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ESPANHA POLÍTICA E CULTURA Chanceler Dom Dadeus Grings Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilázio Teixeira Conselho Editorial Ana Maria Lisboa de Mello Elaine Turk Faria Érico João Hammes Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jane Rita Caetano da Silveira Jerônimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente José Antônio Poli de Figueiredo Jurandir Malerba Lauro Kopper Filho Luciano Klöckner Maria Lúcia Tiellet Nunes Marília Costa Morosini Marlise Araújo dos Santos Renato Tetelbom Stein René Ernaini Gertz Ruth Maria Chittó Gauer EDIPUCRS Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-chefe Janete Abrão (Organizadora) ESPANHA POLÍTICA E CULTURA Porto Alegre 2010 © EDIPUCRS, 2010 CAPA Paloma Férez Pastor REVISÃO DE TEXTO Rafael Saraiva DIAGRAMAÇÃO Janete Abrão E77 Espanha : política e cultura [recurso eletrônico] / org. Janete Abrão. – Dados eletrônicos – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2010. 96 p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de Acesso: World Wide Web: <http://www.pucrs.br/edipucrs/> ISBN 978-85-7430-998-9 (on-line) 1. Espanha – História. 2. História Contemporânea. 3. Espanha – História Política. 4. Cultura – Espanha. I. Abrão, Janete. CDD 946.08 SUMÁRIO Apresentação ..................................................................................................................... 6 A Espanha sob o regime franquista: do isolamento à aceitação internacional (1939 – 1953) .................................................................................................................................. 8 Valentina Terescova Veleda O Dois de Maio, a “Guerra de Independência” e a Memória manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo ............................................................................................. 18 Janete Abrão A Imprensa e a Ditadura Franquista ................................................................................ 30 Sara Getino Garasa Operação propaganda! O cinema espanhol: do Franquismo à Transição Democrática (1939-1978) ..................................................................................................................... 41 Daniela Ribeiro Pereira O Labirinto do Fauno: o embate político-ideológico entre duas concepções de Espanha ........................................................................................................................... 66 Bruno Kloss Hypólito A Música na Espanha Franquista .................................................................................... 79 Marcus Antonio Wittmann APRESENTAÇÃO Nas páginas seguintes, os leitores poderão apreciar o resultado das pesquisas desenvolvidas por alunos do Curso de Graduação e Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, orientados pela Prof.ª Dr. Janete Abrão, sobre temas que se constituem em lacuna historiográfica em âmbito nacional: a fratricida Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e, principalmente, a Ditadura Franquista (1939-1975). O objetivo da publicação é o de promover debates, divulgar e incentivar pesquisas relativas a esses temas, além de buscar compreender a História Contemporânea da Espanha, no que se refere, tanto à política e às relações internacionais como à sociedade e à cultura. Nesse sentido, o presente volume reúne as contribuições de vários autores: Valentina Terescova Veleda que, com o capítulo intitulado: “A Espanha sob o regime franquista: do isolamento à aceitação internacional (1939-1953)” analisa as relações internacionais do regime durante a II Guerra Mundial e os anos iniciais da Guerra Fria. Janete Abrão, a organizadora do volume, discorre sobre os abusos da memória oficial em seu capítulo: “O Dois de Maio, a ‘Guerra da Independência’ e a memória manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo”. No plano cultural, Sara Getino Garasa analisa, em “A imprensa e a Ditadura Franquista”, a trajetória histórica da imprensa espanhola durante os anos do regime, com ênfase nas duas Leis de Imprensa (de 1948 e a de 1966) decretadas durante o franquismo. Daniela Pereira Ribeiro, em “Operação propaganda! O cinema espanhol: do Franquismo à Transição Democrática (1939-1978)”, explora as dinâmicas da ditadura que afetaram diretamente a produção cinematográfica espanhola no período em análise, assim como evidencia as contradições do regime através dos órgãos governamentais que controlavam a propaganda na época. Ainda se tratando de cinema, Bruno Kloss Hypólito analisa a partir do filme “O Labirinto do Fauno”, dirigido pelo cineasta mexicano Guillermo Del Toro, as concepções antagônicas sobre o Estado espanhol entre os diferentes grupos envolvidos durante a Guerra Civil, representados, no filme, em seus diferentes personagens e situações. 7 Por fim, Marcus Antonio S. Wittmann, no capítulo “A Música na Espanha Franquista”, traça um perfil das canções produzidas entre 1939 e 1975, evidenciando que as mesmas serviram, tanto para a evasão da sociedade e sua adesão ao regime como forma de protesto contra a ditadura. Esperando ter cumprido com a tarefa de publicar algumas pesquisas, atualmente em curso sobre a História da Espanha, desejo a todos uma ótima leitura. A Espanha sob o regime franquista: do isolamento à aceitação internacional (1939 – 1953) Valentina Terescova Veleda Acadêmica do Curso de História – PUCRS, Brasil. Guerra Civil Espanhola começou após o golpe perpetrado pelos militares, em 18 de julho de 1936, contra o governo republicano legitimamente eleito pelo povo, estendendo-se por três anos e apresentando um saldo de mais de 400 mil mortos. Como acontece com toda guerra civil, foi uma guerra fratricida, que colocou em lados opostos pessoas de uma mesma família com pensamentos políticos e ideológicos dicotômicos, criando uma animosidade que ultrapassou o tempo de guerra e adentrou os anos posteriores. Segundo Eric Hobsbawm, “[...] a Guerra Civil Espanhola antecipou e moldou as forças que iriam, poucos anos depois da vitória de Franco, destruir o fascismo”.1 O historiador argumenta que a Guerra Civil Espanhola prenunciou a aliança de frentes nacionais que ia de conservadores patriotas a revolucionários sociais, para a derrota do inimigo nacional e simultaneamente para a regeneração social. Manuel Tuñon de Lara, por sua vez, descreve como foi o dia imediatamente posterior ao fim da guerra, na nota preliminar de seu livro “España Bajo La Dictadura Franquista”: Milhões de espanhóis que haviam lutado nas fileiras republicanas ou que haviam se enquadrado sem paixão no exército de Franco, todos cansados de mais de três anos de guerra, assim como suas famílias, [...] terminaram por abraçar uma esperança ingênua e pensar, ‘depois de tudo, talvez não seja tão mal como tinham pintado’. E acreditavam no lema, ‘nenhum lugar sem lume, nenhum espanhol sem pão’, palavras do Caudillo que podiam ser lidas em edifícios, paredes nas ruas e imprensa diária. 2 O regozijo popular logo deu lugar às prisões e fuzilamentos sumários dos “inimigos internos”, termo utilizado por Francisco Franco, em seu discurso de 3 de abril de 1939, no qual conclama: “Espanhóis, alerta! Espanha segue em guerra contra 1 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos – O breve século XX (1914- 1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 162. 2 Millones de españoles que se habíanbatido en las filas republicanas lo que lo habían hecho sin pasión encuadrados en El ejército de Franco, cansados de casi tres años de guerra, así como sus familias [...], habían terminado por abrazar una esperanza ingenua y pensar ‘después de todo, tal vez no sea esto tan malo como lo han pintado. Y creían en el lema, ‘Ni un hogar sin lumbre, ni uno español sin pan’, palabras del Caudillo que podían leerse en edificios, paredes callejeras y prensa cotidiana. Cf. TUÑON DE LARA, Manuel. España Bajo La Dictadura Franquista (1939 – 1975). Barcelona, Editora Labor: 1980, p. 13. A 9 todo inimigo do interior e do exterior”. A propaganda utilizada de forma unilateral pelos vencedores contra los rojos∗∗ Pode-se afirmar que foi um período aproveitado por aqueles que faziam parte do lado vencedor para conseguirem mais facilmente acesso a cargos públicos e diversas sinecuras. O exílio de intelectuais, de técnicos e de mão de obra qualificada, resultou da mudança do pessoal da Administração Governamental e trouxe à Madri núcleos populacionais originários das províncias que haviam sido “zona franquista” durante a guerra, bem como de outras zonas empobrecidas da Espanha. O mesmo fenômeno também pôde ser observado na formação do aparato burocrático do Movimento “nacionalista”, em seus diferentes setores, o que criou um segmento específico da classe média, muito ligado ao regime. revestiu-se de atitudes revanchistas, que incluíam a delação de qualquer desafeto como republicano; filhos de rojos não podiam estudar; as mulheres de los rojos tinham os cabelos raspados nas praças dos pueblos (situação semelhante à observada na França após a derrota nazista). Por sua vez, a base do regime franquista foi o “Nacional-Catolicismo” e o anticomunismo, criando um imaginário místico de uma “cruzada” dirigida pelo General Franco, que faria com que a Espanha resgatasse seu passado imperial de glória e poder, restituindo-a ao seu lugar de direito dentro da Europa. Os nomes de Isabel e Fernando, os reis católicos, foram bastante lembrados como os promotores dessa “era de ouro” do país, primeiramente com a expulsão dos muçulmanos e com as posteriores descobertas na América. O discurso dos apologistas do Caudillo vinculava Franco ao retorno desse período de prosperidade ou “idade de ouro”. Outro fato histórico vinculado ao franquismo foi o “Dois de Maio de 1808”, momento em que os espanhóis, tendo seu território invadido pelas forças de Napoleão e com o rei e a família real feito reféns em Bayona, se rebelaram contra o inimigo francês. Esse episódio foi utilizado pela propaganda franquista para criar uma ligação entre o golpe de 18 de julho, com a expulsão do poder dos inimigos espanhóis, representantes da derrocada da Espanha, os republicanos, e a tomada de poder pelos “verdadeiros espanhóis”, os franquistas. ∗∗ A autora considerou que palavras com sentido não traduzível para a língua portuguesa e que perderiam seu sentido original deveriam ser escritas no idioma original. É o caso de rojos, pueblos, entre outras palavras presentes no texto. 