito. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/8 D181impressao.htm. �21 Não obstante o número de defensores da dissolubilidade do vínculo matrimonial estivesse crescendo em progressões geométricas, as Constituições de 1937, 1946 e 1967 mantiveram-se fiéis à indissolubilidade, frustrando as expectativas de boa parte da sociedade e não permitindo a regulamentação de um fato que já vinha ocorrendo na prática, qual seja, a formação de novas famílias pelos ex-cônjuges desquitados. Somente em 28 de junho de 1977 o divórcio foi oficialmente instituído no Brasil. Em 26 de dezembro do mesmo ano foi regulamentado pela promulgação da Lei nº 6.515/77 . A partir de então, o Brasil eliminava de uma vez por todas o 9 caráter indissolúvel do casamento e a perpetuidade do vínculo matrimonial mesmo após o desquite. Conhecida como Lei do Divórcio, esse diploma revogou os artigos 315 a 328 do Código Civil de 1916, inserindo o divórcio definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, passou a chamar de separação judicial o que até então era conhecido como desquite. Entre os principais aspectos da Lei nº 6.515/77 — Lei do Divórcio — está a regulação da guarda dos filhos na dissolução do casal. Nela, a guarda é conferida apenas a um dos genitores, segundo decisão do Juiz, bem como fiscalizar sua manutenção na educação. No caso da separação judicial em que se atribui a um dos cônjuges a responsabilidade do casamento (teoria de culpabilidade), a guarda dos filhos menores fica com aquele que não houver dado causa – o inocente. Caso ambos sejam responsáveis pela dissolução, os filhos menores de 16 anos ficam com a mãe, salvo se o Juiz verificar que tal solução possa causar prejuízo moral a eles. Ao culpado caberia a responsabilidade pelos proventos. Porém, com a Constituição de 1988 há a queda do princípio de culpabilidade e a criação do princípio de igualdade. Tal dispositivo legal possibilita diferentes formas de proteção voltadas para o interesse dos menores. A CF/88 introduziu relevantes mudança no conceito de família e no tratamento dispensado a essa instituição considerada a base da sociedade. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6515.htm.9 �22 Em 2002 entrou em vigor o Novo Código Civil, lei nº 10.406/02, substituindo o Código Civil de 1916. Essa mudança trouxe inovações acerca das regras do direito da família, como por exemplo, o critério de culpabilidade pela separação, que foi definitivamente revogado e a guarda passa a ser atribuída aquele que tem melhores condições para exercê-la. Coloca fim ao poder pátrio, cedendo lugar para o poder familiar. Já em 2008 entrou em vigor a Lei 11.698, que normatiza duas possibilidades de guarda: a unilateral e a compartilhada. Enquanto a primeira reserva somente à um adulto (genitor ou alguém que substitua) a responsabilidade pelas decisões inerentes à criação do menor, a segunda indica uma situação jurídica onde ambos pais têm a guarda e responsabilidade do filho. É válido ressaltar que quando não se consolida a guarda compartilhada, ainda há uma inclinação dos tribunais de atribuir a guarda à mãe. Cabendo ao pai a visitação quinzenal, o que limita um relacionamento mais estreito com os filhos. E quando o pai pleiteia visitas menos esparsas, o Judiciário costuma alegar que talpedido pode aumentar a desavenças entre os ex-cônjuges. Em 22 de dezembro de 2014 entra em vigor a lei nº 13.058. Essa Lei estabelece o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispõe sobre sua aplicação, para o que modifica os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Ela instituiu que quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. O § 5º afirma que caso o juiz verifique que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. Essa lei trouxe um aparo jurídico aos pais para a divisão das responsabilidades e despesas diante da criação de seus filhos por meio da guarda compartilhada. Além disso, os termos da guarda são estabelecidos legalmente. Assim, há uma participação conjunta na criação dos filhos. �23 Portanto, as normativas visam estabelecer que a separação dos pais não implique na relação entre pais e filhos, e muito menos, no direito de terem a companhia um do outro. 4.3. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA A criança e o adolescente possuem, além de todos os direitos individuais e sociais reconhecidos pela Constituição Federal, direitos distintos dos direitos dos adultos. Direitos chamados de direitos fundamentais especiais, tendo em vista a sua peculiar condição de ser em desenvolvimento. Dentre os direitos fundamentais da infanto-adolescência está o direito à convivência familiar. Entretanto, esse direito é, muitas vezes, ferido quando os pais esquecem que os problemas como cônjuge não devem afetar a relação e afeto entre pais e filhos. Quando o elo conjugal é rompido, deve-se ter em vista que a relação parental deve permanecer a mesma. O Brasil incorporou, em caráter definitivo, o princípio do "melhor interesse da criança" em seu sistema jurídico, e sobretudo, tem representado um norteador importante para a modificação das legislações internas no que concerne à proteção da infância em nosso continente. O interesse da criança é um critério usado juridicamente sempre que a situação da mesma requer a intervenção do magistrado, visando a lhe assegurar um desenvolvimento adequado. A aplicação do princípio de melhor interesse permanece como um padrão considerando, sobretudo, as necessidades da criança em detrimento dos interesses de seus pais, devendo realizar-se sempre uma análise do caso concreto. 