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Semiótica Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Elvair Grossi Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan Fundamentos da Semiótica • Linguagem, signos e semiótica · Compreender a forma de produção de sentido a partir da constituição do signo. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta unidade, teremos um conteúdo que irá fornecer os elementos básicos para assegurar um amplo conhecimento da análise semiótica. Principalmente, fornecer possibilidades que permitam garantir e pontuar caminhos para iniciar um trabalho de pesquisa e uma investigação capazes de produzir e fomentar conhecimento. Para isso, vamos, a partir de alguns procedimentos lógicos vinculados a uma linha teórica e balizados por algumas questões práticas, promover uma assimilação de conteúdo capaz de garantir a compreensão, seja do mais simples objeto de análise, chegando até, em alguns momentos, aos mais complexos. Entretanto, para que você possa se apropriar de todo esse conhecimento e, de certa forma, garantir em partes esse percurso de análise, é preciso retomar (rever) o estudo do Signo em Peirce, presente no último item da Unidade I e atentar para a forma como se relacionou o signo nos diferentes contextos dessa unidade. Portanto, estude com muita atenção o conteúdo desta unidade e os materiais complementares, assista aos vídeos indicados e procure conhecer as referências bibliográficas. ORIENTAÇÕES Fundamentos da Semiótica UNIDADE Fundamentos da Semiótica Contextualização É sabido que para que haja comunicação é preciso criar uma mensagem a partir de uma rede estruturada e canalizada por signos. Entretanto, deve-se, para isso, levar em consideração o tipo de destinatário, mas não um tipo específico de destinatário, aquele limitado e confinado ao termo da palavra, ou seja, apenas uma pessoa física, um ser individual. Mas, sim, aquele destinatário plural, considerando toda sua atuação e inserção no espaço coletivo, cuja abrangência estende-se às mais variadas formas de ocupar um espaço nas ações culturais, nas ações sociais, nas ações de costumes, no modo de vida e até na ocupação geográfica. Por isso, a comunicação não pode ignorar esses conceitos, seja ela de natureza verbal ou não verbal. Para que ela compartilhe de uma popularidade, sociabilidade e possa atingir um grau elevado de entendimento, ela deve passar pelo crivo das relações sígnicas, dos signos que serão incorporados e utilizados e dos códigos da cultura em que os signos se criam, vivem e atuam. Desta forma, nesta Unidade a questão ganha total visibilidade, pois aliar os conteúdos que envolvem a semioticidade de um determinado objeto, entrelaçando-os aos signos culturais e sociais de nossa grandeza, à luz das relações teóricas, tudo isso é capaz de promover, não só um debate, mas uma assimilação e aprendizagem. Além de tudo, as relações culturais, objeto de nossa análise, foram pontuadas correlacionando-as aos textos verbais e não verbais de forma autêntica. Também se promoveu o reavivamento de signos que foram responsáveis pela formação de nossa cultura, abarcando não só a capacidade dos estudos semióticos, mas também o reconhecimento dos contextos históricos e geográficos, tudo em função de um percurso semiótico. 6 Dani Highlight acabei achando melhor incluir o "nesta unidade" novamente, porém, agora sem a numeração 7 Linguagem, signos e semiótica Após percorrer e refletir sobre os caminhos processuais e procedimentais estabelecidos pelo movimento da doutrina dos signos, culminamos no que seria a semiótica, denominada por John Locke e sistematizada por Charles Sanders Peirce (1839-1914). É possível, considerando a assimilação desse percurso, ampliar horizontes e promover o conhecimento da produção de sentido a partir do entendimento do signo. Pois, como todo o processo de pensamento é um processo de transformação de signos, cuja descrição se faz em termos de semiótica, então é preciso enviesar as relações entre língua, pensamento, conhecimento e realidade. Assim, à medida que houver avanço nessas relações e progresso no exercício da busca, da reflexão, haverá mais visibilidade e mais embasamento para desvendar os sistemas de mediação simbólicos da linguagem que modelam e dão o sentido de mundo e ao mundo. O termo “semeiotike” e “semeiotics”, cuja tradução seria “semiótica”, encontra-se, segundo Deely, (1990, p. 134), no livro Ensaio sobre do Entendimento Humano (1690), de Jonh Locke (1632-1704). Ex pl or Vejamos: quando Peirce se propôs ampliar e estudar a natureza e o movimento das relações dos signos e entre signos, fez isso com muita propriedade e autoridade. Pois, além de propor um amplo debate sobre como poderia ser o corpus da representação da realidade, ele estava também promovendo o escopo de como seria o processo de significação. A realização de tal empreitada teórica só seria possível por uma mente seleta que pudesse elaborar uma varredura de extremo rigor científico e que conseguisse abarcar várias áreas do conhecimento. O que, naquela época, era uma qualidade, um atributo restrito ao jovem cientista Charles Sanders Peirce, que além de dispor de tais qualidades, estava também munido e muito bem abastecido de uma formação teórica e acadêmica. Uma vez que tinha, no histórico de sua formação, uma base muito bem desenvolvida e consolidada sobre as áreas do conhecimento científico. Visto que toda a base para o desenvolvimento desse campo de estudo tinha como fundamentação a ciência das relações abstratas, amparada pela ciência cultural e natural. Ou seja, Peirce, que já era um filósofo, matemático, astrônomo, físico, era também um químico formado pela Universidade de Harvard, promovendo, naquele momento, significativas contribuições no campo da história, arquitetura, geodesia, psicologia, literatura e linguística. Entretanto, o percurso que lhe iria trazer o reconhecimento, não só para o lado pessoal ou profissional, mas para o estudo da ciência como um todo, e que possibilitaria agregar as mais variadas linhas da ciência, seria a Semiótica. Sua vocação e todo o seu empreendimento intelectual foram fundamentais ao pensamento científico da época, o que possibilitou materializar uma abertura nos mais variados campos do saber até os dias atuais. Para saber mais sobre o assunto, leia: DEELY, John. Semiótica básica, capítulo 7. Ex pl or 7 UNIDADE Fundamentos da Semiótica Um fator favorável e de extrema relevância que valida todos os trabalhos de Peirce, bem como o seu corpus teórico e toda sua linha de pesquisa, pauta-se nas evidências. Pois, de um modo geral, as evidências são um dos elementos mais importantes para interpretar qualquer que seja a teoria científica. A constatação e a inferência nunca deixaram de ter uma relação inerente à ciência, não sendo diferente na semiótica. Afinal, este é um dos aspectos que introduz a semiótica peirceana, não só na esfera científica, mas dá a ela a possibilidade de se diferenciar e se destacar de outras linhas do conhecimento e, ao mesmo tempo, atuar como suporte teórico para embasar e explorar eixos de outras esferas científicas. Tributando, com isso, um curso significativo e uma preocupação premente em dar, em cada uma de suas ações, para qualquer que fosse o experimento, visibilidade aos experimentos para que os estudiosos os vissem, considerando também, os teóricos e à comunidade científica em geral. O termo “semiótica peircena” redunda, até mesmo de forma exaustiva, em vários momentos de cada unidade do curso de semiótica. Isso se deve ao fato de haver certa pluralidade na investigação e no estudo dos signos. Pois, cada semiótica possui uma determinada concepção do seu campo de estudo. Por exemplo: a) Semiótica peircena: deriva dos estudos de Peirce, cujo foco central prima pela investigação dequalquer tipo de comunicação e que abarque toda a extensão das linguagens e ação do signo; b) Semiótica russa: dispõe de um grande legado sobre fenômenos culturais, possuindo uma extensa abrangência teórica, que possibilita atuar na esfera literária, nos estudos sobre mito, sobre religião, literatura, comunicação verbal e não verbal etc. Seus precursores são: Lotman, Jakobson, Hjelmslev. c) Semiótica estruturalista ou semiologia: ciência da linguagem verbal, o foco de ação reside na língua, fala e linguagem, ou seja, nos contextos linguísticos, partindo do princípio que a mensagem é um tecido de signos linguísticos, tendo como função a transmissão de uma determinada informação, também é valido dizer que a linha metodológica e teórica do estruturalismo representou uma tentativa de aproximação entre as ciências naturais e as ciências sociais, tendo