10 Pode-se acrescentar que a Igreja Católica assumiu uma função legitimadora dentro do regime, desde o seu princípio. O papa Pio XII, no próprio dia 1º de abril de 1939, remeteu um telegrama a Franco, enviando sua benção apostólica. Após duas semanas da emissão do referido telegrama, o Sumo Pontífice dirigiu à nação espanhola uma mensagem, na qual ele afirmava que: Os desígnios da Providência, amadíssimos filhos, voltaram a se manifestar mais uma vez sobre a heróica Espanha. A nação eleita por Deus como principal instrumento da evangelização do novo mundo e como baluarte inexpugnável da fé católica, acaba de dar aos prosélitos do ateísmo materialista de nosso século a prova mais excelsa de que acima de tudo estão os valores eternos da religião e do espírito. A propaganda tenaz e os esforços constantes dos inimigos de Jesus Cristo parece que, quiseram fazer, na Espanha, um experimento supremo das forças dissolventes que possuem a sua disposição espalhadas pelo mundo, e embora seja verdade que o Onipotente não permitiu por agora que conseguissem seu intento, tolerou ao menos alguns de seus terríveis efeitos, para que o mundo veja como a perseguição religiosa minando as bases da justiça e da caridade, que são o amor de Deus e o respeito a sua santa lei, pode arrastar a sociedade moderna aos abismos insuspeitos de uma mesma destruição e apaixonada discórdia.3 A participação da Igreja Católica foi intensa na censura, controle educativo, repressão moral, causando uma confusão entre o âmbito religioso e o civil. Ela promoveu a anulação dos matrimônios civis realizados durante o período republicano e de Guerra Civil, anulando inclusive suas inscrições no Registro civil; anulou a secularização dos cemitérios; restabeleceu a remuneração por haveres eclesiásticos e a Igreja ficou livre de pagamentos de impostos territoriais; criou assessorias religiosas em organizações falangistas, ministérios, centros de estudo, etc.4 3 Los designios de la Providencia, amadísimos hijos, se han vuelvo a manifestar una vez más sobre la heroica España. La nación elegida por Dios como principal instrumento da evangelización del nuevo mundo y como baluarte inexpugnable de la fe católica, acaba de dar a los prosélitos del ateísmo materialista de nuestro siglo la prueba más excelsa de que por encima de todo están los valores eternos de la religión y del espíritu. La propaganda tenaz e los esfuerzos constantes de los enemigos de Jesús Cristo parece que han querido hacer en España un experimento supremo de las fuerzas disolventes que tienen a su disposición repartidas por todo el mundo, y aunque es verdad que el Omnipresente no ha permitido por ahora que lograran su intento, ha tolerado al menos algunos de sus terribles efectos, para que el mundo viera cómo la persecución religiosa, minando las bases de la justicia y de la caridad, que son el amor de Dios y el respeto a su santa ley, puede arrastrar a la sociedad moderna a los abismos no sospechados de una misma destrucción y apasionada discordia. Tradução sob responsabilidade da autora. 4 TUÑON DE LARA. Op. Cit., p. 16 -17. 11 Raymond Carr definiu o Estado espanhol franquista como “[...] unipartidarista, totalitário e imperial [...]”.5 No entanto, a política adotada por Franco, na Espanha, após 1939 foi, conforme Raymond Carr, “[...] uma estrutura bizantina de clãs políticos [...]”. Franco, e seus correligionários, pregavam um Estado espanhol baseado em uma “democracia orgânica”, oposta à “democracia inorgânica”, baseada no sufrágio universal, no sistema de partidos e na responsabilidade parlamentar dos governos. A “democracia orgânica”, segundo seus apologistas, era uma verdadeira democracia, em que se viam representados os interesses da nação, e não os interesses egoístas de eleitores individuais. 6 Em termos econômicos, a indústria espanhola do fim da Guerra Civil foi, segundo Tuñon de Lara, “protoindustrial”. O grande número de baixas pessoais, por morte, exílio ou desaparecimento, provocou uma queda demográfica que se refletiu na falta de mão de obra nas indústrias e em um êxodo rural em direção às cidades de uma população de “ex-combatentes”, que assumiram cargos de segunda categoria, como porteiros, ordenanças, escriturários, etc. Mesmo que parecesse um bloco monolítico e coeso aos que assistiam o regime do exterior, o governo era formado por clãs ou famílias, que disputavam a preferência do caudillo e os cargos de maior relevo e importância na estruturagovernamental. Essas famílias compunham-se de elementos do Exército, de grupos políticos que representavam a Igreja Católica, do Movimento da Falange (fascista), dos monárquicos franquistas, dos tecnocratas e dos funcionários do Estado. Em 1940, ocorreu a organização dos “sindicatos verticais”, com vistas a diminuir disputas de classe entre empregados e patrões, controlados pela Falange. A economia, nos anos abordados pelo presente texto, caracterizou-se pela adoção da autarquia, na qual houve uma forte proteção aos produtos internos e o comércio exterior foi dificultado através de mecanismos distintos. Cabe afirmar que essa tendência protecionista já fora utilizada durante o período da Restauração Bourbônica, no século XIX, quando ocorreu uma anulação progressiva do propósito de livre comércio. Apesar disso, o modelo econômico instaurado, após a Guerra Civil, supôs uma mudança qualitativa importante, pois, após 1939, não se tratava apenas de 5 CARR, Raymond. España 1808 – 1975. Barcelona: Ariel, 2003, p. 667. 6 CARR, Raymond. Op. cit., p. 665. 12 proteger a produção nacional, mas sim de colocar em marcha uma política econômica global, através da qual se pretendia alcançar a autossuficiência econômica frente ao Exterior e onde se refletiu com nitidez a influência do nacional-socialismo alemão e, sobretudo, do fascismo italiano. Separada do mundo exterior, a Espanha deveria ser capaz de produzir tudo dentro de suas fronteiras, sem pensar nos custos envolvidos nessa ação. A agricultura, na década de 40, era a atividade mais enaltecida pelo regime, devido, em parte, ao problema de alimentação enfrentado pelos espanhóis ocasionado por períodos bastante acentuados de seca e, em parte, porque o regime considerava o camponês como a verdadeira corporificação dos valores da “Cruzada Nacional”, em oposição ao trabalhador urbano, corrompido pelo marxismo. Nessa primeira fase do regime, situada entre 1939 e 1945, e marcada pela Segunda Guerra Mundial, os aliados de Franco na Guerra Civil, Hitler e Mussolini, iniciaram um conflito armado, primeiramente circunscrito à Europa, mas que, a partir de 1941, adquiriu características mundiais. Francisco Franco foi obrigado a adequar sua política – tanto interior como exterior – às mudanças no equilíbrio de forças Europeias. A Espanha encontrava-se alquebrada econômica e moralmente após três anos de guerra e Franco preferiu uma política de apoio ideológico ao Eixo, mas sem uma participação bélica no conflito, optando pela “neutralidade”. No dia imediato à ocupação de Paris pelas tropas nazistas, em 16 de junho de 1940, o “Diário Informaciones”, dirigido por Victor de La Sema, publicou: “Saudamos a queda de Paris como um golpe mortal dirigido ao regime democrático”.7 7 “Saludamos la caída de Paris como un golpe mortal asestado al régimen democrático”. Tradução sob responsabilidade da autora. O fato é que Franco, após a tomada de Paris, mostrava-se favorável à participação espanhola na guerra e, inclusive, ofereceu tropas a Hitler, mas, em troca, pediu apoio bélico e estratégico para suas pretensões territoriais no Norte da África. Hitler declinou do oferecimento, delimitando e restringindo, nesse momento, suas frentes de guerra em duas direções: o Canal da Mancha e o Leste, em direção à União Soviética. Hitler imaginava uma capitulação rápida da Grã-Bretanha após a queda da França, e não teve interesse