4.4. O DIVÓRCIO E A ALIENAÇÃO PARENTAL O fim do elo conjugal, muitas vezes, é caracterizado por conflitos ou situações tensas entre os cônjuges. Tais circunstâncias podem levar o guardião da criança (o detentor da guarda) a adotar medidas que obstruem a relação do filho com o outro genitor, como criar barreiras para a visitação. Quando se chega a esse estado ocorre o que é chamado de Alienação Parental. �24 Nesse sentido, vale apontar a diferença entre Síndrome de Alienação Parental e Alienação Parental, apesar de se complementarem estando intimamente ligadas ou seus conceitos não se confundem. Alienação Parental é desconstituir para a criança, a figura parental de um dos seus genitores por intermédio de uma campanha de desmoralização, e marginalização do seu genitor tendo como objetivo afastá-lo do seu convívio e transformá-lo em um estranho para a criança. Essa campanha não está restrita somente ao guardião da criança, e pode ser praticada dolosamente ou não, por um terceiro ou um agente externo. Há casos em que os avós também promovem a Alienação Parental, sendo possível que qualquer pessoa com ou sem relação parental com a criança pratique esse processo. A Síndrome de Alienação Parental diz respeito aos efeitos emocionais e as condutas comportamentais desencadeadas na criança que é ou foi vítima desse processo. Grosso modo, são as sequelas deixadas pela Alienação Parental. A Síndrome de Alienação Parental, segundo Richard Gardner pode ser entendida como um processo que consiste em programar uma criança para que odeie um dos seus genitores sem justificativas, decorrendo daí que a própria criança contribui na trajetória de campanha para desmoralização desse genitor. Esse cenário gera um sentimento de rejeição a um dos genitores, via de regra incutido pelo outro genitor. Em primeiro momento, sem justificativas, introduz conceitos negativos sobre o progenitor do qual se intenta alienar. Posteriormente, evolui para um completo e irreversível afastamento, não só do genitor alienado, bem como de seus amigos e familiares. Portanto, nota-se que a Alienação Parental tem efeitos gravíssimos. Os danos psicológicos, jurídicos e sociais causados na vida das crianças e adolescentes resultantes dessa prática a partir da desagregação familiar, leva ao rompimento de vínculos parentais e insere a criança em um universo imaginário de afastamento e abandono emocional prejudicando sua formação psíquica, podendo causar danos irreparáveis para o resto de sua vida. Uma vez identificado tal processo, o Poder Judiciário deve abortar o seu desenvolvimento impedindo que a síndrome venha a se instalar e assim, o direito dos filhos à uma convivência familiar sadia se cumpra. �25 5. PAIS ADOTIVOS Por Matheus Faria 5.1. O PERIGO DA MOTIVAÇÃO PARA ADOTAR Existem diversos motivos que levam um casal a adotar uma criança, entretanto, para que ocorra uma adoção com uma boa preparação psicológica é recomendado aos pais que diferenciem com clareza o que os leva a essa escolha. As motivações para a adoção expressam pensamentos conscientes e inconscientes que podem representar futuros entraves no relacionamento com a criança. Em grande partes das vezes, um dos componentes do casal, ou ambos, é estéril. Alguns, após diversas tentativas fracassadas de serem pais, recorrem à adoção para a realização desse sonho, renunciando à imagem do filho biológico, que se pareceria com eles, e empreendem sua incursão no mundo da adoção. Há casais que convivem satisfatoriamente com sua limitação biológica, mas, por vezes, a esterilidade é sentida como uma ferida, que impossibilita o desejo da continuidade biológica e imortalidade dos pais. Nesse caso pode haver sentimentos ambivalentes em relação a criança adotada, que acaba representando a limitação dos pais. A ideia da mãe adotiva ao "ganhar um bebê" e não "ter um bebê" cria uma relevância na representação mental de si mesma. Brinich (1980) diz que enquanto a mãe biológica pensa no filho como "parte dela mesma", a mãe adotiva sabe que a criança era parte de outra pessoa. 