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Lei nº 13.467/2017 - A Reforma Trabalhista
A Desnaturação do Direito do Trabalho sob o Véu da "Reforma Trabalhista "
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA
Doutor em Direito pela Faculdade Mineira de Direito - PUC-Minas (2016), Mestre em Direito pela Faculdade Mineira de Direito - PUC-Minas (2011), Curso de Biopolítica e Direito na University of Stirling, Escócia (2015), Professor Titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), em Brasília/DF, e de seu Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas , Professor da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), na Graduação e na Pós-Graduação Lato Sensu, Membro do Núcleo Docente Estruturante do UDF, Pesquisador do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da UnB e do Grupo de Pesquisa Invisibilidade Social e Energias Emancipatórias em Direitos Humanos da FDV - ambos com os respectivos registros no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, Membro da Rede Nacional de Grupos de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social (RENAPEDTS), Membro do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais, ICJS, de Belo Horizonte/MG, Pesquisador, Advogado. Autor de livros e artigos.
AILANA RIBEIRO
Professora de Direito do Trabalho do Instituto de Educação Continuada da PUC-Minas, Mestranda em Direito do Trabalho, linha de pesquisa "Trabalho, Modernidade e Democracia", pela PUC-Minas, sob a orientação da Profª Pós-Doutora Maria Cecília Máximo Teodoro, Pós-Graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC-Minas, Pesquisadora no Grupo de Pesquisa "Retrabalhando o Direito" (RED), Integrante da RENAPEDTS, Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
SUMÁRIO:Considerações iniciais; 1 Um estigma conveniente; 2 O PLC 38 de 2017 e a desnaturação do direito do trabalho; Reflexão final; Referências.
Quando uma utopia desmorona, é toda a circulação de valores que regulam a dinâmica social e o sentido de suas práticas que entra em crise. É esta a crise em que vivemos. (André Gorz)
RST Nº 338 - Agosto/2017 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA   103
 
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Tão velho quanto recorrente é aquele discurso de que os direitos trabalhistas no Brasil oneram demasiadamente a atividade empresarial e que, portanto, atravancam a expansão da economia brasileira.
Esse é o discurso brasileiro neoliberal vigente, produzido e difundido pela classe dominante (detentora do capital), internalizado e reproduzido pela própria classe dominada (detentora da força de trabalho). Uma crença fabricada, que se tornou um verdadeiro dogma no interior da sociedade capitalista pós-moderna.
O curioso é que, ao se investigar as raízes históricas dos direitos trabalhistas , decorrentes do constitucionalismo, percebe-se que, além do objetivo (talvez, meramente secundário) de se conferir um patamar civilizatório mínimo à classe superexplorada, o grande escopo do reconhecimento formal de direitos aos trabalhadores foi domar a revolta da classe operária para inibir o caos e permitir ao capital continuar a se expandir mediante a exploração da mão de obra alheia. Metaforicamente, pode-se dizer que trabalho e capital são como água e óleo: podem conviver lado a lado, mas cada um em seu espaço; jamais se misturam.
Sob esse prisma, portanto, não restam dúvidas de que os direitos trabalhistas surgem para atender a uma dupla necessidade: da classe trabalhadora, em se manter fisiologicamente viva; do capital, em se manter ideologicamente vivo.
Como assinalou Karl Polanyi, o mercado autorregulado "não poderia existir por muito tempo sem aniquilar a essência humana e natural da sociedade; teria destruído fisicamente o homem e transformado o seu ambiente em um deserto" (Polanyi apud Chomsky, 2007, p. 13).
Assim, muito além de uma generosa concessão do Estado, a proteção social consubstanciada no direito do trabalho, fruto do constitucionalismo social iniciado em 1934 e formalmente institucionalizada no Brasil na "Era Vargas", representou uma necessidade mínima para refrear a atividade destrutiva e irracional do mercado, preservando a fonte de subsistência central da economia capitalista: a relação de emprego (Delgado, 2014, p. 110).
Tal raciocínio nos conduz, então, à percepção de que o ramo justrabalhista institucionalizou-se, sobretudo, para salvaguardar o próprio capitalismo de uma eminente implosão, e não para, de fato, emancipar os trabalhadores da penúria que lhes assolava, dia após dia, dentro e fora dos galpões das fábricas.