na oferta de Franco nesse momento. Somente dois meses depois pensou em 13 um possível auxílio do ditador espanhol, quando lhe pareceu bastante claro que a Grã- Bretanha não iria capitular frente ao exército alemão. Em 1941, a operação alemã denominada “Barbarossa” invadiu a União Soviética e o exército alemão rapidamente se aproximou das principais cidades soviéticas, inclusive da capital, Moscou. Diante das vitórias alemãs, o discurso franquista sofreu uma mudança: utilizando novamente o anticomunismo como justificativa plausível, Franco adotou uma postura de “não beligerância”, mas enviou soldados espanhóis, a Divisão Azul, para a frente soviética, como apoio ao exército de Hitler. Logo ao chegar a Berlim essa tropa jurou fidelidade não a Franco, mas a Hitler. Esse contingente de soldados fez parte da frente de Leningrado, participando no cerco à cidade, suportando mais de 900 dias de um clima verdadeiramente inadequado aos espanhóis, retirando-se em outubro de 1943 do país, antecipando a derrota e consequente retirada do exército nazista da União Soviética. Até 1943 a “prudência” de Franco, encarada por seus apologistas como a qualidade que eles consideravam o dom supremo de sua condição de estadista providencial, entrou em conflito com suas convicções, impedindo um apoio explícito a favor do Eixo. Incapaz de adaptar-se à vitória dos Aliados, Franco acreditou que os vencedores dariam apoio ativo à oposição para acabar com um ditador “fascista”. A imprensa espanhola, determinada pela política oficial, louvava cada vitória alemã, enquanto omitia, sempre que possível, as derrotas nazistas para os exércitos aliados, e apoiava abertamente os aliados da Guerra Civil, além de profetizar insistentemente sobre a derrota das democracias degeneradas nas mãos de uma ordem totalitária.8 Esse apoio, mais ideológico do que militar de Franco aos regimes fascistas, acarretou à Espanha um período de isolamento internacional, marcado pela sua ausência com relação ao Plano Marshall e pela sua falta de representação na Organização das Nações Unidas (ONU). O Plano Marshall (1948) foi um desdobramento da chamada “Doutrina Truman”, propagada pelo presidente estadunidense Harry Truman, e lançado em junho de 1947. Baseava-se em um programa de ajuda econômica aos países diretamente envolvidos na Segunda Guerra, investindo maçiçamente na Europa Ocidental, com o objetivo de diminuir a influência soviética no pós-guerra, 8 CARR, Raymond. Op. cit.,p. 677. 14 assegurando sua hegemonia na região, bem como reestruturar a economia europeia. Os investimentos incluíam matérias-primas, produtos e capital, na forma de créditos e doações. Em contrapartida o mercado europeu evitaria impor qualquer restrição às indústrias norte-americanas. Entre 1948 e 1952, o Plano Marshall forneceu US$ 14 bilhões para a reconstrução europeia. Por outro lado, a ONU, criada em 24 de outubro de 1945, com a representação de 51 países, como sucessora da Liga das Nações, foi formalmente elaborada em Moscou, na conferência dos países aliados, em 1943. O então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, sugeriu o nome de “Nações Unidas”, baseado em conversas preliminares com o primeiro-ministro inglês Winston Churchill.9 A Espanha desejava fazer parte dessa nova conjuntura mundial. Precisava do auxílio proporcionado pelo Plano Marshall e a ONU daria respaldo a um regime ainda não aceito pela comunidade internacional como legítimo. Franco tentou uma aproximação com Churchill, na expectativa da Espanha ser convidada a intervir numa futura organização mundial. Nem mesmo a mudança de governo, ocorrida em 1945, fez com que houvesse uma resposta positiva às aspirações franquistas. A ONU condenou o regime de Franco, aconselhando a retirada de embaixadores do país, em 1946. Somente em 1955 a Espanha tornou-se parte da ONU. Já a aproximação com os Estados Unidos aconteceu antes, em 1953. Esses acontecimentos foram possibilitados por pequenas “aberturas” proporcionadas pelo regime. A partir de 1946, ocorreu umamudança de estratégia da ditadura: ao fim da Segunda Guerra, Franco percebeu que nem a Inglaterra nem os Estados Unidos desejavam uma mudança brusca na Península Ibérica, ou seja, Salazar, em Portugal e ele próprio, na Espanha, representavam possíveis aliados aos dois países e a ideologia que ambos representavam. Os meios idealizados por Franco para alcançar a simpatia e a proteção dos dois países, e as consequentes vantagens dessa aliança, incluíam a estabilização da institucionalização governamental, inclusive através de uma “aproximação” com a monarquia exilada. Era preciso, também, que o “nacional-sindicalismo” fosse esquecido, de modo que essas pequenas alterações formais fizessem com que o regime fosse apresentável frente às potências ocidentais. 9 CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 592, v. 2. 15 Nesse mesmo ano de 1946, ocorreu uma série de acontecimentos, que criou uma situação preocupante para Franco e para sua equipe, e que resultariam em mudanças: a condenação pela ONU do regime, a existência do governo Giral no exílio e o auge da guerrilha. Todavia, o rápido desenrolar da Guerra Fria, com a consequente polarização em dois blocos, as divisões internas da oposição e uma intensificação dos mecanismos de repressão, provocaram um reforço das estruturas da ditadura, que começavam a soçobrar. A monarquia exilada era outro problema para Franco. A confederação monárquica estruturou-se ainda em 1946 e, Don Juan de Bourbon, saiu da França em direção a Portugal, onde permaneceu no exílio, articulando a restauração da monarquia bourbônica na Espanha. Em 1947, teve início uma propaganda laudatória do regime, com slogans que promoviam um clima de medo ao comunismo, relembrando sempre os horrores rojos, além de exaltar as vantagens proporcionadas por Franco aos comerciantes, proprietários, católicos, mulheres, entre outros. No mesmo ano, Franco outorgou a Lei de Sucessão, criando o Conselho do Reino e o Conselho da Coroa, e regulando o mecanismo de sucessão que, em definitivo, dependia inteiramente de Franco, que podia, inclusive, retificar o nome de seu sucessor designado até seu último dia de vida. Assim, Franco garantiria uma transição para a monarquia, mas em um futuro incerto, podendo inclusive destituir aquele a quem designaria como herdeiro. Em agosto de 1948 ocorreu um encontro entre Don Juan, herdeiro legítimo do trono espanhol, e Franco, a bordo do iate “Azor”, de propriedade deste último. O assunto discutido entre os dois foi a sucessão pretendida pelos monarquistas e a possível designação de Don Juan Carlos como herdeiro de Franco. O encontro não teve uma definição nesse sentido naquele momento, mas, em novembro de 1948, o futuro rei Juan Carlos retornou para a Espanha para fazer seus estudos em seu próprio país, sob a tutela de Franco. Na década de 50, a política espanhola sofreu mudanças, ainda que não essenciais: as econômicas, com a mudança da burguesia agrária pela burguesia comercial e financeira como bloco dominante; as sociais, um crescimento irregular da população, o êxodo rural em direção às cidades adquiriu um caráter massivo e a diminuição demográfica ocorrida em áreas inteiras, como Castilla, Aragón, Galícia interior, entre outras. Ocorreu um abismo entre os salários reais e a condição de vida da população, o que ocasionou greves em algumas cidades, como Bilbao, no País Basco. 16 Em 1953, foi firmado um acordo entre o presidente estadunidense Dwight Eisenhower e Francisco Franco, com a visita de Eisenhower à Espanha, ocorrendo apenas em 1957. Em troca de ajuda financeira por parte dos Estados Unidos, a Espanha permitiria a instalação de bases militares (aéreas e navais) norte-americanas em seu território, como já acontecera na Alemanha Ocidental e na Itália, não ficando claro se essas bases teriam um caráter nuclear ou se aviões com carga atômica voariam sobre território espanhol. A primeira base foi a de La Rota, em Cádiz, ponto estratégico de entrada e saída entre o Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. Em seu aspecto econômico, o acordo previa ajuda ao governo espanhol e aos organismos que este designasse. Um mês antes da assinatura do acordo entre os dois países, a Espanha tinha firmado uma Concordata com a Santa Sé, legitimando mais uma vez a Igreja Católica como uma das mantenedoras do regime no poder. CONCLUSÃO Ao realizar a análise do material historiográfico sobre o período abordado nesse capítulo é possível constatar o grande número de documentos à disposição, tanto na forma de livros como em sites na internet, filmes baseados na história da época, documentários, fotografias e testemunhos orais. As abordagens possuem divergências: alguns historiadores têm uma visão e uma posição a favor do franquismo e de Francisco Franco, enquanto que outros historiadores mostram-se críticos mordazes do regime. Historiadores, como Raymond Carr, por exemplo, abordam a história do período franquista de forma mais isenta possível, procurando evitar juízos de valores anacrônicos, baseados em perspectivas contemporâneas. De todas as formas, Franco, foi um ditador que governou o país por 36 anos, ainda