5.2. A CRIANÇA ADOTIVA Em estudos clínicos de crianças adotivas e seus respectivos pais, notou-se a 10 importância não apenas de a criança saber que é adotada, mas também de conhecer a história pregressa e possibilitar que toda a família fale sobre os questionamentos referentes ao processo vivenciado. (REIS, 2014) Weber, L.N.D. Aspectos psicológicos da adoção. Curitiba: Juruá; 201110 �26 A criança adotada acaba criando questionamentos próprios, com as particularidades de um adotivo, influenciando na construção de sua identidade. Essas dúvidas criam medo, gerando ideias como por exemplo: do mesmo modo que foram abandonadas pelos pais biológicos, elas poderiam também serem abandonadas pelos pais adotivos, ou um pensamento antagônico, desenvolvendo o pensamento que seus pais biológicos agiriam de maneira melhor que os pais adotivos, criando uma idealização. Relações iniciais com a mãe biológica causam marcas psíquicas, que podem ser mantidas, agravadas outerem um novo significado a partir do contato com os pais adotivos. No início da vida, a mãe biológica detém a preocupação materna primária, entretanto a mãe adotiva não vivenciou esse momento desta forma, podendo dificultar os primeiro contatos mãe e filho. Essa falta de adaptação somada ao medo de ser abandonado, gera uma grande preocupação na criança sobre à sua aceitação, acarretando na repressão de uma parte de si mesmo. Mas também é preciso dizer, que a construção de laços familiares não surge do nada, dependendo das vivências pelos adotivos em cada família. O desconhecimento sobre a própria história pode contribuir para sentimentos de vazio, dificuldades de relacionamento entre outros sintomas da ordem afetivo- emocional. Quando a criança é colocada num novo lar, ela inicialmente pode reagir de forma boa; entretanto, à medida que for se tornando mais confiante, pode sentir-se irritado com a mudança de ambiente ocorrida. Assim, os pais adotivos poderão perceber que se tornam alvo do ódio da criança, necessitando suportar, entender e não desanimar. 5.3. AS EXPECTATIVAS E AS ANGÚSTIAS DOS PAIS ADOTIVOS No trabalho “Notas sobre o Narcisismo” (1914), Freud mostra que os filhos muitas vezes representam a esperança dos pais de realizar seus próprios ideais narcísicos. Os pais adotivos defrontam com a tarefa de absorver as diferenças em relação àquilo que esperavam de seu filho, em função das características peculiares à situação de adoção. A falta de vínculo genético, não ter acompanhado a criança �27 desde seu nascimento, as fantasias em relação aos pais biológicos, entre outros, podem dificultar essa acomodação. A falta de habilidade e de alguns pais adotivos em aceitar as expressões mais instintivas da criança pode estar ligada à descontinuidade biológica. Como a criança "não veio deles", acreditam que sua forma de se comportar "só pode vir daquilo que trazem de seus pais biológicos". Encontramos ainda pais que apresentam dificuldades em admitir a dualidade natural de sentimentos diante de seu filho adotivo. Tendo enfrentado muitos desafios e angústias para poder ter o seu filho, sentem-se inseguros diante dos momentos de irritação ou decepção. Esforçam-se para manter uma visão idealizada da adoção, o que por vezes resulta em sérias dificuldades no estabelecimento de um relacionamento verdadeiro com o filho. Surgem efeitos desastrosos com a idealização do processo de adoção, ainda mais quando a criança adotada, apresenta problemas emocionais de certa magnitude. É muito comum encontrar pais que não têm ideia que necessitaram de uma dedicação e paciência maiores do que o comum com estas crianças. Assim eles são assaltados por sentimentos de decepção, perplexidade e até mesmo arrependimento pela adoção. As vezes ocorre uma identificação de um dos pais adotivos ou de ambos com o filho que passou por uma situação de abandono. Quando crianças, eles próprios se sentiram abandonados e dando um lar ao filho adotivo, sentem como se estivessem recuperando a criança no seu subconsciente. Novamente podem ocorrer dificuldades caso não ocorra uma diferenciação entre os sentimentos dos pais com a criança Fantasias de roubo podem ser identificadas também em pais adotantes, surgindo o sentimento de que teriam “roubado” a criança, apresentando temores de castigo e retaliação, podendo perder o filho a qualquer momento. Os pais biológicos são imaginados inconscientemente como personagens que podem voltar a qualquer momento para reaver o filho. Isso pode ser observado, por exemplo, nos pais que estão permanentemente assustados com ideias de perder a criança, e que passam a superprotegê-la. Este temor corresponde ao mundo fictício �28 dos pais adotivos e também se apoia em alguns fatos reais, como os casos de mães biológicas “arrependidas” que querem seus filhos de volta. 