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Fascículo 2_DH

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17
O direito 
e o dever de 
compreender
Manuela Fonseca Grangeiro
2
Universidade Aberta do Nordeste 18
O direito e o dever de compreender: 
escutar/ser escutado, falar, dialogar
Manuela Fonseca Grangeiro
Não tenho caminho novo.
O que tenho de novo
É o jeito de caminhar.
Aprendi
(o caminho me ensinou)
A caminhar cantando 
Como convém a mim
E aos que vão comigo.
Pois já não vou mais sozinho.
Thiago de Mello
Depois da conversa acerca da felicidade, da dignidade humana e da ética, é sobre 
o diálogo que vamos falar neste fascículo. Assim, esse texto tem como objetivo refletir 
sobre as inúmeras maneiras de pensar e sentir o mundo e as possibilidades de compre-
ensão a partir da capacidade de escuta, reflexão e diálogo, tendo este como caminho 
para melhoria da convivência e método possível na mediação de conflitos. 
Paulo Freire1, um conhecido educador brasileiro, escreveu um texto denomina-
do “O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo2” e baseado nele, vamos 
construir uma teia de relações e reflexões sobre as inúmeras possibilidades do diálogo 
como recurso de comunicação para a busca da felicidade com dignidade e ética. Enfim, 
o diálogo como recurso para a geração de uma cultura da paz. 
Vamos começar retomando questões já levantadas no primeiro fascículo: 
É possível ser feliz no mundo em que vivemos? Qual o mundo que 
queremos viver? O que podemos fazer para vivermos melhor? 
São indagações que pulsam e que nos mobilizam em busca de possíveis respostas. 
Você tem alguma resposta para elas? Essas perguntas remetem a reflexões de duas natu-
rezas distintas: no âmbito individual, quando você procura responder olhando para você 
mesmo, se apoiando no seu autoconhecimento. Neste aspecto, o tipo de diálogo que se 
estabelece é interno, dirigido para sua consciência, seus valores, seu jeito de ver o mundo.
Uma segunda natureza de resposta para essas indagações é a que diz respeito à 
comunidade, a coletividade de indivíduos que vive em sociedade e que precisa estabe-
lecer relações de convivência saudável e baseadas no respeito, na dignidade humana, na 
ética. Esse diálogo é recheado de muitas vozes, de valores distintos, de pontos de vistas 
variados, embora também busque a construção de uma sociedade cujos valores éticos 
conduzam ao bem viver, à justiça social e à felicidade.
Como seres humanos, temos o privilégio da fala3 e é nela que o diálogo se efetiva, 
se amplia e adquire função social. 
1. Paulo Reglus 
Neves Freire 
nasceu em 
1921, no Recife, 
Pernambuco, um 
dos estados mais 
pobres do país.
Faleceu em São 
Paulo em 1997. 
Foi educador e 
filósofo brasileiro. 
É considerado um 
dos pensadores 
mais notáveis na 
história da Peda-
gogia mundial, 
tendo influen-
ciado o movi-
mento chamado 
Pedagogia Crítica. 
Destacou-se por 
seu trabalho na 
área da educação 
popular, voltada 
tanto para a es-
colarização como 
para a formação 
da consciência 
política. Autor 
de vários livros, 
é mundialmente 
conhecido. Em 13 
de abril de 2012, 
foi sancionada 
a Lei Nº. 12.612 
que declara o 
educador Paulo 
Freire “Patrono 
da Educação 
Brasileira”. Foi o 
brasileiro mais 
homenageado da 
história: ganhou 
41 títulos de Dou-
tor Honoris Causa 
de universidades 
como Harvard, 
Cambridge e 
Oxford (wikipédia.
org)
2. Texto extraído 
do livro Pedagogia 
do Oprimido de 
Paulo Freire (17ª. 
ed. Rio de Janeiro: 
Paz e Terra, 1987)
Direitos Humanos e Geração de Paz19
O diálogo como mediador do encontro entre homens e mulheres
A palavra diálogo é proveniente de duas palavras gregas [διά = através e λογόι = palavra, 
conhecimento]. Ou seja, desde sua origem a palavra diálogo está intimamente relacionada 
ao conhecimento, ao compartilhamento de sentidos e significados. O valor do diálogo está 
associado à capacidade das pessoas reconhecerem que são possuidoras de conhecimento 
e que esses saberes podem ser compartilhados por meio de interações entre iguais. É na 
aceitação da igualdade de condições que as pessoas podem estabelecer diálogos.
Paulo Freire deixou um grande legado para a humanidade em sua trajetória 
como educador: provocar a reflexão, tendo como ponto de partida a leitura de mundo, 
da compreensão e percepção que as pessoas têm, considerando o contexto e a história 
de cada um. E nós teremos como ponto de chegada o diálogo na convivência humana.
Ao longo do fascículo, vamos explorar com mais detalhes, cada uma das afirma-
ções de Paulo Freire presentes no texto a seguir:
O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo
Paulo Freire 
1. Não é no silêncio que os homens e mulheres se fazem, mas na palavra, no traba-
lho, na ação-reflexão. Por isto, o Diálogo é uma exigência existencial. 
2. Não há Diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens 
e mulheres.
3. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se 
não há amor que a infunda.
4. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens e mulheres, 
não me é possível o Diálogo.
5. Não há, por outro lado, o Diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, 
com que os homens e mulheres o recriam permanentemente, não pode ser um 
ato arrogante.
6. O Diálogo, como encontro dos homens e mulheres para a tarefa comum de saber 
agir, rompe-se, se seus polos (ou um deles) perdem a humildade. 
7. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, 
nunca em mim?
8. Como posso dialogar, se me admito como um homem ou mulher diferente, virtuo-
so por herança, diante dos outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eus?
9. Como posso dialogar, se me sinto participante de um “gueto” de homens e mu-
lheres puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora 
são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?
10. Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reco-
nheço, e até me sinto ofendido com ela? 
11. Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro 
e definho? 
3. Embora a fala 
seja um requisito 
importante para o 
diálogo, existem 
inúmeras formas 
de comunicação, 
especialmente 
entre outras 
espécies vivas, 
que ocorrem 
sem o recurso 
da fala. Neste 
fascículo, vamos 
nos restringir as 
possibilidades 
de diálogo entre 
seres humanos.
Universidade Aberta do Nordeste 20
12. A autossuficiência é incompatível com o Diálogo. Os homens e mulheres 
que não têm humildade, ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não 
podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz 
de sentir-se e saber-se tão homem ou mulher quanto os outros, é que lhe falta 
ainda muito que caminhar para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste 
lugar de encontro não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos. Há ho-
mens e mulheres que, em comunhão, buscam saber mais.
13. Não há também Diálogo, se não há uma intensa fé nos homens e mulheres. Fé no 
seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, 
que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens e mulheres.
O caminho percorrido pela grande maioria das sociedades humanas, entre elas, a 
nossa sociedade brasileira, tem valorizado e incentivado o individualismo e a competi-
ção exacerbada, priorizando mais o ter do que o ser.
Alguns estudiosos apontam para uma profunda crise no modelo de sociedade que 
estamos vivendo, que tem no consumo dos bens materiais, na exploração dos re-
cursos naturais e no abandono da religiosidade, seus pilares de sustentação. 
A necessidade de consumir cada vez mais, na grande maioria das vezes, 
leva as pessoas a descartarem objetos em perfeitas condições de funcionamento; 
é o caso de trocar o aparelho celular que ainda funciona pelo último lançamento, 
que além de mais caro, tem apenasuma função adicional, que certamente você 
vai fazer pouquíssimo uso, de sentir a necessidade urgente de 
adquirir o último modelo de calça jeans e tênis, mesmo já tendo 
meia dúzia de calças no guarda-roupa.
A exploração desmedida dos recursos naturais tem significado 
agressões a Terra, que segundo especialistas, está levando o planeta a 
exaustão, a um caminho sem volta. Um exemplo que ilustra bem essa 
situação é o aquecimento global, associado a significativas mudanças 
climáticas e à geração de poluentes que afetam o solo, a água e o ar. Pre-
cisamos cada vez mais de energia para trazer conforto, por meio do 
ar-condicionado na casa e no carro, dos aparelhos eletroeletrônicos que 
se multiplicam, e isso é apenas o começo. Tente, num exercício de ima-
ginação, fazer uma relação de atividades que você faz no dia a dia que usa 
alguma forma de energia. E aí? De onde vem toda essa energia?
O abandono da religiosidade está diretamente relacionado com a 
perda da fé no transcendente, ou seja, ser capaz de acreditar que existe 
algo além da simples e transitória existência terrena. Isso tem levado a 
um enfraquecimento dos vínculos afetivos, dos valores de solidariedade, dignidade, respeito, 
tolerância, e muitos outros. A banalidade da vida e sua falta de sentido pode ser observada nas 
páginas de jornais, nas redes sociais, nos programas de televisão. De tanto ver humilhação, des-
respeito, intolerância, desamor, a gente acaba se acostumando e achando tudo normal. Perde-
mos a capacidade de indignar-se diante da tragédia humana.
Direitos Humanos e Geração de Paz21
Mudar de atitude é determinante para as mudanças sociais e planetárias que quere-
mos e achamos que devem acontecer. E nada melhor do que começar a mudar de atitude 
com as pessoas com quem convivemos. Começando pela nossa casa, pela escola e pelo 
local de trabalho. Somos responsáveis e precisamos assumir o compromisso com os valores 
humanos mais nobres e solidários, resgatar a confiança, a harmonia e a paz. 
1. Não é no silêncio que os homens e mulheres se fazem, mas na pala-
vra, no trabalho, na ação-reflexão. Por isso o Diálogo é uma expe-
riência existencial. Por isto, o Diálogo é uma exigência existencial
O silêncio tem seus encantos e é necessário em alguns momentos, pois fortalece a co-
municação não-verbal presente e necessária nas relações. Mas é no Diálogo, por meio 
de palavras, que ocorrem as manifestações e com elas as possibilidades de acordos e 
mudanças.
Para transformar a realidade, é necessário expressar a análise e com-
preensão crítica do homem sobre si mesmo e sobre o seu contexto, deixan-
do a sua marca, o seu pensar, o seu criar, o seu agir, enfim, os seus valores. 
Precisamos assumir o papel de eternos aprendizes que vamos mu-
dando, fazendo e refazendo os percursos, as atitudes, a vida. Refletir, decidir 
e atuar implica no compromisso pessoal, porque só a reflexão não firma o 
compromisso. O compromisso só se efetiva por meio da ação. 
2. Não há Diálogo, porém, se não há um profundo amor 
ao mundo e aos homens e mulheres
Como podemos dialogar se não existir uma disponibilidade amorosa para 
com o outro e para com todos? É preciso ter um olhar sensível para um 
mundo vivo, um olhar sensível para se compreender a vida e o seu pa-
drão de organização. Encontramo-nos num emaranhado de fatos, acon-
tecimentos e contradições sociais e precisamos nos posicionar diante da 
possibilidade de transformação.