que, a partir do final da década de 60, tenha se afastado progressivamente da vida pública em razão de seu estado de saúde, deixando a direção do governo nas mãos de colaboradores de confiança e, até mesmo, o Príncipe Juan Carlos ocupou, em algumas ocasiões, esse cargo. Sua política governamental, ainda hoje, é objeto de estudo, com autores a caracterizando como totalitária e outros preferindo classificá-la como uma forma particular de fascismo. Durante os primeiros anos de seu governo, a Espanha manteve-se isolada do mundo exterior, numa tentativa de proteger o regime 17 recém chegado ao poder e garantir a política autárquica concebida pelo governo. A Igreja Católica ocupou um papel importante, atuando como suporte do regime no exterior e dentro da própria Espanha. Com o fim da Segunda Guerra, ocorreu uma necessidade de mudança de posição por parte de Franco. Ele se utilizou mais uma vez do anticomunismo para se aproximar dos Estados Unidos, potência militar e política capitalista erigida depois da II Guerra em contraposição à União Soviética, com sua ideologia baseada no comunismo materialista, contrária ao “Nacionalismo-Católico” defendido por Franco. Em 1953, iniciou-se o processo de aceitação internacional do regime, que culminou com seu reconhecimento entre os membros da ONU, em 1955. Essa aceitação esteve vinculada à posição estratégica do território espanhol, seu envolvimento com a causa anticomunista e mudanças em sua apresentação governamental, o que foi chamado oportunamente de “constitucionalismo cosmético”. Por fim, a capacidade de adaptação de Francisco Franco e seu regime (comprovada pela mudança, senão ideológica, de posição, após a Segunda Guerra); o medo da população de que uma nova Guerra Civil acontecesse, levando novamente à morte pessoas de idade plenamente ativa, além de levar ao exílio grande parte da intelectualidade espanhola, como escritores, professores universitários, artistas, em geral, e mão de obra especializada; e, a partir dos anos 50, um desenvolvimento econômico baseado na instalação de indústrias multinacionais e desenvolvimento do turismo, podem explicar a sobrevivência do regime franquista por tempo tão longo sem que ocorresse tentativa, por parte de outros países democráticos, em destituir El Generalísimo do poder. REFERÊNCIAS CARR, Raymond. España 1808 – 1975. Barcelona: Ariel, 2003.CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. 3ª ed. , v.2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos – O breve século XX (1914- 1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1994. TUÑON DE LARA, Manuel. España Bajo La Dictadura Franquista (1939 – 1975). Barcelona: Labor, 1980. O Dois de Maio, a “Guerra de Independência” e a Memória manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo Janete Abrão Professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, Brasil. Doutora em História Contemporânea arrar a história é uma forma de operar sobre a identidade nacional, sobre o conceito de nação e de Estado, assim como sobre a “construção” discursiva acerca da memória coletiva e da cultura nacional.1 Segundo afirma Paolo Jedlowski: No plano teórico, [...] convém entender a memória coletiva como a seleção, a interpretação e a transmissão de certas representações do passado produzidas e conservadas especificamente desde o ponto de vista de um grupo social determinado.2 Contudo, cabe esclarecer que: Na medida em que cada sociedade – e em particular cada sociedade moderna – está constituída por uma pluralidade de grupos, não é possível falar propriamente de uma única memória coletiva: cada grupo elabora aquela representação do passado que melhor se adapta a seus valores e a seus interesses. Assim, mais que um conjunto homogêneo e coerente de representações do passado, a memória coletiva tem que ser pensada como o lugar de uma tensão contínua: o passado que ela custodia é posto em jogo pelos conflitos recorrentes que o formulam e o reformulam incessantemente.3 O Dois de Maio de 1808, ocorrido em Madri, é um dos acontecimentos que mais há sido interpretado, apropriado e manipulado historicamente pelos diferentes regimes, partidos e ideologias implicadas no processo de “construção”, definição e consolidação discursiva da nação, da memória coletiva, da identidade e do Estado nacional espanhol. Nesse sentido, este capítulo tem por objetivo analisar, de forma 1 “Por cultura nacional se designa essa parte do imaginário coletivo (produzido por práticas discursivas) que se oferece como marco formal de integração simbólica do conjunto da sociedade.” Cf. BOUCHARD, Gérard. (2003). Gênesis de las naciones y culturas del Nuevo Mundo. Ensayo de historia comparada. México: Fondo de Cultura Económica, p.35. Tradução sob responsabilidade da autora. 2 JEDLOWSKI, Paolo. La sociología y la memoria colectiva. In: BAKHURST, David, BELLELLI, Guglielmo, RIVERO, Alberto Rosa (Orgs.). Memoria colectiva e identidad nacional. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000, p. 126. Tradução sob responsabilidade da autora. 3 JEDLOWSKI, Paolo. Op. cit., p. 127. Tradução sob responsabilidade da autora. N 19 breve, as diferentes interpretações sobre o Dois de Maio, bem como sobre a guerra que a historiografia espanhola convencionou relacionar diretamente com este acontecimento: a “Guerra de Independência”(1808-1814).4 Cabe afirmar que, a partir de 1808, existiram duas interpretações político- ideológicas que buscavam explicar, tanto o Dois de Maio como a “Guerra de Independência” Pretende-se analisar os dois temas desde a interpretação absolutista e liberal, passando pelas interpretações elaboradas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e pelo regime franquista (1939-1975). 5 A interpretação absolutista e católica, de caráter reacionário e tradicionalista, concebeu o Dois de Maio e a Guerra como um levantamento de toda a Espanha, de todos os espanhóis que, de forma unânime, se voltam contra o usurpador francês do trono, contra a ameaça do ateísmo e contra a presença estrangeira em território espanhol. Segundo essa interpretação, Fernando, príncipe de Astúrias, foi proclamado rei no dia 19 de março de 1808, depois que o Motim de Aranjuez destituiu a Manuel Godoy e Carlos IV renunciou à Coroa. Contudo, pouco tempo durou seu primeiro reinado. Fernando VII foi enganado e conduzido a Bayona, onde o imperador francês, Napoleão Bonaparte, lhe impôs a renuncia ao trono e, assim, foi proclamado rei da Espanha José Bonaparte, o rei Intruso. Como reação os súditos espanhóis no dia Dois : a absolutista e católica e a liberal. 4 “É duvidoso que o conflito desatado na península Ibérica entre 1808 e 1814 se ajustara realmente à categoria de ‘guerra de independência’, segundo ficou consagrado mais tarde pela versão nacionalista. Se por guerra de independência entendemos uma tentativa de secessão dos habitantes de um território integrados contra sua vontade em um conglomerado imperial, haverá que reconhecer que Napoleão não pretendia converter a monarquia espanhola em província de um império radicado em Paris, senão mudar a dinastia reinante; algo, por certo, nem extraordinário nem repugnante para a tradição peninsular, já que havia ocorrido cem anos antes, quando os Bourbons substituíram aos Habsburgos, com resultados considerados em geral positivos e sem originar uma situação de subordinação formal respeito à França. [...]. Apresentar, portanto, a longa e sangrenta confrontação de 1808 a 1814 como uma ´guerra de Independência´, ou enfrentamento com ‘os franceses’ por uma ‘liberação espanhola´, é uma dessas simplificações da realidade tão típicas da visão nacionalista do mundo, o de qualquer outra visão doutrinária em definitiva, sempre dadas a explicar conflitos complexos em termos dicotômicos e maniqueístas, graças ao qual conseguem atrair e mobilizar politicamente.” Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Mater dolorosa: la idea de España en el siglo XIX. 5ª ed. Madrid: Taurus, 2003, p.119-120. Tradução sob responsabilidade da autora. 5 Essa relação pode ser considerada uma distorção na medida em que, segundo afirma Alberto Rosa e outros autores, um dos procedimentos utilizados na distorção das representações do passado para fins identitários ou político-ideológicos é a manipulação de associações entre acontecimentos. BAKHURST, David, BELLELLI, Guglielmo, RIVERO, Alberto Rosa (Orgs.).Op. cit., p. 70. De fato, não há evidências de que o Dois de Maio deu origem à “Guerra de Independência”. O próprio título de “Guerra de Independência” é uma invenção posterior a 1833. Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p. 127. 20 de Maio de 1808 se sublevaram contra a usurpação do trono, em defesa do monarca (Fernando, o Desejado)6 e da religião católica. Com a dura repressão das tropas francesas (e o fatídico Três de Maio, pintado por Goya), teve início, em toda a Espanha, a “Guerra de Independência”. Alguns dos principais representantes desse discurso e defensores da Espanha tradicional foram: José Joaquín Colón7 e o frade Simón López.8 O discurso liberal, por sua vez, interpretou o Dois de Maio como o nascimento da nação política espanhola, como o nascimento da nação cívica, que sonhava com a revolução (liberal) por fazer. O Dois de Maio surgiu, assim, segundo o discurso liberal, em decorrência da “vontade política do povo”, que buscava transformar o regime, as instituições existentes e alcançar a liberdade. Seus primeiros porta-vozes foram Flórez Estrada e Romero Alpuente. Não obstante, inclui-se também nesse grupo o bispo de Orense, Miguel de Lardizábal, os frades Francisco de Alvarado e Rafael de Vélez, assim como Juan Pérez Villamil y Paredes, partidário acérrimo do Antigo Regime. 