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Documento não controlado - AN03FREV001 38 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE Gestalt-terapia Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação Documento não controlado - AN03FREV001 39 CURSO DE Gestalt-terapia MÓDULO II Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. Documento não controlado - AN03FREV001 40 MÓDULO II Conceitos Estruturantes 6 PSICOLOGIA DA GESTALT A Psicologia da forma, Psicologia da Gestalt, Gestaltismo ou simplesmente Gestalt é uma teoria da psicologia que considera os fenômenos psicológicos como um conjunto autônomo, indivisível e articulado na sua configuração, organização e lei interna. A teoria foi criada pelos psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940), nos princípios do século XX, mais precisamente em 1912. Estes trabalhos foram uma continuação dos trabalhos de Christian Von Ehrenfels (1859-1932), psicólogo austríaco, precursor desta escola do pensamento. Ehrenfels lançou, em 1890, as bases da Psicologia da Gestalt. Sua primeira constatação foi a divisão de duas espécies de “qualidades da forma”: as sensíveis, próprias do objeto, e as formais, próprias da nossa concepção. São as primeiras agrupadas de acordo com as últimas que formam o conjunto e possibilitam a percepção. A partir destas ideias e da oposição à concepção de Wilhelm Wundt (1832- 1920), considerado o fundador da psicologia moderna e experimental, Wertheimer, Köhler e Koffka começaram um trabalho dentro da Universidade de Frankfurt. A Psicologia da Gestalt é um movimento que atua na área da teoria da forma. Ela propõe que o cérebro humano tende automaticamente a desmembrar a imagem em diferentes partes, organizá-las de acordo com semelhanças de forma, tamanho, cor, textura, etc., que por sua vez serão reagrupadas de novo em um conjunto gráfico que possibilita a compreensão do significado exposto. O princípio básico da teoria gestaltista é que o inteiro é interpretado de maneira diferente Documento não controlado - AN03FREV001 41 que a soma de suas partes. Esta premissa levou ao descobrimento de diferentes fenômenos que ocorrem durante o processo da percepção. FIGURA 21 A mesa é um objeto distinto da soma de suas partes. Wertheimer pôde provar, experimentalmente, que diferentes formas de organização perceptiva são percebidas de forma organizada e com significado distinto por cada pessoa. Basearam nisso a ideia de que o conhecimento do mundo se obtém por meio de elementos que por si só constituem formas organizadas. Por exemplo: uma cadeira é mais do que quatro pernas, um assento e um encosto. Uma cadeira é tudo isso, mas é mais que isso: está presente na nossa mente como um símbolo de algo distinto de seus elementos. Um importante movimento estudado e denominado por ele foi o “fenômeno phi”. Quando a representação de determinada frequência não é transposta, se tem a impressão de continuidade e movimento. O cinema e/ou os desenhos animados foram construídos baseado nessa ilusão de movimento. Os gestaltistas, por meio de experiências em laboratórios, resolveram estudar a personalidade como um todo. Eles começaram pelos mecanismos fisiológicos e psicológicos, mas depois estenderam suas pesquisas à memória, 1 FONTE: Disponível em: <http://www.design.blog.br/design-gráfico/o-que-e-gestalt>. Acesso em: 20 nov. 2010. Documento não controlado - AN03FREV001 42 inteligência e expressão, sempre baseadas na percepção e nas relações do organismo com o meio. No processo de percepção há fatores objetivos e subjetivos, cuja importância relativa irá variar. Para representar esta relação entre o organismo e o meio, a pessoa tende a isolar as “boas formas”. O mesmo acontece entre as relações de figura-fundo. Todo o campo perceptivo se diferencia em um fundo e em uma forma ou figura. Estes dois elementos estão intimamente ligados e não existem independentemente. Estes conceitos representam um foco importante dentro da teoria da Gestalt-terapia. Por meio das confirmações dos Gestaltistas, pode-se provar que há uma relação dialética entre o sujeito e o objeto, ao contrário do que até então se pretendia comprovar por intermédio da pretensa “objetividade científica”. Eles acreditavam e provaram que o aspecto do objeto depende das necessidades do sujeito e vice-versa. O design, a arquitetura, a arte, a moda e a própria Gestalt-terapia utilizam as leis da Gestalt o tempo todo, muitas vezes, até de forma inconsciente. Este pensamento ajuda as pessoas a assimilarem informações e entenderem as mensagens que são passadas. Esta teoria descobriu certas leis que regem a percepção humana das formas, facilitando a compreensão das imagens e ideias. Essas leis são nada menos que conclusões sobre o comportamento natural do cérebro, quando age no processo de percepção. Os elementos constitutivos são agrupados de acordo com as características que possuem entre si, como semelhança, proximidade e outras que veremos a seguir. O fato de o cérebro agir em concordância com os princípios Gestálticos já poderia ser considerado a evidência fundamental de que a Lei da Pregnância é verdadeira. Segue abaixo um resumo sobre as Leis da Gestalt: Lei da Semelhança ou Lei da Similaridade: possivelmente a lei mais óbvia, que define que os objetos similares tendem a se agrupar. A similaridade pode acontecer na cor dos objetos, na textura e na sensação de massa dos elementos. Documento não controlado - AN03FREV001 43 Estas características podem ser exploradas quando desejamos criar relações ou agrupar elementos na composição de uma figura. Por outro lado, o mau uso da similaridade pode dificultar a percepção visual como, por exemplo, o uso de texturas semelhantes em elementos do "fundo" e em elementos do primeiro plano 2. Lei da Proximidade: os elementos são agrupados de acordo com a distância a que se encontram uns dos outros. Quanto mais perto uns dos outros, mais são percebidos como um grupo. Quanto mais longe, menos são associados a uma mesma unidade ou grupo. Lei da Continuidade: está relacionada à coincidência de direções, ou alinhamento, das formas dispostas. Se vários elementos de um quadro apontam para o mesmo canto, por exemplo, o resultado final "fluirá" mais naturalmente. Isso logicamente facilita a compreensão. Os elementos harmônicos produzem um conjunto harmônico. O conceito de boa continuidade está ligado ao alinhamento. Em vez de ver linhas e ângulos separados, elas são vistas como uma só, pois dois elementos alinhados passam a impressão de estarem relacionados. 