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O superego e o sentimento de culpa – Uma reflexão sobre o texto “O mal-estar na civilização” de Sigmund Freud Em O mal-estar na civilização, Freud aborda o sentimento de insatisfação da sociedade diante dela mesma. Ele desvela seu raciocínio através dos oito capítulos que compõem o artigo, principiando pela ideia de sentimento oceânico mencionado por seu amigo, o poeta Romain Rolland, que pretendia com esse termo explicar seu sentimento religioso. Não cogitando a possibilidade de este sentimento corresponder a uma manifestação da necessidade da religião, Freud inicia a empreitada em busca de uma explicação para essa sensação de incompletude ou falta. Para tanto, o psicanalista vai usar uma analogia entre a economia do prazer, aprendida no início da vida humana, e as restrições ao desejo impostas pela organização civilizatória. Como um bebê precisa aprender a restringir suas vontades para sofrer menos ao não conseguir atingir seus objetivos, o homem formado tem em si a memória aprazível do único momento em que não havia diferenciação entre o ego e o mundo externo. O sentimento oceânico viria, então, do sentimento de falta que lhe traz essa lembrança do inconsciente. Além da memória pessoal da infância, o autor também trabalha com a ideia de uma memória genética que é passada entre as gerações. Por isso, o assassinato do pai primevo, representando para os filhos a superioridade do coletivo sobre o individual, ainda justificaria essa busca humana pela vida em sociedade. Com a vida comunitária, surgem os fundamentos da compulsão para o trabalho e poder do amor. Amor e Necessidade – os pais da civilização. Retomando a discussão do sentimento religioso, Freud indaga se há um propósito para a vida humana, no entanto, tal assunto não é colocado com pretensões transcendentais, mas com o intuito de ponderar sobre o propósito de cada ser humano, ou seja, o que eles desejam de suas vidas. Ele cria o conceito do princípio de prazer e do princípio de realidade, não como opostos, mas como agentes de uma relação interdependente. Se o primeiro busca a realização dos objetos desejados, o segundo, ao negá-los, só faz o desejo aumentar. A libido guia-se pelo princípio do prazer, como uma busca incessante pelo Eros, inicialmente um amor sexual. Mas a compulsão para o trabalho, vinculada à necessidade de sobrevivência, aparece para exigir do homem uma carga grande de libido, que, portanto, precisa ser economizada. Com essa finalidade, o que antes era apenas desejo carnal, divide-se em libido com finalidade inibida, representada pelas relações de amizade, coleguismo e outras necessárias à civilização. Se o amor primeiro é, então, um entrave para a civilidade, o desejo por se relacionar com a libido controlada é uma de suas bases. Mas não só com Eros caminha a humanidade. Freud refuta ao princípio de “amar o próximo como a si mesmo”, pois acredita que em todo homem, ao lado do amor, coexiste um sentimento de agressividade. Ele insiste nesse elemento como constitutivo do ser humano, afirma ser o maior impedimento à civilização, e exemplifica o que diz citando diversas carnificinas das quais a história é permeada. A sociedade se usa então de alguns métodos para inibir a hostilidade: incita o desenvolvimento de relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade; restringe a vida sexual de diversas formas; estabelece o mandamento do amor universal. Há, porém, uma medida mais forte e eficaz – a agressividade do homem é “introjetada, internalizada. Enviada de volta para o lugar de onde proveio – o ego. Forma-se uma “consciência” – o superego. Este vigia o ego, colocando contra ele a mesma agressividade que o ego gostaria de ter satisfeito sobre outros indivíduos. A tensão resultante entre ego e superego produz o sentimento de culpa, o qual se expressa em uma necessidade de punição. É interessante notar como a agressividade está intimamente ligada a um instinto de morte, originada pelo próprio instinto de sobrevivência na forma de uma libido narcísica. O instinto de sobrevivência se cristaliza por meio da libido da qual o alvo é o próprio ego. Este se projeta em um objeto, pois o narcisismo precisa de referências externas, mas quando o objeto não responde conforme esperado, dá-se a crise que leva ao desejo de morrer. O instinto de morte só faz aumentar o sentimento de culpa, que por sua vez fortalece o superego e, por isso mesmo, leva a mais sentimento de culpa. Freud sintetiza muito bem em apenas uma frase a sua ideia desse ciclo inerente à sociedade que chama de mal -estar: “Visto que a civilização obedece a um impulso erótico interno que leva os seres humanos a se unirem num grupo estreitamente ligado, ela só pode alcançar seu objetivo através de um crescente fortalecimento do sentimento de culpa”
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