9 Portanto, para o primeiro liberalismo espanhol, o Dois de Maio era o mito fundador por excelência, sobre o qual se levantava e se legitimava a nação moderna espanhola. Segundo esclarece Jorge del Palácio Martín:[…] o Dois de Maio perpetuava a memória de um episódio histórico em que se predicavam todos os elementos constituintes de um discurso de construção nacional. Se predicava a defesa do território, a unidade, a luta da liberdade contra a tirania política e, sobretudo, a emergência de um sujeito chamado a ser a custódia da soberania: a nação.10 Conforme argumenta o liberal Antoni de Capmany y Montpalau, em sua obra Centinela contra franceses, editada em Madrid, em 1808: 6 LA PARRA LÓPEZ, Emilio. “El mito del rey deseado” En: Sombras de Mayo: mitos y memorias de la Guerra de la Independencia en España (1808-1908). Madrid: Casa de Velásquez, Colección n. 99, 2007. 7 COLÓN, José Joaquín. España vindicada en sus clases y autoridades de las falsas opiniones. Alicante/Cadiz: 1811 [s.n.] 8 Para Simón López, autor de um folheto intitulado Despertador Cristiano-Político publicado em Valência, em 1809, “[...] la conducta de los franceses era ´sacrílega, pérfida, sanguinaria, inhumana, irreligiosa´ e Napoleão era ´la encarnación moderna del Anticristo´.” Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p.345. 9 FLÓREZ ESTRADA, Álvaro. Introdución para la historia de la revolución de España.,[1810] AL PUENTE, Juan Romero. El grito de la razón al español invencible. Folheto. Zaragoza, 1808. 10 “[…] el Dos de Mayo perpetuaba la memoria de un episodio histórico del que se predicaban todos los elementos constituyentes de un discurso de construcción nacional. Se predicaba la defensa del territorio, la unidad, la lucha de la libertad contra la tiranía política y, sobre todo, la emergencia de un sujeto llamado a ser el custodio de la soberanía: la nación.” Cf. PALACIO MARTÍN, Jorge del. Madrid, 2 de Mayo de 1814: la invención de un mito liberal. Disponível em: http://portal.uam.es. Acesso em 4/3/2008. 21 Que importaria a um Rei ter vassalos, se não tivesse nação? Esta é formada não pelo número de indivíduos, mas pela unidade das vontades, das leis, dos costumes, e do idioma, que as encerra e mantém de geração em geração. [...]. Onde não há nação, não há pátria, porque a palavra país não é mais que terra que sustenta pessoas e bestas ao mesmo tempo.11 Entretanto, com a reação absolutista, a interpretação liberal sobre o Dois de Maio não pode manter o caráter político consagrado à liberdade. Ricardo García Cárcel assegura que: Com o retorno de Fernando VII ao poder e a repressão sobre os liberais se legitima, desde a Corte, a interpretação conservadora da guerra, como expressão da lealdade ao rei de seu povo. Épica militar, xenofobia, fernandismo e integrismo religioso. A memória liberal somente ressuscita – salvo a fugaz experiência do Triênio [liberal] – a partir de 1837 e será distinta ao projeto que formularam Flórez Estrada ou Romero Alpuente. A guerra já é passado e sua análise se dá em função de seus resultados. Os liberais, aqueles velhos radicais das Cortes de Cádiz, se integraram na política de governo após a morte de Fernando VII. Toreno escreve sua clássica História do levantamento, guerra e revolução da Espanha (1836-1837), na qual enterra o sonho da revolução [liberal] pendente.12 Portanto, depois de muitas convulsões, o Estado liberal pôde ser implantado, mas com o forte caráter oligárquico que lhe dava o moderantismo. Para o governo dos liberais moderados, o Dois de Maio e a “Guerra da Independência”, seriam interpretados desde a ótica patriótica. Em outras palavras, para o governo dos moderados, o Dois de Maio não devia ser interpretado e comemorado como a luta do 11 “¿Qué le importaría a un Rey tener vasallos, si no tuviese nación? A ésta la forma, no el número de individuos, sino la unidad de las voluntades, de las leyes, de las costumbres, y del idioma, que las encierra y mantiene de generación en generación. […]. Donde no hay nación, no hay patria, porque la palabra país no es más que tierra que sustenta personas y bestias a un mismo tiempo.” Cf. CAPMANY y MONTPALAU, Antonio. Centinela contra franceses. Madrid, 1808. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com Acesso em 10/5/2005. 12 “Con la vuelta de Fernando VII y la represión sobre los liberales se legitima desde la Corte sólo la interpretación conservadora de la guerra, como expresión de la lealtad al rey de su pueblo. Épica militar, xenofobia, fernandismo e integrismo religioso. La memoria liberal sólo resucitará – salvo la fugaz experiencia del Trienio – a partir de 1837 y será distinta al proyecto que formularon Flórez Estrada o Romero Alpuente. La guerra es ya pasado y su análisis está en función de sus resultados. Los liberales, aquellos viejos radicales de las Cortes de Cádiz, se han integrado en la política de gobierno tras la muerte de Fernando VII. Toreno escribe su clasica Historia del levantamiento, guerra y revolución de España (1836-37), donde entierra el sueño de la revolución [liberal] pendiente.”GARCÍA CÁRCEL, Ricardo. “Memoria de la España indómita”. Disponível em http://www.muyinteresante.es/reportajes/memoria-de-la-espana-indomita.html Acesso em 9/3/2008. 22 povo pela sua liberdade política, mas circunscrever-se ao heroísmo daqueles “generosos patriotas” de 1808, como Luís Daoíz y Pedro Valverde.13 Transcorridos mais de cento e vinte anos, em 1936, o Dois de Maio e a “Guerra da Independência” contra a invasão napoleônica repousavam na memória coletiva dos espanhóis, e as duas facções – republicanos e “nacionais” – recorreram a ela para motivar seus seguidores a partir da relação estabelecida entre esses fatos históricos teoricamente “compartidos” e as “causas”, as ideologias e as concepções de nação e do Estado espanhol que defendiam. Dessa forma, no primeiro terço do século XX, e durante os breves anos da II República, o Dois de Maio esteve sujeito a várias interpretações, tanto da esquerda revolucionária como da direita defensora da religião e das tradições nacionais. Através da análise de algumas publicações, discursos e propagandas revolucionárias, surgidas durante a Guerra Civil Espanhola, evidenciam-se várias alusões ao Dois de Maio e à “Guerra de Independência”. Cabe ressaltar que dentre os lemas difundidos pelos republicanos, como os de: Liberdade, Frente Popular e República entre outros, o termo Independência não é o menos reiterado com a conotação de território invadido que o povo devia defender. Efetivamente, a palavra independência é exibida em numerosos discursos, panfletos e jornais da época. Republicanos e comunistas, com frequência, se referem à guerra civil que assolou o país como a “segunda guerra de independência”.14 Por exemplo, Manuel Azaña, presidente de Governo da Segunda República Espanhola, em um discurso pronunciado em Valência, em 21 de janeiro de 1937, afirmou que A Guerra de Independência – a qual me remeto muitas vezes, sempre que falo da atual contenda – guardou e amparou o nascimento de um movimento político espanhol, o primeiro no qual nossa nação 13 Entretanto, com a Ditadura de Primo de Rivera (1923-1930), a interpretação conservadora se sobrepõe à liberal. Em 1926, foi publicada a segunda edição da obra Memórias de um setentão, de Ramon Mesonero Romanos, na qual o autor sublinha os notáveis acontecimentos que “iam desenvolvendo o terrível drama de 1808, iniciado por aquele alçamento nacional”, no qual o povo dava “vivas a Fernando, à Religião, à Espanha, e à Virgem de Atocha”, com o objetivo de “mortificar no possível ao enfadado hóspede [Murat], a quem por instinto cordialmente detestavam”. Cf. MESONERO ROMANOS, Ramon de. Memorias de un setentón, natural y vecino de Madrid escritaspor el curioso parlante. 2ª. ed. Madrid: Renacimiento. 1926. 14 Boletín de la Biblioteca del AGGCE, n.2, Madrid, março de 2008. 23 tomava consciência de seu próprio ser e começava a alçar vôo a independência política. 15 Com anterioridade, em dezembro de 1936, Santiago Carrillo, comunista e membro da Junta de Defesa de Madri, em seu discurso pronunciado, em Valencia, no Teatro Apolo, havia invocado a juventude para a “luta pela independência da pátria”.16 Há que se mencionar também a reedição dos populares Episódios Nacionais, de Pérez Galdós, escritos entre 1872 e 1912. Em realidade parece que o planejamento da luta como rechaço ao invasor está presente quase desde o primeiro momento do enfrentamento bélico. 