É necessário dialogar com as diferenças, tratar a todos de igual para igual, sentar 
junto, refletir, provocar reflexões, dialogar com a família e com a comunidade. De-
senvolver uma postura ética diante da vida, onde cada ação pode potencializar ações 
diferentes, conscientes, transformadoras. E o que é ética? Vamos retomar o que apren-
demos no fascículo 1 e dizer em poucas palavras o que a ética significa.
O conhecimento da sua realidade dá ao homem a possibilidade de levantar hi-
póteses sobre seus problemas e buscar soluções para transformá-las. E isso pode ser de 
modo coletivo e integrado.
É na relação com a realidade que dinamizamos a vida. Fazer, refazer, construir, 
crescer, fazer cultura, formando e sendo formado por essa interação, por esse vínculo 
com o real, sem perder a essência da vida.
Universidade Aberta do Nordeste 22
Paulo Freire (1978) chama atenção para as implicações das crenças e valores, de-
terminando a ação do homem, ressaltando a necessidade e importância da percepção 
crítica da realidade, com vistas a uma ação transformadora.
É que o processo de orientação dos seres humanos no mundo envolve 
não apenas a associação de imagens sensoriais, como entre os animais, mas, 
sobretudo, pensamento-linguagem; envolve desejo, trabalho-ação transforma-
dora sobre o mundo, de que resulta o conhecimento do mundo transformado. 
Os seres humanos tornaram-se, ao longo do tempo, limitados diante do mun-
do e do sistema, que foram impondo comportamentos e pensamentos “formatados”, 
como se fosse possível engessar o pensamento e o jeito de ser das pessoas. E isso se 
configura desde a infância, pois o adulto tem uma tendência de impor verdades abso-
lutas e inquestionáveis geradas por esse contexto que vai tolhendo a espontaneidade 
da criança e estimulando o seu “enquadramento” nesses “moldes” sociais. Isso pode 
provocar movimentos diversos: aceitação, revolta, ou ainda apatia total. 
É preciso aprender a ser gente de verdade, aprender a correr, brincar, se divertir, 
cair, conversar, gritar, viver desafios. Encontrar o encanto do conhecimento necessário 
para o aprendizado de modo envolvente e fazendo sentido no seu desenvolvimento.
3. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e 
recriação, se não há amor que a infunda
Gostar de si, apreciar cada pedaço do seu Ser na sua perfeita totalidade, corporal, espiri-
tual e mental é um grande desafio. Todos os medos se vão quando as essências amorosas 
das pessoas se encontram. Na realidade, estamos sempre em movimento, por mais es-
tagnada que possa parecer a nossa vida.
O contato com o outro se manifesta antes de tudo como uma necessidade, talvez de algo 
reprimido, da não aceitação, ou da busca pela aceitação. Essa consciência é o convite à mudança 
de percepção do mundo. É a interiorização do sentido de cuidar. Vivenciar essa palavra no seu 
maior significado, se permitir, é o movimento do dar e receber constante, e que deve ser pleno 
de sentido e de significado. Não pode ser mecânico ou só mentalmente organizado; tem de ser 
de coração para coração, a partir das dimensões humanas relacionadas ao sentir.
Se pudéssemos nos perceber diante de uma rede de afetos, certamente conseguiría-
mos desbloquear os padrões rígidos adquiridos ao longo da vida. É preciso se ter um olhar 
sensível para um mundo vivo, para compreender a vida e o padrão de organização dos sis-
temas vivos. Mais do que ciência, precisamos da poética do encontro humano.
Viver é aprender a cuidar do outro com o mesmo carinho e a mesma devo-
ção com que cuidamos de nós mesmos. Viver é compartilhar experiências, assim 
como compartilhamos as nossas experiências com a mãe terra e com um universo 
compassivo e generoso, cheio de vida e energia. (Maria Cândida Moraes, 2003)
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que 
um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de 
Direitos Humanos e Geração de Paz23
ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo 
com o outro. (Leonardo Boff, 1999)
A afetividade se relaciona ao instinto de solidariedade entre os de mesma espé-
cie, à capacidade de identificar-se com o outro, aos impulsos gregários. 
4. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os ho-
mens e mulheres, não me é possível o Diálogo
Não tem como falar do amor aos homens e mulheres sem lembrar das crianças e 
adolescentes e suasdistintas fases de desenvolvimento físico, motor e intelectual. 
Muitas vezes são incompreendidos pelo “adulto”, que cobra atitudes que não estão de 
acordo com sua idade real, o que provoca um desnivelamento e uma baixa autoestima.
Conhecer e respeitar os processos de maturação do ser humano e entender os está-
gios de desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicossocial das crianças e jovens são condições 
para a formação de novas gerações abertas e defensoras de uma cultura de paz.
A compreensão das coisas, das relações, da vida, só é possível por meio da transdisci-
plinaridade4, que “é um enfoque pluralista do conhecimento que tem como objetivo, atra-
vés da articulação entre as inúmeras faces de compreensão do mundo, alcançar a unificação 
do saber. Assim, unem-se às mais variadas disciplinas para que se torne possível um exer-
cício mais amplo da cognição humana”. As ciências disciplinares tais como as conhecemos 
na atualidade já não conseguem responder de forma satisfatória aos complexos problemas 
da natureza e da sociedade, daí a necessidade de se recorrer a uma abordagem mais sistêmi-
ca e transversal na busca de soluções que deem conta dessa complexidade.
