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6 os juristas no periodo classico

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6 OS JURISTAS NO PERÍODO CLÁSSICO
O âmbito em que o direito romano mais se desenvolveu durante o período clássico foi o da literatura produzida pelos juristas, tanto por aqueles a serviço do império quanto pelos que ainda conduziam a sua prática autonomamente. Os juristas, como classe, eram favorecidos pelos imperadores; Augusto já havia garantido a certos juristas a autorização imperial, ou seja, o direito de emitir opiniões com a autoridade do imperador, possivelmente a fim de aliviar a pressão criada pela demanda por reescritos da chancelaria imperial, quando, um século mais tarde, Adriano decretou que, caso a opinião de todos os juristas que detinham a autorização imperial fosse unânime, esta teria a força de lei (lex). O que isto significa não é bastante claro, mas provavelmente refere-se a uma prática que vinha se tornando cada vez mais freqüente, qual fosse, a de citar opiniões expressas em pareceres jurídicos precedentes, emitidos sobre casos similares ocorridos no passado�. 
O direito produzido pelos juristas no período clássico marcou-se por certas características que podem ser resumidas como se segue. Em primeiro lugar, há uma contínua sucessão de indivíduos, todos dedicados ao direito e, cada um, familiarizado com os esforços de seus predecessores, cujas opiniões e pareceres eles citam especialmente quando concordam com eles mas, também, quando discordam. Em segundo lugar, de cada um deles pode dizer-se que possuía um conhecimento abrangente do direito privado. O pretor mantinha-se no cargo por apenas um ano, o iudex concentrava-se apenas nos fatos concretos inerentes aos casos particulares de cuja solução se ocupava e, quanto aos advogados, estes se esmeravam mais na construção da argumentação (retórica) do que no conhecimento da lei. De fato, havia uma tendência, exemplificada por Cícero - que era um famoso advogado - de se debochar dos juristas, precisamente porque eles pareciam estar sempre imersos em minúcias legais, tais como o direito de se deixar a água da chuva que escorria em um telhado ser escoada para o telhado do vizinho. Em terceiro lugar, os juristas preocupavam-se com as questões relacionadas à prática cotidiana do direito e podiam, portanto, reconhecer quando modificações pontuais ou maiores reformas na lei eram necessárias. E ainda que freqüentemente aceitassem pupilos, não se pode considerar que esses juristas fossem professores nem acadêmicos “apartados da realidade”; eram, ao contrário, profundamente comprometidos com a solução de problemas práticos do direito, suscitados em casos concretos e inerentes, pois, à realidade da vida. Finalmente, eles gozavam de absoluta liberdade para manifestar opiniões divergentes; a propósito, a discussão jurídica realizada no bojo dos casos é inevitavelmente controvertida, já que há sempre dois lados em cada litígio e cada um deles deseja poder expressar um argumento em seu favor. Com isto não se quer dizer que os juristas distorcessem o conteúdo do direito para satisfazer a um cliente que os consultasse, mas sim que eles estavam prontos a explorar e testar os limites de cada regra de direito, o que era motivado pelos interesses antagônicos dos pólos da relação litigiosa.
A direito clássico era, pois, o produto da disputa. As técnicas utilizadas diferiam de acordo com o objeto sobre o qual se debruçava o jurista, ou seja, se era direito escrito ou não. Caso se tratasse de texto de lei (lex) promulgada pela assembléia republicana, ou do edito pretoriano, ou de um contrato ou testamento, os problemas tinham que se resolvidos pela interpretação dada a frases particulares do texto e um número de argumentos era levantado a partir daí. Mas o que deveria prevalecer, a letra do texto ou seu “espírito”? A vontade do autor deveria prevalecer mesmo quando ele se houvesse expressado de modo ambíguo? Neste caso, como sua verdadeira intenção seria compreendida pelo intérprete? Diversamente, quando o direito se encontrava expresso oralmente apenas, ou registrado na opinião de juristas, e não envolvessse a forma de um texto autorizado e fixo (como o da lei e do edito pretoriano o eram), os juristas detinham um escopo mais amplo de possibilidades para reformulá-lo.
No curso da transmissão dessa produção realizada por outras fontes – aquelas às quais nós tivemos acesso através da história – muitas das evidências das disputas e desacordos se perderam, já que opiniões minoritárias tendem a desaparecer; mas sabe-se da existência de duas escolas (no sentido de agremiações que se formam em torno de opiniões) entre os juristas no primeiro e segundo séculos do império, conhecidas como a dos Proculianos e dos Sabinianos. Há muito debate acadêmico ainda hoje sobre essas escolas e as idéias que professavam, mas seus respectivos defensores parecem ter divergido mais no que se refere a questões substantivas do direito do que quanto a métodos. Os Sabinianos tendiam a justificar suas opiniões com referências à prática tradicional e à autoridade dos juristas anteriores. Eles estavam mais preocupados em encontrar soluções justas para os casos individuais, ainda que isto significasse colocar em segundo plano a lógica e a racionalidade. Ao interpretar, eles não se incomodavam se as mesmas palavras eram utilizadas para expressar sentidos diferentes em textos distintos. Já os Proculianos favoreciam a interpretação estrita dos textos e insistiam em que às palavras e frases se deveria dar, em todos os casos, um sentido objetivo e consistente. No caso do direito não escrito (ou do direito escrito sem a autoridade de lex), eles assumiam que se tratava de um sistema coerente de regras e procuravam, por trás delas, por princípios que as houvessem inspirado (princípios implícitos). Deste modo, eles podiam estender a aplicação de tais regras, por analogia, a outros casos subjacentes ao mesmo princípio. Qualquer que fosse a afiliação dos juristas, contudo, eles não acreditavam na formulação e uso de princípios muito abrangentes; não porque não fossem capazes de formulá-los, mas porque entendiam que, quanto mais abrangentes sua formulação e seu escopo, maiores seriam as exceções à sua aplicação e, portanto, abrir-se-ia um perigoso espaço para a incerteza e imprevisão no direito.
Tradução parcial da obra “Roman Law in European History”, de Peter Stein
� N. T. : Este recurso a pareceres ou opiniões anteriores, em referência a casos similares, parece representar a origem remota da prática atual de citar jurisprudência e doutrina anteriores, nos sistemas continentais, e mesmo de o juiz apoiar as decisões atuais principalmente em decisões anteriores - o precedente judicial em uso nos sistemas anglo-americanos.

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