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LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 85 PATRIMÔNIO MÍNIMO E BEM DE FAMÍLIA: O PAPEL DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA AMPLIAÇÃO DA PROTEÇÃO À ENTIDADE FAMILIAR Ana Caroline Gouveia Valadares¹ RESUMO O presente artigo é pautado na análise contemporânea do direito civil, com base na releitura civil-constitucional que estabelece uma visão principiológica dos instrumentos civilistas, sobretudo, no que diz respeito ao direito das obrigações. Neste contexto, a dignidade da pessoa humana passa a ser o norte interpretador das relações jurídicas, com a estrita observância aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. No estudo, foi dado enfoque ao instituto do bem de família e a sua impenhorabilidade prevista em lei, a qual possui profunda relevância na seara jurídica obrigacional, uma vez que é um artifício que visa à proteção da dignidade da família do devedor, em caso de ocorrer a sua insolvência. Nesse sentido, foi analisada a doutrina de Luiz Edson Fachin a respeito do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, corroborando com a necessidade de existência do bem de família. O instituto em questão foi observado a partir de sua gênese de seu tratamento no ordenamento jurídico brasileiro, indo-se da legislação à aplicação do direito, passando a estudar a figura do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como responsável pela uniformização da legislação infraconstitucional, com enfoque na ampliação interpretativa que foi dada a esse dispositivo, conferindo maior efetividade na proteção à entidade familiar. A metodologia utilizada foi a análise doutrinaria e, sobretudo, jurisprudencial. Palavras-chave: patrimônio mínimo. constitucionalização. bem de família. direito das obrigações. Superior Tribunal de Justiça. ABSTRACT The present article is ruled by the contemporary analisys of the civil law, based on the civil and constitutional reinterpretation, which estabilishes a principiological vision of civil instruments, specially on the subject of contract law. In this context, the dignity of the human being turns out to be the interpretative north of juridical relations, under the strict observance of the principles of objective good faith and social function of the contract. The focus of this survey is the homestead and its immunity from seizure, stipulated by law, which possesses deep relevance in juridical contract ambit, once it is a device that aims protection to the debtor’s family dignity, in case of insolvency. In this regard, the analysis of Luiz Edson Fachin’s doctrine concerning the juridical statute of minimum patrimony corroborate with the necessity of homestead existence. The institute in question have been observed since the genesis of its treatment into brazilian legal system, from the legislation to the law enforcement, proceeding to study the figure of the Superior Court as responsible for the stan- dardization of the infraconstitutional legislation, with interpretative expansion approach that was given to this device, providing greater effectiveness in protecting the family unit. The methodology used was the doctrinal and, mainly, jurisprudencial analysis. Keywords: minimum patrimony. constitutionalization. homestead. law of obligations. Supreme Court of Justice. ¹Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Bolsista do Programa de Monitoria da disciplina Direito Civil I vinculada ao Departamento de Direito Privado do CCJ/UFPB. 1. INTRODUÇÃO Com a Constituição da República de 1988, consolidou-se, efetivamente, o fenômeno da constitucionalização do direito civil. Nessa esteira, são observadas alterações de paradigmas muito relevantes, ao passo que a introdução de princípios no ordenamento jurídico positivado fez com que a interpretação e a aplicação do direito sofressem mudanças substanciais, passando o princípio da dignidade da pessoa humana a ser o vetor do sistema jurídico como um todo. Neste contexto, figura o direito das obrigações, que passa a ser norteado pelos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Há uma releitura da relação obrigacional, chegando a ser substituída na doutrina pela ideia de processo obrigacional, evitando a polarização entre credor e devedor. Sobre a figura do instituto do bem de família, repousa a tese de Fachin, intitulada teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, que versa sobre a necessidade de o ordenamento jurídico assegurar um patrimônio mínimo, garantindo, em respeito à dignidade da pessoa humana, o mínimo existencial. Com esse embasamento, o estudo em apreço visa, então, estudar a figura do instituto jurídico da impenhorabilidade do bem de família, uma vez que ele constitui uma limitação relevante ao direito do credor de ter o seu crédito executado. O que se confronta é a dignidade da pessoa humana, refletida no direito à moradia constitucionalmente estabelecido, em detrimento do direito do particular em ter o que lhe é devido. Destarte, o que se pretende é trazer o fenômeno de valoração das relações jurídicas ao debate na aplicação do direito, que ensejou a ampliação da força normativa do instituto do bem de família. Em meio à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), formaram-se entendimentos com esse propósito, os quais constituem o objetivo deste trabalho, ao serem efetivamente analisados. LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo86 2. RELEITURA DO DIREITO PRIVADO: ENFOQUE CIVIL-CONSTITUCIONAL DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Nos primórdios do fenômeno da positivação do direito, com o Código de Napoleão de 1804, muito se preocupou em estabelecer a separação evidente entre o direito público e o direito privado. Paulatinamente, essa dicotomia veio sendo superada, ao passo que foram sendo evidenciadas, em um primeiro momento, interferências de normas de ordem pública no âmbito privado, acarretando a chamada publicização do direito privado. No século XX, os estudos e a interpretação do direito, influenciados pelo contexto histórico e pelos acontecimentos e avanços tecnológicos da época, pautaram-se no que se convencionou chamar de pós-positivismo jurídico, ocasionando a guinada interpretativa, à medida que se passou a observar a dogmática jurídica a partir de valores e de princípios. Desse modo, surge uma nova concepção do direito, desta vez, pautado em pilares principiológicos, os quais conduzem a sistematização jurídica a uma preocupação, cada vez mais, constante com o ser humano. Neste momento, o que se evidenciou foi a positivação, nas constituições, de princípios oriundos do direito civil, os quais passaram a nortear a atividade interpretativa do aplicador do direito no que diz respeito à seara infraconstitucional, garantindo os direitos e garantias fundamentais, tendo em vista também a sua eficácia horizontal, também são oponíveis no campo privado, ocasionando o inevitável equilíbrio entre eles e a autonomia privada. O princípio da dignidade da pessoa humana passou a ser o norte orientador de todo o ordenamento jurídico. Por ser um conceito jurídico classificado como indeterminado, o legislador e o aplicador do direito receberam o encargo de alcançar o seu conteúdo, para proporcionar a sua concretização. Para Barroso (2010. p.60), o princípio da dignidade da pessoa humana assumiu dimensão transcendental e normativa, sendo a Constituição não apenas “o documento maior do direito público, mas o centro de todo o sistema jurídico, irradiando seus valores e conferindo-lhe unidade”. Dessa forma, no que diz respeito especificamente ao campo do Direito das Obrigações, nota-se uma mudança de paradigma interpretativo, visto que a releitura da relação obrigacional conforme os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados é hoje uma realidade para os aplicadores do direito. As obrigações passaram a serem vistas como um processo obrigacional,dinâmico e de deveres recíprocos, sem a existência da polarização entre devedor e credor, à luz do princípio da boa-fé objetiva. Dessa forma, não deve ser vista mais a submissão de uma parte a outra, uma vez que a relação deve ser vista como bilateral, em que não há apenas uma parte detentora de direitos. Dessa forma, pode-se observar que, dentro da relação entre credor e devedor, estão presentes obrigações recíprocas e interligadas, ocasionando, em determinado momento, a oscilação do polo em que cada parte irá figurar. Assim, é observado o seu caráter dinâmico. Nessa esteira, caracteriza-se a obrigação como um processo composto de atividades necessárias à satisfação do crédito, afastando a estaticidade fundada na polarização entre as partes. No contexto da existência dos direitos recíprocos, há de se ressaltar que deve haver a observância efetiva do princípio da cooperação por ambas as partes. Observa-se uma crise de cooperação entre credor e devedor, especialmente, ao longo do século XX. As partes, na relação obrigacional, ainda que com interesses divergentes, devem atuar sempre na perspectiva da eticidade. Assim, à luz da boa-fé objetiva, avulta-se a importância do instituto do duty to mitigate the loss² , com o propósito de coibir abusos. O duty to mitigate the loss se trata de um importante instituto por meio de que impõe-se, ao próprio credor, a obrigação de, sempre que possível, atuar para mitigar a situação de prejuízo experimentada pelo devedor. No Brasil, já existe, inclusive, ocorrência da aplicação desse princípio pelo Superior Tribunal de Justiça: ²Do inglês: dever de mitigar o prejuízo DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano.5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento).6. Recurso improvido. (STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp 758518 PR 2005/0096775-4 Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 17/06/2010, T3 - TERCEIRA TURMA) LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 87 Tem-se, pois, caracterizada a dinâmica obrigacional, que se afasta da polarização entre credor e devedor, decorrendo, diretamente, da boa-fé objetiva, responsável por estabelecer deveres anexos aos polos contrários. Dessa forma, devido à incidência dos deveres recíprocos, o que se tem é a necessária cooperação entre credor e devedor. 