17 Em 1936, em plena batalha de Madrid, o Ministério da Instrução Pública edita alguns fragmentos do “Dois de Maio” e de “Napoleão de Chamartín”, ambos de Galdós, incluindo aqueles episódios de guerra que são narrados na novela e que, tal e como se assevera no prólogo, descrevem uma situação que “guarda grande semelhança [...], inclusive com os pormenores da situação atual [...]: defendemos o espanhol nas guerras napoleônicas e o defendemos hoje contra o fascismo internacional”. 18 Dois anos depois, em 1938, foram editados, como especial homenagem ao Exército Popular, ao menos as três primeiras novelas da série galdosiana, nas quais não se duvida em apresentar a guerra como a “segunda guerra de independência da Espanha.” 19 Avançado o conflito, e após os sucessivos reveses sofridos pelo bando republicano e a progressiva perda territorial, o modelo da guerra do século XIX era 15 “La Guerra de la Independencia – hacia la cual me vuelvo muchas veces, siempre que hablo de la actual contienda – cobijó y amparó el nacimiento de un movimiento político español, el primero en que nuestra nación tomaba consciencia de su propio ser y empezaba a aletear con independencia política”. Cf. AZAÑA, Manuel. “Hacia la victoria: por la libertad y la independencia de España”. Discurso pronunciado en el Ayuntamiento de Valencia el día 21 de enero de 1937. Madrid: Consejo Nacional de Izquierda Republicana, 1937. 16 CARRILLO, Santiago. ¡Salud a la heroica juventud española! Toda la juventud en defensa de la independencia de la patria. Texto taquigráfico del discurso pronunciado el día 16 de diciembre de 1936 en el Teatro Apolo de Valencia. Bilbao: Joven Guardia, 1937. 17 Os Episodios Nacionales trata-se de uma coleção de 46 novelas históricas escritas por Benito Pérez Galdós que foram redatadas entre 1872 e 1912. Estão divididas em cinco séries e tratam da História da Espanha desde 1805 até 1880, aproximadamente. 18 “[...] guarda gran semejanza […] incluso con los pormenores de la situación actual […] defendimos lo español en las guerras napoleónicas y lo defendemos hoy contra el fascismo internacional”. Cf. PÉREZ GALDÓS, Benito. El 2 de Mayo. Madrid: Ministerio de Instrucción Pública y Bellas Artes, Sección de Publicaciones, 1936. Ediciones de la Guerra Civil. 19 PÉREZ GALDÓS, Benito. [Prólogo de Enrique Diez-Canedo]. Edición especial en homenaje a nuestro glorioso Ejército Popular en la segunda guerra de la independencia de España. Madrid: Nuestro Pueblo, 1938 (Barcelona: Sociedad General de Publicaciones). 24 igualmente útil para manter a esperança e, sobretudo, para cultivar o moral da resistência. No discurso de Santiago Carrillo, pronunciado no Cine Capitol durante a celebração do aniversário da passada guerra de independência, o Dois de Maio de 1938 recordava aquela epopeia na qual “apesar dos progressos que fez o exército invasor, o povo soube levantar-se e vencer o inimigo”. 20 Igual perspectiva mantém o general Mariano Gámir, em 1938, com uma obra que analisa as façanhas do Dois de Maio, assim como as batalhas de Bailén e Bruc. Para esse militar republicano, foi “o surgimento espontâneo e formidável do povo o que fez com que aquela guerra de independência de 1808 e a atual formem dois elos de firme soldadura na corrente da nossa história pátria." 21 Nesse sentido, a luta pela independência – com o antecedente exemplar de 1808 – era um conceito válido para deslegitimar o bando contrário como exército invasor, e para denunciar o fracasso da Política de Não-Intervenção, a “política de apaziguamento”, da Inglaterra e da França com relação à política imperialista da Alemanha nazista. O apelo ao sentimento de independência, por exemplo, pôde ser evidenciada no folheto intitulado A luta por nossa independência, publicado em 1938, no qual se narra a guerra contra Napoleão e se insiste em que apesar da inicial perda de território não só se conseguiu expulsá-lo da Espanha, mas também se contribuiu para que ele deixasse de ser imperador dos franceses.22 Cabe afirmar que o mito da “Espanha indomável” de 1808, que se opõe à dominação estrangeira, teve enorme repercussão durante o regime franquista (1939- 1975). Mas há que se levar em consideração o fato de que, o franquismo, não fez senão capitalizar, em seu interesse, o discurso romântico nacionalista, tradicionalista e Um claro precedente, pois, no qual vislumbrar a futura expulsão do fascismo da Espanha e sua total derrota no âmbito internacional. 20 “[…] a pesar de los progresos que hizo el ejército invasor, el pueblo supo levantarse y vencer al enemigo”. Cf. CARRILLO, Santiago. ¡Fuera el invasor de nuestra patria! Discurso pronunciado en el cine Capitol, de Valencia, el 2 de mayo de 1938. Valencia: Alianza/ J.S.U, Comité Provincial de Madrid, 1938. 21 “[…] surgimiento espontáneo y formidable del pueblo el que hace que aquella guerra de la independencia de 1808 y la actual formen dos eslabones de firme soldadura en la cadena de nuestra historia patria.” Cf. GÁMIR ULIBARRI, Mariano. Tres hechos culminantes de la guerra contra Napoleón en España. Barcelona: Biblioteca Militar de Catalunya. 1938. 22 SPAIN against the invaders: Napoleón 1808- Hitler and Mussolini 1936. London: United Editorial Limited/ Madrid: Ediciones Españolas, 1938 apud Boletín de la Biblioteca del AGGCE, n.2, Madrid, marzo de 2008. 25 católico de fins do século XIX, com toda a sua carga emocional. Foi nesse sentido que o franquismo relacionou o Dois de Maio de 1808 ao Dezoito de Julho de 1936.23 Dessa forma, a historiografia de cunho franquista não duvidou em afirmar que os acontecimentos históricos de maior transcendência para a “pátria espanhola” eram a “Guerra de Independência” (1808-1814) e a “Guerra de Libertação”(1936-1939).24 Cabe ressaltar que um dos principais ideólogos do fascismo espanhol, Gimenez Caballero, recém finalizada a guerra civil, não vacilou em proclamar “el triunfo del Dos de Mayo”.25 Já o historiador Ricardo del Arco y Garay, em Grandeza y Destino de Espana, obra publicada em 1942, em sua apologia ao bando “nacional” e ao exército de Francisco Franco, de forma anacrônica, compara o alçamento de 1936 com a revolta popular de 1808”: O Movimento Nacional há chegado – como chegou o Alçamento de 1808 – pela traição de uns governantes que venderam a nação ao bolchevismo russo. E a boa Espanha, representada pelo seu Exército, se há levantado para defender sua vida livre e digna, depois de haver agüentado toda sorte de atropelos cometidos ou amparados pelo Poder público, que não se deteve nem pelo assassinato. Por muitas atrocidades que cometessem desde 1808 até 1813 os franceses invasores – e foram muitas –, não têm ponto de comparação com os horrores perpetrados pelos marxistas: mortes violentas de bispos, sacerdotes e religiosos; martírios, assassinatos[...]; incêndios de templos, [...], saques e destruição de tesouros artísticos. 26 Outro documento significativo é a LEGISLACIÓN DE LA ENSEÑANZA MEDIA ditada por Franco em 14 de abril de 1939. Segundo consta nesse documento: 23 CÁRCEL, Ricardo García. El sueño de una nación indomable: los mitos de la guerra de la Independencia. 2ª. ed. Madrid: Temas de Hoy. 2007. 24 CHAMORRO MARTÍNEZ, Manuel. 1808-1936: dos situaciones históricas concordantes. 6ª. ed. Madrid: Doncel. 1975 25 GIMÉNEZ CABALLERO, Ernesto. Triunfo del 2 de mayo. Madrid: Los Combatientes. Fe y acción. Fascículo doctrinal, 3. 1939. 26 “El Movimiento Nacional ha llegado – como llegó el Alzamiento de 1808 – por la traición de unos gobernantes que vendieron la nación al bolchevismo ruso. Y la buena España, representada por su Ejército, se ha levantado para defender su vida libre y digna, después de haber aguantado toda suerte de atropellos cometidos o amparados por el Poder público, que no se detuvo ni en el asesinato. Por muchas felonías que cometiesen desde 1808 hasta 1813 los franceses invasores – y fueron muchas -, no tienen punto de comparación con los horrores perpetrados por los marxistas: muertes violentas de obispos, sacerdotes y religiosos; martirios, asesinatos […]; incendios de templos, […], saqueo y destrucción de tesoros artísticos.” ARCO Y GARAY, Ricardo del. Grandeza y destino de España. Prólogo de Federico García Sanchíz. Madrid: Escelicer, 1942, p. 249-250. 26 Se estudará a gloriosa e espanholíssima guerra de Independência [...] com um sentido espanhol, anti-exótico, tradicional, católico e monárquico [...]. Não se deve esquecer que a História da Espanha nesses primeiros anos, ademais, deve senti-la [o aluno] como meio de sentir a pátria. 27 Do que foi exposto nas páginas anteriores, pode-se afirmar que o Dois de Maio e a “Guerra de Independência” foram processos bastante complexos, nos quais nem todos os segmentos da sociedade estavam contra Napoleão e as reformas de caráter modernizador que ele pretendia estabelecer na Espanha. A “Guerra de Independência” não se desenrolou de igual forma em todo o território espanhol, nem as elites estavam de acordo sobre qual regime dariam seu apoio. O Dois de Maio, por sua vez, foi uma revolta popular, repentina, inesperada, desorganizada e sangrenta, na qual não se valeu de proclames impressos nem artifícios de oratória para provocá-la. Ninguém esperava o que ocorreu, nem seus principais protagonistas: criados, operários, vendedores ambulantes, camponeses dos arredores de Madrid.28 Corroborando com o escritor espanhol Pérez-Reverte pode-se asseverar que a ira dos revoltosos “era mais visceral que ideológica”. 