2 Todas as figuras a seguir referentes às Leis da Gestalt e possuem a seguinte fonte: Disponível em: <http://www.design.blog.br/design-gráfico/o-que-e-gestalt>. Acesso em: 20 abr.. 2010. Documento não controlado - AN03FREV001 44 Lei da Pregnância ou Lei da Simplicidade: esta lei éa que mais influencia a Gestalt-terapia e, também, a mais importante de todas, possivelmente, ou pelo menos a mais sintética. Diz que todas as formas tendem a ser percebidas em seu caráter mais simples, por isso “simplicidade”: uma espada e um escudo podem tornar-se uma reta e um círculo, e um homem pode ser um aglomerado de formas geométricas. É o princípio da simplificação natural da percepção. Quanto mais simples, mais facilmente é assimilada: desta forma, a parte mais facilmente compreendida em um desenho é a mais regular, que requer menos simplificação. Assim, a pregnância da imagem diz respeito ao caminho natural que ela segue em direção à boa forma, que é, idealmente, a mais simples de todas. E essa simplicidade é formada justamente por equilíbrio, homogeneidade, regularidade e simetria. O equilíbrio final da forma, entretanto, é próprio também dos elementos que a compõem. A forma é equilibrada quando suas partes também estabelecem correlações equilibradas, pois, para a Gestalt, o todo é um elemento próprio, mas refere-se sempre às correlações entre suas partes. Lei do Fechamento ou Lei da Clausura: elementos são agrupados se eles parecem se completar. Nossa mente vê um objeto completo mesmo quando não há um, ou seja, é o princípio de que a boa forma se completa, se fecha sobre si mesma, formando uma figura delimitada. O conceito de clausura relaciona-se ao Documento não controlado - AN03FREV001 45 fechamento visual, como se completássemos visualmente um objeto incompleto. 7 AQUI E AGORA Prestem atenção naquilo que se encontra presente, aqui e agora para vocês, neste momento. Do que você está consciente? Do texto que está lendo? De um barulho que está do lado de fora? De um toque do telefone? De uma campainha? De alguma dor presente em você? A ideia de que ‘apenas o presente existe agora’ está no cerne do entendimento de homem e de mundo na abordagem gestáltica, e, consequentemente no olhar que lança sobre a relação terapêutica. Durante muitos anos, os psicoterapeutas trabalharam com a ideia de um presente ‘como se’: o sentimento presente na relação terapêutica era compreendido como se fosse uma reedição de um sentimento do passado; uma atitude na relação terapêutica era como se fosse uma revivência de uma relação não resolvida no passado. Todas estas visões estão impregnadas das ideias psicanalíticas, que, não podemos negar, ampliou muito a concepção das forças que estavam em jogo na relação terapêutica. Porém, todo o presente é visto como uma projeção do passado. Pensemos em um exemplo: Em determinado momento de uma sessão de terapia, o cliente mostra-se visivelmente bravo com o terapeuta (o visivelmente também é possível, a partir do momento em que podemos perceber o cliente no aqui e agora, em sua totalidade, isto é, embora este possa não dizer verbalmente que está bravo ou com raiva, seu corpo, sua postura, sua voz ou sua fisionomia o fazem. Para que eu assim o perceba preciso contatá-lo para além do discurso). Após esta percepção do terapeuta, temos alguns caminhos a seguir: posso negligenciar esta percepção e continuar agarrado ao discurso; posso apontar a Documento não controlado - AN03FREV001 46 minha percepção por meio de uma interpretação (o como se); ou posso explorar fenomenologicamente o momento presente, explorando como se sente desta forma, o que acontece com seu organismo quando se sente assim, o que está fazendo com isso, o que quer fazer com isso agora. Se você for um Gestalt-terapeuta, certamente escolherá o terceiro caminho. A ênfase no momento presente, ou no aqui e agora, não exclui de forma alguma as experiências passadas ou planejamentos futuros. Devemos ter cuidado, pois em nossa sociedade, na maior parte das vezes, priorizar uma posição significa excluir outras. Isto não é verdade, pelo menos neste contexto do qual estamos falando. As experiências passadas têm enorme importância para o nosso entendimento do presente. Pensemos no momento em que estamos vivendo no que se refere às alterações climáticas no mundo. Ao fazermos uma exploração fenomenológica de como estas alterações acontecem, os efeitos que têm no presente, como se encontra a camada de ozônio, como ela se ‘comporta’, estaremos no momento presente deste fenômeno. Mas, para que possamos ter uma maior compreensão do fato presente, até mesmo em termos de planejamento futuro, precisamos contatar o passado; este sem dúvida proporcionará mais sentido ao presente. Mas vejamos um pouco mais aprofundada esta questão. As dimensões de passado e futuro constituem contornos psicológicos para a experiência presente, formando um contexto psicológico, da qual a figura emergente no presente se destaca. No entanto, não podemos confundir a importância do passado e do futuro com a forma de vida ‘como se’, isto é, viver o presente como se estivesse no passado ou no futuro, como muitas pessoas o fazem. Estar no presente, lembrando o quanto bom era o passado ou o quanto melhor será o futuro, compromete as possibilidades vitais da existência. Ouvir de um cliente o quanto sofrido e