3. A TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO E O INSTITUTO DO BEM DE FAMÍLIA Sendo assim, tendo em vista o processo de personalização ou de despatrimonialização do direito civil, em que o ser humano passou a ser alvo central das preocupações do ordenamento jurídico, Fachin elaborou sua tese, intitulada teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, que versa sobre a necessidade de o ordenamento jurídico assegurar um patrimônio mínimo, garantindo, em respeito à dignidade da pessoa humana, o mínimo existencial. O estudo de Fachin possui grande relevância na disciplina do bem de família, sendo este uma explicitação do patrimônio mínimo, estando previsto no Código Civil e na Lei 8.009/90, em suas vertentes convencional e legal. A fim de proteger os direitos inerentes à personalidade, bem como os patrimoniais, Fachin, por meio da concepção do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, busca a valorização da pessoa humana no tocante ao Direito Privado, dando a devida relevância à dignidade da pessoa humana em detrimento dos institutos da propriedade privada, que engloba a noção de defesa dos bens inerentes à subsistência pessoal e do direito creditício. A proposta de repersonalização e despatrimonialização do Direito Civil possui consequências substancias no direito de família. As disposições da lei nº 8.009/90, legislação específica acerca da impenhorabilidade do bem de família, bem como os parágrafos referentes aos objetivos da República Federativa do Brasil, elencados no artigo 3º da Constituição Federal, quais sejam a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, no inciso I, e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais, no inciso III, demonstram essa preocupação de natureza econômica em relação à estrutura familiar, a qual justifica as disposições legais em sua proteção. Entende a doutrina que o caráter de valor econômico do patrimônio é responsável pela compreensão tanto dos seus elementos ativos quanto passivos, sendo direito patrimonialista, em sua consequência, intrínseco a todos os indivíduos. Isso posto, há a ressalva de que a exceção de que trata a ausência de patrimônio não desqualifica ninguém de sua condição de sujeito. O Estado, com o objetivo maior de concretizar a dignidade humana, mitiga o princípio da autonomia privada. É preciso ressaltar que não há o favorecimento de uma das partes, pois se trata da aplicação do princípio da igualdade. O objetivo não é, pois, preservar um determinado padrão de vida do indivíduo, mas sim proteger parte do patrimônio, caracterizada como o mínimo existencial, com o intuito de concretizar a proteção à dignidade da pessoa humana. O estatuto jurídico do patrimônio mínimo demanda a garantia do mínimo existencial, de forma que os seus conceitos não se misturam. Segundo Fachin (2001): Em caso de inadimplemento, a responsabilidade patrimonial recai sobre o próprio devedor, a título de reparação do que se deve ao credor, como é o entendimento que se tem sobre o assunto. O texto do art. 341 do Código Civil, sob a luz desta teoria, não deve ser considerado completamente, em razão de, em caso de inadimplemento das obrigações, responderem todos os bens do devedor, o que contraria a tutela do patrimônio mínimo do devedor. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38) Em conclusão, o estatuto jurídico do patrimônio mínimo, se devidamente satisfeito e utilizado, promove o princípio da dignidade humana, evitando decisões que, porventura, venham a ceifar o indivíduo do essencial, uma vez que de nada adianta a sobrevivência, se não houver condições que viabilizem o exercício do livre arbítrio e o pleno desenvolvimento da personalidade. 4. A DISCIPLINA DO BEM DE FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO O instituto do bem de família possui raízes no direito americano,na República do Texas, notadamente com o Homestead Exemption Act, para a proteção da pequena propriedade, em virtude da grande crise em que se encontravam os Estados Unidos, resultando na procedência comum de penhoras realizadas pelos credores. Destarte, a influência logo chegou à França, que editou a lei instituidora do bien de famille. (AZEVEDO, 2002, p. 28-37) Em um breve histórico, o advento da legislação específica no Brasil se deu no contexto dos insucessos dos planos governamentais da época, os quais ensejaram uma maior proteção do devedor. Sobre o assunto, vale transcrever as palavras do prestigiado ex-Ministro de Justiça Saulo Ramos (GONÇALVES, 1998. p. 28-30): A pessoa natural, ao lado de atributos inerentes à condição humana, inalienáveis e insuscetíveis de apropriação, pode ser também, à luz do Direito Civil brasileiro contemporâneo, dotada de uma garantia patrimonial que integra na sua esfera jurídica. Trata-se de um patrimônio mínimo mensurado consoante parâmetros elementares de uma vida digna e do qual não pode ser expropriada ou desapossada. Por força desse princípio, independente de previsão legislativa específica instituidora dessa figura jurídica, e, para além de mera im- penhorabilidade como abonação, ou inalienabilidade como gravame, sustenta-se existir essa imunidade juridicamente inata ao ser humano, superior aos interesses dos credores. LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo88 Nos últimos meses do governo Sarney, o processo inflacionário disparou, sob o impacto das declarações do Presidente eleito em 1989 e sua futura Ministra da Fazenda, que ameaçavam deixar a esquerda aturdida e a direita estarrecida. Juntou-se a nós o saudoso advogado FERRO COSTA, [...] entusiasta do homestead norte-americano [...] era preciso adotar em defesa da família brasileira, sacrificada pelos planos econômicos e, sobretudo, diante do desastre que se antevia no Governo Collor. Informei que já havia tratado do da matéria em projeto enviado ao Congresso. Estávamos na última semana de mandato do Presidente SARNEY, que considerou a matéria urgente e relevante. Concordamos que para inovar em profundidade somente poderíamos adotar o modelo texano, o resto seria paliativo, como nos ensinara VICENTE RÁO há mais de trinta anos. [...] quando foi decretado o confisco dos ativos financeiros do povo pensei que o Governo Collor iria retirar a mensagem, mas o novo Ministro de Justiça ignorava sua existência. Felizmente, o Congresso aprovou-a sem alterações e promulgada foi pelo Senador NELSON CARNEIRO, grande batalhador pelo direito de família em nosso mais, que, emocionado, me transmitiu a notícia por telefone, pedindo que comunicasse a SARNEY. Assim, a Lei nº. 8.009, de 29 de março de 1990, nasceu limpa. Segundo a lição de Azevedo (2003, p. 11), “o bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tomando-se o imóvel onde ela se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”. Como bem analisado em tópico anterior, quando do estudo do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, o bem de família é, além de uma forma de efetivar o direito constitucionalmente estabelecido à moradia, um meio de proteger a entidade familiar, vez que concretiza aquilo estabelecido por Fachin como patrimônio mínimo necessário para garantir a dignidade da pessoa humana. Historicamente, o bem familiar surgiu no Código Civil de 1916, em sua Parte Geral, em que havia o tratamento dos bens, vindo a possuir posteriormente previsões em outras leis ordinárias. Apenas em 1990, foi promulgada a Lei nº 8.009/90, destinada a tratar o instituto em minúcias, trazendo consigo a figura do bem de família obrigatório, também conhecido como legal ou involuntário. A novel legislação, à época, imputou ao Estado a proteção do bem de família, não mais dependendo de seus integrantes. No atual Código de 2002, agora na Parte Especial, encontra-se apenas a disciplina do bem de família voluntário, a qual se encontra na parte referente ao direito patrimonial. A Constituição Federal de 1988 introduziu, em seu artigo 5º, XXVI, o bem de família rural, objetivando proteger a pequena propriedade. Dessa forma, temos, no atual patamar do ordenamento jurídico brasileiro, dois regimes para o instituto em pauta, isto é, o bem de família voluntário, também conhecido como convencional, e o bem de família involuntário, legal ou obrigatório. Partir-se-á, então, para análise de ambos os regimentos. O bem de família convencional, cuja disciplina advém do Código Civil, consiste na proteção voluntária e espontânea da parte interessada, que se utiliza do registro público no cartório de imóveis, para conferir publicidade que justifique a impenhorabilidade e a inalienabilidade do bem. A legislação de 2002, à luz da Carta Cidadã de 1988, autoriza a instituição do bem também por ato da esposa, cristalizando a igualdade entre o homem e a mulher, preconizada pela Lei Maior. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 913) A legislação também autoriza que o bem de família seja instituído, além de pelo casal, por terceiro, através do testamento, e pela entidade familiar, que compreende, em seu conceito, a união estável, a família monoparental, o solteiro. As principais consequências da instituição do bem de família são a impenhorabilidade e a inalienabilidade, ambas relativas. O bem familiar se torna impenhorável com efeitos relativos às dívidas posteriores à sua instituição e, se anteriores, apenas das que dizem respeito a tributos e a despesas de condomínio referentes ao mesmo prédio. Já a inalienabilidade advém da destinação do bem ao domicílio e ao sustento familiar, sendo sua alienação excepcional e possível mediante o consentimento dos interessados, com a oitiva do Ministério Público. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012. p. 411) A vertente voluntária possui, ainda, expressa limitação conferida pelo Código Civil. Em seu artigo 1.711, é estabelecido o limite máximo de um terço do patrimônio líquido do instituidor à época da instituição, objetivando-se que não fiquem todos os recursos inatingíveis, em caso de insolvência. O diploma civil também cuidou em estabelecer as formas para a extinção da proteção, desde que necessária à manutenção da família, entre seus artigos 1.719 e 1.722. Como bem observou Rodrigues (2004, p. 154), o bem de família voluntário não alcançou grande sucesso, e pode-se atribuir a isso o fato de o Estado ter transferido tamanha responsabilidade ao particular. Partindo-se para a análise do bem de família legal, toma-se, como base, a Lei n° 8.009/90, que ampliou a compreensão do instituto, passando a resultar, de forma direta, da lei, e não mais de ato volitivo do instituidor. De acordo com a redação de seu artigo 1º: Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei. LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 89 O parágrafo único do artigo em questão ainda aduz que “a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”. Vale ressaltar, ainda, que essa proteção não é absoluta. Até pouco tempo, assim dispunha a lei³: Na esteira do alargamento da proteção ao bem familiar, neste ano, foram publicadas duas novas leis que modificaram a tradicional disciplina do art. 3º da Lei do Bem de Família. A Lei Complementar 105/2015, que dispõe sobre os direitos dos empregados domésticos,revogou o inciso I do art. 3º, ao passo que a Lei 13.144 traz nova redação ao inciso III do mesmo dispositivo, o qual passa a dispor que “pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida”. Em oposição ao que dispõe a forma voluntária decorrente do Código, a proteção conferida pela Lei nº. 8.009/90 é imediata, ao derivar diretamente da lei. Dessa forma, não há a necessidade de sua constituição no Cartório de Registros Públicos. O novo regime de proteção propiciou uma maior concretização da regra oriunda da Lei Maior de garantia do domicílio como um direito social (CF, art. 6º), sendo uma constatação do patrimônio mínimo da pessoa humana. Sob a égide da Lei nº. 8.009/90, observa-se que há uma ampliação no objeto da proteção, com a jurisprudência vindo a considerar impenhoráveis bens, como máquina de lavar, computador, videocassete, ar condicionado, televisão, entre outros, os quais são necessários para manutenção de uma vida digna. Expressamente, em seu artigo 2°, a lei exclui apenas os veículos de transporte e os adornos suntuosos. Ademais, é inegável a estrita relação entre a proteção do bem de família e a relação obrigacional, uma vez que a impenhorabili- dade é um empecilho à satisfação do interesse do credor. Nesse sentido, sucintas são as palavras de Lôbo (2011, p. 398): Como se vê, há, no que tange à relação obrigacional, um notável conflito de interesses entre o credor, detentor do crédito, e o devedor insolvente. Observadas as circunstâncias, impenhorabilidade é, então, vista no direito das obrigações como uma limitação à pretensão do credor de ter o cumprimento do seu crédito. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III - pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. ³Lei 8.009 de 29 de março de 1990. A Constituição incluiu a moradia entre os direitos sociais, imprescindíveis à pessoa humana, no art. 6º. A moradia é, portanto, direito mais amplo que o de propriedade ou domínio do bem, oponível ao Estado, à sociedade e às pessoas. O direito ao crédito não lhe pode sobrepujar. Este é o fundamento constitucional geral da imunização da moradia à penhora. Mas a Constituição destacou situação que atribuiu especial atenção, ao determinar que “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamentos de débitos decorrentes de sua atividade produtiva” (art. 5º, XXVI), supondo que, além de unidade produtiva, seja a moradia da família. LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo90 5. A PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AMPLIAÇÃO INTERPRETATIVA DO INSTITUTO DO BEM DE FAMÍLIA Depois da construção de um raciocínio lógico-sistemático a respeito da doutrina civil-constitucional, que norteia uma nova interpretação do direito das obrigações, pautando uma ampla observância à dignidade da pessoa humana, foi possível, a partir da teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, construir a ideia do instituto do bem de família como seu resultado. Observa-se que, na relação obrigacional, à medida que o devedor se torna insolvente, mesmo tendo o credor o direito à execução, ela não poderá atingir, ressalvadas as restritas hipóteses legais, o patrimônio mínimo necessário à vida digna do devedor, isto é, o seu bem de família revestido pela capa a impenhorabilidade garantida em lei. Partindo dos diplomas legais, cabe, então, aos tribunais, diante de casos concretos, moldar a norma prevista, de acordo com as situações fáticas. Ao passo em que determinadas situações vão-se tornando recorrentes, as cortes têm a possibilidade de firmar um entendimento, que poderá se transformar em um norte interpretador para os demais inferiores, a depender da instância, ou consolidar jurisprudência. Neste sentido, no estudo em apreço, a figura do Superior Tribunal de Justiça possui um papel decisivo, uma vez que é responsável pelas matérias de natureza infraconstitucional, em que se inclui o direito civil. Criada pela Constituição de 1988, a Corte é responsável por ser a guardiã do direito federal, como também por uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional. É notório que o Tribunal da Cidadania - STJ, desde a sua instituição, reinterpreta o direito privado, fazendo uma releitura a partir de princípios constitucionalmente estabelecidos, como o da boa-fé objetiva e o da função social do contrato. Dessa forma, a Corte se direciona de forma a garantir a proteção da dignidade da pessoa humana, principalmente, em lides que há conflitos estabelecidos no âmbito axiológico. O STJ coleciona, ao logo dos anos, julgados que lhe dão o patamar de vanguardista em variadas questões. Como bem salientou o Ministro Luis Felipe Salomão (2013, p. 5), “recentes precedentes desta Corte Superior demonstram forte tendência jurisprudencial de alargamento da proteção a bens jurídicos relevantes e direitos fundamentais, gerando maior eficácia aos textos legais”. No que diz respeito ao estudo em questão, direcionado à problemática do bem de família, encontram-se, na jurisprudência da Corte, diversos julgados e entendimentos consolidados que ampliam o conceito do instituto, ensejando o aperfeiçoamento também da sua doutrina. A relevância da construção jurisprudencial se torna necessária, principalmente, no que diz respeito às situações que não são, especificamente, tratadas pelo dispositivo legal, mas que estão presentes na realidade fática. O objetivo desse Tribunal, sem dúvidas, é promover a aplicação da lei visando aos seus fins sociais, dando maior efetividade ao art. 6º da Constituição Federal, que impõe o direito à moradia no rol dos direitos fundamentais. Nessa esteira, é possível analisar o posicionamento do STJ no que diz respeito à temática tanto no