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A Questão do Lar Conjugal ao Filho Havido Fora do Casamento: Uma Afronta aos Princípios Constitucionais

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A QUESTÃO DO LAR CONJUGAL AO FILHO HAVIDO FORA DO CASAMENTO: 
UMA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 
 
 
SUMÁRIO: 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS; 2 BREVE RELATO DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO 
DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL; 3 A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E OS PRINCÍPIOS 
CONSTITUCIONAIS EM CONFLITO COM A NORMA; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 
REFERÊNCIAS. 
 
Gabriel Francisco Lietz1 
 
RESUMO: O presente trabalho visa trazer o teor da norma preceituada no artigo 1.611 do Código 
Civil Brasileiro de 2002, a qual trata da possibilidade condicionada do filho havido fora do casamento 
reconhecido por um dos cônjuges de residir no lar conjugal à luz dos princípios inerentes às famílias, 
como o da afetividade, bem como daqueles consagrados pela nossa Carta Magna, como o da 
paternidade responsável, tendo como objetivo evidenciar o conflito trazido pela lei em questão com 
tais princípios e da divergência doutrinária existente em decorrência das diferentes formas de sua 
interpretação. Utilizou-se como metodologia a pesquisa explicativa, sendo a análise do assunto 
realizada baseando-se no contexto histórico, legislativo e doutrinário acerca do tema. Como resultado 
constatou-se que a possibilidade de coexistência do dispositivo legal com os princípios norteadores 
das entidades familiares depende do modo como será interpretada e aplicada ao caso concreto, para 
que não incorra no grave equívoco de prejudicar a convivência familiar discriminando o filho havido 
em decorrência de uma relação extramatrimonial. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Melhor interesse do menor. Paternidade responsável. Proteção integral. 
Convívio familiar. Tratamento igualitário. 
 
ABSTRACT: This work pretends to bring the rule in the article 1.611 of the 2002 Brazilian Civil Code, 
which deals with the conditioned possibility to the child that has been conceived outside marriage 
recognized by one of the spouses to reside in the marital home observing the principles inherent to the 
families, as affectivity as well as those enshrined in our Constitution, such as responsible parenthood, 
aiming to highlight the conflict brought by the law in question with these principles and about the 
doctrinal divergence due to the different forms of interpretation. It was used as methodology the 
explanatory research and the analysis of the subject carried out based on the historical context, 
legislative and doctrine on the theme. As a result it was found that the possibility of coexistence of the 
legal device with the guiding principles of family entities depends on how it will be interpreted and 
applied to the case, not to incur the serious mistake to harm family life itemizing the child due an 
extramarital relationship. 
 
KEYWORDS: Child's best interest. Responsible parenthood. Full protection. Family Living. Equal 
treatment. 
 
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
 
O presente artigo estruturou-se em dois capítulos temáticos. O primeiro 
aborda um resumo acerca da evolução da legislação brasileira no que tange à 
família, de forma a sintetizar a sua constituição e forma como era na época em que 
vigia o Código Civil de 1916 e do modo como foi transformando-se com o decorrer 
 
1
 Acadêmico da 5ª Fase do Curso de Direito no Centro Universitário Católica de Santa 
Catarina – Jaraguá do Sul. E-mail: gabriel.lietz@catolicasc.org.br. 
dos tempos, trazendo consigo importantes alterações legislativas até a consolidação 
desses valores éticos e morais pela Constituição de 1988. Esta nova estrutura 
trouxe nova base jurídica para auferir o respeito aos princípios constitucionais, tais 
como a igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana. Esses princípios 
também foram transportados para a seara do Direito de Família e a partir deles foi 
transformado o conceito de família, que passou a ser considerada uma união pelo 
amor recíproco. 
O segundo capítulo passa a abordar os diferentes posicionamentos da 
doutrina sobre o artigo objeto do presente trabalho, expondo a base que tomam os 
doutrinadores para interpretar como correto seus respectivos ponto de vista, sendo 
até possível observar que existem variadas formas de compreender um mesmo 
princípio e a forma como este deverá preponderar quando confrontado com outro. 
 