5.4. A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA A evolução do sistema jurídico acompanha, mesmo com ressalvas, a transformação familiar, interpretando a família de acordo com os fatos sociais. A primeira referência de família no Direito Positivo Brasileiro foi o artigo 144 da Constituição Brasileira de 16 de julho de 1934: “A família constituída pelo casamento indissolúvel, está sob proteção especial do Estado”. Desse momento em diante, as Constituições condicionaram a ideia de família a do casamento, onde os filhos “legítimos” eram subordinados ao pai, sendo limitado seus direitos, resumindo-se em educação, criação e sustento. Já, os filho havidos “fora do casamento”, eram discriminados tanto pela lei como pela sociedade, esta subordinação também se estendia a mulher que deveria, unicamente, cuidar da casa, dos filhos e de seu marido. Foi somente com a Lei nº 4.121 de 1.962, conhecida como o Estatuto da Mulher Casada, que se modificou a posição da mulher na sociedade conjugal, além de exercer o pátrio poder conjuntamente com o marido e adquirir capacidade civil, esta lei criou a figura dos bens reservados a mulher. Quanto aos filhos, a Lei nº 883 de 1949 trouxe o reconhecimento do filho ilegítimo, através de ação judicial. Em 1977, a implementação da Lei do Divórcio, pôs termo ao vínculo matrimonial, e também conferiu aos filhos o direito de postular alimentos em face de seus genitores. O que transformou a ideia de família legítima foi a atual Constituição, que abrangeu, além da família fora do casamento e a igualdade entre os cônjuges, proibiu qualquer tratamento discriminatório aos filhos, independente de sua origem. Outrossim, as normas constitucionais consolidaram o afeto como elemento fundamental no estabelecimento da filiação e formação da família. Além disso, acrescentou, entre outros, os princípios da igualdade entre os filhos e o da dignidade da pessoa humana para alicerças a família sociológica. �29 Com isso, o estado passou a reconhecer, outras entidades familiares, as quais não se originam no casamento, quais sejam: a união de fato (art. 226, §3º, da CF), a família monoparental (art. 226, §4º, da CF) e a família adotiva (art. 227,§6º, da CF). Afirmando-se nas normas constitucionais promulgou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 1990, que disciplinou os interesses da criança, fazendo com que o filho deixasse de ocupar a posição de objeto, para ocupar a posição de sujeito na relação familiar e jurídica (art. 15 do ECA). O atual Código Civil, em vigor a partir de janeiro de 2003, possibilitou ao Direito de Família um renascimento para os fatos sociais, isso se denota pela modificação da expressão pátrio poder em poder familiar, seguindo-se do reconhecimento da igualdade da filiação, bem como pela adoção como forma de filiação irretratável. Embora tenha silenciado o código, a respeito da posse de estado de filho, a doutrina referindo-se as legislações estrangeiras, assim como a jurisprudência pátria, abriram espaço para a filiação socioafetiva. Em seu artigo 1.605, o mesmo código, mesmo que implicitamente, abriu as portas do Judiciário para o reconhecimento da posse de estado de filho que se desvincula da origem biológica, bastando a aparência dos papéis sociais de pais e filhos. Por outro lado, a jurisprudência reconhece a posse de estado, como característica fundamental no processo de determinação de paternidade, assegurando a criança e ao adolescente o direito de ter como pais aqueles que lhe garantem amor, sustento e proteção.Assim, a sociedade vem demonstrando um amadurecimento não só jurídico mas também social, no que se refere ao respeito e ao reconhecimento das novas formas de constituição da família. �30 6. PAIS HOMOSSEXUAIS Por Maria Mergener 6.1. A HISTÓRIA DA HOMOSSEXUALIDADE Considera-se como homossexual o indivíduo que se relaciona amorosamente com pessoas do mesmo sexo, e não com pessoas do sexo oposto. A homossexualidaderemonta aos primórdios da história da humanidade, estando presente indiscriminadamente em várias sociedades, desde os povos selvagens até as antigas civilizações, como a romana, a grega, a egípcia e a assíria. Na Grécia, em particular, o relacionamento entre homens era considerado mais nobre e estético do que o heterossexual. A visão da sociedade sobre a prática homossexual se deturpou completamente com o advento do cristianismo, que condenava o amor homossexual explicitamente através da Bíblia. Nos séculos XII e XIII, a legislação previa pena de morte aos inclinados à homossexualidade, o que se acirrou na Santa Inquisição, com a verdadeira perseguição desses indivíduos, que passaram a se refugiar em guetos, isolados da sociedade. Ainda assim, na Idade Média, era comum haver relações homossexuais em lugares de confinamento com homogeneidade de gênero, como no mosteiros e campos militares, para os homens, e nos haréns e internatos, para as mulheres. Com o passar do tempo, novas formas de exclusão e discriminação dos homossexuais foram surgindo, seja por simples constrangimento social ou por factual eliminação (grande exemplo foi o Holocausto). Em contrapartida, também crescia entre os homossexuais a compreensão de uma comunidade e a criação de esforços maiores para o seu reconhecimento. Até 1985, a prática homossexual era considerada transtorno sexual, digno de tratamento, como se doença fosse. Nesse ano, o Código Internacional de Doenças (CID) deixou de considerar distúrbio mental para enquadrar o "homossexualismo" como desajustamento social decorrente de discriminação religiosa ou sexual. Em 1991, a Anistia Internacional caracterizou como violação dos direitos humanos a proibição da homossexualidade. Apenas em 1995, todavia, o CID alterou o sufixo "ismo", que designa