conteúdo dos julgados quanto nas suas súmulas formuladas, que são verbetes editados para exprimir o entendimento da Corte, seja ele pacífico, ou, ao menos, majoritário. No caso das súmulas do STJ, ao contrário da Súmula Vinculante privativa do Supremo Tribunal Federal, sua eficácia não condiciona os tribunais inferiores ao seu seguimento, uma vez que apenas tem o condão de ser um norteador, na tentativa de uniformização da aplicação da matéria. A respeito do bem de família, destacam-se os verbetes de números 205, 364 e 486, os quais, em seu texto, definem situações jurídicas que vislumbram uma efetiva ampliação da entidade familiar. A Súmula 205 dispõe que a Lei do Bem de Família, mesmo datando de 29 de março de 1990, é aplicada também à penhora realizada antes de sua vigência. Com efeito, anteriormente à sanção da lei, já existia, no ordenamento jurídico brasileiro, a figura do bem de família voluntário, em que o Estado não interferia, para protegê-lo. O que entendeu o STJ foi que a proteção estatal, que caracteriza o bemde família legal, poderia retroagir, para efetiva proteção. No mais, o entendimento foi, em parte, criticado por quem vislumbrou uma proteção ao devedor insolvente. O verbete de número 364 , certamente, foi um dos que causou maior impacto à realidade jurídica obrigacional, ao passo que garantiu às pessoas solteiras, separadas e viúvas o direito de usufruir a impenhorabilidade do bem familiar. Como bem salientou o Min. Humberto Gomes de Barros, a Lei nº. 8.009/90 não visa apenas à proteção da entidade familiar, e sim do direito à moradia destinado à pessoa humana. (SÚMULA...) Já a Súmula 486, a mais recente a ser editada pelo Pretório, estabelece que “é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”. O entendimento em questão vai além do art. 1º da Lei n°. 8.009/90, o qual caracteriza como bem de família aquele em que ela reside. A letra da lei leva à interpretação de que apenas o imóvel utilizado para fins de moradia do devedor ou de sua família estaria protegido pela impenhorabilidade. Partindo para uma visão da finalidade a que se destina a intenção da lei, dispensa-se a necessidade de efetiva moradia da família, desde que o imóvel sirva para o seu sustento. Assim, se a locação do bem consista na fonte de renda substancial para a sobrevivência do devedor, ela está protegida pela incidência da Lei n°. 8.009/90. Súmula 205 do STJ: A Lei 8.009/90 aplica-se a penhora realizada antes de sua vigência. Súmula 364 do STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 91 Desse modo, é observável que a intenção proferida pelo verbete do Tribunal da Cidadania foi de efetivamente assegurar a dignidade dos membros da família, ao passo que não é exigida a habitação, pois uma vez que o aluguel propicia o sustento familiar, o bem se torna protegido pelo instituto da impenhorabilidade. Apesar de não sumulados, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos especiais, também vem proferindo decisões de extrema relevância para o debate suscitado. Nessa esteira, em 2005, no REsp 621.399 – RS, a Corte se posicionou à respeito da impe- nhorabilidade de imóvel sede de pequena empresa familiar, onde residem os proprietários: A partir de uma concepção doutrinária e teórica, com fulcro na teoria de Fachin sobre o patrimônio mínimo, emitiu-se uma decisão que garantiu à proteção inclusive a uma pessoa jurídica, tendo em vista a realidade fática de que se tratava de uma empresa nitidamente familiar. Neste ponto, corrobora-se o alinhamento da Corte Cidadã – STJ, a fazer o diploma legislativo cumprir as suas finalidades sociais. Em linhas, pode-se dizer que, com base nos seguintes entendimentos pretorianos analisados, considerados os mais relevantes no que diz respeito à problemática em questão, o que se observou, com a atuação do Superior Tribunal de Justiça, foi a maximização do alcance conferido pela Lei nº. 8009. Ressalta-se, portanto, o imprescindível trabalho da Corte no que tange à garantia de direitos básicos à cidadania. Dessa forma, o STJ assume, condizendo com a sua qualidade de Tribunal da Cidadania, o papel de real efetivador de direitos fundamentais do cidadão, especialmente, no âmbito da presente temática, o direito à moradia, estabelecido pela Lei Maior de acordo com as suas implicâncias de ordem infraconstitucional. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA EM FACE DE BEM SERVIL À RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA. PRETENSÃO DA ENTIDADE FAMILIAR DE EXCLUSÃO DO BEM DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA E LEGITIMIDADE PARA O OFERECIMENTO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. É BEM DE FAMÍLIA O IMÓVEL PERTENCENTE À SOCIEDADE, DÊS QUE O ÚNICO SERVIL À RESIDÊNCIA DA MESMA. RATIO ESSENDI DA LEI Nº 8.009/90. 1. A lei deve ser aplicada tendo em vista os fins sociais a que ela se destina. Sob esse enfoque a impenhorabilidade do bem de família visa a preservar o devedor do constrangimento do despejo que o relegue ao desabrigo. 2. Empresas que revelam diminutos empreendimentos familiares, onde seus integrantes são os próprios partícipes da atividade negocial, mitigam o princípio societas distat singulis, peculiaridade a ser aferida cum granu salis pelas instâncias locais. 3. Aferida à saciedade que a família reside no imóvel sede de pequena empresa familiar, impõe-se exegese humanizada, à luz do fundamento da república voltado à proteção da dignidade da pessoa humana, por isso que, expropriar em execução por quantia certa esse imóvel, significa o mesmo que alienar bem de família, posto que, muitas vezes, lex dixit minus quam voluit. 4. In casu, a família foi residir no único imóvel pertencente à família e à empresa, a qual, aliás, com a mesma se confunde, quer pela sua estrutura quer pela conotação familiar que assumem determinadas pessoas jurídicas com patrimônio mínimo. 5. É assente em vertical sede doutrinária que “A impenhorabilidade da Lei nº 8.009/90, ainda que tenha como destinatários as pessoas físicas, merece ser aplicada a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas empresas com conotação familiar, por exemplo, por haver identidade de patrimônios.” (FACHIN, Luiz Edson. “Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo”, Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 154). 6. Em conseqüência “(...) Pequenos empreendimen- tos nitidamente familiares, onde os sócios são integrantes da família e, muitas vezes, o local de funcionamento confunde-se com a própria moradia, DEVEM BENEFICIAR-SE DA IMPENHORA- BILIDADE LEGAL.” [grifo nosso] 7. Aplicação principiológica do direito infraconstitucional à luz dos valores eleitos como superiores pela constituição federal que autoriza excluir da execução da sociedade bem a ela pertencente mas que é servil à residência como único da família, sendo a empresa multifamiliar. 8. Nessas hipóteses, pela causa petendi eleita, os familiares são terceiros aptos a manusear os embargos de terceiro pelo título que pretendem desvincular, o bem da execução movida pela pessoa jurídica. 9. Recurso especial provido. (grifos nossos) A minuciosa análise doutrinária levantada pelo Ministro Luiz Fux impõe a transcrição da ementa em minúcias. STJ Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 19/04/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA. LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo92 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante a problemática abordada, o que se pode depreender é que, como foi visto, o fenômeno da constitucionalização do direito civil culminou em uma mudança na forma como deve ser feita a interpretação jurídica, pautada primordialmente pela dignidade da pessoa humana. Assim, com a releitura do direito das obrigações, teve-se a incidência determinante da boa-fé objetiva e da função social do contrato na relação obrigacional, passando a torná-la condizente com os princípios norteadores, à medida que há a extinção da polarização entre credor e devedor. Nessa esteira, o que se notou foi que o instituto do bem de família, bem observado por Fachin, em sua teoria sobre o patrimônio mínimo, busca garantir ao devedor insolvente os meios de possuir uma vida digna. Objetivou-se, pois, salvaguardar a família brasileira, conferindo-a a segurança do mínimo existencial, condizente com o que preconiza a Constituição da República. Destarte, o bem de família constitui uma proteção estatal ao devedor, com interferência importante no direito do credor, mas, ao ser confrontado o direito à moradia e à satisfação do crédito, aquele se mostra de maior relevância, uma vez que possui natureza fundamental. Como foi possível observar, o Supremo Tribunal de Justiça, ao conferir ampliaçãointerpretativa ao instituto, buscou, assim, a finalidade precípua da lei de proteger a família. Sendo assim, como visto na jurisprudência da Corte, houve um relevante processo de extensão protetora do bem de família, a partir da interpretação teleológica da lei, firmando a sua posição como Tribunal da Cidadania. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 19. ______. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 5. ed. São Paulo: RT, 2002. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui %C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 fev. 2015. ______. Lei nº 8.009 de 29 de março de 1990. Lei do Bem de família. 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Disponível em: < http://lfg. jusbrasil.com.br/noticias/143353/sumula-364-estende-a-impenhorabilidade-do-bem-de-familia-a-pessoas-solteiras-separadas-e-viu- vas> Acesso em: 20 fev. 2015 LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 93 OS DIREITOS HUMANOS, A HIERARQUIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E O CASO DO DEPOSITÁRIO INFIEL RESUMO Examinam-se, neste artigo, o destaque e a relevância que os direitos humanos estão alcançando, principalmente, com o aprimoramento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Através de uma análise sobre seu conceito, suas características, suas classificações e posições adotadas, ao serem recepcionados pelo ordenamento jurídico interno, esclarecida fica a importância que esses direitos estão adquirindo. Além disso, o artigo aborda um tópico acerca da prisão civil do depositário infiel, que trará à luz a importância da Emenda Constitucional nº 45 e uma reflexão acerca das teorias de hierarquização dos tratados internacionais de direitos humanos. Palavras-chave: direitos humanos. hierarquia. direito internacional. constituição federal. depositário infiel. emenda constitucional nº 45. ABSTRACT This article examines the focus and the relevance that human rights are reaching, especially with the improvement of international human rights law. Through an analysis of its concept, its features, its classifications and positions adopted by the doctrine of the time it is introduced into domestic law, clarifying the importance that these rights are acquiring. In addition, the article ends with a discussion about the civil prison of the unfaithful trustee, which will bring to light the importance of Constitutional Amendment number 45 and a reflection about the hierarchy theories of international human rights treaties. Keywords: human rights. hierarchy. international law. constitution. unfaithful trustee. constitutional amendment no 45. 1. INTRODUÇÃO Neste presente artigo, discorrer-se-á acerca dos Direitos Humanos como um todo, através de uma análise de seus vários aspectos, de suas dimensões e de sua recepção por nosso ordenamento jurídico, assim como será apresentado o caso da prisão civil do depositário infiel, com sua jurisprudência, seus precedentes e suas consequências. Inicialmente serão esclarecidas a três possíveis definições que os Direitos Humanos podem assumir na doutrina: a conceituação tautológica, a formal e a finalística, que adota o objetivo que se pretende alcançar com tais direitos como ponto de partida. Em seguida, serão apresentadas as características dos direitos fundamentais, as quais, depois de descritas e esgotadas, levarão ao preciso entendimento da relevância que atualmente esses direitos alcançaram para a humanidade. Não obstante, é feito um estudo sobre as dimensões desses direitos, que se dividem em quatro, as quais estão em constante interação, apresentando complementariedade uma em relação à outra, surgindo em épocas diferentes, de acordo com seus contextos históricos respectivos. Apresentar-se-á um embate que é comum no Direito Internacional, o qual diz respeito à soberania dos Estados em relação às normas contraídas nos tratados internacionais, explicando a caducidade do argumento do princípio da soberania e afirmando a necessidade de se ter um sistema universal de proteção dos direitos fundamentais. Serão abordadas as teorias de hierarquização dos tratados internacionais, quando recepcionados pelo Direito interno, tendo, como enfoque, os tratados de direitos humanos. São quatro ao todo: a tese da supraconstitucionalidade, isto é, hierarquia superior à própria Constituição; a da constitucionalidade material; a da hierarquia supralegal, que é o status inferior à Constituição e superior à legislação ordinária; a da hierarquia infraconstitucional, ou status de norma ordinária. Por fim, analisar-se-á a questão da prisão civil do depositário infiel, como se chegou à sua ilicitude, os argumentos que firmaram a tese da supralegalidade e o destaque da Emenda Constitucional (EC) nº 45 em todo esse processo. 2 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS No senso comum, a definição do que seriam direitos humanos é variável e subjetiva, algumas possuindo uma ideia de variedade de direitos básicos, outras apenas acreditando que seja supérflua tal questão, pois é bem lógico que cada ser humano possui direitos. Na doutrina especializada, incorre-se na mesma situação de não se encontrar um conceito uniforme, uma vez que basta um simples exame das definições existentes para se certificar de que a descrição desses direitos não é tarefa fácil (RAMOS, 2005). A conceituação de Direitos Humanos é, ao mesmo tempo, óbvia e duvidosa, dependendo do ponto de vista que se adota, ao analisar tais termos. Há três tipos de definições existentes para explicar o que viriam a ser os direitos humanos (PERES LUÑO, 1995). O primeiro Gabriela Pinto Brito de Figueiredo LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo94 tipo tem, como característica principal, a tautologia, isto é, a afirmação lógica e racional que irrompe no subjetivo humano, logo de início, a qual não aporta elemento novo algum para a suacaracterização. Dessa forma, tem-se, como exemplo, a conceituação de que direitos humanos seriam aqueles que correspondem ao homem pelo fato de ser homem, entretanto é bem sabido que todos os direitos têm, como titulares, o homem ou suas emanações, tornando tal conceito incompleto. O segundo tipo de definição é aquela reconhecida como formal, que não visa à especificação do conteúdo dos direitos humanos, isto é, de sua materialidade, mas prende-se a alguma indicação sobre o seu regime jurídico especial. Assim, essa conceituação estabelece que tais direitos são os que pertencem, ou devem pertencer a todos os homens e que não podem deles se privar, uma vez que possuem regime indisponível e sui generis. Finalmente, existe a definição que adota, como ponto de partida, o objetivo ou o fim para se atingir a uma descrição dos direitos humanos. Dessa forma, esse rol de direitos seria No mesmo sentido, os direitos humanos são Ainda mais preciso foi o conceito de Peres Luño, para o qual direitos humanos Nesse diapasão, os direitos humanos são todas faculdades deixadas ao alcance dos seres humanos para que estes tenham uma vida digna plena, na medida de suas necessidades. 3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS Para ter uma melhor compreensão da importância alcançada pelos direitos humanos no âmbito internacional, é de muita valia o estudo das características desses direitos, que permitirá o entendimento da consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com seus muitos tratados, cortes e órgãos assemelhados. Não obstante, servirá de base para conhecimento e aplicação por parte dos atuantes na área de Direito no Brasil, uma vez que este é signatário de dezenas de tratados de direitos humanos, já reconhecendo a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em sede preliminar, será examinada a superioridade normativa, que é possível de ser compreendida tanto no Direito interno, quanto no Direito Internacional. No primeiro, as normas de direitos humanos gozam, em geral, de status constitucional, sendo, assim, superiores às demais normas do ordenamento jurídico, justamente o que se constata no Brasil. Esses direitos estão protegidos e tutelados na Constituição, e ainda considerados cláusulas pétreas, possuindo, portanto, imutabilidade. No segundo, por sua vez, essa ideia de superioridade normativa é nova, pois, nessa instância, é comum criar-se normas que sejam frutos de acordos mútuos, ou seja, provindas da vontade dos Estados e apenas dependentes desta, todavia, O jus cogen é o grupo de normas que possuem conteúdo essencial para a humanidade, possuindo força frente a outras normas do Direito Internacional. Esse direito imperativo, que assim se pode chamar, surgiu na doutrina através de debates contra o voluntarismo existente na esfera internacional, que inicialmente foi criticado por ideias fundadas no Direito Natural, que defende a existência de normas estranhas à vontade humana, as quais existem independentemente, pois surgem concomitante à humanidade e impõem limites à liberdade dos Estados em criar tratados. Verdross, jurista alemão, foi um dos primeiros a defender a presença de normas cogentes, com uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida (DALLARI, 1998). faculdades que o Direito atribui a pessoas e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades relativas à vida, liberdade, igualdade, participação política, ou social ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de homens livres, exigindo