2 BREVE RELATO DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO DE FAMÍLIA NO 
BRASIL 
 
No capítulo em questão abordar-se-á, de modo compacto, as modificações 
sofridas pelas normas que tratam dos direitos e deveres que envolvem a família, 
bem como da modernização do próprio conceito. 
O marco histórico foi a promulgação da lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916 cujo 
autor foi Clóvis Beliváquia. Valorizava mais o “ter” do que o “ser”, totalmente 
patrimonialista e individualista. 
Paulo Lôbo divide a evolução do direito de família brasileiro em três grandes 
períodos: 
 
“I — do direito de família religioso, ou do direito canônico, que perdurou por 
quase quatrocentos anos, que abrange a Colônia e o Império (1500- 1889), 
de predomínio do modelo patriarcal;” 
“II — do direito de família laico, instituído com o advento da República 
(1889) e que perdurou até a Constituição de 1988, de redução progressiva 
do modelo patriarcal;” 
“III — do direito de família igualitário e solidário, instituído pela Constituição 
de 1988” (2011, p. 40, 41). 
 
O Código Civil de 1916, tendo tido vigência por quase um século, preceituava 
a obrigatoriedade do vínculo matrimonial como única alternativa de se iniciar uma 
família legítima, sendo, no entanto, ilegítima toda e qualquer outra forma de se 
constituir uma família, ainda que nela existisse vínculo afetivo. A união oriunda 
desse vínculo era indissolúvel, o que tornava essa entidade rígida e muito distante 
do que nos tempos de hoje é considerada como a espinha dorsal dos 
relacionamentos: o afeto. Essa impossibilidade de dissolução decorria da grande 
influência exercida pelo catolicismo à época, pois era o cristianismo quem levava o 
casamento ao sacramento. 
As leis dessa época instituíam o modelo de família patriarcal, deixando de 
prestar tutela jurisdicional às demais espécies de família assim como discriminava os 
filhos havidos fora do casamento, tidos como ilegítimos, distinguindo entre os 
intitulados legítimos, estes havidos da relação matrimonial. Em caso de desquite, a 
guarda era assegurada ao cônjuge não culpado pelo fim do relacionamento, em 
clara predominância do interesse de uma das partes em detrimento dos interesses 
do filho. 
De grande avanço foi a promulgação em 1949 da lei nº 883 que dispunha 
sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos garantindo a estes o direito a alimentos, 
herança e igualdade de direitos, independentemente da filiação. Daí em diante foi 
vedada a classificação de “ilegítimo” no registro civil, estando superada a visão 
preconceituosa e discriminatória do legislador do Código Civil de 1916. 
Em vista do advento de leis como a referida assim como, posteriormente, da 
Lei do Divórcio em 1962, Paulo Lôbo constatou que a família constituída sob a 
soberania do patriarca foi aos poucos “[...] perdendo sua consistência, na medida em 
que feneciam seus sustentáculos, a saber, o poder marital, o pátrio poder, a 
desigualdade entre os filhos, a exclusividade do matrimônio e o requisito de 
legitimidade” (2011, p. 44). 
Diante da promulgação da Carta Magna vigente a estrutura da família foi 
remodelada, dando maior importância aos princípios e direitos adquiridos pela 
sociedade. O modelo tradicional passou a torna-se apenas um dentre os demais 
agora reconhecidos. 
Embora o enfoque da legislação tenha mudado para dar maior relevância à 
proteção da família e dos filhos de forma igualitária em detrimento daquela proteção 
exagerada ao casamento e filhos legítimos, será possível notar que o legisladorquando da promulgação do Código Civil de 2002 manteve a característica 
individualista do Código anterior ao condicionar a convivência do filho havido fora do 
casamento à anuência do cônjuge inocente, conforme será mais detalhadamente 
estudado adiante. 
De grande relevância também para o ramo do direito de família foi a criação e 
implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, fruto inicialmente 
de uma Convenção da ONU em 1989 vindo a ser confirmada pelo Brasil através do 
Decreto nº 99.710 de 1999. Tal Estatuto representou grande avanço aos direitos 
concernentes dessas pessoas em fase de desenvolvimento. Posteriormente, o 
reconhecimento do estado de filiação passou a ser direito personalíssimo, 
indisponível e imprescritível. 
Finalmente, em 2002 institui-se o Novo Código Civil. Vários dos seus 
dispositivos já se encontravam ultrapassados e outros já haviam sido instituídos pela 
Carga Magna. Destaca-se, no entanto, a divisão igualitária de responsabilidades 
para os cônjuges ou companheiros, o respeito devido um ao outro, a vida em 
comum no domicílio conjugal, trazidos por este ordenamento jurídico. Maria 
Berenice Dias considera que o grande passo do Novo Código Civil tenha sido 
“excluir expressões e conceitos que causavam grande mal-estar e não mais podiam 
conviver com a nova estrutura jurídica e a moderna conformação ela sociedade" 
(2015, p. 33). 
 