doença, fixando a �31 nomenclatura homossexualidade como a correta, sendo o sufixo "dade" equivalente a "modo de ser". No Brasil, D. Pedro I, em 1830, assinou o Código Penal do Império, que eliminava as referências à sodomia. A homossexualidade foi, portanto, descriminalizada. Contudo, somente em 1999 o Conselho Federal de Psicologia definiu que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”, sendo que o mesmo proíbe seus profissionais a oferecer e participar de eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a existência da entidade familiar chamada união homoafetiva entre casais homossexuais. Desta forma, os direitos concedidos a casais homossexuais se assemelham à união estável em alguns aspectos, como pensões, aposentadorias e inclusão em planos de saúde. E em 2013, o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Resolução 175, que proíbe que os cartórios recusem a habilitação ao casamento entre pessoas de mesmo sexo Hoje em dia, ainda são escassos os aparatos judiciais de reconhecimento da parentalidade homossexual, sobre a qual se discorre a seguir. 6.2. AS FORMAS DE PARENTALIDADE HOMOSSEXUAL Em seu artigo sobre o assunto, Elizabeth Zambrano aponta algumas formas de parentalidade homossexual. A primeira ocorre quando uma das partes do casal já teve, previamente, um filho decorrente de relação heterossexual, e a parentalidade da criança é assumida por ambas as partes do relacionamento homoafetivo. A segunda opção é a adoção, legal ou informal. Temores quanto à aceitação do processo adotivo levam o casal homossexual, muitas vezes, a dar início ao processo com apenas uma das partes, por ser mais fácil obter aprovação de uma adoção individual do que a de uma adoção homoafetiva. Quando a adoção é legal, estabelece-se o vínculo de filiação irrefutável, o que implica em direitos e deveres por parte dos pais (ou mães). Na adoção informal, os direitos de filiação não existem, e os laços entre os adotantes e a criança adotada são meramente afetivos. �32 A terceira forma de parentalidade homossexual se dá através de novas tecnologias reprodutivas que possibilitam o nascimento de filhos biológicos, ainda que apenas parcialmente. Para as lésbicas, há o caso da inseminação artificial ou fertilização medicamente assistida. Como o casal lésbico já dispõe de, no mínimo, um útero para a gestação, necessitam apenas do sêmen, que pode ser adquirido através de um doador conhecido ou por um banco de esperma. Devido a possibilidade mais acessível de ter um laço consanguíneo com a criança, casais lésbicos podem tender a optar pelas tecnologias reprodutivas. Para os gays, há a opção da chamada "barriga de aluguel" — quando um dos pais insemina uma mulher, cujo papel seria somente de gestar a criança, abdicando de qualquer filiação com a esta após o nascimento. Todavia, além de uma maior dificuldade, para a realização desse processo, já que requer a presença de uma mulher, ainda há restrições legislativas no Brasil, onde o procedimento da "barriga de aluguel" é considerado ilegal. Por esse motivo, os casais gays possuem a tendência de preferirem a opção da adoção, valorizando mais a parentalidade social do que a biológica. 6.3. QUESTÕES PSICANALÍTICAS Algumas questões particulares devem ser analisadas quanto à parentalidade homossexual. Na família homoparental, ocorre a ausência de papéis fixos entre os membros — isto é, não há a dicotomia pai-mãe, típica do relacionamento heterossexual, onde relega-se o papel materno à mulher e a função paterna ao homem. Isso implica na adoção de um modelo heteronormativo pelo casal homossexual, no qual um dos homens ou das mulheres assumiria a função materna e a outra parte, o papel de pai. Ou, então, acontece uma flexibilização do modelo de família, havendo alternâncias e deslocamentos de papéis e lugares. Da mesma forma, em núcleos familiares de parentalidade homossexual, prevalece a horizontalidade de relações internas, de modo que não há a típica hierarquia paternalista do relacionamento heterossexual que confere ao homem o papel de autoridade. No casal homoafetivo, a dominância de uma das partes vai dizer respeito a alguns assuntos e, a da outra parte, a outros. Não há a clara �33 definição do papel provedor de pai e do papel criador de mãe, posto que se tratam de famílias com dois pais ou duas mães. Esta despadronização do modelo familiar tradicional que ocorre nas famílias homoparentais desencadeia uma série de discussões na psicanálise. Segundo o fundador da psicanálise, Sigmund Freud, o processo de subjetivação do indivíduo tem parte importante no Complexo de Édipo, que Freud vai designar como uma fase universal na infância em que há uma triangulação na constituição familiar (filho, pai e mãe). Nessa triangulação, cabe à mãe o papel de relegar amor incondicional ao filho, que será disputado por ele com o pai, a figura autoritária e disciplinadora. Na família homoparental, não há a triangulação objetiva dos papéis. Propõe-se, em contrapartida, a atribuição da identificação da criança não com o objeto real (a figura