respeito ou a atuação dos demais homens dos grupos sociais e do Estado, e com garantia dos poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de violação ou para realizar sua prestação (PECES-BARBA, 1987). é o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional (PERES LUÑO, 1995). apesar de recente, é certo que hoje se discute a existência de normas imperativas internacionais (ou normas cogentes), que, por conter valores fundamentais da sociedade internacional, só podem ser derrogadas por normas de igual dignidade (RAMOS, 2005). LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 95 argumentos diversos do jusnaturalismo. A sobrevivência da comunidade internacional começava a ser transformada no fundamento para aceitação universal das normas imperativas. Como, então, saber que uma norma faz parte do jus cogens, e quem define que tal norma é cogente ou não? Uma característica dos direitos humanos é a sua abertura, também reconhecida como principio da não tipicidade, isto é, sempre de acordo com as necessi- dades humanas de cada período histórico, o rol desses direitos se modifica, com a inclusão de mais alguns. Outra característica é a indivisibilidade, que corresponde ao entendimento de que os direitos humanos consistem em um único bloco não passível de repartição, pois todos esses direitos devem ter a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma vida com dignidade. Portanto, todos os direitos ditos humanos são jus cogen, já que não podem ser divididos, assim como sua lista não está esgotada, visto que possuem a característica da abertura, e como é a comunidade internacional que estabelece, em conjunto, quais são os direitos essenciais à humanidade, por via de consequência lógica, quem define as normas cogentes também é a comunidade inter- nacional. A quarta característica diz repeito à universalidade, que se pode referir a três distintos planos: o da titularidade, que remete os direitos humanos serem universais, devido aos seus titulares, que são todos os seres humanos, sem distinção de religião, gênero, convicção política, raça ou nacionalidade; o da temporalidade, que afirma que os direitos humanos são universais, porque os homens os possuem em qualquer momento histórico; o da cultura, em que os direitos humanos são universais, porque fazem parte de todas as culturas humanas (PECES-BARBA, 1999). O artigo 1.o da Declaração de Viena diz que “a natureza universal desses direitos e liberdades não admite dúvidas”, e, em seu parágrafo 5.o, reconhece a universalidade como característica marcante do regime jurídico internacional dos direitos humanos. Importan- te notar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não mencionou a característica da universalidade em sua redação, porque, ao momento de sua concepção, a Assembleia Geral da ONU contava apenas com a participação de 58 Estados, e boa parte da humanidade vivia sob o jugo colonial. A Declaração de Viena admitiu, sim, que particularidades locais de cada Estado, de cada cultura e religião devem ser sopesadas diante de algum conflito com os direitos fundamentais, mas afirmou que é obrigação do Estado proteger os direitos humanos, que são universais, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais. Outra característica dos direitos humanos é a interdependência, que se alia ao conceito de indivisibilidade. Nesse deambular, para se evitar qualquer forma de conflito, é necessário interpretar os tratados de direitos humanos em con- junto, e não separadamente. Tem-se também a indisponibilidade, como atributo dos direitos humanos, a qual implica entender que esses direitos são irrenun- ciáveis. Essa indisponibilidade pode ser relacionada a três fatores: a qualidade especial de seu titular, como incapazes, crianças e adoles- centes; o seu objeto, como bens fora de comercialização e direitos fundamentais da pessoa humana; as relações jurídico-institucionais,como o casamento e a família. Tradicionalmente, a indisponibilidade de um direito fundamental se ancorava no respeito pela ordem pública, mas foi ultrapassa- da com a consagração da dignidade da pessoa humana no Direito Internacional dos Direitos Humanos e, até mesmo, no Direito interno. O fundamento da dignidade da pessoa humana traduz a impossibilidade do ser humano se transformar em mero objeto, mesmo que seja por sua vontade. Dessa forma, torna os direitos humanos indisponíveis, uma vez que estes prezam pela dignidade de todos os indivíduos. O caráter erga omnes dos direitos humanos é, da mesma forma, necessário de se conhecer. Essa qualidade possui duas facetas: o reconhecimento do interesse de todos os Estados da comunidade internacional em ter os direitos humanos amplamente protegidos; a aplicação geral e indiscriminada das normas protetivas a todos os seres humanos, o que implica que todos sob a jurisdição de um Estado podem invocar tais direitos, sem que a nacionalidade ou seu estatuto jurídico importem, obtendo, assim, acesso às instâncias internacio- nais de proteção dos direitos humanos (RAMOS, 2005). Em 1993, a Declaração da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, por meio de sua redação, consagrou a crescente preocupação com a implementação dos Direitos Humanos, tendo em vista que a fase legislativa de proteção já estava sendo ultrapassada. Dessa forma, essa Declaração invocou outro atributo dos direitos humanos: a sua exigibilidade. A implementação dos direitos fundamentais é o desafio atual que se apresenta a toda comunidade internacional. A Convenção Pela primeira vez em toda história, a humanidade da Era Nuclear enfrentava o risco do desapa- recimento, não de um Estado ou outro, mas sim da própria espécie. Além disso, iniciavam-se as preocupações ambientais, também capazes de ameaçar a sobrevivência da espécie, uma vez que, como fruto paradoxal da corrida espacial, o homem descobre-se, em plena década de 70, preso à Terra (RAMOS, 2005). A ampliação acelerada do número de direitos protegidos fez nascer, por outro lado, a necessidade da sistematização dos mesmos em uma concepção lógica capaz de dar coerência ao conjunto de direitos humanos protegidos, em especial nos casos de colisão aparente e concorrência entre eles (RAMOS, 2005). LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo96 Americana exerceu um grande papel nessa área, pois estabeleceu um verdadeiro processo judicial internacional para aqueles Estados que violassem suas normas, com a integração da Comissão e da Corte Interamericana. As sentenças proferidas pela Corte possuem efeitos vinculantes, com o propósito de reestabelecer a legalidade internacional. A Constituição Brasileira de 1988 expressamente estabelece a aplicação imediata – outro atributo – dos direitos humanos, em seu artigo quinto, parágrafo primeiro, isto é, que as normas de direitos e garantias fundamentais não necessitam de outras normas jurídi- cas para regularem seus conteúdos. Já no Direito Internacional, essa particularidade depende da própria redação das normas, que permitirá, ou não, sua aplicação imediata pelo Direito interno de cada país. Isso gera uma distinção entre as normas de direitos humanos em self-executing e not-self executing rules. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em importante parecer consultivo, estabeleceu que é admissível a consulta que tenha, como fundamento, dúvidas acerca da auto-aplicabilidade das normas pertencentes à Convenção Americana de Direitos Humanos, afirmando a sua competência para decidir sobre cada questão apresentada. Dessa forma, esse tema não pode ser simplesmente debatido na esfera interna dos Estados. A autoaplicabilidade de uma norma se sustenta no entendimento de cada órgão internacional responsável por suas respectivas convenções e tratados. Outro ponto a ser analisado sobre os Direitos Humanos é o que se refere à dimensão objetiva dos mesmos. É necessário en- tender que esses direitos, além de conferir posições jurídicas aos indivíduos (dimensão subjetiva), geram também regras impositivas de comportamento para que se tenha proteção plena deles (dimensão objetiva), que, em geral, são direcionadas ao Estado. Como penúltimo atributo, tem-se a proibição do retrocesso, que traduz a ideia de que não é permitido regredir na seara dos direitos humanos. É vedado aos Estados que diminuam ou amesquinhem a proteção já alcançada por esses direitos, assim como não é autorizado que novos tratados os imponham restrições e diminuições. Finalmente, a última característica dos direitos humanos é a sua eficácia horizontal, que é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, sem a necessária mediação de uma lei. Existem duas modalidades de eficácia horizontal de normas de tratados internacionais de direitos humanos: a primeira diz respeito ao reconhecimento no próprio tratado da possível aplicação desses direitos às relações entre particulares; e a segunda consiste em haver fiscalização continua sobre o cumprimento das obrigações dos Estados em prevenir e sanar as possíveis violações dos direitos humanos em seu território. Essa ideia de aplicação horizontal dos direitos humanos se confronta com a tese liberal, que afirma serem esses direitos ape- nas de defesa contra o Estado, somente possibilitando sua inserção nas relações verticais (indivíduo-Estado). Consequentemente, esse posicionamento liberal não permite uma eficácia plena dos direitos fundamentais, ignorando a importância de cada individuo poder, sem qualquer necessidade de mediação, invocar os direitos e garantias individuais nas suas relações privadas. 