3 A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM 
CONFLITO COM A NORMA 
 
Analisado o panorama no que tange à evolução da legislação voltada ao 
âmbito das relações familiares, no presente capítulo pretende-se abordar as 
diferentes interpretações da norma objeto deste artigo científico existentes na 
doutrina bem como do seu conflito com princípios constitucionais incluindo-se 
também aqueles próprios do ramo do direito das famílias. 
O cerne deste trabalho é extraído do teor do artigo 1.611 do Código Civil 
Brasileiro de 2002, qual seja: 
 
Art. 1.611. O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos 
cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro. 
 
Tal artigo condiciona a possibilidade do filho oriundo de um relacionamento 
extramatrimonial ou havido antes do novo casamento, reconhecido por um dos 
cônjuges de conviver no lar conjugal ao consentimento do outro cônjuge que não 
possui nenhum vínculo biológico ou afetivo com o referido filho. Sua origem remete 
ao Código Civil de 1916 que já o havia instituído em seu artigo 359, de modo que a 
única alteração sofrida do Código passado ao atual fora a exclusão do termo “filho 
ilegítimo” por força de vedação constitucional no que diz respeito às designações 
discriminatórias, prevalecendo atualmente a ampla igualdade entre os filhos, tenha 
sido ele concebido da constância do casamento ou não, consanguíneo ou 
socioafetivo ou dos adotivos. 
Embora em vigência desde que constituído, tal norma vem sofrendo duras 
críticas por parte da doutrina, de modo que se dividem os doutrinadores entre 
aqueles que defendem a sua constitucionalidade, dos que limitam a sua aplicação a 
circunstâncias específicas e ainda dos que alegam a sua inconstitucionalidade. 
O renomado doutrinador Sílvio de Salvo Venosa defende a sua legalidade, 
argumentando que se não fosse tal norma, a estrutura do relacionamento conjugal 
poderia abalar-se trazendo prejuízos ao convívio familiar, conforme se pode 
compreender da leitura do seu comentário a respeito: 
 
“A disposição faz todo sentido, pois o filho recém-reconhecido será, em 
síntese, uma pessoa estranha no lar conjugal, podendo tumultuar a 
convivência. No mesmo sentido dispunha o art. 359 do Código anterior. 
Desse modo, se, por um lado, esse filho tem direitos patrimoniais, por outro 
lado, sendo filho de um só dos cônjuges, não tem direito de pedir acolhida 
no lar comum. O fato de não poder residir nesse lar, contudo, não libera o 
pai de prestar toda assistência ao menor, fornecendo-lhe alimentos 
correspondentes à condição social, como inclusive determinara o art. 15 do 
Decreto-Lei nº. 3.200/41 (2013, p. 276, 277)”. 
 
De acordo com o entendimento do referido autor a inclusão deste filho ao seio 
familiar poderia acarretar transtornos ao convívio, de modo que deverá preceder de 
autorização do outro cônjuge em prol da harmonia na relação conjugal, embora lhe 
deva ser prestada a devida assistência e alimentos pelo respectivo genitor. 
O autor ainda faz menção ao Decreto-Lei n. 3.200 de 1941, que em seu artigo 
15 diz: 
 
Art. 15: Se um dos cônjuges negar consentimento para que resida no lar 
conjugal o filho natural reconhecido do outro, caberá ao pai ou à mãe, que o 
reconheceu, prestar-lhe, fora do seu lar, inteira assistência, assim como 
alimentos correspondentes à condição social em que viva, igual aos que 
prestar ao filho legítimo se o tiver. 
 
Embora da negativa do cônjuge sem vínculos resulte a impossibilidade do 
filho biológico do outro residir no mesmo lar que ambos, isto não vem a impedir que 
o genitor tome todas as providências legalmente previstas para garantir ao seu filho 
biológico os mesmos direitos e garantias que lhe é incumbido de prestar ao filho do 
atual casamento. O artigo em questão ainda se utiliza do infeliz e ultrapassado termo 
“ilegítimo” como referência ao outro filho, não tendo havido com o passar do tempo 
nenhuma readaptação no sentido de eliminar qualquer resquício discriminatório, tal 
como o artigo 1.611 do CC sofreu, fazendo com que certas terminologias antiquadas 
e ultrapassadas do Código anterior ainda assombrem o atual em certos quesitos, 
como este. 
Resta questionar de que modo seria possível por em prática a igualdade de 
tratamento entre os filhos vez que um deles estaria legalmente impedido do convívio 
com um dos seus genitores. Se por um lado a questão dos alimentos pode ser 
facilmente resolvida com o simples adimplemento da obrigação, por outro, aquelas 
que exigem uma maior aproximação como o simples anseio do menor pela presença 
e carinho do genitor restaria evidentemente prejudicado. 
Importante salientar que o presente trabalho não tem por foco a questão de o 
filho reconhecido ser maior e capaz, portanto, de simplesmente não desejar residir 
no lar conjugal, mas sim do menor, seja ele criança ou adolescente, que se encontra 
em fase de desenvolvimento psicológico. 
De modo idêntico ao autor acima citado compreende Carlos Roberto 
Gonçalves, tendo este acrescentado ainda que: 
 