do pai ou da mãe), mas com a representação deste. Desse modo, no casal homossexual, qualquer das partes pode assumir a função da mãe — fornecedora de amor incondicional — ou do pai — figura autoritária com a qual disputa-se o afeto maternal, no complexo edipiano. O debate deve-se não concentrar na homossexualidade dos progenitores, em favor do foco na demonstração, para o filho, da flexibilidade dos papéis, através da construção de laços sociais, do estabelecimento de códigos sociais claros e da simbolização de pontos de referência. O medo da indiferenciação por parte da criança resulta, justamente, do não reconhecimento da homoparentalidade, tentando-se impor os padrões heteronormativos de organização familiar a um contexto completamente diverso. Da mesma forma, a releitura do complexo edipianonão implica em uma subversão da mentalidade infantil tão somente pela parentalidade homossexual. Pelo contrário: as deturpações no psiquismo da criança são muito mais recorrentes e decisivas no caso de abandono por parte do pai ou da mãe, na ausência ou perda de uma das partes da triangulação familiar. Por outro lado, casais homossexuais tem uma tendência significativamente menor de propiciarem a desconstrução do núcleo da família em comparação com casais heterossexuais. Esta afirmação também tem respaldo na psicanálise. Os casais homoafetivos que desejam ter filhos encontram um complexo trabalho psíquico: surgem contradições que são vivenciadas pelos membros do casal, por desejarem ter �34 filhos, mas serem incapazes de gerá-los. Fomenta-se um sentimento de luto, porque há a expectativa da continuidade genealógica através da filiação, a qual, contudo, só poder se concretizar com o apelo a um agente externo, representado por pessoas e instituições. Ou seja, o casal homossexual que de fato obtém um filho já superou, além dos obstáculos jurídicos e burocráticos, o fardo do luto no psiquismo, e, portanto, realmente empregará empenho máximo no mantimento daquela família, finalmente construída após tanta dificuldade. O mesmo não acontece nos casais heterossexuais, quando a família pode ser constituída a partir de uma gravidez não planejada ou mesmo indesejada. Nesses casos, o abandono da criança, o descaso dos pais ou a má estruturação da família são realidades comuns. A possibilidade biológica de ter filhos não implica no desejo de tê-los, o qual já é implícito à família homoparental. 6.4. A VISÃO DA SOCIEDADE A visão da sociedade sobre a parentalidade homossexual percorreu um caminho evolutivo longo. Hoje em dia, as principais correntes que se opõem à esta nova forma de parentalidade se pautam em dois principais cernes: a ameaça de destruição da sociedade e os prováveis prejuízos causados às crianças pertencentes a famílias homoparentais. A primeira pauta diz que a constituição de famílias com progenitores homossexuais implica no perpetuamento da homossexualidade em um nível global que culminaria na extinção da espécie humana. Essa vertente se baseia no argumento de que pais homossexuais passariam seus hábitos aos filhos, gerando um ciclo infindável que destruiria a família tradicional. Todavia, não há nenhuma comprovação científica de que a homossexualidade é transmitida hereditariamente, tampouco de que ela seja sequer transmissível. Não há nada que comprove que ter contato com homossexuais terá qualquer influência factual na orientação sexual do indivíduo. Sabe-se que ser homossexual, assim como ser heterossexual, é algo definido no nascimento, e não em uma escolha. Afinal, por que alguém optaria, conscientemente, por ser homossexual, estando ciente dos tipos de discriminação aos quais estaria sujeito? �35 Quanto aos prejuízos para a criança, filha de uma união homoafetiva, já se tendo excluído a fantasiosa ideia de que a criança seria também homossexual, necessariamente, por simples contato com os progenitores, restam apenas os prejuízos relativos ao preconceito. O filho de uma família homoparental pode vir a sofrer tratamentos preconceituosos, ainda que tenha uma criação exemplar e um núcleo familiar amoroso e acolhedor. Percebe-se que aquilo que se opõe à família homoparental é a mesma e única coisa que pode acabar com essa oposição: a própria sociedade. Nesse sentido, os movimentos LGBTTT, e os simpatizantes desses, trabalham na desconstrução de imagens preconceituosas e na redução da discriminação das famílias homoparentais, já tendo obtido incrível progresso ao longo do tempo. O intuito primordial dessa comunidade é conscientizar a sociedade da importância da felicidade da criança e da qualidade da parentalidade, e não à orientação sexual dos pais nem ao cumprimento de leis religiosas ou preceitos morais intolerantes. �36 7. A EVOLUÇÃO JURÍDICA NO PROCESSO DE ADOÇÃO Por Jacqueline Viana Como abordado ao longo deste trabalho, o conceito de família sofreu mutações ao longo da história. O modelo tradicional construído pelo patriarcado foi decaindo por meio das transformações e lutas sociais, possibilitando que novos tipos de família fossem constituídas. No