traumático foi sua infância de abuso sexual e moral, e tratar o fato apenas como acontecimento passado, embora no aqui e agora estejam aparecendo suas emoções e reações a estas lembranças, faz com que o cliente esteja minimamente presente. De que forma então poderíamos ajudar o cliente a contatar-se efetivamente com o presente? Polster e Polster nos respondem: Documento não controlado - AN03FREV001 47 Se ele tomasse consciência de sua tensão, sua experiência presente seria bastante intensificada. Então, se pudesse permitir ainda mais que sua tensão estagnada crescesse até um sistema vivo de tensão, bem poderia contar a sua história com raiva (...). A tensão tem seu próprio poder de direção e – lembrança ou não – se move para o presente ao expressar-se na eloquência verbal, no choro, no grito, no soco, na repreensão ou em outras ações expressivas. O que anteriormente havia ficado sufocado, engessado no passado, revive agora por meio das realidades motoras e sensoriais atualmente disponíveis (POLSTER e POLSTER, 2001, p. 26). Outro aspecto importante que compromete o contato com o presente é o que chamamos de ‘falar sobre’. Imagine-se contando uma experiência que teve numa viagem. Ao falar sobre a viagem, é bem provável que seus interlocutores ouçam o que está sendo dito e, após alguns dias, nem lembrem mais dos detalhes da experiência narrada. Experimente, pois, levar os interlocutores a contatarem a sua própria experiência de viagem naquela região. Suponhamos que você esteve em Bariloche e pela primeira vez viu neve. Optando por não ficar exclusivamente ‘falando sobre’ a viagem, mas explorar a experiência também dos interlocutores (por exemplo, se eles já viram neve, como foi a experiência, como acham que é, qual expectativa, o que teriam vontade de fazer, etc.), após alguns dias é bem provável que todos se lembrem para onde você viajou, qual foi a sua sensação, os lugares que você visitou. O que estamos querendo mostrar é que quando a fala é somente narrativa sem envolvimento emocional e sem interesse pela experiência do interlocutor é bem possível que esta não represente nada além de um desabafo, ou seja, tem um valor, mas está aquém dos ganhos que podemos ter com uma descrição fenomenológica da experiência. O quanto você aprende com as palestras ouvidas em um congresso? Relembre-se de algum que você tenha ido. O que ainda é acessível a você em sua memória? Compare esta experiência com outra em que você estava verdadeiramente envolvido como conhecimento em questão. Em qual das duas experiências você estava ‘mais presente’? Qual está mais consciente para você? Diante disso, na Gestalt-terapia, o ‘aqui e agora’ é incorporado como uma estratégia de enfoque, ou seja, ‘todo o trabalho terapêutico está centrado no que o cliente traz, naquilo que neste momento ele vive (...) e não descartando qualquer Documento não controlado - AN03FREV001 48 tipo de informação que seja (...) relevante para o processo terapêutico’ (ELÍDIO, 2000, p. 60). Documento não controlado - AN03FREV001 49 8 A RELAÇÃO FIGURA-FUNDO Antes de nos debruçarmos teoricamente sobre os aspectos relevantes da relação figura-fundo, observemos as figuras abaixo. O que conseguem ver? Qual figura emerge e qual fundo permanece? Seria possível a emergência desta figura sem este fundo ‘delineado’? Conseguem perceber o dinamismo entre figura que ora emerge, ora vai para o fundo? FIGURA 33 Figura 44 3 FONTE: Disponível em: <http://www.existencialismo.org.br/jornalexistencial/figurafundo.gif>. Acesso em: 1 abr. 2010. 4 FONTE: Disponível em: <http://www.psicologado.com/sites/images/stories/gestalt.gif>. Acesso em: 1 abr. 2010. Documento não controlado - AN03FREV001 50 Este é apenas um exercício para que possamos perceber os fenômenos presentes em nossa percepção. Na primeira figura conseguiram ver uma velha e uma moça? E na segunda, conseguiram perceber um saxofonista e um rosto de mulher? É bem possível que aquilo que você percebeu primeiro esteja relacionado com as suas experiências, necessidades ou familiaridade. Esta ideia está ligada à teoria da Psicologia da Gestalt de que a pessoa que percebe não é meramente um alvo passivo para o bombardeamento sensorial originário do meio; ela estrutura e impõe uma ordem às suas próprias percepções. Trazendo esta noção para nossa vida cotidiana, tomemos um exemplo para ilustrarmos o dinamismo da relação figura-fundo: Lembre-se de um momento em que você estava com muita fome, caminhando na rua de sua cidade. Nos quarteirões pelos quais passou, você passou por drogarias, boutiques, livrarias e cinemas. Possivelmente você ‘olhou, mas não viu’ estes estabelecimentos, ou os viu como não restaurante, limitando o objeto àquilo que você espera dele (esperaria que fosse um restaurante, como é um ‘não restaurante’, não me detenho a sua ‘existência’ propriamente dita). Provavelmente o que você percebeu foram os restaurantes e lanchonetes, o que reforça a ideia de que nossas necessidades prioritárias guiam nossa percepção. No caso acima a ‘figura’ emergente no seu campo perceptivo é a fome. Mesmo que você tenha que comprar um remédio ou um livro, naquele momento o seu organismo está orientado a satisfazer àquela necessidade prioritária. Após a sua satisfação ou o fechamento da figura, em que esta se torna fundo, é bem provável que você possa entrar na drogaria ou na livraria, caso estivesse precisando de algo neste contexto. O fundo é compreendido na Gestalt-terapia como o contexto de onde a figura emerge. No exemplo acima, a figura ‘fome-restaurante’ emerge do fundo ‘rua’. Da mesma forma que a pessoa faminta percebe a comida, mesmo na sua ausência (olha para uma almofada redonda e vê um hambúrguer), no caso da figura não ser fechada e poder ir para o fundo, uma pessoa insatisfeita pode continuar a elaborar em suas atividades atuais as questões inacabadas do passado. Para Polster e Polster (2001) todas as experiências da vida de uma pessoa compõem