4 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS Inicialmente, é bastante adequado esclarecer o embate que há sobre os termos “dimensão” e “geração” de direitos humanos. Aquele vem substituindo este na doutrina, devido a várias críticas pelo fato da palavra “geração” acarretar uma ideia temporal, fomentan- do, no raciocínio humano, ao estudar mencionado tema, o entendimento de que a segunda geração de direitos ultrapassou a primeira, assim como a terceira fez sucumbir a segunda. O que realmente não acontece. No lugar de sucessão de direitos, há uma acumulação (BONAVIDES, 1993). Uma geração não sucede a outra, mas com ela interage, estando em constante e dinâmica relação (PIOVESAN, 1998). É importante compreender também que os direitos humanos, na modernidade ocidental, são frutos históricos de lutas associa- das a movimentos burgueses na Europa e nos Estados Unidos, e não, como os jusnaturalistas defendiam, direitos provindos da própria natureza, pré-existindo ao direito positivo. A primeira dimensão de direitos humanos engloba os chamados direitos de liberdade, que são aqueles que invocam, majoritaria- mente, as prestações negativas do Estado, com o intuito de proteger a esfera da autonomia do individuo. Necessário é prestar atenção ao “majoritariamente”, pois, em certas situações, exige-se uma posição ativa do Estado, para que se garanta a proteção desses direitos. Fazem parte desse grupo os direitos civis e políticos. São produtos das revoluções liberais do século XVIII na Europa e nos Estados Unidos. Esses deveres geram a criação de procedimentos e também de entes ou organizações capazes de assegurar, na vida prática, os direitos fundamentais da pessoa humana. À dimensão subjetiva dos direitos humanos, soma-se essa dimensão objetiva, assim denominada pela sua característica organizacional e procedimental, independente de proteções individuais (RAMOS, 2005). Assim, toma-se o devido cuidado para que se enfatize a questão da complementariedade, in- terdependência e indivisibilidade dos direitos humanos, princípios que têm sido enfatizados nas conferencias internacionais relativas a esses direitos (BORGES, 2014). LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 97 Os direitos fundamentais que compõem a segunda dimensão são resultadosdos impactos provocados pelo avanço da industria- lização, guiada pelo capitalismo, no século XIX. Criou-se uma enorme necessidade de ações positivas do Estado para que os indivíduos viessem a possuir dignidade frente a todas as situações que estavam acontecendo. O socialismo teve bastante influência na luta por esses direitos de cunho positivo estatal, participando da cobrança e realização dos mesmos (SARLET, 2007). Estão inclusos, nesse grupo, os direitos sociais e econômicos. Eles possuem como marcos históricos a Constituição Mexicana de 1917 (que regulou o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 (que estabeleceu os deveres do Estado perante a proteção dos direitos sociais) e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo os direitos dos trabalhadores (RAMOS, 2005). Já os direitos da terceira dimensão são aqueles que possuem como titulares a comunidade em geral, assim como grupos menos determinados de pessoas que não detêm vínculo jurídico ou fático preciso. São os chamados direitos difusos ou transindividuais. Entre eles, encontram-se o direito à paz, o direito a autodeterminação e o direito ao meio ambiente equilibrado. Esses direitos A maioria dos autores ainda defende uma quarta dimensão, que é resultado da globalização dos direitos humanos, tendo como integrantes os direitos de participação democrática (democracia direta), de informação e direito ao pluralismo (BONAVIDES, 1997). 5 SOBERANIA NACIONAL E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS A proteção dos direitos humanos integra o contemporâneo espaço do Direito Internacional, pois, quando se positiva os direitos fundamentais em convenções e declarações universais, eles passam a ser reconhecidos simultaneamente para toda a humanidade. Hoje, temos no Direito Internacional um estabelecido rol de direitos humanos que são protegidos através de mecanismos, também consolida- dos, de supervisão e controle das ações preventivas ou corretivas de violações a esses direitos por parte dos Estados (RAMOS, 2005). Isto posto, não é mais aceitável as alegações estatais afirmando que a proteção desses direitos é de exclusivo domínio seu, e que possíveis averiguações internacionais da sua situação interna ofenderiam ao principio da soberania dos Estados. “Com efeito, a crescente aceitação de obrigações internacionais no campo de direitos humanos consagrou a impossibilidade de se alegar competência nacional exclusiva em tais matérias” (RAMOS, 2005). Em uma forma ainda mais esclarecedora: Portanto, a proteção alcançada pelos direitos fundamentais no campo internacional é fruto do exercício pleno da soberania dos Estados, que, através de experiências históricas, perceberam sua impotência na absoluta tutela desses direitos com apenas seus próprios mecanismos. 6 TEORIAS ACERCA DA HIERARQUIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO DIREITO INTERNO A escolha sobre qual teoria de hierarquia dos tratados de direitos humanos seja a mais adequada dentro de cada ordenamento interno é uma questão de difícil solução diante dos fortes argumentos em defesa de cada uma delas. Há, na doutrina nacional, quatro posicionamentos sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos: a tese da supraconstitucionalidade, isto é, hierarquia superior à própria Constituição; a da constitucionalidade material; a da hierarquia supralegal, que é o status inferior à Constituição e superior à legislação ordinária; a da hierarquia infraconstitucional, ou status de norma ordinária. A teoria da supraconstitucionalidade atribui aos tratados de direitos humanos posição superior à Constituição. A doutrina que a defende atenta, especialmente, para o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o qual dispõe sobre a impossibili- dade de o Estado invocar regras do Direito interno para deixar de cumprir um tratado internacional. Além disso, o princípio da boa-fé, que é, no Direito Internacional, acolhido de forma majoritária pelos Estados, orienta o não descumprimento das normas previstas em tratados internacionais. são frutos da descoberta do homem vinculado ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana (RAMOS, 2005). O desenvolvimento histórico da proteção internacional dos direitos humanos gradualmente superou barreiras do passado: compreendeu-se, pouco a pouco, que proteção dos direitos básicos da pessoa humana não se esgota, como não poderia se esgotar, na atuação do Estado, na pretensa e indemonstrável ‘competência nacional exclusiva’ (CANÇADO TRINDADE, 1991). ainda que por sede argumentativa se queira recorrer aos padrões clássicos de soberania, é necessário ser destacado que mesmo a atuação nacional na celebração de tais tratados é manifestação da atividade soberana do Estado (CHOUKR, 2001). LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo98 “Um Estado pode incorrer em responsabilidade internacional mesmo quando a violação do Direito Internacional é cometida por sua lei básica, ou seja, a Constituição” (MELLO, 2004). Mello foi o maior expoente nacional dessa corrente que defende a superioridade dos tratados de direitos humanos em relação a todas as normas de do Direito interno. O citado mestre entende que nem mesmo as emendas constitucionais poderiam revogar os tratados e convenções sobre direitos fundamentais ratificados pelo Estado. Outro status das normas internacionais que versam sobre direitos humanos é o constitucional. Entre os doutrinadores que defendem essa tese estão Flávia Piovesan, Valério de Oliveira Mazzuoli, e Antônio Augusto Cançado Trindade. Em sua redação, a Cons- tituição, no artigo quinto, parágrafo segundo, aceita que normas internacionais ampliem o rol de direitos e garantias fundamentais, de- monstrando que a lista de direitos humanos e garantias não é taxativo, nem imutável, assim como diz o artigo sessenta, paragrafo quarto, inciso quarto, da Constituição Federal, mas essa compreensão também encontra grandes debates na doutrina e jurisprudência. Com o surgimento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, foram incluídos os últimos parágrafos do artigo quinto. O pa- rágrafo terceiro estabelece que as normas internacionais, relativas a direitos humanos, para que assumam status equivalente à Consti- tuição Federal, deveriam ter quórum