entanto, ainda há resistência de grupos mais conservadores para aceitarem essas novas formas de laços de afeto e amor. Por conta disso, os casais homoafetivos, por exemplo, ainda são estigmatizados pela sociedade. Esse problema se reflete no processo de adoção, dificultando o sonho de pessoas homoafetivas a terem filhos. Quem defere ou indefere os processos de adoção é o Poder Judiciário, composto por diferentes juízes, que ao contrário do que muito se diz, não são imparciais. Todas as pessoas possuem crenças e valores morais próprios e, com base neles, tomam suas decisões. Ainda há juízes muito conservadores que não aceitam a constituição de uma família diferente daquela tradicional que vigorou até meados do século XX. Como a nossa constituição é silente quanto à admissibilidade da formação de uma família homoparental, alguns juízes utilizam a omissão da Magna Carta para negar a composição desse tipo de entidade familiar. Ainda que nossa Constituição Cidadã traga, no caput do conhecido artigo 5º, o princípio da isonomia, e, no inciso IV do artigo 3º, a promoção do bem estar de todos, sem distinção de origem, raça, cor, idade ou outras formas de discriminação. Nem mesmo o ECA prevê obstáculo para adoção em decorrência de orientação sexual do(s) requerente(s). As únicas restrições dispostas na referida lei são quanto à idade mínima de 18 anos do adotante e à diferença de 16 anos entre ele e o adotando . O caput desse mesmo artigo ainda dispõe sobre a irrelevância 11 do estado civil do requerente para a admissibilidade do pedido. A partir disso, é possível afirmar que, para a lei, a composição duplo e, consequentemente, hétero parental não é fator determinante e estritamente necessário. Lei nº 8.069, art. 42, caput e § 3º: 11 "Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando." �37 A negação da adoção aos homoafetivos costumava acontecer em primeira e segunda instância. O STJ só veio a formar jurisprudência sobre o assunto pela primeira vez em 2010, por meio do julgamento do REsp 889.852/RS interposto 12 pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o qual foi desprovido pela 4ª turma por unanimidade e gerou o acórdão cuja ementa segue abaixo: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇAO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. A decisão do STJ fundamentou-se, principalmente: pelo artigo 1º da Lei nº 12.010/09 que estabelece o direito à convivência familiar a todas crianças e adolescentes; pelo artigo 43 do ECA, o qual dispõe que a adoção deve ser deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos; por estudos científicos especializados sobre o assunto realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência e na Academia Americana de Pediatria que "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores" (STJ, 2010); e pelo relatório elaborado pela assistentesocial favorável à adoção, ante a constatação da estabilidade da família. A citada jurisprudência do STJ foi muito importante para solidificar o entendimento jurisprudencial que parecia ser diverso em diferentes comarcas. Mais importante ainda foi a decisão do STF, em 2015, sobre o RE 846.102 interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná, gerando uma jurisprudência vinculante a todos os órgãos judiciais. Por meio desse recurso, o MP – PR queria instituir a limitação à idade mínima e sexo da criança a ser adotada em razão da orientação sexual do casal homoafetivo adotante, entretanto o STF negou provimento ao recurso. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?12 componente=ATC&sequencial=9823377. �38 R E C U R S O E X T R A O R D I N Á R I O . C O N S T I T U C I O N A L . RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA E RESPECTIVAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. ADOÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 4.277. ACÓRDÃO RECORRIDO HARMÔNICO COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (Supremo Tribunal Federal, 2015) A referida decisão foi fundamentada por jurisprudência do mesmo órgão que firmou a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis, por meio do julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, em 2011. O STF atribuiu interpretação conforme à Constituição ao artigo 1.723 do CC “para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva” (STF, 2011). Dessa maneira, o STF afirma em relatório da decisão do Recurso Extraordinário que " se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê". Isto posto, a jurisprudência consolidou-se com a admissibilidade de adoção por casal ou solteiro homoafetivo. Com a vinculação gerada por essas duas importantes jurisprudências dos tribunais superiores, os demais passaram a produzir sentenças favoráveis ao direito de adoção, sem discriminação por orientação sexual do adotante, levando-se em consideração o que é mais importante nessa questão: o bem estar da criança e do adolescente que se encontra desamparado, sem a proteção legal da tutela permanente de um responsável e pela falta de afetividade