o fundo para o momento presente e identificam três elementos que compõem o fundo na vida de uma pessoa. Documento não controlado - AN03FREV001 51 8.1 VIVÊNCIAS ANTERIORES O fundo é construído com base nas experiências que vamos acumulando ao longo da vida e nos valores a elas associados. Quanto mais diversificadas são nossas experiências desde o início da vida, mais rico será o nosso fundo e mais possibilidades de figuras podem ser produzidas e podem emergir. Ao mesmo tempo, a fluidez na relação figura-fundo será maior, quanto mais flexível forem os valores aprendidos. A criança que desde pequena é ‘protegida’ pelos pais de viver o machucar, o cair, o andar, o subir, etc., terá menos chances de ter um fundo muito rico, ou com maior acessibilidade e, consequentemente, uma vida menos diversificada, talvez até mais repetitiva em seus aspectos negativos e positivos. Se o fundo de uma pessoa contém carinho, gentileza será mais fácil que se torne ‘figural’ para esta pessoa, expressões de simpatia, parceria ou amizade, já que isto lhe é familiar, logo é mais facilmente percebido contra um fundo que contém outras informações não emergentes. Em contrapartida, se outra pessoa possui desejos homossexuais e seus valores levam em consideração a proibição do choro no homem ou da dureza de uma mulher, qualquer emergência destas ‘demonstrações’ terá menos probabilidade de vir à tona, mantendo a figura em aberto (a necessidade de relacionamento homossexual), havendo, pois, um ocultamento de partes do fundo. Desta forma, o fundo não está livremente disponível como uma fonte de novas figuras. Para Polster e Polster (2001, p. 50): (...) à medida que o fundo de sua experiência se torna mais diversificado, ele também se torna potencialmente mais harmonioso com todo um contínuo de acontecimentos. A diversidade resultante tem maior probabilidade de assegurar um fundo relevante para qualquer coisa que possa estar acontecendo no presente. Documento não controlado - AN03FREV001 52 8.2 SITUAÇÕES INACABADAS Podemos considerar situações inacabadas como aquelas em que a energia presente na não satisfação de uma necessidade continua em atividade comprometendo as experiências posteriores. Inevitavelmente, nossas figuras ‘clamam por clausura’, têm uma tendência natural a se realizar e ‘desocupar’ o status de necessidade (está ligada à eliminação do excesso ou da reparação da falta), cedendo lugar a novas figuras. Se você não discute com seu chefe, embora quisesse muito fazê-lo, e chega a casa e descarrega sobre seus filhos, é mais provável que isto não funcione, sendo somente uma tentativa parcial de terminar algo que ficou inacabado. Se eu tenho um imenso talento para a área artística, mas minha família quer que eu seja médica, caso me torne médica, é esperado que eu vivencie um enorme desconforto por não ter seguido o fluxo de minha figura. Se tiver coragem de abrir mão da minha carreira de médica e seguir o meu talento, é possível que esteja mais satisfeita e possa viver genuinamente as minhas experiências atuais. É claro que nem sempre podemos realizar todas as nossas necessidades. A maioria das pessoas tem uma grande capacidade de tolerar situações inacabadas, afinal durante nossa vida estamos destinados a ter muitas delas. Apesar de nossa tolerância, realmente estas situações procuram a ‘inteireza’ e estas direções incompletas quando obtém poder suficiente, a partir de um grande acúmulo de energia, o indivíduo reage com preocupações, ruminações, compulsões, ansiedades, temores, etc. Sempre que as questões inacabadas formam o centro da existência de uma pessoa a efervescência mental dela fica impedida. Quando, pelo contrário, somos livres e sem impedimentos (‘inacabamentos’), podemos nos envolver em qualquer coisa que desperte nosso interesse e permanecer com isso vivo até que diminua e algo diferente atraia a nossa atenção; este é um processo natural e uma pessoa que viva neste ritmo experiência a si mesma como flexível,clara e efetiva. Segundo Polster e Polster (2001) existem dois obstáculos que podem interferir neste processo natural. O primeiro seria uma necessidade rígida de Documento não controlado - AN03FREV001 53 completar a situação antiga e inacabada que podemos classificar de compulsão ou obsessão, levando a uma rigidez na relação figura-fundo. O segundo e oposto obstáculo seria a labilidade da mente, sendo a pessoa incapaz de focar no presente e concluir a experiência, impedindo o fechamento. Pessoas com estas características demonstram dificuldade para explorar a formação de uma figura, interrompendo a todo o momento este processo, existindo pouca possibilidade dentro delas para que o desenvolvimento de qualquer figura atinja a totalidade; não conseguem permanecer ativas o suficiente para sentir uma sensação de inteireza. Esta característica de forma exacerbada aponta para um quadro maníaco: não são capazes de identificar o limite entre a sensação de início e de final. 8.3 O FLUXO DA EXPERIÊNCIA PRESENTE No entanto, mesmo que estejamos imersos num constante movimento entre figuras e fundo e este fluxo aconteça aqui e agora, não é possível, ou melhor, é importante que a própria escolha da figura leve um tempo para se solidificar. Isto é, precisamos ‘depurar’ aquela necessidade emergente a tal ponto que ela esteja pronta para ser satisfeita. Em alguns momentos, por outro lado, certas imposições do meio, ou impossibilidades por ele colocadas impedem que a figura roube a cena e aí precisamos estar conscientes deste processo de escolha e nos colocarmos, mesmo que temporariamente, ‘em suspenso’ ou ‘entre parênteses’. Esta, porém é uma técnica arriscada, pois pode significar a supressão de si mesmo ou a repressão de desejos e necessidades. A distinção é que no processo de colocar-se entre parênteses há uma ‘eleição’ de prioridade, conforme falamos anteriormente; existe um processo consciente de escolha por uma ‘suspensão’ no momento em que