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5 o imperio e o direito

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5 O IMPÉRIO E O DIREITO
O último século da república romana foi marcado pela confusão e o conflito entre, de um lado, aqueles que queriam manter a constituição original (N.T.: “constituição” no sentido da organização estatal republicana), ainda que constatada a enfraquecida liderança que o governo desta exercia; e, de outro, aqueles que preferiam um governo forte, mesmo que ao custo de se desprezar o direito vigente no tocante aos limites impostos pela forma republicana ao exercício da política. O problema assumiu grandes proporções e veio a se impor no palco político ao longo da carreira de Júlio César, que abertamente desrespeitava a organização republicana e acabou assassinado em 44 a.C.. Os líderes da conspiração contra ele, Brutus e Cassius, eram, respectivamente, o pretor urbano e o pretor peregrino à época.
Quando a República foi substituída pelo Império, o primeiro imperador, Augusto, esforçou-se por manter a fachada da constituição republicana, a fim de mitigar a oposição ao novo regime. De início, as assembléias populares continuaram a reunir-se, como no peíordo anterior; contudo, na ausência de mecanismos de representação e requerendo, pois, a presença dos cidadãos interessados em participar, elas consistiam, na prática, em reuniões de multidões que viviam na própria cidade de Roma. Diante disto, os imperadores, silenciosamente, impediam que propostas legislativas sobre temas de maior importância fossem propostas às assembléias, tendo sido afinal o Senado, um corpo político constituído por ex-magistrados, que acabou assumindo a função de aprovar as leis.
O edito pretoriano, publicado anualmente por sucessivos pretores, havia alcançado o ponto em que nada de seu conteúdo se alterava ano após ano. Em razão disto, no início do segundo século d.C., o imperador Adriano ordenou ao jurista Juliano que estabelecesse uma versão definitiva desse documento. Seu texto assim fixado começa com o procedimento a ser seguido em uma ação (formula) desde a defesa do réu até o fim da fase diante do pretor, cobrindo os vários remédios legais, cuidando, depois, dos procedimentos tendentes a assegurar a execução das sentenças e terminando, então, com uma seção destinada aos interditos e defesas alternativas. É provável que esta ordem tenha sido modificada em relação à Lei das Doze Tábuas.
O imperador assumiu poderes legislativos, passando a emitir documentos denominados constituições imperiais, as quais eram, desde então, reconhecidas como fonte de direito com o status de lex. Ainda que eventualmente os imperadores legislassem através de editos, a maior parte destas constituições eram respostas, dadas em nome do imperador, a questões postas por litigantes ou servidores do Estado romano, tais como governadores de províncias. Estes documentos (denominados reescritos) eram emitidos por juristas a serviço da chancelaria imperial; normalmente, eles se limitavam a declarar a existência de uma lei ou a esclarecer seu conteúdo, sendo raros os casos em que se introduziam mudanças legislativas significativas.
No segundo século d.C. o império já se estendia do sul da Bretanha, Gália e Península Ibérica a oeste, ao longo da margem ocidental do Rio Reno e da margem sul do Danúbio, até a Ásia Menor, Síria e Egito ao leste. A cidadania romana houvera se tornado menos exclusiva a esta época do que havia sido durante o período republicano. Ainda no fim da república, a propósito, a cidadania já havia sido estendida à maior parte da população residente na península itálica, na região abaixo do Rio Pó. Mas o governo imperial passou a utilizar-se da cidadania como modo de integrar aqueles que viviam em territórios romanos fora da Itália e, assim, acabou rompendo uma lógica que associava a cidadania romana à origem italiana. 
Progressivamente, vantagens políticas, sociais e econômicas sobreviriam àqueles novos cidadãos, mas ao mesmo tempo o império procurou compatibilizar a cidadania com outras formas de manifestação de fidelidades locais, desde que estas não desafiassem o domínio romano. Membros mais ambiciosos das aristocracias locais eram estimulados a tratar Roma como sua terra de origem, quando, de fato, não o era. E efetivamente, nos primeiros anos do império, eram os membros das aristocracias provinciais que se mostravam os defensores mais ferrenhos dos valores romanos tradicionais. O funcionamento do império veio a depender de tais homens, que serviam como oficiais no exército imperial, como agentes tributários nas províncias, ascendiam então ao Senado, ao Consulado e, então, governavam as províncias militares nas fronteiras do território imperial.
A política imperial estimulou a existência de municipia, comunidades mais ou menos autônomas de cidadãos ou latinos (grupo que detinha quase todas as prerrogativas dos cidadãos). Um cidadão morador de um municipium provincial possuía um status duplo, pois cada comunidade possuía seu direito municipal, prescrevendo em considerável detalhe de que modo a convivência era organizada localmente, com ênfase especial nos procedimentos legais a serem conduzidos nos casos de conflitos. A despeito de variações existentes em detalhes relativos a tais procedimentos, sabe-se que, ao menos nas províncias ocidentais, havia um direito-standard, um modelo que era utilizado na maior parte dos casos, e que assimilava ao máximo suas instituições e procedimentos àqueles vigentes em Roma, guardadas as devidas proporções. A principal evidência disto é uma inscrição em bronze descoberta em Irni, na Espanha, contendo dois terços da lei municipal desta comunidade. Partes dessa legislação, sabe-se, reproduzem o texto de fragmentos de outras leis municipais da época (primeiro século d.C.); esta identificação demonstra, pois, que as instituições romanas serviram como modelo ao qual as comunidades provinciais deviam aspirar, tanto quanto as circunstâncias locais o permitissem. Nas províncias de cultura grega do leste do império, contudo, as comunidades que se haviam organizado séculos antes como cidades-estado eram menos receptivas ao modelo romano, prendendo-se às suas leis e instituições tradicionais e resistindo à adoção de quaisquer “novidades” trazidas pelo conquistador.
Os dois primeiros séculos da Era Cristã marcam o ponto máximo de desenvolvimento alcançado pelo direito romano, no sentido de que o apogeu de seu desenvolvimento técnico se atingiu neste período. Foi esse o momento em que o direito romano se sofisticou e refinou ao máximo, sendo reconhecido como o período clássico do direito romano. Contudo, esses mesmos duzentos anos também testemunharam algumas das mais bárbaras atrocidades cometidas por imperadores brutais, como Nero, Calígula e Domiciano. Há nisto um aparente paradoxo, pois seus governos conviveram com o apogeu do direito, acima mencionado, e do império como um Estado legalmente organizado. A resposta a tal paradoxo se encontra em uma distinção, aceita tacitamente, entre o direito privado e outras áreas sob influência do direito. O direito privado se ocupa das relações entre indivíduos. Os primeiros imperadores aceitaram o fato de que havia pouca vantagem em interferir nos negócios privados e que, portanto, era boa política manter e desenvolver o direito privado sem fazer interferências ou mudanças desnecessárias.

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