qualificado de Emenda Constitucional, ou seja, possuir três quintos dos votos, das duas casas do Congresso, em dois turnos. Tal modificação legislativa no artigo 5º da Carta Magna prejudicou o entendimento de status constitucional quanto a algumas normas internacionais, a exemplo da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, que não recebeu esse quórum de qualificação. A terceira teoria e, diga-se de início, a mais aceita atualmente no Brasil, é a da supralegalidade. Essa corrente afirma que os tratados internacionais de Direitos Humanos possuem posição hierárquica inferior à Constituição, mas superior às normas ordinárias. O Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343, por votação unânime, atribuir aos tratados que versassem sobre direitos e garantias fundamentais a condição de norma supralegal. Dessa forma, o Brasil adota essa tese no momento. O referido julgamento teve uma importância de grande tamanho para o Direito brasileiro, pois ao discutir o Tratado de San Jose da Costa Rica em face da lei ordinária que permitia a prisão civil do depositário infiel, findou por conceder uma posição superior ao primeiro dentro da hierarquia das normas, possuindo, como consequência, a extinção da prisão civil por divida no caso de depositário infiel no Brasil. E é justamente por essa importância, que há o próximoe ultimo tópico para um aprofundamento dessa questão. A última teoria, chamada de teoria da legalidade, defende o posicionamento das suso mencionadas normas internacionais lado a lado às normas ordinárias, ou seja, na mesma hierarquia que as normas infraconstitucionais. Embora, como visto, a corrente adotada para os tratados de direitos humanos seja a da supralegalidade, em relação às outras categorias de tratados, adota-se aquela. Essa concepção hierárquica acarreta problemas para o Brasil, vez que, em caso de lei ordinária posterior ao tratado, aquela po- derá retirar deste todos os efeitos, fazendo com que o país descumpra o pacta sunt servanda, que significa que o que for pactuado deve ser cumprido. 7 A PRISÃO CIVIL DECORRENTE DA CONDIÇÃO DE DEPOSITÁRIO INFIEL Apesar de ser uma situação já pacificada, é de muita importância sua análise, para compreender a adoção da teoria da suprale- galidade para os tratados internacionais de direitos humanos, assim como para questionar se o aludido posicionamento realmente foi o mais adequado. Afinal, o direito é uma área de conhecimento extremamente mutável, pois seu curso se move paralelamente ao momento histórico de cada país. Pois bem, a prisão civil do depositário infiel era permitida pelo artigo 5.o, em seu inciso LXVII, da Constituição Federal, assim como a prisão civil por inadimplemento inescusável do débito alimentar, esta, porém, permanece lícita. Não obstante o Brasil ser signatário do Pacto de San José da Costa Rica, e este permitir apenas a prisão civil por débito alimen- tar, o Supremo Tribunal Brasileiro adotou a postura de permissividade para a prisão do depositário infiel, como estabeleceu o Ministro Mauricio Correa no julgamento do HC 75.512-7/SP: Entretanto a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, veio a mudar o posicionamento do STF em relação à matéria. Como já apontado no tópico passado, a partir dessa emenda, adotou-se no Brasil a teoria da supralegalidade dos tratados de direitos humanos e a do status constitucional para aqueles que fossem aprovados no Congresso como emendas. O depositário infiel é aquele que recebe a incumbência judicial ou contratual de zelar por um bem, mas não cumpre sua obrigação e deixa de entrega-lo em juízo, de devolvê-lo ao proprietário quando requisitado, ou não apresenta o seu equivalente em dinheiro na impossibilidade de cumprir as referidas determinações (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014). Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (paragrafo 2.o, do artigo 5.o, da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-Povo na elaboração de sua Constituição: Por esta razão, o Pacto de San José da Costa Rica (ninguém deve ser detido por divida: este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar) deve ser interpretado com as limitações impostas pelo artigo 5.o, inciso LXVII, da Constituição. LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo 99 Dessa forma, a Convenção Americana de Direitos Humanos ficou no patamar supralegal, pois não atingiu os votos necessários para alcançar a posição de uma emenda constitucional. E tal configuração hierárquica revelou uma nova ideia, um novo entendimento entre os ministros, que reconheceram a superioridade desse tratado em relação à norma ordinária que regulava a prisão civil do deposi- tário infiel. Dúvidas são levantas acerca da existência ou não, então, de uma sanção para o depositário infiel, visto que sua prisão foi con- siderada ilícita. Mas a solução é bem simples: a conduta deve ser rechaçada com a exigência judicial da obrigação correspondente, através da tutela especifica da obrigação de fazer. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através deste artigo é possível compreender a relevância dos direitos humanos no plano nacional e internacional, a partir de uma detalhada explicação sobre: seu conceito, que são vários, dependendo do objeto que enfoca; suas características, que totalizam doze; suas dimensões, em que foi possível discernir a diferença entre dimensão e geração de direitos humanos, tendo em vista que a última criava uma ideia de ultrapassagem, de superação de um grupo de direitos em relação aos outros, assim como foi importante para a compreensão do contexto histórico no processo de aquisição desses direitos; sua problemática, que envolve o princípio da soberania dos Estados; sua hierarquização (quando inscritos em tratados internacionais) ao serem recepcionados no Direito interno, que possui quatro correntes ideológicas com fortes argumentos cada uma. Ao final, encontra-se um resumo da história jurisprudencial da prisão civil do depositário infiel, que tem o intuito de expor po- sicionamento que o STF vem adotando em relação aos tratados internacionais de direitos humanos, com destaque para o julgamento do HC 75.512-7/SP, assim como demonstrar o prestígio que os mesmos estão adquirindo com o constante crescimento do Direito Interna- cional. Importante foi perceber o que a Emenda Constitucional nº 45 acarretou na jurisprudência do nosso país, consolidando a tese da supralegalidade, que antes sofria uma forte concorrência com a corrente da constitucionalidade material. Ainda mais relevante é saber que nada é para sempre, muito menos no campo do Direito, que posições novas poderão ser adotadas de acordo com as necessidades humanas, que novas teorias surgirão, assim como novos casos serão postos à prova, e novos direitos serão originados. Cumpre, porém, ressaltar o princípio da proibição ao retrocesso, que é a única exceção a essa característica costumeira do Direito, de estar modificando-se a todo tempo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. ______. Emenda constitucional n.o 45, de 8 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União, de 31 de dezembro de 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 4. ed, São Paulo: Editora Malheiros, 1993. ______. ______.7.a ed, São Paulo: Editora Malheiros, 1997. BORGES, Maria Creusa de Araújo. Jus cogens, normativa internacional de proteção dos direitos humanos e o caso da prisão civil por dívida do depositário infiel: estudo analítico a partir do sistema global e regional de proteção. João Pessoa, 2014. CANÇADO TRINDANDE, Antonio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos. Fundamentos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. CHOUKR, Fauzi Hassan. A convenção americana dos direitos humanos e o direito interno brasileiro. Bauru: Edipro, 2001. Assim, a prisão do depositário infiel não foi especificamente considerada inconstitucional, pois sua previsão segue na Constituição (que é considerada, pelo STF, superior aos tratados), mas foi considerada ilícita, pela ausência de norma legal valida a lhe respaldar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014). Isso tudo sem prejuízo do enquadramento da conduta em tipo penal próprio, seja de apropriação indébita, seja de disposição alheia como própria (nos termos do artigo 55 da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, c/c o artigo 171, paragrafo 2.o, inciso I, Código Penal), cabendo a devida notitia criminis a autoridade competente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014). LEXMAX - rEvistA do AdvogAdo100 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol II. São Paulo: Saraiva, 2014. MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. OEA. Pacto de San José de Costa Rica. San José, 1969. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_ame- ricana.htm>. Acesso em: 27 jan. 2015. ONU. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. Viena, 1969. Disponível em: <www2.mre.gov.br/dai/dtrat.html>
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