julgamos adequado. Vivemos muito esta suspensão em nossos relacionamentos afetivos. Se em muitos momentos de um relacionamento há uma coincidência de necessidades, em Documento não controlado - AN03FREV001 54 tantos outros nos é exigido que abramos mão de uma necessidade, naquele momento, em prol de um melhor processo comunicativo, ou entendimento. Quantas vezes já fomos a reuniões familiares estando com outra necessidade em aberto, para conseguirmos uma maior harmonia com o meio? Mais uma vez, é importante ressaltar que o funcional dessas escolhas é poder colocar-se temporariamente entre parênteses até que seja possível o fechamento da figura, mais a frente. A repetição desta técnica a leva à categoria de padrão rígido de comportamento, o que certamente terá consequências desastrosas. O ‘colocar-se entre parênteses’ deve ser uma técnica que nos ajude na nossa relação com o mundo e não que nos paralise frente a ele. 9 TEORIA DE CAMPO Para entender o método chamado de Teoria de Campo Fenomenológica é preciso entender a concepção do fenômeno. Primeiramente, todo fenômeno deve ser considerado legítimo e pode ser investigado. Segundo, experienciar um evento significa clarificar os sentimentos, apontar os aspectos subjetivos e os objetivos da experiência, e dar-se conta dos aspectos inibidos e negligenciados, sempre buscando o processo de aware do cliente (falaremos sobre a awareness mais adiante). Estes pressupostos só poderão tornar-se viáveis quando a abordagem enfatiza o “agora”. Esta ênfase no presente é uma influência direta da Psicologia da Gestalt. A abordagem fenomenológica de campo utiliza a experimentação sistemática para encontrar uma descrição que seja verdadeira para o estudo do fenômeno. Esta experimentação capacita a pessoa a perceber o que é adequado ou verdadeiro para si mesmo. A teoria de campo está muito ligada ao processo cognitivo, ou seja, ela indica o processo pelo qual pensamos. Ela nos orienta em relação aos mecanismos de avaliação, assimilação de ideias e metodologias e um referencial de comunicação. Documento não controlado - AN03FREV001 55 Para entendermos o processo de conscientização da awareness é necessário que haja uma interação entre a maneira de pensar e a de estar inserido no mundo. A Teoria de Campo se contrapõe às ideias mecanicistas newtonianas, contrariando também os pensamentos reducionistas ou dualistas. Ela traz o conceito de holismo para dentro do seu escopo teórico e abrange uma perspectiva que fornece uma integração do corpo, da mente, das interações sociais, além dos aspectos espirituais e transpessoais. Esta troca é tão intensa e dinâmica que o campo indivíduo/ambiente influencia o resto do campo, e o resto do campo influencia o indivíduo. A Teoria de Campo capacita a Gestalt-terapia a manter o foco na pessoa como agente ativo. Neste ponto, podemos descrever a relação entre o conceito de self e a Teoria de Campo. Se self fosse entendido fora do contexto da Teoria de Campo, este poderia ser entendido como um existente concreto, retirando o caráter ativo da pessoa, ou seja, haveria um “centro” que faz coisas, mas o “Eu” deixaria de ser este centro do agente ativo. A Teoria de Campo também ajuda a manter em mente as complexidades das relações de campo no presente e das mudanças que, inevitavelmente, ocorrem com o passar do tempo e os diferentes contextos e maneiras pelas quais as pessoas constroem os seus selfs. O self é a fronteira de contato em funcionamento. Sua atividade é formar figuras e fundos. O self é a interação contínua no campo organismo/ambiente, e que faz parte do campo. “Campo” é um instrumento básico na abordagem da Teoria de Campo e traz uma visão holística e interativa das forças presentes nele. Para a Gestalt-terapia, o relacionamento é inerente à existência. Ou melhor, tudo que existe consiste de uma teia de relacionamentos que é determinada por uma multiplicidade de variáveis. O contato/relacionamento constitui a primeira realidade para a pessoa, e o organismo não tem significado separado do seu ambiente. Outro ponto importante é que os relacionamentos se constituem dentro de uma organização dinâmica e sistêmica inerente ao todo. A proposta do campo é fazer com que a pessoa perceba de forma dinâmica e energética que existem possibilidades para o movimento e a interação global do mundo. Podemos então dizer que tudo pode ser definido em termos de um campo todo. Cada evento é Documento não controlado - AN03FREV001 56 único, ordenado, e pode ser estudado, independente do número de repetições para classificá-lo. O campo psicológico não existe independente das pessoas; as pessoas não existem sem esse campo. O indivíduo é definido, num dado momento, apenas pelo campo do qual faz parte, ou seja, os fatores contextuais são considerados inerentes e necessários para a compreensão da pessoa, inclusive, pois o comportamento também é uma função do campo. O campo organismo/ambiente determina a pessoa. A seguir alguns outros conceitos nos ajudarão a compreender a Teoria de Campo formulada por Kurt Lewin. Devemos perceber que o comportamento é regulado pelo meio, mas não um meio geográfico (onde se está), e sim um meio comportamental (onde se pensa que está). O meio comportamental é uma ligação, um meio termo, entre o meio geográfico e o comportamento. O interessante é que a partir do meio comportamental podemos, em terapia, conhecer melhor o fenômeno trazido pelo cliente, e colocando-o dentro do seu campo, compreender como o todo funciona. É o próprio conceito de campo que nos conduz a uma totalidade emque se unem os conceitos de meio geográfico e meio comportamental num único campo, o psicofísico, que é o lócus do comportamento. Portanto, é a pessoa sendo vista como um todo na sua relação dentro-fora com o ambiente. A teoria de campo de Lewin influenciou fortemente a Gestalt-terapia (GT), e apresenta uma grande influência dos constructos da física. Atualmente esta teoria