como precursores: Saussure, Greimas, Lévi-Strauss, Barthes. Entretanto, a semiótica sistematizada por Charles Sanders Peirce (1839-1914) possui um corpo teórico que oferece subsídios básicos para o entendimento de qualquer que seja o sistema de signo, consequentemente, com isso, abre caminhos para a compreensão e para o estudo das outras semióticas. Ex pl or Por exemplo, de forma mais elaborada, é possível considerar o seguinte encadeamento: quando um interpretante pensar num objeto qualquer, aquilo que está na mente do interpretante não é o objeto no qual ele esta pensando, mas é uma imagem dele, uma representação dele, portanto é um signo dele. Vejamos, na tríade desenvolvida na Peirce: 8 9 SIGNO OU REPRESENTAMEN (representa algo, alguma coisa para alguém) OBJETO OU REFERENTE (causa ou o determinante do signo) INTERPRETANTE (criado na mente da pessoa) Logo, para que este sistema possa se movimentar, todo ele está pautado em evidências, isso equivale a dizer que todo o conhecimento, por mais simples que seja, até a certeza mais demonstrativa, está pontuada nas evidências. Ou seja, todo e qualquer conhecimento é constituído por dados, por premissas, por garantias etc. O que evidencia a natureza do signo. Não há na linha experimental dos estudos peirceanos interpretação sem signo. Vejamos um exemplo, no texto de linguagem visual: Figura 1. Primeira Missa em Cabília de Horace Vernet (1855) Figura 2. Primeira Missa no Brasil, Victor Meirelles (1860) Fonte : Wikimedia Commons Fonte : Wikimedia Commons Primeiramente, para alargar os horizontes na esfera semiótica, tendo como base o estudo dos signos constituído a partir da linha peirceana. Devemos deixar de lado as discussões ou críticas calorosas, outras até mais radicais em que associam a Primeira missa no Brasil (1860), de Victor Meirelles (1832-1903), à ideia de plágio, imitação, releitura, estilização, intertextualidade, paródia etc. O que não faz 9 Dani Highlight alinhar à imagem UNIDADE Fundamentos da Semiótica parte e não contribui para o nosso quadro e linha de análise na semiótica. Apesar de que, seja qual for o eixo das discussões ou das críticas, todos estão entrelaçados por uma rede de signos, objetos ou referentes que promovem não só um grande tecido semiótico, mas, o que é muito natural, vários e vários desdobramentos interpretativos e críticos. Confirmando assim que não há discussão, análise, críticas etc. sem signo. Consequentemente, apenas o fato de discorrer sobre os quadros desses dois artistas comprova a natureza inerente da mobilidade do signo e seus referentes na esfera da semiótica. Entretanto, a noção de signo e ciência, para esta nossa experimentação, vai um pouco além da relação desses dois quadros. Vejamos: o primeiro quadro, de 1855, atribuído ao artista Horace Vernet (1789- 1863), Primeira missa em Cabília, procurou usar das evidências circunscritas no próprio local, na própria região, no próprio contexto daquele momento. Ou seja, o signo em Vernet, além de imanar um conjunto de ações sígnicas, representativas e ser um elemento implementador da linguagem, está semiotizado e fundamentado na realização da primeira missa estabelecida nas regiões mais montanhosas da Argélia, a cidade de Cabília. Nesse trabalho, Vernet, por meio de um conjunto de evidências, construiu uma dada realidade, incorporando assim as questões políticas, culturais, sociais, geográfica etc. que seriam elementos capazes de promover um determinado corte daquela realidade, e que pudessem de alguma forma representar essa realidade. Tornando-se assim, por meio de várias evidências, um testamento documental capaz de assegurar um determinado fato e autenticar toda a sua credibilidade na esfera histórica. Destacando não só a representação da noção de tempo e espaço, como também a representação dos costumes, hábitos etc., o que equivale a dizer que o quadro de Vernet não é o fato em si. Mas está no lugar do que seria e o que representou todo aquele evento, seja para aquela época como também o que ele significa para este momento. Victor Meirelles de Lima (1832-1903), brasileiro, natural de Florianópolis. Tinha predileção pela pintura histórica e era dono de um estilo muito singular em que combinava signos da arte neoclássica revestidos por uma camada romântica, sendo considerado autêntico e fiel na construção de