Não há como falar do homem em sua evolução sem falar da Terra e não há como 
falar da Terra sem falar da espécie humana. Essa compreensão de mundo é completa-
mente interligada e una, não há divisão entre o todo e a parte. Os homens precisam des-
pertar para essa consciência do todo e da parte que integram uma grande rede de cone-
xão planetária. Descobrir alguns caminhos como possibilidade de interação, despertando 
que é possível viver com amorosidade nos encontros com o coletivo.
5. Não há, por outro lado, o Diálogo, se não há humildade. A pro-
núncia do mundo, com que os homens e mulheres o recriam 
permanentemente, não pode ser um ato arrogante
Aos poucos vamos compreendendo que o Diálogo não é simplesmente o encontro de duas pes-
soas que conversam. Na verdade, segundo Paulo Freire (1980), o Diálogo é um encontro em que 
acontece a reflexão e posterior ação. Por isso não está reduzido à troca de ideias e muito menos es-
tabelecido numa dimensão verticalizada onde um é maior que o outro, um sabe mais que o outro.
O diálogo só é possível se consigo ver o outro de igual para igual, aberto para 
compreender o outro, disposto para ceder e acolher ao mesmo tempo. Por isso não 
pode ser fruto de uma atitude arrogante, pois ninguém sabe tudo. Temos saberes dife-
rentes, que podem interagir e constituir novos horizontes, com humildade e amorosi-
dade, reconhecendo o outro em sua inteireza e complexidade. É nessa convivência que 
o diálogo acontece, respeitando o outro como sujeito.
4. A transdis-
ciplinaridade 
possibilita um 
olhar múltiplo e 
permite que se 
abranja a comple-
xidade crescente 
do mundo pós-
moderno, o que 
justifica a defini-
ção da transdis-
ciplinaridade 
como um fluir 
de ideias e, mais 
particularmente, 
um movimento 
de reflexão sobre 
estes conceitos. 
Esta abordagem 
científica vem mo-
dificando a forma 
como o homem 
se volta para si 
mesmo e procura 
entender seu 
papel no mundo e 
também a própria 
compreensão 
da interação do 
universo com o 
ser humano (Ana 
Lúcia Santana 
- http://www.
infoescola.com/ 
educacao/trans-
disciplinaridade/)
Universidade Aberta do Nordeste 24
A amorosidade, o diálogo, o respeito e o comprometimento facilitam o estabeleci-
mento de uma relação harmoniosa, que leva ao envolvimento comprometido com o bem 
dos sujeitos, que podem expressar sua opinião, usar sua criatividade para pensar soluções, 
reconhecerem-se livres e autônomos. E com humildade se perceber eterno aprendiz.
Para Paulo Freire (1996), a prática do Diálogo requer a humildade de não se ver 
como detentor de todo o saber e que, mesmo num ambiente escolar e de aprendiza-
gem formal ou informal, o educando sabe alguma coisa. Tem uma história que merece 
respeito e que, por isso mesmo, é detentor de saber. Para Freire, o Diálogo não é apenas 
um método, mas uma estratégia para respeitar o saber do outro.
Gandhi e Martin Luther King: líderes do diálogo
No século XX, dois grandes líderes mundiais se destacam pela capacidade de 
defender suas causas por meio da não-violência. 
Mohandas Karamchand Gandhi (1869 – 1948), mais conhecido popularmente 
por Mahatma Gandhi, foi o idealizador e fundador do moderno Estado indiano e 
o maior defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não violenta 
de protesto) como um meio de revolução. O princípio do Satyagraha frequente-
mente traduzido como “o caminho da verdade” ou “a busca da verdade”, também 
inspirou gerações de atividades democráticas e antirracistas, incluindo Martin 
Luther King e Nelson Mandela. Frequentemente, Gandhi afirmava a simplicidade 
de seus valores, derivados da crença tradicional hindu: verdade (satya) e não-
violência (ahimsa). Para Gandhi, a lei de ouro do comportamento é a tolerância 
mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca vere-
mos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.
Martin Luther King, Jr. (1929 – 1968) foi um pastor protestante e ativista po-
lítico americano. Tornou-se um dos mais importantes líderes do movimento dos 
direitos civis dos negros nos Estados Unidos e no mundo, com uma campanha de 
não-violência e de amor ao próximo. King tornou-se um ativista dos direitos civis. 
No início de sua carreira, liderou em 1955, o boicote aos ônibus de Montgomery 
e ajudou a fundar a Conferência da Liderança Cristã do Sul, em 1957, servindo 
como seu primeiro presidente. Seus esforços levaram à Marcha sobre Washington 
de 1963, onde ele fez seu discurso “I have a dream”. Em 14 de outubro de 1964, 
King recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo combate à desigualdade racial através da 
não-violência. Nos anos que antecederam a sua morte, ele expandiu seu foco para 
incluir a pobreza e a Guerra do Vietnã, alienando muitos de seus aliados liberais 
com um discurso de 1967 intitulado “Além do Vietnã”. King foi assassinado em 4 
de abril de 1968. 
Reconhecer o saber do outro é um convite permanente. Abrir-se para considerar 
que todos têm algum saber e que pode-se aprender conteúdos que até então desconhe-
cíamos, como conta a História. 
Direitos Humanos e Geração de Paz25
Palavras geradoras de vida: amor, humildade, compreensão
O empenho é coletivo na construção de uma sociedade sustentável, nas relações que se 
estabelecem na busca pela construção de uma cultura de paz. Paulo Freire nos fala da 
liberdade, pois, segundo ele, na opressão não se constitui a evolução social. Em liber-
dade, em comunhão, todos somos responsáveis coletivamente pela sustentabilidade da 
vida e da convivência humana. 
Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se 
libertam em comunhão. (Paulo Freire, 1987)
O estímulo é para problematização, que se dá a partir de perguntas e reflexões 
sobre suas respostas. No momento em que participo da reflexão, é dada a possibilidade 
de comprometer-me com as soluções.
6. Diálogo, como encontro dos homens e mulheres para a tarefa 
comum de saber agir, rompe-se, se seus polos (ou um deles) 
perdem a humildade
Dessa forma, o rompimento será inevitável se não houver a humildade presente no diálo-
go. Vejamos a diferença entre diálogo e debate, apresentada por Humberto Mariotti5.
Diálogo Discussão/debate
• Visa abrir questões
• Visa mostrar
• Visa estabelecer relações
• Visa compartilhar ideia
• Visa questionar e aprender
• Visa compreender
• Vê a interação partes/todo
• Faz emergir ideias
• Busca a pluralidade de ideias
• Visa fechar questões
• Visa convencer
• Visa demarcar posições
• Visa defender ideias
• Visa persuadir e ensinar
• Visa explicar
• Visa as partes em separado
• Descarta as ideias “vencidas”
• Busca acordos
Mariotti ressalta que não se trata de um ser melhor do que o outro, mas sãoformas 
diferentes e em alguns momentos necessárias, de expressar o que se pensa. Há momentos em 
que precisamos fragmentar o pensamento para ser melhor compreendido e recomposto no 
instante posterior. Há outros momentos em que é necessário ter uma visão ampla da situação.
Diálogo e debate são estruturas diferenciadas. No diálogo é possível haver maior 
cuidado, respeito e amorosidade. Já no debate, há um entremeio de perguntas e res-
postas que é preciso ter cuidado para não alterar os ânimos emocionais. Como diz o 
autor, “se no debate um fala e o outro responde, no diálogo um fala, o outro fala, todos 
falam juntos”. O princípio é o da cooperação e não do confronto. 
5. Humberto 
Mariotti é médico, 
escritor e profes-
sor da Business 
School São Paulo. 
Coordena o Grupo 
de Estudos 
Contemporâneos 
(Complexidade, 
Pensamento Sis-
têmico e Cultura) 
da Associação 
Palas Athena — 
Centro de Estudos 
Filosóficos (www.
humbertomariotti.
com.br).
Universidade Aberta do Nordeste 26
O diálogo faz uma intermediação nas relações de modo que o conhe-
cimento das pessoas seja respeitado e construído, reconhecendo o ser como 
sujeito deste conhecimento.
7. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo 
sempre no outro, nunca em mim? 
O diálogo se opõe ao autoritarismo, à rigidez de pensamentos enquadrados, pré-formatados. 
Freire afirma que ninguém sabe tudo e ninguém não sabe nada. Temos saberes diferentes e 
valiosos para a interação no mundo, nos educamos em comunidade, considerando todo co-
nhecimento comunitário, toda a sapiência popular, que tanto pode contribuir com a ciência e 
com os doutores. O camponês é doutor no que faz, na arte de plantar, de cuidar dos animais. 
E deste conhecimento muitos doutores da universidade são ignorantes. Então, sou doutora 
em algumas coisas e ignorante em outras, e a humildade de reconhecer-me 
ignorante me faz aprendiz de outros saberes. 
O importante é perceber que somos conhecedores de saberes dife-
rentes, a busca constante deve ter o compromisso com os problemas co-
munitários, para buscar soluções que proporcionem vida às comunida-
des, que deve ser o ponto de partida e de chegada de todo conhecimento.
8. Como posso dialogar, se me admito como um homem 
ou mulher diferente, virtuoso por herança, diante dos 
outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eu? 
O mundo vai tornando possível a mediação entre homens e mulheres, é 
o que deve mediar as aprendizagens da vida. Como realmente podemos 
imaginar o diálogo quando só vemos virtudes em nós e não reconhecemos 
que o outro é igualmente virtuoso? 
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Os ho-
mens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (Paulo Freire)
Diálogo7
O menino rico falou: — Meu pai tem muito dinheiro e pode dar-me o que eu 
quiser. Quem traz melhores roupas que as minhas? Quem tem brinquedos mais 
belos que os meus?
E ele estava todo vestido de seda e apontava, orgulhoso, os brinquedos es-
parsos...
Então, o menino pobre levantou o rostinho triste e falou: — Meu pai tem muito 
pouco dinheiro e nada me pode dar do que se compra... Mas, quando vem do tra-
balho, beija-me e abraça-me tanto que eu fico toado enfeitado de festas... E, como 
não tenho brinquedos, divirto-me com o sol, com as crianças iguais a mim e com os 
animais que encontro pelo caminho...
Direitos Humanos e Geração de Paz27
À noite amontôo carneirinhos de nuvens e brinco de esconde-
esconde com a lua... Nesse instante... era o instante em que os pássaros 
do crepúsculo vinham chegando...
Quando nos percebemos superiores, alimentamos a crença de que 
somos autossuficientes e essa postura é incompatível com o diálogo. 
Não podemos perder a humildade, caso contrário não será possível 
o diálogo. É necessário descobrirmos que somos tão seres humanos 
quanto qualquer outro, e dessa forma, vamos ajudar a despertar no 
outro sua capacidade criativa e de expressão, sem vergonha do que 
sabe ou do que tem, mas consciente de que o que tem é valioso, por 
mais que sejam valores diferentes. 