também é aplicada no trabalho com grupos e na psicologia social. As principais características de sua teoria são: o comportamento é uma função do campo que existe no momento em que ocorre o comportamento; a análise começa com a situação como um todo, a partir do qual as partes componentes são diferenciadas; a pessoa concreta em uma situação concreta pode ser representada matematicamente, ou seja, a pessoa é sempre vista dentro de um espaço maior que ela. Um campo é definido como a totalidade de fatos coexistentes que são concebidos como mutuamente interdependentes, e traz em si uma noção dinâmica e não estática. O comportamento deixa de ser entendido apenas como resultado da realidade interna da pessoa e passa a ser analisado em função do campo Documento não controlado - AN03FREV001 57 que existe no momento em que ocorre. A situação comportamental é vista como um todo, da qual decorrem partes diferenciadas (PONCIANO, 1985, p. 95) O espaço de vida, proposto por Lewin, composto pela pessoa + ambiente psicológico, é o universo do psicólogo, é o todo da realidade psicológica, e contém a totalidade dos fatos possíveis capazes de determinar o comportamento de um indivíduo; é onde o comportamento ocorre. Fora do espaço de vida, temos o meio não psicológico que é considerado o meio físico (podendo incluir alguns fatos sociais). O espaço de vida consiste em uma rede de sistemas interconectados, com fatos empíricos e fenomenais e fatos hipotéticos ou dinâmicos. As formas como as áreas interconectadas irão se comunicar determinam o que ele chama de dimensões. A dimensão proximidade-distância diz que duas regiões são acessíveis aos fatos de outra região; a dimensão firmeza-fragilidade determina a resistência de uma fronteira, ou sua permeabilidade, e é representada pela largura da linha da fronteira; a dimensão fluidez-rigidez é a mais importante delas, e determina a qualidade de sua superfície, facilitando a criatividade. Um meio fluido é aquele que responde rapidamente a qualquer influência agindo sobre ele, é flexível e maleável. Um meio rígido resiste à mudança, é duro e inelástico. Os principais fatos da região intrapessoal são chamados de necessidades, enquanto os fatos do ambiente psicológico são chamados de valências. Cada necessidade ocupa uma célula separada na região intrapessoal e cada valência ocupa uma região separada no ambiente psicológico. O aumento de tensão ou a liberação de energia em uma região intrapessoal é causado pelo surgimento de uma necessidade. Lewin conectou a necessidade à ação, por meio da ação motora. Ele ligou a necessidade a certas propriedades do ambiente que então determinam o tipo de locomoção que vai ocorrer. Essa é uma maneira muito interessante de conectar a motivação ao comportamento. Por valência, entende-se o valor daquela região para a pessoa, que pode ser: positivo e negativo. Uma região de valor positivo é aquela que contém um Documento não controlado - AN03FREV001 58 objeto-meta que reduzirá a tensão quando a pessoa entrar na região, ao contrário da negativa, que vai aumentar a tensão. Uma valência é uma força, afinal ela dirige a pessoa por meio de seu ambiente psicológico, mas não proporciona a força motivadora para a locomoção. As propriedades conceituais da força são: direção, potência e ponto de aplicação. A direção para a qual esse vetor aponta representa a direção da força, o comprimento do vetor representa a potência da força, e o lugar onde a ponta da flecha se insere na fronteira externa da pessoa representa o ponto de aplicação. A mudança do cliente se dá quando estes três conceitos ficam claros para ele. Ele sabe que quer ir, em que direção, sente-se com energia e para onde ir. As ações que ocorrem dentro do campo são momentâneas em função da inter-relação entre as forças e da interdependência entre elas. Conhecer todos esses conceitos, principalmente esta forma fenomenológica de lidar com as situações, nos leva a um ponto muito interessante que é perceber a Gestalt-terapia como uma abordagem em que se referencia a filosofia do óbvio. O óbvio não é tão nítido como parece, pois está repleto de preconceitos, crenças, etc. Porém, o maior desafio do óbvio é conseguir ser agarrado. 10 AWARENESS E TEORIA PARADOXAL DA MUDANÇA Awareness é um conceito fundamental na Gestalt-terapia. Supõe-se que quanto mais awareness uma pessoa está, mais próxima de si e mais saúde ela conseguirá alcançar. No entanto, não é tarefa muito fácil alcançar este nível de awareness, principalmente se levarmos em conta o ritmo de vida que temos ultimamente – apressado e, muitas vezes, implacável com aqueles que ‘perdem tempo’. Aware significa consciência; awareness, conscientização. Quanto mais estamos conscientes de quem nós somos, de como fazemos e para quê fazemos; quanto mais estamos conscientes de nossas sensações corporais, de nossa relação figura-fundo, do nosso campo psicológico e até mesmo geográfico, mais poderemos assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas e maiores chances de estarmos vivos pelo que somos e não pelo que deveríamos ser, ou pelo que os outros Documento não controlado - AN03FREV001 59 esperam que sejamos. Enfim, temos mais chances de viver a autenticidade de nossa existência, ‘com as dores e delícias de sermos quem somos’, parafraseando o compositor Caetano Veloso. As funções de contato, no entanto, precisam se desenvolver bem para que possamos estar realmente awareness. Discutiremos exclusivamente estas funções no módulo seguinte. Yontef (1998) define awareness como: (...) uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato atento como evento mais importante do campo indivíduo/ambiente como apoio energético, cognitivo, emocional e sensório-motor totais. Um continuum constante e ininterrupto de awareness leva a (...) uma percepção imediata da unidade óbvia entre elementos díspares no campo. Novas totalidades significativas são criadas por contato aware (YONTEF, 