29 Nesse sentido, não existia um sujeito coletivo que então permitira falar da nação como titular da soberania. Tampouco o Dois de Maio foi resultado de conspirações patrióticas ou de uma vasta conspiração promovida por parte da nobreza.30 Foi uma revolta que teve como um dos fatores desencadeadores a insolência e a rapacidade das tropas de ocupação francesas e, em contrapartida, “a dose de xenofobia, especificamente anti-francesa, que indiscutivelmente existiu na reação popular”31 27 "Se estudiará la gloriosa y españolísima guerra de la Independencia [...] con un sentido español, antiexótico, tradicional, católico y monárquico […]. No se debe olvidar que la Historia de España en esos primeros años, además, debe sentirla [el alumno] como medio de sentir la patria." Cf. LEGISLACIÓN DE LA ENSEÑANZA MEDIA, dictada por el generalísimo Francisco Franco el 14 de abril de 1939. , mas também não pode ser descartado o sentimento de abandono 28 “El recuento de los muertos por los alcaldes de barrio evidencia que la mayor parte de las víctimas identificadas son obreros, criados, vendedores ambulantes. Las víctimas desconocidas son numerosísimas, lo que deja suponer que tomaron parte en los combates muchísimos forasteros. Eran, al parecer, campesinos de los alrededores que habían acudido al mercado del día anterior (domingo, 1º de mayo) y permanecieron en la ciudad.” Cf. AYMÉS, Jean-René. La guerra de la independencia en España (1808-1814). 2ª. ed. Madri: Siglo XXI, 1980, p. 17. 29 PÉREZ REVERTE, Arturo. Cólera de un pueblo, certeza de una nación. Disponível em: http://golfenix2.wordpress.com Acesso em 3/6/2008. Tradução sob a responsabilidade da autora. Ver também: PÉREZ REVERTE, Arturo. Un día de cólera. Madrid: Alfaguara. 2008. 30 Esta é uma hipótese do historiador Jean-René Aymés. Ver: AYMÉS, Jean-René. Op. cit., p. 17. 31 “[…] la dosis de xenofobia, específicamente antifrancesa, que indiscutiblemente existió en la reacción popular.” Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p. 121. 27 do “povo” pelo seu rei32, pelo seu governo33, pelas suas forças armadas e pelas classes acomodadas, que ficaram em suas casas, observando desde as sacadas aquela “turba” que transtornava a ordem pública. 34 Não se pode negligenciar, portanto, o fato de que o vazio de poder também possibilitou o desencadear do conflito.35 Cabe matizar que os revoltosos pertenciam a uma sociedade que via o mundo através dos valores do Antigo Regime, na qual o analfabetismo estava na ordem do dia e uma das únicas fontes de informação política da maioria da população eram os sermões. Contudo, não obstante o baixo clero interpretar o Dois de Maio e a guerra como conflitos desencadeados em defesa da religião católica, assim como não se pode negar que grande parte da sociedade nutria simpatias pela Coroa, o Dois de Maio e a “Guerra de Independência” não podem ser considerados conflitos movidos pela fidelidade ao rei e tampouco podem ser concebidos como guerra de religião. Em realidade, o Dois de Maio se caracterizou por um conjunto de energias geradas pela sensação de crise geral, na qual, o mal-estar social existente se transformou em revolta popular. O Dois de Maio não foi desencadeado pela lealdade à pátria ou por uma “nação consciente de si mesma” que queria transformar as instituições e o regime absolutista existente. Tudo isso veio depois, com os discursos liberais e patrióticos sobre a “nação em armas”.36 32 “La partida de Fernando VII poco después de la de Carlos IV, la falta de noticias precisas de dónde se encuentran, los temores confusos experimentados sobre la suerte que pueden correr. La situación del país sin soberano y en la incertidumbre, crean una atmósfera de desconcierto y angustia.” Cf. ROUX, Georges. La guerra napoleônica de España. Madrid: Espasa-Calpe, 1971, p. 50. Tampouco a “Guerra de Independência” foi uma guerra de unidade 33 “Cuando Fernando VII abandonó a Madrid, sometiéndose a las intimaciones de Napoleón, dejó establecida una Junta Suprema de gobierno presidida por el infante don Antonio. Pero en mayo esta junta había desaparecido ya. No existía ninguno gobierno central, y las ciudades sublevadas formaron juntas propias, subordinadas a las de las capitales de provincia. Estas juntas provinciales constituían, en cierto modo, otros tantos gobiernos independientes, cada uno de los cuales puso en pie de guerra un ejército propio.” Cf. MARX, Karl. La España revolucionaria. Moscou: Progreso, 1980, p. 18. 34 “Durante o motim se produz uma excisão entre a rua e a casa: [...]. Na rua se morre: é a sorte reservada aos soldados, aos camponeses. O burguês se protege em sua casa, com a possibilidade de eleger entre os papéis de ator ou espectador. [...]. O liberal Alcalá Galeano, menino ainda em 1808, recorda que seus pais – respeitáveis burgueses – lhe proibiram que fosse misturar-se com os insurretos,‘quase todos das classes inferiores’ – ‘a gente decente [...] não precisa lançar-se à contenda; ´as gentes de superior classe observam desde as suas sacadas nas zonas [da cidade] onde não havia tiroteio, e desde ali, vendo e ouvindo, procuravam entender o que passava.” Cf. AYMES, Jean-René. Op. cit., p.18. Tradução sob responsabilidade da autora. 35 LOVETT, Gabriel H. La Guerra de la Independencia y el nacimiento de la España Contemporánea. La lucha, dentro y fuera del país. Traducción de José Cano Tembleque. Barcelona: Península, 1975, p. 14. 36ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p.129. 28 nacional, senão de particularismos ou “patriotismos locais” contra a ocupação napoleônica.37 Não obstante, o que se pretende criticar nas interpretações analisadas foi a omissão da dimensão histórica, social, econômica, cultural e política em que transcorreu o Dois de Maio de 1808 e a Guerra de Independência, visando atender a interesses políticos, ideológicos e partidários, muitos dos quais, legitimados pelo discurso historiográfico. O mito de uma reação unânime do povo espanhol contra Napoleão foi alimentado por escritores, políticos e historiadores conservadores e liberais, no decorrer do século XIX, visando criar o conceito de uma nação política espanhola e consolidar, ainda no século XX, um Estado culturalmente homogêneo através da coesão social, cultural e nacional. REFERÊNCIAS ÁLVAREZ JUNCO, José. Mater dolorosa: la idea de España en el siglo XIX. 5ª ed. Madrid: Taurus. 2003. ARCO Y GARAY, Ricardo del. Grandeza y destino de España. Prólogo de Federico García Sanchíz. Madrid: Escelicer, 1942. AZAÑA, Manuel. Hacia la victoria: por la libertad y la independencia de España. Discurso pronunciado en el Ayuntamiento de Valencia el día 21 de enero de 1937. Madrid: Consejo Nacional de Izquierda Republicana, 1937. BOUCHARD, Gérard. Gênesis de las naciones y culturas del Nuevo Mundo. Ensayo de historia comparada. México: Fondo de Cultura Económica. 2003. CHAMORRO MARTÍNEZ, Manuel. 1808-1936: dos situaciones históricas concordantes. 6ª ed. Madrid: Doncel. 1975. CAPMANY y MONTPALAU, Antonio. Centinela contra franceses. Madrid, 1808. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com>. Acesso em 10/5/2005. CÁRCEL, Ricardo García. El sueño de una nación indomable: los mitos de la guerra de la Independencia. 2ª ed. Madrid: Temas de Hoy. 2007 CARRILLO, Santiago. ¡Salud a la heroica juventud española! Toda la juventud en defensa de la independencia de la patria. Texto taquigráfico del discurso pronunciado el día 16 de diciembre de 1936 en el Teatro Apolo de Valencia. Bilbao: Joven Guardia, 1937. 37 “¿Qué seria ya de los españoles, si no hubiera habido aragoneses, valencianos, murcianos, andaluces, asturianos, gallegos, extremeños, catalanes, castellanos, etc.?” Cf. CAPMANY y MONTPALAU, Antonio. Op. cit. Segundo Álvarez Junco: “Un último aspecto que cuestiona el caráter nacional del levantamiento antinapoleónico es ‘el predominio del patriotismo local sobre la unidad nacional’, […]; un particularismo que dotó precisamente de especial fuerza a la resistencia contra los franceses.”Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p.125. 29 ______. ¡Fuera el invasor de nuestra patria! Discurso pronunciado en el cine Capitol, de Valencia, el 2 de mayo de 1938. Valencia: Alianza/ J.S.U, Comité Provincial de Madrid, 1938. COLÓN, José Joaquín. España vindicada en sus clases y autoridades de las falsas opiniones. Alicante/Cadiz: [s.n.]1811. GÁMIR ULIBARRI, Mariano. Tres hechos culminantes de la guerra contra Napoleón en España. Barcelona: Biblioteca Militar de Catalunya. 1938. GARCÍA CÁRCEL, Ricardo. Memoria de la España indómita. Disponível em <http://www.muyinteresante.es/reportajes/memoria-de-la-espana-indomita.html>. Acesso em 9/3/2008. GIMÉNEZ CABALLERO, Ernesto. Triunfo del 2 de mayo. 