Aos poucos no convívio em grupo a confiança vai se desenvol-
vendo, o que possibilita ver as pessoas como sujeitos dialógicos cada 
vez mais integrados na construção de um mundo melhor. 
Barbier (1998) fala sobre a escuta sensível diante da realidade e 
das pessoas. Dessa forma, a escuta sensível começa por não interpre-
tar, por suspender qualquer juízo. Ela procura “[...] deixar surpre-
ender pelo desconhecido [...] a escuta sensível contribui para que o 
sujeito se livre de seu entulho interior” (p. 188). 
Nessa perspectiva, a escuta sensível proporciona a possibilidade de perceber a reali-
dade como ela se apresenta sem a elaboração de um conceito pré-estabelecido, o que pode-
ria dificultar a abertura do diálogo em grupo e a manifestação das pessoas. A transformação 
depende de ações coletivas, transformadoras e organizadoras pelos que dela fazem parte. O 
fazer coletivo pressupõe reflexão para a ação e implica pensar e agir coletivamente.
9. Como posso dialogar, se me sinto participante de um “gueto” de ho-
mens e mulheres puros, donos da verdade e do saber, para quem to-
dos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?
Para refletirmos sobre a igualdade, aproveitando para desprezar a constituição de “gue-
tos”8 , recorremos a definição de Moraes (2004) sobre o pensamento ecossistêmico 
que nos coloca de igual para igual:
O pensamento ecossistêmico nos ajudará a tomar consciência de que nossas 
relações fundamentais com a vida, com a natureza, com o outro e com o cosmo 
dependem também de nossa maneira de conhecer, de pensar, de aprender, enfim, 
de nossa maneira de ser, de viver/conviver.[...] Assim, estaremos conspirando em 
favor de um mundo melhor, mais humano, solidário e fraterno.
Se cada ação provoca uma reação, no geral, acontece uma rede de ações e reações. 
Essa rede de relações e ações nos torna responsáveis não só por nossa vida individual, 
mas essencialmente pela vida coletiva. É importante desenvolver a concepção de que 
somos todos sujeitos da interação entre o ser humano enquanto espécie e o planeta, ou 
seja, fazemos parte do mesmo ecossistema.
7. Texto de Cecília 
Meireles: http://
galeriadotextoin-
fantil.blogspot.
com.br/2012/05/
dialogo-texto-
infantil-de-cecilia.
html 
8. Gueto (do 
italiano ghetto) 
é um bairro ou 
região de uma 
cidade onde vi-
vem os membros 
de uma etnia ou 
qualquer outro 
grupo minoritário, 
frequentemente 
devido a injun-
ções, pressões 
ou circunstâncias 
econômicas ou 
sociais. Por exten-
são, designa todo 
estilo de vida ou 
tipo de existência 
resultante de 
tratamento discri-
minatório. (www.
wikipedia.org).
Universidade Aberta do Nordeste 28
É difícil perceber um horizonte de transformação se não houver mudanças na 
conduta humana, se não invertermos a noção de que somos seres individuais e sociais 
ao mesmo tempo. É nossa tarefa encontrar alternativas que nos proporcionem uma 
maneira de viver harmoniosa sem ter que despertar a agressividade excessiva ou a indi-
vidualidade ou, ainda, a desesperança generalizada existente na atualidade. 
Tudo está relacionado com tudo, interligado através de uma gran-
de teia, onde tudo está conectado. Logo, viver nada mais é que conviver 
(Maria Cândida Moraes, 2003)
A essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade 
ou na criatividade, mas basicamente no cuidado (Leonardo Boff, 1999)
É sob esse prisma que devemos ver e perceber o ser humano. O cuidado deve per-
mear a sua relação consigo mesmo, com o outro e com os demais sistemas vivos e não-
vivos. Urge uma necessidade de equilíbrio entre a existên-
cia humana no âmbito individual e a consciência coletiva. 
Mas não paramos por aqui. Vem novamente Paulo Freire e 
nos faz pensar de modo ainda mais complexo. 
10. Comoposso dialogar, se me fecho à con-
tribuição dos outros, que jamais reconheço, 
e até me sinto ofendido com ela? 
Segundo Moraes (2003), é preciso experimentar o flu-
xo da vida para que possamos sentir a felicidade plena de sen-
tido, a realização consciente dos desejos e das potencialidades 
em relação aos desafios que se apresentam diante de cada um. 
Temos escolha. Posso escolher o caminho do diálogo, do re-
conhecimento do outro, da humildade, ou simplesmente me 
fechar nas minhas crenças e confrontar todos que surgirem 
na minha frente, não mais como iguais, mas como obstáculo. 
É utópico9 ao mesmo tempo em que é real. Essa postura facilita o salto no eixo 
espiral de transformação. Estamos sempre em movimento, por mais igual que possa 
parecer a nossa vida 
Não posso desistir diante da vida, pois o Universo existe, porque existe a vida, e a vida 
está num movimento contínuo de organização, construção e reconstrução. Esse princípio 
coloca a vida com a capacidade de auto-organização, como disse Maturana (2000). 
Mas o que vivemos hoje é a repressão do potencial criativo que provoca uma 
dissociação principalmente afetiva, de onde surgem os sentimentos negativos 
como rancor, ressentimento, ódio que reforçam os aspectos negativos da persona-
lidade. Essa dissociação, talvez seja o grande mal da humanidade.