1998, p. 236). Algumas proposições este autor nos apresenta a respeito deste conceito: • A awareness é eficaz somente quando baseada na energia (necessidade) dominante atual do organismo, isto é, só estaremos de fato conscientes do que se passa conosco se formos realmente capazes de nos colocarmos em contato direto com o que está acontecendo aqui e agora. • A awareness não se completa sem o conhecimento direto da realidade da situação (novamente o contato aqui e agora) e de como se está na situação. É fundamental que este processo seja sucedido pela aceitação de si e a assunção da escolha e responsabilidades posteriores. • A awareness está sempre mudando evoluindo e se transcendendo. Existem duas maneiras de o indivíduo se autorregular (veremos no próximo item): por hábito, isto é, pois estamos acostumados a fazer de uma determinada forma, sem necessariamente estarmos conscientes da necessidade emergente (figura) naquele momento; ou por escolha consciente, onde estaremos awareness de nossas necessidades e responsáveis pelas escolhas em questão. Para que possamos alcançar a mudança em nossa forma de se autorregular, passando de uma autorregulação por hábito para uma autorregulação aware, é primeiramente necessárioaceitarmos quem somos. Documento não controlado - AN03FREV001 60 Para isso, precisamos conhecer a nós mesmos: quem somos; o quê fazemos; para quê fazemos; como fazemos. Quanto mais consciente somos de nós mesmos, mais será possível termos controle sobre o ambiente e sobre as mudanças que buscamos realizar em nós e no mundo que nos cerca. É bem provável que menos sofrimento vivenciemos. No entanto, boa parte das pessoas leva a vida tentando ser o que não é, ou o que acha que deveria ser. Quando nos autorregulamos, mais em função das expectativas do mundo sobre quem deveríamos ser do que em função de nossas próprias necessidades, mais nos distanciamos de quem somos e maior o estado de tensão produzido em nosso organismo: ele necessita de uma coisa, mas buscamos outra para satisfazer às exigências do mundo e não a nossa. Passamos a funcionar deste jeito e seguindo um caminho bastante perigoso, pois em algum momento este organismo precisará aliviar a sua tensão. Podemos ser surpreendidos por um sintoma físico e até uma patologia orgânica, como também podemos externalizar via transtornos mentais. A grande parte dos clientes chega para o tratamento esperando que alguém saiba sobre ele mais do que ele mesmo e lhe dê as respostas que busca a respeito de um comportamento não adaptado, por exemplo. Muitas abordagens aceitam este lugar do terapeuta de quem tudo sabe e o cliente, então, seguirá as orientações deste para a tão esperada mudança; aqui há claramente um pacto de que minha mudança está nas mãos de outrem, reforçando assim sua falta de awareness e funcionando, muitas vezes, baseado mais em como o terapeuta acha que o cliente deve ser do que naquilo que o cliente acha que é. O cliente acaba agindo mais em razão dos hábitos caracteriológicos rígidos do que pela necessidade atual, e o terapeuta fica com o papel de agente de mudança. Beisser apud Yontef (1998, p. 219) propõe outra maneira de se enxergar a mudança, a partir de sua Teoria Paradoxal da Mudança: (...) esta mudança ocorre quando a pessoa se torna o que ela é, e não quando ela tenta se tornar o que não é. A mudança não ocorre por meio de uma tentativa coercitiva do indivíduo ou de qualquer outra pessoa em mudá- lo, mas acontece se a pessoa faz o esforço, e leva o tempo necessário, para ser o que é – estando integralmente de posse de suas posições atuais. Documento não controlado - AN03FREV001 61 Pela rejeição do papel de agente de mudança, a tornamos mudança ordenada e significativamente possível. Logo, a Gestalt-terapia rejeita o papel de agente transformador, pois, como já dito anteriormente, para que possamos dar um passo à frente, primeiro temos que ter os pés bem firmes no chão. Esta firmeza, este suporte será alcançado quanto mais aware estivermos de nós mesmos, já que é muito difícil dar um passo sem esta base firme de sustentação de apoio. 11 TEORIA ORGANÍSMICA O mais importante precursor médico do conceito organísmico foi Hughlings, eminente neurologista inglês. Jan Smuts, soldado e grande estadista inglês da África do Sul, é reconhecido como o precursor filosófico da Teoria Organísmica. Smuts construiu a palavra holismo da raiz grega holos, todo, completo, inteiro. Outras fontes de onde a Teoria Organísmica bebeu foi Aristóteles, Goetche, Spinoza e William James. O movimento gestaltista também se utilizou das ideias organísmicas para pautar suas observações. Este movimento defendia uma nova espécie de análise da experiência consciente. No entanto, os gestaltistas e a Psicologia da Gestalt basearam seus estudos nas dimensões perceptivas e no fenômeno da consciência, dispensando poucos estudos sobre o organismo ou a personalidade como um todo. A Teoria Organísmica tomou por empréstimos muitos conceitos da Psicologia da Gestalt; a Psicologia organísmica pode ser considerada uma extensão dos princípios da Psicologia da Gestalt ao organismo como um todo. Kurt Goldstein, neuropsiquiatra, é considerado um expoente da Teoria Organísmica. Em grande parte como resultado de suas observações sobre as lesões cerebrais dos soldados durante a Primeira Guerra Mundial e de seus estudos sobre a linguagem, Goldstein conclui que um determinado sintoma não pode ser compreendido somente a partir de certa lesão orgânica, mas do organismo como um todo. O organismo se comporta como um todo unificado e não como um conjunto de partes (noção muito semelhante ao da Psicologia da Gestalt, mas aplicado ao Documento não controlado - AN03FREV001 62 organismo total e não só à percepção). Hall e Lindzey (1973, p. 330) afirmam que “o corpo e a mente não são entidades separadas, e nem mesmo a mente é constituída por faculdades ou elementos independentes. O organismo é uma só