que só a família é capaz de proporcionar. Pertencer a uma família, seja ela mono, duplo, homo ou hétero parental, ou até mesmo constituída nuclearmente por outros parentes, é a opção mais saudável para uma criança, do que esta crescer e se desenvolver em um abrigo. �39 8. TRANSSEXUAIS Por Bruno Carvalho Apesar do recente progresso de aceitação por parte da sociedade e pelo judiciários de famílias homoafetivas, existem alguns grupos que por, excesso de desconhecimento e pelo preconceito derivado, continuam a ter pouca visibilidade no meio social. Ainda é habitual, por parte do senso comum, a confusão entre termos como transsexual, travesti, intersexual e drag queen , bem como a vinculação desses 13 termos com a ideia de algum tipo de perversão sexual. Além dessa confusão, para Sant'Anna: "O desconhecimento da conceituação do que é ser homossexual, travesti e transexual, reforça o quadro de preconceito, estabelecendo um senso comum que tais identidades pertencem a um mesmo universo." Mesmo com dificuldades, já existem família formadas por transsexuais no Brasil e no mundo na contemporaneidade. 8.1. TRANSEXUALIDADE, TRAVESTILIDADE, INTERSEXUALIDADE E DRAG QUEENS Para que possamos falar em família com pais transsexuais é importante primeiro que diferenciemos os termos que causam maior confusão. Enquanto transsexual vem a ser a sensação de possuir uma identidade de gênero diferente do sexo biológico designado no nascimento, a intersexualidade é denominada pela presença de características sexuais (incluindo genitais, gônadas e padrões de cromossomos) que não são abarcadas pelas noções binárias típicas de sexo masculino ou feminino . Por outro lado, de acordo com a ANTRA , travesti é 14 15 Segundo o Oxford English Dictionary o termo drag existe desde 1870 e pode significar 13 vestes femininas usadas por um homem. De acordo com a campanha Free & Equal promovida pelo Alto Comissariado das Nações 14 Unidas para os Direitos Humanos. Articulação Nacional de Travestis e Transexuais. Veja mais em: https://15 www.facebook.com/antrabrasil/. �40 a pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade. Já as drag queens são pessoas, geralmente homens, que se vestem com roupas femininas de forma satírica e extravagante para o exercício da profissão em eventos. 8.2. PRECONCEITO E SEGREGAÇÃO Diferentemente de gays, que quando não afeminados passam desapercebidos, ou lésbicas, quando não masculinas, transexuais ao se transicionarem se expõem de tal forma que o simples ato de sair de casa 16 ou ir à escola pode se tornar traumático ou perigoso. O preconceito também é institucionalizado na forma do registro civil e no documento de identidade onde fica conservado o nome e o sexo de nascimento . 17 8.3. VIOLÊNCIA SILENCIADORA Apesar da escassa base de dados oficiais a respeito de violência transfóbica , transgêneros são mais propensos a serem vítimas de violência 18 física ou psicológica do que homossexuais no Brasil — pais que mais mata travestis e transsexuais de acordo com a ONG Transgender Europe Termo preferido para identificar transexuais que se aperceberam como tais. 16 A primeira decisão em sede de REsp que não só permitiu a alteração do prenome e do 17 sexo no assento de nascimento, como também proibiu que fosse registrado que a mudança se deveu a decisão judicial ou redesignação sexual de transexual apenas ocorreu em 18 de novembro de 2009. (Resp 1.008.398/SP) O Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil realizado pela Secretaria Especial de 18 Direitos Humanos da Presidência da República em 2012 demonstra que em 82,98% dos casos de violência homofóbica (termo usado para designar violência relacionada ao gênero ou orientação sexual) registrados a vítima não sabia como se autodeclarar. �41 (TGEU) . Na America Latina, a expectativa de vida de uma pessoa trans é 19 de 30 a 35 anos, dependendo do pais . 20 Além de mais propensas à violência, por serem consideradas invisíveis por parte da sociedade, os crimes contra transexuais repercutem pouco ou quase nada no cenário legislativo de maneira geral. (ANTUNES, 2010, p.112) Devido à violência e ao preconceito imposto pela sociedade, a sobrevivência e a busca por uma identidade acabam por se tornar temas de vida ou morte para os transexuais, de modo que outros assuntos como estudos, carreira profissional, casamento e constituição de família não fazem parte do dia a dia. 8.4. CONTEMPORANEIDADE Apesar do histórico de violência e baixa visibilidade, recentemente há uma maior exposição sobre o assunto na mídia, além de mais pessoas se identificando com a transexualidade em conjunto com uma orientação heterossexual . 21 No cenário internacional há o exemplo da medalhista de ouro no decátlon, Caitlyn Jenner, que anunciou publicamente em abril de 2015 ser uma mulher trans na capa de uma importante revista americana . Por ser, 22 até a época, o padrasto da socialite Kim Kardashian, o evento foi amplamente coberto pela mídia americana, em geral em tom positivo.
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