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2 o desenvolvimento do direito pela interpretacao

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2 O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PELA INTERPRETAÇÃO
Durante o período republicano, algumas disposições da Lei das XII Tábuas foram modificadas. Os credores de um devedor, assim reconhecido pelo iudex e que não solvesse seu débito espontaneamente, não mais podiam matá-lo, mas deviam deixá-lo quitar a dívida mediante trabalho forçado; posteriormente, outra solução se fixou, com o estabelecimento de um procedimento de venda forçada dos bens do devedor, para entrega aos seus credores do valor apurado. A despeito de tais mudanças, contudo, quinhentos anos após a edição da Lei das XII Tábuas, os romanos ainda costumavam olhar para trás e ver sua legislação como “a fonte de todo o direito público e privado” (Lívio), tendo Cícero afirmado que os estudantes, na escola, deviam conhecê-la com o coração.
Os romanos possuíam uma forte impressão sobre seu direito, qual fosse, a de que ele possuía o atributo da longevidade e havia sido, desde a fundação de Roma, parte essencial do tecido cultural que a caracterizava. Ao mesmo tempo, eles tinham a expectativa de que esse mesmo direito lhes permitisse fazer o que quer que quisessem, desde que suas pretensões lhes parecessem razoáveis. Na primeira metade da república, a interpretação do direito, quer fosse da lex (Lei das XII Tábuas), quer fosse do ius (costumes não escritos), ainda estava nas mãos dos pontífices, que podiam interpretá-lo em um sentido extensivo, até mesmo produzindo institutos que haviam sido desconhecidos anteriormente.
Um exemplo da extensão das possibilidades interpretativas é a emancipação dos filhos em relação ao poder de seu pai (pátrio poder). O poder do pater familias sobre seus descendentes durava até sua morte (do pai ou do filho). À época da Lei das XII Tábuas não havia meios de antecipar voluntariamente o termo (fim) desta relação. O costume permitia ao pater familias vender o filho como escravo, e a Lei das XII Tábuas continha uma previsão, aparentemente para refrear o uso abusivo desse direito concedido pelo costume, segundo a qual, se o pai vendesse o filho por três vezes como escravo (o que só ocorreria se o “vendido”fosse liberto nas duas primeiras ocasiões, retornando à casa paterna), o filho não voltaria ao domínio do pai ao ser liberto pela terceira vez. 
Como resultado da interpretação conjunta destes dois dispositivos, a venda por três vezes era utilizada pelo pai para emancipar seu filho. Ele fingia vender o filho por três vezes, para um amigo; após cada venda o amigo libertava o seu “escravo” e, após a terceira, em razão do texto da Lei das XII Tábuas, o filho a quem se queria emancipar estava livre, tanto do pai quanto de seu pretenso comprador. Pode-se perceber aí o uso do texto da lei, bem como do conteúdo do costume, para um propósito totalmente diverso daqueles pretendidos por ambos. E a interpretação veio a avançar ainda mais: a lei se referia apenas a filhos, silenciando sobre filhas e netos; mas a partir do momento em que a regra passou a ser vista como um recurso para a emancipação, entendeu-se não somente se que se estendia a estes outros descendentes, mas ainda o fez considerando uma só venda suficiente para que a emancipação ocorresse.
Sem dúvida, muitos cidadãos teriam percebido que o que estava acontecendo era uma adaptação da Lei das XII Tábuas para propósitos nunca imaginados pelos decênviros. Contudo, para aqueles que a admiravam e viam-na como parte da essência cultural romana, era mais confortável entender tais desenvolvimentos de seu conteúdo como a explicitação de um sentido anteriormente implícito, ao invés de aceitar o evento de uma reforma legislativa.

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