Por essa razão, pode-se afirmar que o direito do trabalho edificou-se sobre um arcabouço mínimo - repita-se, mínimo - de direitos, bem distante do ideal almejado pela classe operária, mas suficiente para convencê-la, diante da coatora necessidade de sobrevivência, a permanecer vendendo a sua força de trabalho aos detentores dos meios de produção.
Ocorre que, não obstante estar genuinamente imbuído desse caráter de proteção social mínima, derivado de uma real necessidade e não de uma mera faculdade legislativa, a retórica pós-moderna é de que o direito do trabalho é superprotetor em relação ao trabalhador.
Mas, basta analisarmos o atual cenário sócio-jurídico brasileiro, caracterizado por um descumprimento espontâneo, reiterado e em massa dos direitos trabalhistas - apontado por José Roberto Freire Pimenta (2004, p. 340) como o principal problema da Justiça do Trabalho -, para concluirmos que tachar de superprotetor um instituto que, com muita dificuldade, cumpre o seu objetivo de proteção mínima, atuando muito mais na esfera de reparação do que propriamente de proteção, é uma grande incoerência. Ou seria uma grande conveniência?
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1 UM ESTIGMA CONVENIENTE
Fato é que, num contexto de "capitalismo manipulatório" 1, em que a "racionalização econômica" 2 dita com cada vez mais exclusividade as regras do jogo (da política, da vida, das relações...), tudo aquilo que se reveste de um mínimo propósito social ou humano, em detrimento do puramente econômico, incomoda profundamente todos aqueles que pensam e agem segundo a lógica das relações de poder imposta.
Assim, no bojo de uma sociedade ditada pela razão econômica, nitidamente empenhada em atender aos interesses e caprichos do capital, tudo aquilo que se posiciona como freio, contrapeso, à sua livre expansão é malvisto, malquisto e, portanto, tende a ser difamado.
No que diz respeito ao ramo justrabalhista, apesar de as suas origens estarem indiscutivelmente ligadas à sobrevivência do próprio sistema capitalista, não há dúvidas de que o seu desenvolvimento e expansão ao longo dos anos, viabilizados pela atuação, ainda que meramente reativa, do tripé trabalhador, sindicato e Justiça do Trabalho, tornaram o direito do trabalho muito além de um instrumento do poder, um contrapoder em si mesmo.
Dotado, portanto, desse potencial regulador (ainda que mínimo) sobre o capital, o verdadeiro mote do direito do trabalho, ao menos no plano dos ideais, consiste em restringir "o livre império das forças de mercado na regência da oferta e da administração do labor" para impedir a total mercantilização e degradação da força de trabalho humana (Delgado, 2014, p. 54).
Assim, na medida do possível, tendo em vista as barreiras impostas pelo sistema no qual atua, ao direito do trabalho cumpre "o papel de humanizar o sistema capitalista, notadamente, em razão de seu poder cogente, da sua aptidão redistributiva e da sua finalidade de promoção da igualdade substancial - ainda que relativa, já que vivemos num sistema intrinsecamente desigual" (Viana e Teodoro, 2017, p. 333).
RST Nº 338 - Agosto/2017 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA   105
 
Tudo isso, no plano teórico, pode ser até aceito pela classe empresarial dominante, que, ao optar por contratar um empregado, manifesta a sua concordância tácita diante do compromisso justrabalhista de promover uma mínima redistribuição de renda e preservar a dignidade do trabalhador. Contudo, no plano prático, reza a lenda do capital que esse "tal direito do trabalho" está posto para ser descumpridoou, no máximo, parcialmente cumprido, já que o cumprir à risca pode significar redução da competitividade e da margem de lucro da empresa.
Assim, em prol da nobre finalidade de maximizar o lucro empresarial, o descumprimento do patamar mínimo (repita-se, mínimo) de direitos trabalhistas , previstos, sobretudo, pela Constituição Federal de 1988 e pela Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, tornou-se prática corriqueira e amplamente aceita pela moral vigente.
Convém realçar que foi a partir da segunda metade do século XX, num contexto de reestruturação produtiva vivenciada pelo capital, caracterizada pela flexibilização dos modos de produção e das relações produtivas, e "financiada" pela política neoliberal então dominante, que o lendário discurso de que o direito do trabalho, superprotetor que é, onera demasiadamente a atividade empresarial, elevou-se ao patamar de dogma.