qualquer evento histórico. Pintou a Primeira missa no Brasil, em 1859, em Paris e foi considerado um dos pintores preferidos de Dom Pedro II. Émile Jean-Horace Vernet (1789-1863) nasceu em Paris, França. Notabilizou-se por documentar em telas representações de batalhas, em uma de suas obras, como por exemplo: Primeira missa em Cabília, ocorrida em 1853, que descreve o feito francês na colonização da África, Vernet teve o privilégio de ter sido testemunha ocular do fato, tendo sempre a simpatia e disposição de Luís Felipe e de Napoleão III. Ex pl or Na sequência, temos o segundo quadro, atribuído ao artista Victor Meirelles (1832-1903), cujo relato procurou articular o que representou a primeira missa no Brasil. Entretanto, Victor Meirelles, ao construir e distribuir os signos e seus representamen estabelece conexões que foram tomadas como evidências de um complexo sistema de representação. Por exemplo, é possível perceber que o quadro de Meirelles não representa genuinamente o momento em que o fato ocorreu, apenas tem o poder de comprovar 10 11 o ocorrido, mas, de qualquer forma, tem também a capacidade de representar e estar muito próximo no lugar do fato imaginário em si. Considerando a chegada da expedição portuguesa, 1500, e a pintura da tela, 1860, há um longo distanciamento de tempo entre o fato e a sua representação, aproximadamente 360 anos, o que promove certo desgaste natural de apagamento ou esquecimento. No entanto, isso não foi um problema para o artista Victor Meirelles. Pois, para articular um novo significado que pudesse representar o signo da autenticidade do Brasil, do descobrimento com a chegada dos portugueses na colônia, conciliada e sacramentada pela primeira missa, Meirelles criou outra realidade tendo como base as evidências sob dois aspectos: signo verbal (texto) e signo não verbal (visual/imagem). Aspecto Verbal (signo verbal) O signo verbal se constituiu como um tecido semiótico formado por informações e compilações documentais. Visto que o fato em si, a primeira missa realizada no Brasil, procurou formalizar todo um contexto histórico, cultural e, principalmente, de poder e domínio sobre a colônia. Pois, como os relatos documentam, e segundo a carta de Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei de Portugal D. Manuel (1469-1521), no dia 26 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral teria ordenado ao missionário Frei Henrique Coimbra, no litoral da Bahia, que celebrasse a primeira missa. Victor Meirelles, ao agrupar todo esse conjunto de informação, de toda essa constelação de signos procurou dinamizar e materializar,num signo visual, o que poderá ser entendido pela tríade: SIGNO OU REPRESENTAMEN está no lugar de algo (Carta de Pero Vaz de Caminha) Representa de forma textual, o primeiro contato, a chegada dos potugueses no Brasil OBJETO OU REFERENTE segundo correlato do signo, aquilo que é referido pelo signo (Primeira missa no Brasil) Informações sobre a missa extraídas do texto de linguagem verbal INTERPRETANTE (Quadro/pintura: Primeira missa no Brasil) 11 UNIDADE Fundamentos da Semiótica O signo ou representamen pretende representar o objeto sendo este capaz de determinar o interpretante. Uma vez que o signo tem por natureza a função de representação, de estar presente, ou seja, estar no lugar de algo, mas não ser o próprio algo e, considerando todas as informações contidas na Carta de Pero Vaz de Caminha, tudo isso possibilitou afirmar que “um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente desta pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido” (PEIRCE, 2008, p. 46). Por isso, pensamentos, sentimentos, emoções etc., ao serem externalizados em signos, são traduções gerativas que, no seu próprio processo de transformação, geram outro signo num processo de crescimento e abastecimento da cadeia semiótica, o que é possível constatar no segundo aspecto: Aspecto não Verbal (signo visual/imagem) A semiótica peirceana afirma que uma das funções do signo, entendido como a tríade formada pelo signo, objeto e interpretante, é de ocupar o lugar da “realidade”, a “realidade” irá se manifestar por meio da mediação dos signos, isto é, a possibilidade de acessar essa “realidade” se dá pelos signos. Mas essa realidade sempre será incompleta, o signo não atinge uma plenitude, não tem o poder de