“A regra em apreço encontra-se em harmonia com o princípio da absoluta 
igualdade entre os filhos, estatuído no art. 227, §6º, da Constituição Federal 
e no art. 1.596 do Código Civil de 2002” (2015, p. 279). 
 
Vejamos então o que preceitua o art. 227, §6º da CF e o art. 1.596 do CC, 
respectivamente: 
 
Art. 227, CF: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à 
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à 
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à 
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e 
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, 
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, 
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações 
discriminatórias relativas à filiação. 
 
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por 
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer 
designações discriminatórias relativas à filiação. 
 
Ambas as normas acima descritas traduzem-se em dois princípios: o princípio 
do melhor interesse da criança, de modo a evidenciar queo nosso ordenamento 
jurídico é adepto da doutrina da proteção integral, e o da igualdade absoluta de 
direitos entre os filhos. Venosa e Gonçalves então compreendem que o art. 1.611 do 
CC estaria em perfeita consonância com os princípios supracitados. 
Diferentemente de ambos, porém, é o posicionamento do doutrinador Paulo 
Lôbo, o qual restringe a possibilidade de incidência do referido artigo a ocasiões 
específicas: 
 
“Para que se possa interpretar e aplicar a norma em conformidade com a 
Constituição, impõe-se sua harmonização com as regras respeitantes à 
guarda do filho menor, que deve atender ao princípio de seu melhor 
interesse. Se a guarda do menor “A” foi atribuída ao genitor casado “B”, em 
virtude do abandono por parte da mãe solteira “C”, ou porque assim 
consultava o melhor interesse da criança, segundo o convencimento do juiz, 
então será inevitável que “A” deva residir no domicílio conjugal de “B”, 
independentemente do consentimento do cônjuge deste. Antes, a primazia 
da tutela jurídica era a família constituída pelo casamento; a Constituição, 
em seu art. 227, conferiu prioridade absoluta à convivência familiar da 
criança e do adolescente. Se a convivência com o pai ou a mãe não casado 
é impossível ou desaconselhável, a prioridade será a convivência com o 
que seja casado, independentemente do consentimento de seu cônjuge. 
Consequentemente, a interpretação do art. 1.611 do Código Civil, em 
conformidade com o art. 227 da Constituição, restringe sua aplicabilidade à 
hipótese em que o menor possa ter assegurada a convivência familiar nas 
residências de ambos os pais. Nessa hipótese, a preferência pelo domicílio 
conjugal fica dependente do consentimento do outro cônjuge” (2011, p. 262, 
263). 
 
Estaria a aplicação da norma, conforme se depreende do entendimento 
supracitado, condicionada à observância do melhor interesse do filho. A 
compreensão do art. 227 da CF distingue, neste ponto, do autor em questão para os 
demais citados uma vez que este admite que possa haver circunstâncias em que o 
filho terá o direito de conviver com o genitor que o reconheceu independentemente 
da anuência do outro cônjuge estranho ao menor. 
O autor ilustra a possibilidade sob a hipótese de a criança estar 
impossibilitada de conviver com um de seus pais, em virtude, por exemplo, do 
falecimento de um deles, abandono, ou simplesmente por ela não corresponder ao 
seu melhor interesse, seja pela visão do juiz ou pela vontade do menor. 
Tal norma poderia ser aplicada então somente nos casos em que estaria 
assegurada à criança a plena possibilidade de convívio familiar na residência de 
ambos os pais. 
Em consenso com este entendimento está Flávio Tartuce, o qual 
complementa: 
 
“O dispositivo privilegia o casamento, mas, por outro lado, não deixa de 
discriminar o filho havido fora do casamento. Por isso, seria melhor que o 
Código Civil de 2002 não trouxesse o comando legal em questão, cabendo 
ao aplicador analisar as circunstâncias fáticas diante da nova principiologia 
do Direito de Família, particularmente tendo como fundamento o princípio 
de maior interesse da criança” (2014, p. 863). 
 