Esse dogma é professado, inclusive, pelo Consenso de Washington (1989), que, a pretexto de ofertar a fórmula mágica para a retomada da expansão econômica ocidental, impôs aos países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, a adoção de 10 postulados, dentre os quais se encontrava a "desregulamentação trabalhista ".
Desde então, o direito do trabalho, historicamente estigmatizado em virtude de representar, ou ao menos pretender representar, uma força reguladora do cointeresse da classe empresarial dominante, torna-se alvo de uma explícita campanha política e econômica em prol da sua desregulamentação, eufemisticamente difundida no Brasil como "flexibilização trabalhista ".
E os reflexos práticos desse ideal de flexibilizar o direito do trabalho não tardaram a surgir, traduzindo-se nas mais diversas medidas executivas, judiciárias e, sobretudo, legislativas, dentre as quais se destacam a consagração da prescrição quinquenal e não mais trintenária do FGTS; o cancelamento da Súmula nº 277 do TST, que previa a ultratividade das negociações coletivas, de modo que, finda a vigência de um instrumento coletivo, os direitos por ela previstos deixam de incorporar os contratos individuais de trabalho mesmo diante da recusa ou mora da empresa em renegociar com o sindicato; os julgados do STF reconhecendo a prevalência do negociado sobre o legislado, mitigando a aplicação de normas de ordem pública em nítida prejuízo ao trabalhador; a promulgação da Lei nº 13.429, de 2017, que legitimou o instituto da terceirização trabalhista , em franca ofensa à dignidade humana; e, por último, a aprovação pela Câmara do Deputados e pelo Senado, em regime de urgência, da dita "Reforma Trabalhista ".
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2 O PLC 38 DE 2017 E A DESNATURAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
Eis que em dezembro de 2016, sob a égide do governo de Michel Temer, que assumiu a Presidência do país em virtude do impeachment da Presidenta eleita, Dilma Rousseff, passa a tramitar um tímido (mas não despretensioso) projeto de lei, autuado como PL 6.787/2016, propondo a alteração de alguns poucos dispositivos legais reguladores das relações trabalhistas - 7 artigos da CLT e 8 artigos da Lei nº 6.019/1974 3, que, em síntese, objetivavam promover três significativas mudanças no estuário normativo trabalhista : alteração no trabalho temporário; a prevalência do negociado sobre o legislado em questões pertinentes ao salário, à jornada e às férias,;e alteração na jornada do trabalho a tempo parcial.
Como já discutido acima, a fama de antiquada e superprotetora atribuída à legislação trabalhista brasileira, sobretudo à CLT, ganhou destaque no contexto de crise econômica e de consequente reestruturação produtiva do capital, vivenciadas a partir dos anos finais do século XX. Desde então, culpabilizar o direito do trabalho tornou-se conveniente para a classe empresarial, que, atingida pelos efeitos de uma crise econômica de ordem estrutural, tornou-se a grande porta-voz da necessidade de se esterilizar direitos trabalhistas em prol da saúde econômica da empresa, fonte geradora de empregos. Na realidade, o que se presenciou foi a tônica do antigo nazismo: repetir a mesma mentira mil vezes, para lhe conferir ar de verdade.
Assim, o que se passou a denominar de "reforma trabalhista ", profetizada como condição básica e suficiente para reavivar a economia brasileira, tornou-se amplamente difundida pelos meios midiáticos e reproduzida por parcela expressiva dos seus receptores - já que, como dito por Marx e Engels, por ocasião do "Manifesto Comunista", a ideologia dominante tende a ser a ideologia da classe dominante.
E uma vez que motivada pelos interesses de quem realmente goza de influência política expressiva no Brasil, não foi de se estranhar o fato de, após poucos meses de efetiva tramitação, ter sido votado e aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados um texto substitutivo para o PL 6.787/2016, elevando de 7 para 100 o número de artigos da CLT a serem alterados em nome da "reforma trabalhista " - que, desde então, tornou-se o PLC 38/2017.
Dentre as diversas alterações propostas pelo PLC 38/2017 - já aprovado pelo Senado e prestes a ser sancionado pelo Presidente da República -, um ponto em comum: o objetivo de extirpar do ordenamento jurídico vigente direitos arduamente conquistados pela classe trabalhadora.