recobrir totalmente uma dada realidade, em virtude de sua incompletude, de sua incapacidade e impotência, o que faz gerar num interpretante uma busca quase que incessante de se completar. Portanto, a partir dessa base teórica peirceana, associando-a a um eixo de análise fundamentado por Santaella, verifica-se que há certo consenso teórico sobre esse assunto, pois Santaella (1995, p. 44) afirma que “o interpretante realiza o processo da interpretação, ao mesmo tempo em que herda do signo o vínculo da representação. Herdando esse vínculo, o interpretante gerará, por sua vez, outro signo interpretante”, evidenciando assim que o signo não tem poder de se recobrir. Essas constatações teóricas possibilitam dar certo suporte e oferecer uma base sustentável para interagir na relação das informações contidas na Carta de Pero Vaz de Caminha sobre a Primeira missa no Brasil, com o quadro da Primeira missa em Calíbia, visto que, mesmo toda a constelação de signos presente na carta de Caminha não foi suficiente para modelar todos esses signos e reproduzir uma realidade, a realidade brasileira. Talvez, não que faltassem elementos da temporalidade ou da espacialidade geográfica da recente terra do Brasil, mas talvez não houvesse ali, na carta, elementos que pudessem vislumbrar uma imagem, um tecido, cujo centro determinante pudesse dispor de certa espacialidade, geometrização e distribuição desses elementos sígnicos, e que, de alguma forma, fossem capazes de modelar todo aquele conjunto de informações num signo visual. Diante dessa incompletude dos signos verbais, da falta de capacidade de gerar o signo visual e na tentativa de gerar uma realidade muito próxima do fato em si. Victor Meirelles recorre ao signo visual de Horace Vernet, cuja tríade pode ser entendida da seguinte forma: 12 13 SIGNO OU REPRESENTAMEN Está no lugar de algo Representa de forma visual, uma missa, ou seja, o feito francês na colonização da África, nas regiões mais montanhosas da Argélia, a cidade de Cabília OBJETO OU REFERENTE segundo correlato do signo, aquilo que é referido pelo signo (Primeira missa em Cabília) INTERPRETANTE (Quadro/pintura: Primeira missa em Cabília, Horace Vernet) Entretanto, o texto visual produzido por Victor Meirelles não se sobrepõe ao texto visual de Horace Vernet, pelo contrário, Meirelles, para construir supostamente o signo genuíno, mantém a base da Carta de Caminha buscando uma renovação que pudesse conciliar às terras brasileiras, gerando recombinações, novos conteúdos ressignificados e estendidos. Vejamos a tríade: SIGNO OU REPRESENTAMEN está no lugar de algo (Carta de Pero Vaz de caminha) Representa de forma textual, o primeiro contato, a chegada dos portugueses no Brasil + Representa de forma visual, uma missa, ou seja, o feito francês na colonização da África, nas regiões mais montanhosas da Argélia, a cidade de Cabília OBJETO OU REFERENTE segundo correlato do signo, aquilo que é referido pelo signo (Primeira missa no Brasil) Informações sobre a missa extraídas do texto de linguagem verbal + (Primeira missa em Cabília, Horace Vernet) INTERPRETANTE (Quadro/pintura: Primeira missa no Brasil, Victor Meirelles) Entretanto, Meirelles não se deixou levar completamente pelos signos visuais de Vernet, pois o seu texto teve a competência de registrar, com muita prudência, o signo que deu identidade e, por algum tempo, foi o patrimônio, o lastro e o maior 13 UNIDADE Fundamentos da Semiótica legado da nossa formação e da história do Brasil como nação. O signo capaz de expressar e retratar este país, antes da chegada dos europeus, como também no período da colonização, que é o índio na sua plenitude, na sua relação com a natureza, sendo o dono incondicional dessa terra. Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Este elemento, o índio na sua relação com a natureza, deu mobilidade contrastando com a luminosidade típica dos trópicos. A originalidade do texto consiste na sua aproximação com o real, com o fato em si. Pois, a base do triângulo imaginário, assim como os vértices, foi totalmente sustentada pela disposição de índios, o signo representativo do nosso país, da nossa formação e da nossa cultura. Tudo isso deu profundidade à tela, combinando com o segundo plano em que pontua o horizonte numa paisagem de extrema exuberância da natureza tropical. Meirelles construiu uma rede de signos que traz os valores de uma dada sociedade que a produz, na medida em que ressignifica essa mesma sociedade, construindo uma nova visão de mundo, uma realidade social, outro signo, que segundo Peirce irá nos dizer que “o pensamento é um signo. Segue-se que todo pensamento, como signo que é, deve-se dirigir-se a outro, determinar outro pensamento (...)Qualquer pensamento requer o ter havido outro pensamento” (PEIRCE, 1980, p. 74). Essa forma de pensar, de pensamento a pensamento foi o que deu a dinâmica e materialidade ao texto, sendo compatível a realidade daquele momento. Essa relação de um pensamento traduzido num outro pensamento requer um entrelaçamento de objetos ou referentes na elaboração dos interpretantes para emergir todo um signo visual. A primeira missa no Brasil (o que o faz ser um signo de referência, de identidade do nosso país) passou, para se consumar como Primeira missa no Brasil, por um processo, por um sistema de transformação na forma de pensar, para depois se materializar num signo. Pois, como afirma Peirce (2008), todo processo de pensamento é um processo de agitação, de conflito e de transformação do signo, para sua caracterização ou descrição, sendo possível por 14 15 meio da semiótica. Por exemplo, o sistema triádico constituído pelo signo, objeto e interpretante possui, na sua expressão, uma dinâmica que poderá ser entendida a partir de uma conduta lógica, cuja ação é a de promover um desdobramento de signos, pois a partir da representação que o signo mantém com o seu objeto, segundo Peirce (2008), iráproduzir na mente interpretante outro signo que irá traduzir o significado do primeiro. Portanto, para verificar essa dinâmica de forma prática a partir do reconhecimento do signo A primeira missa no Brasil, e como o significado de um signo é outro signo, é importante ter a compreensão da cadeia sígnica fundamentada por Peirce (2008) e amplamente divulgada nos trabalhos de Santaella (1983, p. 59), em que pontuam a natureza plural do signo. Pois, todo o signo se divide em: • objeto dinâmico e imediato; • interpretantes imediato, dinâmico e final ou interpretante em si. Vejamos, primeiramente: um signo só poderá exercer sua categoria de signo pelo fato de poder representar algo que não é ele, que seja diferente dele. Todo signo representa um objeto com algumas limitações, logo todo signo é incompleto. A Primeira missa em Cabília, de Vernet, é um signo incompleto, como também a Carta de Pero Vaz de Caminha e a própria Primeira missa no Brasil, de Meirelles. Entretanto, como o objeto é a causa determinante do signo, vamos verificar a distinção entre o dinâmico e imediato. a) Objeto dinâmico: está fora do signo, é aquilo que o signo substitui, varia com o contexto, normalmente, é a derivação do objeto imediato. Exemplo, quando alguém diz: – Bom dia, tudo bem? Como essa frase expressa algum sentido para alguém, diz alguma coisa, aplicado a uma dada realidade, a uma situação ou condição, esse algo a que as palavras se referem é o objeto dinâmico. Quando a carta de Pero Vaz de Caminha descreve todo o contexto sobre a descoberta das novas terras, ou seja, tudo do que se fala nesta carta e toda a sua textualidade é o objeto dinâmico. Entretanto, para o nosso recorte, especificamente, aquilo que remete ao quadro de Meirelles, ou seja, aquilo que foi de interesse para documentar a Primeira missa no Brasil se dá na cena em que é ordenado ao missionário frei Henrique que celebre a missa na presença da esquadra portuguesa junto aos índios. Esse algo, o que se fala neste recorte e tudo a que as palavras se referem, também é o objeto dinâmico. Ele não pertence ao signo, ele está fora do signo. Pois diz respeito a algo, está aplicado a uma situação ou condição dentro de um determinado contexto. b) Objeto imediato: está dentro do signo e apresentado no signo, é de aspecto geral. A mensagem em si com todo o seu conteúdo, a forma como o signo se apresenta e se assemelha, como sugere e expressa, é o objeto imediato. Portanto, a Carta de Pero Vaz de Caminha em si é o objeto imediato, fazendo com que esse objeto imediato seja uma referência para que Victor Meirelles a transformasse num outro signo. 