Entende que o ideal seria que tal norma sequer tivesse sido herdada do 
antigo Código, porém, condiciona a sua incidência também à análise de cada caso 
em específico devendo prevalecer o princípio de maior interesse da criança em 
detrimento da autonomia da vontade do casal. 
Se de um modo a lei favorece a relação de casamento, por outro acabaria por 
relativizar a prioridade absoluta garantida pela Constituição Federal, pelo Estatuto da 
Criança e do Adolescente bem como pelo próprio Código Civil da qual goza a 
criança, o adolescente e o jovem. 
De forma controversa ao que fora exposto até então compreende Maria 
Berenice Dias que defende a sua inconstitucionalidade, como se pode observar: 
 
“De forma absurda, condiciona a guarda do filho à concordância do cônjuge 
elo genitor (CC 1.611). Com o único propósito de preservar a unidade 
familiar daquele que reconheceu um filho extramatrimonial, olvida-se a lei 
que deve obediência à Constituição, a qual consagra o princípio da 
prevalência do interesse de crianças e adolescentes. Assim, a regra é de se 
ter simplesmente por não escrita, por sua flagrante inconstitucionalidade” 
(2015. p. 462, 463). 
 
A doutrinadora em questão considera nítida a referência do dispositivo à 
época em que era vedado o reconhecimento do filho extramatrimonial, a fim de que 
não fosse prejudicada a harmonia da família daquele que o teve fora do casamento. 
Da interpretação da opinião da doutrinadora em questão é possível 
compreender que a norma considera tão somente o cônjuge inocente no adultério 
olhando única e exclusivamente para os seus próprios interesses em detrimento dos 
interesses alheios. 
Seria a mais pura expressão da preocupação individualista em desfavor do 
coletivo, representada em questão pelo convívio em família, restando a fraternidade 
em segundo plano. Desse modo, compreende que deveria prevalecer o princípio da 
prevalência dos interesses de crianças e adolescentes por sobre o individualismo, 
refutando-se por completo a norma em questão. 
 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Ante todo o exposto, não resta dúvidas de que apesar de a ideia do legislador 
ao trazer a norma do antigo Código Civil para o atual possa ter tido como 
sustentáculo a conservação da harmonia da relação conjugal em consonância com o 
princípio da autonomia da vontade do casal, já que o menor, caso inserido fosse ao 
seio familiar sem que o cônjuge inocente pudesse se manifestar, além de poder 
tornar conturbada a relação entre seu genitor e o então padrasto/madrasta, vale 
observar que também poderia ser considerado como melhor interesse do menor o 
fato de não ser obrigado a conviver em um ambiente onde não houvesse a 
disposição, o afeto, enfim, a boa vontade necessária de ambos os responsáveis de 
efetivamente cuidar dessa criança, correndo até o risco de ter a sua própria vida 
transformada em um pesadelo, diante do descaso pelo qual pudesse vir a passar se 
o cônjuge sem vínculo afetivo se mostrasse completamente desfavorável à vinda 
dessa criança. 
Restaria ao juiz, quando invocado para tal circunstância, decidir diante do seu 
discernimento qual seria o melhor destino do menor com base em todos os 
princípios que o norteiam e que visam garantir seu pleno desenvolvimento, não 
apenas psicológico, mas como toda e qualquer pessoa que carece de afeto e 
referência, para que tenha um caráter plenamente estruturado. 
A doutrina, no entanto, longe está de demonstrar consenso acerca do tema, 
dividindo-se, conforme todo o descrito, entre os que defendem a sua legalidade, 
compreendendo que tal norma encontra-se em consonância com os princípios 
preceituados pela Carta Magna, como o da paternidade responsável, princípio este 
que visa resguardar a convivência familiar, dos que defendem a sua aplicação de 
modo restritivo, devendo ser analisado caso a caso prevalecendo sempre o 
interesse do menor, e têm-se também o entendimento da doutrinadora Maria 
Berenice Dias que é categórica ao afirmar sua inconstitucionalidade, por acreditar 
que tal norma estaria desobedecendo tais princípios constitucionais. 
Por fim, como foi possível observar, toda circunstância em que envolver o 
tema em questão poderá ser contestada, em vista de haver posicionamento que 
defenda ambas as possibilidades, sendo que a decisão final caberá ao juiz o qual, 
indubitavelmente, sentenciará em prol do menor, amparando-se em princípios e 
considerando o peso relativo de cada um para o caso onde houver conflito. 
 
REFERÊNCIAS 
 
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