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London: United Editorial Limited/ Madrid: Ediciones Españolas, 1938 apud Boletín de la Biblioteca del AGGCE, n.2, Madrid, marzo de 2008. A Imprensa e a Ditadura Franquista Sara Getino Garasa Acadêmica do Curso de História Universidad Complutense de Madrid, Espanha. á do título do capítulo depreende-se claramente o objeto de análise que ao longo destas páginas proponho-me a abordar: A imprensa e a ditadura franquista. No entanto, a relação entre ambos não é fácil, e isso podemos observar desde um primeiro momento, analisando o significado desses conceitos. A imprensa chegou a ser definida como “o quarto poder”, evocando com isso a capacidade de penetração que os conteúdos informativos têm nos estados de opinião pública. Ao contrário, uma ditadura é uma forma de governo na qual o poder concentra-se em torno à figura de um só indivíduo. Um único poder, portanto, que se não contempla a existência de outros, não o fará tampouco de um quarto, a imprensa. Mas nessa explicação introdutória ao tema devo aclarar que, em realidade, o que caracteriza uma ditadura não é a carência de opinião pública senão a tentativa do poder por suprimir, controlar e manipular a informação. No entanto, é igualmente interessante observar que nem em todos os sistemas ditatoriais, nem em todos os momentos de sua existência, verificam-se nem os mesmos mecanismos de controle sobre os meios de comunicação, nem a mesma intensidade na sua aplicação, nem a mesma eficácia em seus resultados. Isso é precisamente o que me proponho estudar e analisar: como essas formas de controle político, que utilizou a ditadura franquista, transformaram-se, intensificaram-se ou relaxaram em função das necessidades legitimadoras da mesma. E tudo isso se refletiu claramente na imprensa, que foi sem dúvida, um dos meios em que mais claramente se exerceu essa tentativa de controle através da censura e da política de consignas. Contudo, ao mesmo tempo,o regime foi consciente da importância da imprensa como potencial educador e transmissor de valores. Dessa forma, ao longo deste capítulo, tentarei explicar a evolução que sofreu a imprensa nestes 40 anos, mostrando especial atenção às duas leis de imprensa (a de 1948 e a de 1966) que foram publicadas ao longo do regime. Mencionarei também a J 31 história dos principais periódicos espanhóis. Mas não poderíamos começar a falar sem esclarecer qual foi o verdadeiro significado da imprensa durante o Franquismo. SIGNIFICADO DA IMPRENSA DURANTE O FRANQUISMO A imprensa foi concebida como um instrumento imprescindível ao serviço da construção de um novo estado e de uma nova sociedade. Está claramente demonstrado que a opinião não se engendra de baixo para cima, senão justamente de cima para baixo. Com isso, refiro-me que quando os homens creem pensar por conta própria, em realidade estão pensando através dos meios de informação de que dispõem e das notícias que recebem do mundo. Assim, os meios de informação convertem-se ao final em criadores de uma cultura e de uma consciência nacional e, daí, precisamente a necessidade do franquismo de subordinar a imprensa à autoridade do Estado, que não era outra coisa que o principal garante da ordem e do bem comum. A imprensa do franquismo, portanto, não foi mais do que um aparelho a serviço dos interesses do Estado; ao mesmo tempo, que um veículo de propaganda, controle da opinião pública, vigilância e castigo. Assim, poderíamos afirmar que encontramo-nos diante de uma imprensa a serviço da ordem pública. Nesse sentido, bem poderíamos recolher aqui a seguinte afirmação de Justino Sinova: El periodismo será concebido como una actividad de servicio al Estado; el periódico como un instrumento de acción política; y el periodista como un trabajador más de la administración, aunque su salario fuera pagado por una empresa privada.1 Portanto, para reforçar esses argumentos e corroborar com Sinova pode-se afirmar que “los amos efectivos de toda la prensa fueron las autoridades, que en cada momento se ocuparon del control y la pusieron (...) a los pies del régimen”.2 Assim sendo, dedicarei o próximo apartado ao estudo das diferentes conjunturas da imprensa na Espanha franquista. EVOLUÇÃO DA IMPRENSA, EVOLUÇÃO DO FRANQUISMO Para explicar essa evolução é necessário retroceder ao menos até a Guerra Civil. Na Guerra Civil além da frente bélica, existiu outra, não menos importante: a frente 1 SINOVA, J., La censura de Prensa durante el franquismo, Espasa Calpe. Madrid, 1989, p. 17. 2 SINOVA, J., op.cit, p.162. 32 jornalística. A imprensa e a rádio foram utilizadas como meios de propaganda com tal intensidade que se pode falar de uma guerra jornalística entre os bandos “franquista” e “frentepopulista”.3 Em 19 de julho de 1936, um dia depois de iniciada a guerra, declarou-se a censura prévia na zona sob o controle da República e nove dias depois o bando sublevado fez a mesma coisa. De imediato, deixaram de ser publicados os jornais considerados hostis nas duas zonas e expropriam-se os primeiros periódicos. No caso do ABC é paradigmático: foi editado simultaneamente em Madri, administrado pelas autoridades da República; e, em Sevilha, foi publicado para defender a causa dos sublevados. É, portanto, o mesmo periódico, mas com duas concepções políticas e ideológicas antagônicas. Nesse contexto, o bando Nacional aprovou a “Lei de Prensa” de 1938 que passarei a explicar mais adiante. Mas também no âmbito internacional podemos observar essa batalha informativa com a chegada de muitos correspondentes de guerra a um ou outro bando, inclusive de um mesmo jornal. Exemplo disso, encontra-se nos jornalistas do New York Times. Um desses jornalistas, afim à causa franquista, enviou crônicas que contradiziam aquelas escritas por seu colega destinado à zona republicana. Nas duas zonas instalou-se, portanto, um modelo de aproveitamento do sistema informativo para defender seu conceito de Estado, mas de formas muito diferentes. No bando franquista consolidou-se um sistema centralizado com uma hierarquia bem estabelecida que obedeceu à lógica da guerra e ao objetivo único de ganhá-la, dessa forma, suas mensagens apresentavam uma uniformidade. É um discurso diáfano que foi orientado somente em uma direção: exaltação do Exército, integração da religião na vida diária, e a consagração de um Estado fascista. No bando republicano, ao contrário, existiam demasiadas concepções diferentes de Estado procedentes dos distintos partidos e sindicatos que apoiavam ao regime, que produziu uma desorientação informativa no bando republicano, em que cada setor atuou segundo suas próprias convicções. Enfrentaram-se, portanto, dois sistemas informativos contrapostos que, puderam denominar-se “lo contradictorio frente a lo compacto”.4 3 SÁNCHEZ ARANDA, J.J. y BARRERA DEL BARRIO, C., Historia del periodismo español, desde sus orígenes hasta 1975, Pamplona, EUNSA, 1992, p.357. 4 GÓMEZ MOMPART, J. L. y TRESSERRAS, J.M., La reorganización del sistema informativo durante la guerra, in: Historia de los medios de comunicación en España, Ariel Comunicación, Madrid, 1989, p. 170. 33 Concluída a guerra, o governo de Franco manteve a “Lei de Prensa” que supunha um controle total da atividade jornalística. Ao início, a imprensa ficou sob o controle e a influência da “Falange”, que não só tentou controlar as publicações, mas também aos profissionais do periodismo. Em 1941, criou-se a “Escuela Oficial de Periodistas” na que foi imprescindível, para ingressar, ser militante da “Falange” espanhola y de las JONS. Após terminar a II Guerra Mundial iniciou-se um período de isolamento internacional. Aprovou-se o “Fuero de los Españoles”, em 1945, que em seu artigo número 12 manifestava: “Todo español podrá expresar libremente sus ideas mientras no atenten a los principios fundamentales del Estado”. Esse último indicava que tudo continuaria igual com respeito à liberdade de imprensa. Em 1951, Franco remodelou seu governo e foi se abandonando o referente formal do fascismo pelo modelo nacional-católico e isso teve consequências também na política de imprensa franquista. Criou-se, então, o Ministério de Informação e Turismo, a frente do qual se situou Gabriel Arias Salgado, que anunciou um possível aperfeiçoamento da “Lei de Prensa” de 1938, mas quando abandonou o cargo, após 11 anos, o esboço da nova lei não tinha passado da fase de anteprojeto. Finalmente, em 1962, e já em pleno processo de industrialização e recuperação econômica, foi nomeado ministro de Informação e Turismo Manuel Fraga Iribarne, que aprovaria, em 1966, uma nova “Lei de Prensa”, que supunha uma maior flexibilização e liberalização. Mas essa maior liberalização não significou uma liberdade de imprensa plena, já que melhor foram os resultados das novas exigências do regime que fizeram necessário um controle mais sutil da política informativa. Mas não adiantemos conclusões e continuemos caminhando passo a passo nesta análise da evolução da imprensa franquista na qual, como já mencionei, possuem um lugar destacado as Leis de Imprensa de 1938 e 1966 para se entender esse processo. LEI DE IMPRENSA DE 1938 VERSUS LEI DE IMPRENSA DE 1966 A Lei de Imprensa de 1938 instaurou a censura prévia, e deixou bem claro em seu preâmbulo qual seria a função da imprensa: [...] transmitir al Estado las voces de la nación y comunicar a ésta las órdenes y directrices del Estado y de su Gobierno, siendo la Prensa
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