15 UNIDADE Fundamentos da Semiótica Portanto, pontuada essa fundamentação entre o objeto dinâmico e imediato, vamos verificar, na cadeia sígnica, a relação lógica exercida com os interpretantes imediato, dinâmico e final ou interpretante em si. Primeiramente, não podemos perder de vista que o interpretante não pode ser confundido com o “intérprete”, o intérprete é o agente, a pessoa física. Já o interpretante, segundo Peirce, atua como mediador entre o signo e o objeto, ou seja, é a representação que serve de mediação, é o signo mental, o pensamento ou, nas palavras de Santaella (1995, p. 85), “o interpretante é uma criatura do signo”. c) Interpretante imediato: são as possibilidades de interpretação que o signo permite, aptos a produzir efeitos interpretativos ou a ideia de um efeito, de uma forma etc. No caso do quadro Primeira missa no Brasil, podemos considerar que a imagem em si já é o resultado de um interpretante imediato, uma vez que a realização do texto se deu a partir da Carta de Pero Vaz de Caminha e o quadro Primeira missa em Cabília, pois esses elementos (signos) contribuíram para uma interpretabilidade com formas, efeitos etc. d) Interpretante dinâmico: é o efeito real que o signo produz, num dado instante, sobre o interpretante, por esta razão existe a possibilidade de atualizar a interpretabilidade do signo e até acrescentar-lhe novos sentidos. No caso do texto visual, Primeira missa no Brasil, de Meirelles, ele só pode ser entendido em função da interpretabilidade e do efeito real em que o texto visual de Primeira missa em Cabília, de Vernet, causou no interpretante, agregado ao texto verbal da carta de Pero Vaz de Caminha, esses dois elementos foram suscitados no intérprete, houve o desdobramento desses signos pela ação da leitura, fazendo com que o interpretante dinâmico possa ser um veículo determinante para esse visual de Meirelles. e) Interpretante final ou interpretante em si: é o efeito “final” produzido em qualquer mente, ou seja, é interpretante final por ter finalizado e findado nessa condição de produção, entretanto, logo poderá ser articulado para novas leituras que proverão novos significados e novas aplicações. Por exemplo, a carta de Pero Vaz de Caminha, assim como Primeira missa em Cabília, os dois textos em si, são interpretantes finais. Porém, o efeito que eles produziram numa determinada mente possibilitou novas leituras, novas aplicações. Com esse desenvolvimento e, ao mesmo tempo, o estudo da relação triádica em que o signo, o objeto e o interpretante podem ser entendidos na sua capacidade de se desdobrar, de se dividir. Foi possível alargar mais alguns horizontes, uma vez que a preocupação central, no decorrer da fundamentação teórica, procurou ajustar os vieses teóricos a uma linha experimental, consolidando assim um exercício de análise. Entretanto, para promover mais conhecimento e cada vez mais efetivar novas assimilações, a próxima unidade irá percorrer outro processo derivativo que permite verticalizar cada vez mais as análises no campo da semiótica. Para saber mais sobre o assunto, leia: SANTANELA,Lúcia. Assinatura das coisas: Pierce e a literatura,capítulo 8. Ex pl or 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros A teoria geral dos signos: SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: Semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. O que é semiótica. SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. Vídeos Semiótica Para Todos (o que é semiótica) https://goo.gl/NkAqoI Semiotica Peirceana com Julio Pinto - 1 parte. https://goo.gl/EXAlBu 17 UNIDADE Fundamentos da Semiótica Referências CHAUI, Marilena. Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. COLI, Jorge. A invenção da descoberta. In _____. Como estudar a arte brasileira no século XIX? São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005, p.23-43. PEIRCE, C. S. Collected Papers: vol. 1,2,3. Cambridge: Harvard Univ. Press, 1966. ____________. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. ____________. Semiótica. Tradução: José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2008. SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: Semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. _____________. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. RUBENS, Carlos. Victor Meirelles: sua vida e sua obra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. 18
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