Assim, valendo-se das palavras de Jorge Luiz Souto Maior 4, pode-se dizer que o PLC 38/2017 não representa "nada além do que uma espécie de reunião de teses jurídicas empresariais, trazidas ao conjunto do Projeto pelo impulso da somatória de vaidades pessoais e até mesmo por sentimento de vingança de alguns". Pode-se afirmar, ainda, que de "reforma " nada tem a "reforma trabalhista ", já que a semântica da palavra reforma reflete a ideia de mudança voltada a um melhoramento - e, sob o prisma do trabalhador, destinatário legítimo da proteção justrabalhista, nenhum melhoramento pode ser verificado. Senão vejamos algumas das alterações trazidas pela pretensa reforma :
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- institui a figura do trabalho intermitente, autorizando a prestação de serviço subordinada mediante alternância de períodos de atividade de inatividade, sem remunerar o empregado pelo tempo em que se encontrar aguardando o chamado do empregador;
- reduz os custos e, portanto, estimula a prática da dispensa imotivada ao extinguir a obrigatoriedade da rescisão de contratos com mais de um ano de vigência ser realizada perante o sindicato ou autoridade do Ministério do Trabalho, bem como ao conceder o prazo de 10 dias do término do contrato para a liberação das guias para habilitação e saque do seguro-desemprego e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), bem como para o pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação;
- legitima a dispensa em massa de empregados, determinando a não exigência de autorização prévia de entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo em tais situações;
- confere aos Planos de Demissão Voluntária ou Planos de Demissão incentivada o poder de quitação geral e irrestrita, considerando que o plusrecebido pelo trabalhador no ato da dispensa é o preço do seu silêncio, impedindo-o de discutir no Judiciário toda e qualquer irregularidade praticada no decorrer da relação de trabalho;
- extingue o direito às horas in itinere, dispondo que o tempo de deslocamento até o local de trabalho em transporte fornecido pelo empregador quando a empresa situa-se em local de difícil acesso e sem a cobertura por linhas de transporte público não mais deve ser remunerado como tempo à disposição do empregador;
- estimula o descumprimento dos intervalos intrajornada pelo empregador ao determinar que, quando suprimidos, serão remunerados com natureza indenizatória e em percentual de 50% sobre o período suprimido e não mais sobre o período completo do intervalo, como até então ocorria;
- permite que a gestante ou lactante trabalhe em locais com grau médio e mínimo de insalubridade, de modo que, se a empresa não contar com outra ocupaçãocompatível com a condição especial da gestante, poderá simplesmente afastá-la da empresa, transferindo os custos do seu afastamento para a Previdência;
- extingue a contribuição sindical obrigatória, retirando importante e, por vezes, única fonte de receita das já fragilizadas organizações sindicais, inviabilizando de vez a possibilidade de se contar com entidades sindicais de fato combativas, munidas de força para conquistar patamares mais elevados de direitos em prol da categoria representada.
E não é preciso ser um expert em direito do trabalho, nem mesmo ter qualquer conhecimento técnico de Direito para notar que as alterações expostas acima - bem como as inúmeras outras trazidas pelo PLC 38/2017 - representam concessão de benesses aos empregadores às custas da precarização ou mesmo retirada de direitos do trabalhador.
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O que se presencia, portanto, é uma franca inversão dos valores norteadores do direito do trabalho, que passa a se aproximar muito mais dos interesses do capital do que dos interesses da classe trabalhadora, cuja luta representou a grande fonte material do surgimento e consolidação do ramo justrabalhista.
Assim, conforme advertido por Ribeiro e Abreu (2016, p. 113), ao se preconizar um direito do trabalho "modernizado", flexível diante dos interesses empresariais, o que mais se pretende se não permitir que os pretensos regulados (os detentores do capital) controlem seu regulador (o direito do trabalho)? Essa pergunta reflexiva nos conduz à percepção de que um direito do trabalho que incorpore os ditames flexibilizatórios do capitalismo não é, ao contrário do que se pretende difundir, um direito laboral aprimorado, "reformado", que esteja simplesmente exercendo a sua capacidade de adequação ao dinamismo social, mas, sim, um direito do trabalho subvertido, corrompido, desnaturado.
E dentre as tantas expressões passíveis de expressarem o que o PLC 38/2017 de fato provocou sobre o direito do trabalho, considera-se que a desnaturação (abaixo ilustrada), definida como "um fenômeno no qual o estado inicial bem definido de uma proteína formada sob condições fisiológicas é transformado em uma estrutura final mal definida sob condições não fisiológicas, usando-se um agente desnaturante", representa, com franqueza e autenticidade, todo esse processo que insistem em chamar de "reforma trabalhista ".