9. Utopia é o 
conceito de algo 
ideal, perfeito, 
fantástico, imacu-
lado, ideia que se 
torna imaginária, 
segundo os 
padrões da atual 
sociedade. Pode-
se referir aos 
ideais do presente 
como também 
do futuro, é uma 
palavra oriunda 
do grego que 
significa “lugar 
que não existe”.
[...] O utopismo é 
uma forma irreal 
e absurdamente 
otimista de ver 
as coisas como 
gostaríamos que 
fossem (http://
www.brasilescola.
com/filosofia/
utopia).
Direitos Humanos e Geração de Paz29
11. Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar 
nela, sofro e definho?
Não podemos temer a aproximação do outro. Temos internamente e adormecida a ca-
pacidade de ser curador de si mesmo, e a capacidade de se conectar com a evolução da 
vida. Daí a necessidade de despertar o afeto, entendendo o afeto como a possibilidade 
de cuidar e ser cuidado, de perceber que eu pertenço ao mundo. 
É a necessidade emergente de restaurar o vínculo original com a totalidade, rever-
tendo a crença, hoje tão difundida, de que devemos estimular o individualismo. Tudo 
que se faz tem que estar carregado de significado. Carregado de cuidado nos três níveis 
de vinculação: consigo, com outro e com a totalidade.
Nos dias de hoje, mal temos a expressão de afeto mais singela que é o abraço. É uma 
expressão de afetividade simples, porém, pouco praticada. No máximo, vemos com frequên-
cia a cordialidade de um aperto de mão distante e sem significado. 
Mas quando vejo o outro como um “eu” completo e absolutamente 
inteiro, vejo que, como eu, ele talvez também queira receber um 
abraço. E por que não? Pare o que estiver fazendo agora e dê um 
abraço na pessoa mais próxima de você. 
Este gesto é simples e deve ser praticado com respeito e cui-
dado com o outro. O ato de abraçar transcende o momento de 
encontro, revela algum tipo de emoção, pois neste ato, os dois por 
um momento, viram um, representando a sustentação de um e de 
outro. O sentido do abraço é muito mais humanitário do que qual-
quer outra interpretação que se possa dar. Compreende a comu-
nhão entre duas pessoas, a fraternidade. O outro é visto como um 
“semelhante”. Isso envolve o cuidado e a capacidade de vivermos 
com amorosidade.
Freire nos traz mais essa reflexão:
A autossuficiência é incompatível com o Diálogo. 
Os homens e mulheres que não têm humildade 
ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. 
Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não 
é capaz de sentir-se e saber-se tão homem ou mulher quanto os outros, é 
que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro 
com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios 
absolutos. Há homens e mulheres que, em comunhão, buscam saber mais. 
Aquele que se permite viver o retorno à essência da vida, entra em contato com 
o potencial adormecido de afeto, confiança, harmonia, e se aproxima da vivência plena 
do amor, no sentido da expressão de amorosidade em tudo que faz.
Mas o que acontece é o processo inverso. Assumimos os condicionamentos mo-
rais impostos por essa convivência social que influencia na manifestação dos sentimen-
tos e das emoções. Daí a existência de tantos bloqueios para expressar os sentimentos. 
Por isso entramos em incontáveis tramas mentais, que estimula a separação do eu e do 
Universidade Aberta do Nordeste 30
outro. Esse processo se dá com a manifestação do ego, que fortalece essa fragmentação 
e a vaidade individual. Esse caminho não permite a expansão da consciência e o resgate 
da unidade. Entendemos expansão da consciência como essa capacidade de se perceber 
diferente, se permitir viver o diferente, fugir dos padrões criados pela mente. 
O contato com o outro se manifesta antes de tudo como uma necessidade. O 
cuidado na relação com o outro é o convite que Paulo Freire nos faz. O pensamento e 
a ação devem caminhar juntos. 
Cuidar da vida implica mudança de atitudes, valores e ação do ser humano como 
sujeito da história, atuando com consciência, para mudar o curso da civilização.
12. Não há também Diálogo se não há uma intensa fé nos homens 
e mulheres. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e 
recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de 
alguns eleitos, mas direitos dos ho-
mens e mulheres
A fé no ser humano é o que me mobiliza a continuar na 
caminhada da vida. Como diz Gonzaguinha na música 
Semente do Amanhã: “Fé na vida, fé no homem, fé no que 
virá”. Com essa música, não posso deixar de mencionar a 
Educação Biocêntrica, como sendo um grande chamado à 
vivência da afetividade, pois se trata de uma tendência que 
visa a integração do indivíduo orientada por sua autocons-
ciência e suas relações altruísticas10, criando condições 
para o despertar de suas potencialidades estimuladas por 
sua vinculação com a vida nos três níveis – consigo, com 
o outro e com o todo (LOPES, 2001). Fundamenta-se no 
Princípio Biocêntrico,11 que tem como referencial a vida 
na sua grandiosidade e plenitude.12
O ponto de partida é toda manifestação de vida no 
processo de evolução do Universo. Fundamentar-se na vida 
no centro de tudo, é poder se encantar e celebrar a vida em sua plenitude.
Quando estamos em círculo, não existe ninguém melhor do que ninguém; existem 
pessoas dialogando de igual para igual. A Educação Biocêntrica tem a pedagogia dialógica de 
Paulo Freire como um dos pilares teóricos, além da Biodança de Rolando Toro e do pen-
samento complexo de Edgar Morin. Fortaleceu-se nas últimas décadas, tendo inúmeros 
exemplos de ações nas escolas, instituições sociais e organizações. Essa abordagem trabalha 
colocando a vida no centro, reconhecendo o que Paulo Freire deixou como ensinamento: o 
diálogo como mediador das relações e o reconhecimento do outro como ser pleno de saberes. 