unidade; o que ocorre em uma parte, afeta o todo”. As principais características da teoria organísmica são: • A teoria organísmica destaca a unidade, a integração, a consistência e a coerência da pessoa normal. O organismo tende a estar organizado; é um estado natural do organismo. A desorganização, por sua vez, pode ser considerada patológica e, frequentemente, é consequência do impacto do meio ambiente. • Entende o organismo como um todo organizado, no qual suas partes, para serem compreendidas, precisam estar em relação ao todo; nunca isoladas, como frequentemente fazem atualmente os especialistas em medicina (olham a parte, o órgão, o sintoma e esquecem o todo, o holos). Os teóricos organísmicos creem ser impossível compreender o todo estudando as partes de forma isolada. • Acredita que o organismo age motivado por um impulso dominante, o de autorrealização, e não por vários impulsos. Isto quer dizer que o homem luta continuamente para realizar suas potencialidades inerentes (mesmo que, muitas vezes, possamos boicotar esta autorrealização, o que veremos mais à frente ao abordarmos o eu neurótico). • Tende a diminuir as influências do meio externo ao organismo rumo à sua autorrealização, embora não o considere como um sistema fechado. O indivíduo seleciona aspectos do meio aos quais vai reagir e, salvo em circunstâncias especiais, o meio não pode obrigar o organismo a se comportar de forma estranha à sua natureza. Crê que as potencialidades do indivíduo lhe permitem desenvolver-se de forma ordenada, em um meio apropriado. Nada é naturalmente mau no organismo, faz-se mau por interferência de um meio ambiente inadequado, lembrando as ideias de Jacques Rousseau, de que todo homem é naturalmente bom, mas pode ser corrompido por um meio que lhe negue oportunidade de atuar conforme sua natureza. • Acredita que o estudo sobre as percepções e a aprendizagem do organismo constitui a base para a compreensão do organismo total. Documento não controlado - AN03FREV001 63 • Afirma que pode aprender mais com o estudo compreensivo da pessoa do que em uma investigação extensiva de uma função psicológica específica e isolada do indivíduo (em clara oposição à psicologia experimental). Embora outros teóricos tenham se debruçado sobre os estudos da teoria organísmica e realizado modificações em suas versões, nos deteremos aqui à exploração da teoria tal qual formulada por Kurt Goldstein. A organização inicial do funcionamento organísmico é o da relação figura- fundo. A figura é qualquer processo que emerge de um fundo; a figura é a principal atividade do organismo. A figura tem um limite definido, um contorno que a encerra, enquanto o fundo é contínuo; não só circunda a figura como se estende atrás dela. Goldstein faz uma distinção entre figuras naturais e não naturais. Afirma que a figura é natural quando representa uma preferênciada pessoa e quando o comportamento é ordenado, flexível e apropriado para a situação. E é não natural quando representa uma tarefa imposta à pessoa e resulta em um comportamento rígido e mecânico (uma criança que canta a letra de uma música sem saber o significado, no momento em que canta está em contato com uma figura não natural). 11.1 A DINÂMICA DO ORGANISMO Goldstein apresenta três conceitos dinâmicos a respeito do funcionamento do organismo: • O processo de equalização Goldstein acredita que há uma tendência organísmica de manter uma distribuição equilibrada de energia pelo corpo; esta é constante e tende a distribuir- se uniformemente por todo o organismo. O objetivo, pois, de uma pessoa em estado de tensão (como, por exemplo, o provocado pelo desequilíbrio causado pela falta de água) é distribuir a energia pelo organismo e não descarregá-la. Enquanto não satisfaz esta figura emergente há uma reorganização de energia, ou pelo menos uma busca de, para manter o organismo equalizado. Quando bebe água a energia pode ser mais bem distribuída e o equilíbrio é retomado. Documento não controlado - AN03FREV001 64 • Autorrealização Representa para Goldstein o único motivo que possui o organismo. O sexo, a fome, o desejo de poder, a curiosidade são formas de manifestar o propósito soberano da vida que é a autorrealização. Esta é vista como uma tendência criativa da natureza humana. O organismo humano se desenvolve pela autorrealização, a partir da satisfação de necessidades ou superação de estados deficitários organísmicos. Mas, o que determina a ‘escolha’ destas necessidades ou a das potencialidades inerentes? Goldstein propõe investigar as preferências da pessoa e o que ela realiza melhor. Suas preferências corresponderiam às suas potencialidades. • ‘Pôr-se em acordo’ com o meio ambiente Consiste fundamentalmente em dominar o meio; e o indivíduo que não o consegue tem que aceitar as dificuldades e se ajustar da melhor maneira à realidade externa. Se as discrepâncias entre as aspirações do organismo e a realidade do meio são muito grandes, o organismo fracassa ou tem que limitar suas ambições, realizando-se em um nível inferior da existência. Goldstein pouco aprofundou seus estudos a respeito de uma psicologia organísmica do desenvolvimento. Um pequeno trecho, no entanto, poderá brevemente nos esclarecer sobre o seu posicionamento sobre o desenvolvimento: (...) uma criança exposta a situações que possa enfrentar se desenvolverá normalmente, por meio da maturidade e do treino. À medida que surgem novos problemas ela constrói novos padrões para solucioná-los. (...) Contudo, se as condições do meio são muito difíceis para a capacidade da criança, ela desenvolverá reações impróprias para o princípio da autorrealização. (...) o processo tende a se isolar dos padrões de vida do indivíduo. O isolamento de um processo é a condição primária para o desenvolvimento de estados patológicos (HALL e LINDZEY, 1973, p. 341). Documento não controlado - AN03FREV001 65 FIM DO MÓDULO II
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