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MUITO ALÉM DA GENÔMICA
 
Hoje em dia, com o advento da manipulação gênica, principalmente, é comum ouvimos falar no poder dos genes em determinar todas as características de um indivíduo quer seja este uma planta, um animal, um vírus ou uma bactéria. Com o mapeamento e sequenciamento do genoma humano chega-se a afirmar, por exemplo, que agora saberemos tudo sobre a natureza humana; o que não deixa de ser uma visão muito reducionista e exagerada do poder do gene, por si só, na determinação do fenótipo individual. Para começar temos que ter em mente que conhecer as partes isoladas de um sistema complexo como um organismo, não basta para podermos explicar como este funciona; temos, sim, que compreender as interações entre as suas partes. Sem dúvida que a constituição genética de um indivíduo é fundamental para a determinação das suas características; entretanto, sabe-se há muito que o gene não atua sozinho na formação do fenótipo, pois existe, também, um componente ambiental, ou melhor, uma interação do ambiente com o genótipo que leva a formação do fenótipo. Entenda-se por ambiente, todo o meio que envolve os genes e que atua sobre estes direta ou indiretamente. Pode ser o ambiente molecular, celular, bem como, o ambiente externo ao indivíduo. Fatores aleatórios independentes do ambiente e do genótipo têm, também, a sua importância para a expressão do fenótipo. O mesmo podemos dizer das interações entre genes, como a epistasia, e da ação conjunta de dois ou mais genes na determinação de uma única característica. A morfogênese, um processo complexo e ainda pouco estudado, também vem fornecendo novos insights para a compreensão da complexidade fenotípica. Vamos agora, olhar com mais atenção alguns destes fenômenos, para tentarmos compreender a magnitude de tal complexidade.
 
Normas de Reação
Um interessante fenômeno relacionado às interações entre genótipo e ambiente é a chamada norma de reação, variações no fenótipo individual em decorrência das diferenças ambientais as quais foi submetido determinado genótipo. Cada genótipo tem a sua própria norma de reação, ou seja, se expressa em diversos fenótipos quando submetido a diferentes condições ambientais.
A figura abaixo mostra a norma de reação para três diferentes genótipos relacionados ao tamanho do olho (número de facetas ou células que compõe o olho composto) de Drosophila melanogaster, a mosca das frutas. O eixo horizontal do gráfico mostra a temperatura na qual as moscas se desenvolveram. O eixo vertical mostra a variação no tamanho do olho. Os três genótipos analisados foram: tipo-selvagem (populações naturais), ultrabar e infrabar (genótipos anormais para o tamanho do olho). As normas de reação ficam caracterizadas quando observamos que para o tipo-selvagem o tamanho do olho decresce quando a temperatura aumenta. As moscas de genótipo ultrabar (anormal), sob quaisquer temperaturas de desenvolvimento apresentam olhos menores que as do tipo-selvagem, sendo que o tamanho dos olhos também decresce, porém mais acentuadamente, com o aumento da temperatura. As moscas infrabar apresentam tamanho do olho também menor que as do tipo-selvagem, entretanto, com o aumento da temperatura, o tamanho do olho nestas moscas, tende a aumentar, ao contrário dos outros dois genótipos. Assim as diferenças ambientais, no caso a variação da temperatura, as quais as moscas foram submetidas, interagiram com cada um dos três genótipos estudados de maneiras diferentes, levando a uma variação no fenótipo, no caso o tamanho do olho. É interessante notarmos que as retas das infrabar e ultrabar se cruzam numa determinada temperatura, o que significa que dois genótipos distintos podem resultar num mesmo fenótipo (número de facetas) dependendo do ambiente (temperatura).
 
 
 
Outro exemplo de norma de reação pode ser visto na próxima figura onde sete tipos de uma planta do gênero Achillea foram desenvolvidas em três altitudes diferentes: grande altitude (3.050 metros), altitude média (1.400 metros), e pequena altitude (30 metros). Os sete tipos de Achillea estão indicados por números. Olhando-se a figura no sentido vertical, podemos ver o comportamento de cada tipo nas três diferentes altitudes. Vemos que a maioria das plantas se desenvolveu muito mal em altitudes médias, com exceção da planta 24, que mostra uma tendência oposta, desenvolvendo-se melhor nestas altitudes. Já a planta 4 desenvolveu-se muito pouco em altitudes médias, porém desenvolveu-se muito bem tanto em grandes altitudes como em pequenas altitudes.
 
 
Os dois exemplos descritos acima mostram, assim, que a relação entre genótipo e fenótipo é complexa, e que as alterações nos fatores ambientais podem ser decisivas na expressão das características fenotípicas. Assim podemos dizer que um mesmo genótipo pode resultar em fenótipos diversos, dependendo do ambiente; e, genótipos distintos podem resultar em um mesmo fenótipo, dependendo, também, do ambiente.
 