 
 
Nota-se que, em seu sentido original, o processo de desnaturação, estimulado por um agente externo desnaturante, que pode ser, por exemplo, o calor, provoca a drástica alteração das estruturas da proteína, de modo que a sua identidade é transmutada. O resultado é uma proteína desprovida da sua atividade biológica característica 5.
Assim, o PLC 38/2017 e o seu arcabouço de teses empresariais advogando contra a proteção jurídica da classe trabalhadora podem ser comparados a um agente desnaturante, apto a promover uma verdadeira transmutação das estruturas identitárias do direito do trabalho. O resultado? Certamente - e lamentavelmente - será um direito do trabalho desprovido da sua atividade orgânica característica.
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3 REFLEXÃO FINAL
Como já preconizado por Paul Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista, uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade. Tornou-se. O discurso falacioso de que o superprotetor direito do trabalho é o grande entrave à expansão da economia e à própria geração de empregos, martelado em nossas cabeças pela mídia, dia após dia, prosperou e passou a gozar, inclusive, de um respaldo legislativo: o PLC 38/2017.
Não há dúvidas de que esse Projeto, prestes a se tornar lei, representa uma estratégia político-econômica conservadora e neoliberal voltada a tornar ainda mais incisivo o controle da força de trabalho pelo mercado, ou, em outros termos, o controle da classe trabalhadora pelo capital. A ideia é desnaturar o direito do trabalho para fragilizar e pressionar, individualmente, os trabalhadores, eliminando-se do mercado de trabalho mecanismos considerados "anticompetitivos" sob o prisma empresarial.
Assim, com uma objetividade suspeita e preocupante, está posta a fórmula de que o aumento da "pressão exercida sobre os empregados (um crescimento qualitativo e quantitativo da oferta de trabalho juntamente com uma restrição da política salarial)" aumentará significativamente a propensão de investimentos pelo capital, que será revertida em oferta de empregos (OFFE, 1985, p. 89).
Contudo, conforme bem advertido por Claus Offe, (1985, p. 91), essa fórmula neoliberal, quase matemática, parece ignorar o fato de que os investidores, logo que se verem livres dos altos custos dos salários e demais verbas trabalhistas , serão defrontados com o problema da "demanda insuficiente", já que trabalhadores mal pagos são, também, consumidores com baixo poder aquisitivo. Assim, para evitar a redução do lucro sagrado, promovida pela redução na demanda, as empresas deixarão de contratar mais empregados - ou, ainda, dispensarão em massa os já existentes -, produzindo um efeito totalmente reverso ao pleno emprego pretendido.
Portanto, tendo em vista a elevada probabilidade de que a "reforma trabalhista " - enquanto instrumento de desnaturação do direito do trabalho mediante a mutilação das suas estruturas protetivas - não sirva para nada mais além de aumentar a fossa existente entre trabalho e capital, intensificando a exploração do homem pelo homem, submetermos simplesmente ao curso das coisas não pode ser a posição adotada.
Enquanto cidadãos minimamente conscientes, não podemos seguir o fluxo do retrocesso social por acreditar não existir solução. Soluções existem. Mas, para existirem, precisam ser criadas por mentes pensantes e realizadas por forças humanas atuantes. Pensemos e lutemos!
110   RST Nº 338 - Agosto/2017 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
 
REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2011.
CHOMSKY, Noam. O governo no futuro. Trad. Maira Parula. Rio de Janeiro: Record, 2007.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014.
GORZ, André. Metamorfoses do trabalho: crítica da razão econômica. Trad. Ana Montoia. São Paulo: Anablumme, 2003.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. Trad. Editora Brasiliense. São Paulo: Brasiliense, 1985.
RIBEIRO, Ailana; ABREU, Nara. Um novo espírito para o direito do trabalho?In: Direito do Trabalho - Cenários contemporâneos. Belo Horizonte: RTM, 2016.
VIANA, Marcio Tulio; TEODORO, Maria Cecília Máximo. Misturas e fraturas: do poder diretivo à concepção do trabalho como necessidade. Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 114, 2017. Disponível em: <http://www.pos.direito.ufmg.br/rbep/index.php/rbep/article/view/467/391>. Acesso em: 5 jun. 2017.

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