E a necessidade emergencial aflora. A sociedade clama pela mudança paradigmática signi-
ficativa, que vem acontecendo nos últimos anos que é a da importância vital dos relacionamen-
tos. Está emergindo a necessidade de um novo modelo mental que seja capaz de ligar e integrar 
10. Palavra perce-
bida muitas vezes 
como sinônimo 
de solidariedade, 
a palavra altru-
ísmo foi criada 
em 1830 pelo 
filósofo francês 
Augusto Comte 
para caracterizar 
o conjunto das 
disposições 
humanas (indivi-
duais e coletivas) 
que inclinam os 
seres humanos a 
dedicarem-se aos 
outros. Assim, al-
truísmo é quando 
uma pessoa ab-
nega de si mesma 
em prol de outras 
pessoas (http://
www.dicionario-
informal.com.br/
altruísmo)11. Principio 
Biocêntrico se 
inspira na intuição 
do universo orga-
nizado em função 
da vida e consiste 
em uma proposta 
de reformulação 
de nossos valores 
culturais que 
tomam como refe-
rencial o respeito 
a vida. Propõe-se 
em potencializar a 
vida e a expressão 
de seus pode-
res evolutivos. 
Foi criado pelo 
chileno Rolando 
Toro (http://www.
biodanza.org).
12. http://lucia-
nakotaka.com.
br/2010/10/
dialogo-da-obe-
sidade
Direitos Humanos e Geração de Paz31
posições e relações de modo sustentável, e que constitua a base de dinâmicas, que promovam 
a vida com novas aprendizagens e significados (Grangeiro, 2009). Que o tema “diálogo” deixe 
de ser falado e seja vivenciado em cada canto do planeta para facilitar a convivência humana e 
reestabeleça cada vez mais o direito de cada um de ser compreendido e escutado.
O que aquieta o meu coração é a certeza que esses breves escritos foram a expressão 
da minha crença na vida, no amor incondicional pelo ser humano, na tentativa de contribuir 
com o crescimento das pessoas. A ousadia que tive em aproximar-me de um diálogo com 
Paulo Freire foi coberta de boa intenção e simplesmente conversar com ele e com alguns 
autores que, sem dúvida, têm uma jornada mais longa de estudos muito mais profundos do 
que o que trouxe aqui. Mas escrevi utilizando a racionalização, porém, guiada essencialmente 
pelo coração, porque “esse caminho é uma escolha que tem coração” (Castañeda).
Tenho a certeza de que estamos nos conectando cada vez mais com a possibilidade de 
fazer do diálogo um instrumento da geração da paz. Por isso, sinto-me à vontade de anunciar o 
próximo fascículo, que tem como tema exatamente a paz. Será que o diálogo auxilia na geração 
da paz? Enquanto aguardamos, vamos ouvir um pouco mais as pessoas que convivem conosco?
Síntese do fascículo
A imersão no contexto socioeconômico onde os aspectos sociais, econômicos, cul-
turais e humanos, somados ao descrédito da sociedade e do sistema capitalista são 
notórios. Esse sistema incentiva o individualismo e a competição exacerbada pro-
voca a destruição dos vínculos afetivos e da estrutura de formação das pessoas. 
O objetivo é refletir sobre as inúmeras maneiras de pensar e sentir o mundo e 
as possibilidades de compreensão a partir da capacidade de escuta, reflexão e diálogo, 
tendo este como caminho para melhoria na convivência e método possível na me-
diação de conflitos. A indicação da principal referência que mediou todo o texto foi a 
produção de Paulo Freire, “O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo”, 
que passou pela fragmentação do texto de Paulo Freire e o diálogo com outros auto-
res que facilitaram a compreensão e escrita deste. 
O destaque é o exercício da humildade, o resgate dos vínculos primordiais da exis-
tência humana e a capacidade de colocar a vida no centro de tudo. O diálogo é um forte 
mediador na geração da paz e na compreensão do outro, com o exercício da escuta sensí-
vel do ser, com amorosidade, cumplicidade, sinceridade e simplicidade. 
Atividades
1. Como você entende a solidariedade? Em que situações você já foi solidário?
2. Apresente pelo menos três pacifistas que se destacaram pela humildade, contando 
um pouco da sua história.
3. O que você entende por liberdade? 
4. Quais as diferenças entre diálogo e debate? Você prefere o primeiro ou o segundo?
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Apoio
Referências bibliográficas
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Autora
Manuela Fonseca Grangeiro: Mestre em Educação com Especialização em Educação Biocên-
trica e Formação Pedagógica pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) possui Bacharelado 
em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente é analista de Desenvolvimento 
Humano no Instituto Nordeste Cidadania e professora da Universidade Aberta do Brasil/UECE e 
de cursos de especialização e de graduação na área da Educação.
Presidente João Dummar Neto | Coordenação do Curso Rosamaria de Medeiros Arnt | Coordenação Acadêmico-Administrativa | 
Ana Paula Costa Salmin | Editora Regina Ribeiro | Editor Adjunto Raymundo Netto | Coordenador de Produção Editorial Sérgio Falcão | 
Editor de Design Amaurício Cortez | Projeto Gráfico e Capas Amaurício Cortez e Welton Travassos | Ilustrações Karlson Gracie | 
Editoração Eletrônica Welton Travassos | Revisão Tarcila Sampaio | Catalogação na Fonte Kelly Pereira
Expediente ISBN: 978-85-7529-572-4

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