Ruído de desenvolvimento
Existe outro fenômeno, também, que leva a variação do fenótipo, porém é totalmente independente do ambiente, do genótipo e da interação destes. Este é um fenômeno aleatório denominado de ruído do desenvolvimento, e que pode levar a mudanças consideráveis no fenótipo. No exemplo da Drosophila, vimos que uma mosca do tipo-selvagem, à temperatura de 16° C, apresenta em média 1000 facetas em cada olho. Todavia uma análise mais detalhada mostra uma variação entre os indivíduos estudados que vai de 980 à 1020 facetas em cada olho. Poderíamos tentar explicar esta variação por leves flutuações ambientais, ou pequenas diferenças no genótipo. Entretanto as variações ocorreram entre cada olho da mesma mosca, uma mosca tinha 1017 facetas no olho esquerdo e 982 no olho direito; outra mosca apresentava mais facetas no olho esquerdo do que no direito. Concluímos que não devem ser variações genéticas, pois os olhos esquerdo e direito de uma mesma mosca tem a mesma constituição genética. Poderiam tais variações ser devido a alguma oscilação de fatores ambientais? Segundo o experimento, cada mosca, na sua fase larval, desenvolveu-se enterrada num alimento, e na fase de pupa desenvolveu-se colada ao frasco verticalmente. O ambiente não difere muito entre cada olho da mosca, portanto este fator também está descartado. De onde viriam tais variações?
Sabemos que muitas das variações da forma e do tamanho dependem parcialmente do processo de divisão celular que transforma o zigoto em um organismo multicelular. Tais divisões são sensíveis a eventos moleculares dentro da própria célula, os quais podem ter um componente aleatório relativamente grande. Este tipo de variação aleatória pode ocorrer em vários caracteres fenotípicos como o número de pelos e os neurônios de um sistema nervoso central bem complexo. É bom lembrar que em Drosophila o ruído de desenvolvimento é a maior fonte de variações fenotípicas observadas.
 
Epistasia, Características Poligênicas e Pleiotropia
A complexidade da expressão do fenótipo é muito maior do que parece. Vimos acima, como as interações entre gene e ambiente, e como fatores aleatórios, podem direcionar a expressão dos genes em fenótipos variados. Devemos relevar também, outros fatores e processos, importantes para a expressão fenotípica. Assim, genes em um loco podem influenciar a ação de outros genes em outros locus, a chamada epistasia. Sabemos também que grande parte das características de um organismo são controladas pela ação de um ou mais genes, ou seja, são características poligênicas. Como exemplo podemos citar as mutações que ocorrem no loco white em Drosophila. Quando ocorrem tais mutações o precursor para o pigmento do olho, nesta espécie, não é formado; então, ocorre que, subseqüentemente, outros locos formam tais precursores suprindo aquela deficiência. De outra maneira, cada gene pode controlar mais de um caráter, fenômeno chamado de pleiotropia. Este é o caso do gene mutante acondroplasia no rato, que é incorporado em vários tecidos. Este gene podeafetar diversas funções, como a incapacidade de mamar, circulação pulmonar deficiente, oclusão dos dentes incisivos e desenvolvimento retardado, resultantes da formação anormal da cartilagem no início do desenvolvimento, e que é devido àquele gene mutante.
 
A Biologia do Desenvolvimento
Somando-se a todos estes fenômenos, podemos acrescentar os ainda pouco estudados mecanismos do desenvolvimento. Após a fecundação o ovo fertilizado começa a sofrer os processos de citodiferenciação, ¾ quando as células adquirem diferentes feições estruturais ¾ , e morfogênese ¾ formação tridimensional dos tecidos. Na morfogênese ocorre movimento e migração celular, adesão celular, controle localizado de divisão celular, interações entre tecidos e morte celular. Por exemplo, existem padrões de adesão específicos para cada célula, pelos quais células de um mesmo tipo aderem entre si de maneira mais eficiente, fenômeno que é importante para direcionar a forma dos tecidos. Outro fenômeno relacionado a biologia do desenvolvimento é a chamada indução, onde determinados grupos de células induzem outras células a adquirir as suas formas típicas. Este é o caso das células da notocorda que induzem a diferenciação do sistema nervoso central nos vertebrados. Sabemos também que grande parte da informação para se formar um embrião, informação esta que reside nos genes, é traduzida em estruturas que tem a sua própria informação, e que desenvolvem a suas atividades independente dos genes. A arquitetura da célula, e a alteração desta arquitetura pela interação das forças de tensão e compressão, também vêm fornecendo uma nova compreensão de como as células podem ser dirigidas para programas genéticos diferentes. Assim, a mudança da geometria e da mecânica do citoesqueleto pode afetar as reações bioquímicas e mesmo alterar os genes que são ativados e deste modo as proteínas que são produzidas.
 
A importância de todos estes fenômenos e processos, está, de certa maneira, muito além do "simples" mapeamento e sequenciamento dos genes; e, talvez, sejam tão importantes para um melhor entendimento de como funciona a expressão de todas as características fenotípicas, até mesmo aquelas relacionadas a doenças. Ian Wilmut, em Dolly a Segunda Criação (Editora Objetiva), faz uma interessante reflexão sobre este tema: " ...os genes não operam isoladamente. Eles estão em diálogo constante com o resto da célula, que por sua vez, responde a sinais de outras células do corpo, que por sua vez estão em contato com ambiente externo... O diálogo entre os genes e o ambiente que os circunda é, até certo ponto, conhecido, mas precisamos conhecer muito mais. Este diálogo controla o desenvolvimento de um organismo a partir de uma única célula em uma ovelha ¾ ou, na verdade, em um ser humano ou um carvalho. Ele determina que algumas células dentro de um animal formem cérebro, enquanto outras formam fígado ou pulmões, ou centenas de outros tecidos; em outras palavras, o diálogo molda o processo de diferenciação. Malformações ou defeitos de nascença são às vezes causados por defeitos nos próprios genes ¾ mutações nocivas ¾ , mas também resultam de interrupções no diálogo entre os genes e o ambiente que os circunda, causadas, por exemplo, por toxinas ou infecções. O diálogo entre os genes e o ambiente que os circunda continua depois que o animal nasce e durante toda a sua vida, e, se ele não se processa corretamente, os genes saem fora de controle; as células crescem desordenadamente e o resultado é o câncer. Em resumo, depois que conhecermos e compreendermos como os genes interagem com o ambiente que os cerca ¾ a natureza do diálogo ¾, então, verdadeiramente, começaremos a apreciar como os organismos realmente funcionam e se desenvolvem e o que está errado quando há doença. Este conhecimento é ciência."

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