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O Funcionamento do Pensamento

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Pensamento (exceto delírio)
O pensamento é constituído a partir de elementos sensoriais, que são as imagens perceptivas e as representações. Por percepção, entende-se a tomada de consciência, pelo indivíduo, do estímulo sensorial, e por representação, a revivescência de uma imagem sensorial determinada, sem que esteja presente o objeto original que a produziu. O pensar relaciona-se à antecipação de acontecimentos, à construção de modelos da realidade e simulação do seu funcionamento.
 A percepção, a ideação, a imaginação e a associação de representações e ideias fundamentam o pensamento. 
A elaboração de conceitos, a formação de juízos e o raciocínio são as atividades fundamentais do pensamento. 
Um conceito identifica os atributos gerais e essenciais de um objeto ou fenômeno, sendo expresso por uma palavra (Ex.: azul e céu). 
Juízo é a relação entre dois ou mais conceitos (Ex.: O céu é azul; O céu não é verde). 
Raciocínio é a operação que relaciona juízos para formar novos juízos (conclusões). Um exemplo: “Todo homem é mortal” + “Sócrates é um homem” = “Sócrates é mortal”.
Pode-se ainda, analisar o pensamento, a partir do seu curso, forma e conteúdo. O curso do pensamento é o modo como o pensamento flui, a sua velocidade e seu ritmo ao longo do tempo. Já a forma do pensamento é a sua estrutura básica, sua “arquitetura”, preenchida pelos mais diversos conteúdos e interesses do indivíduo. Por sua vez, o conteúdo do pensamento pode ser definido como aquilo que dá substância ao pensamento, os seus temas predominantes, o assunto em si.
As alterações dos elementos constitutivos do pensamento podem ser as seguintes: 
A desintegração acontece quando os conceitos sofrem um processo de perda do seu significado original. O sujeito passa a utilizar as palavras de forma totalmente pessoal e idiossincrática. Comum em síndromes demenciais e esquizofrenia. 
A condensação acontece quando o paciente funde dois ou mais conceitos. Isso acontece na formação dos neologismos, isto, é palavras novas com significados novos. 
O juízo deficiente ou prejudicado acontece quando há a formação de juízos falsos diante de uma elaboração prejudicada por deficiência intelectual e pobreza cognitiva. Às vezes, é difícil diferenciar um juízo deficiente de um delírio. 
Antes de descrever o pensamento alterado, convém entender o funcionamento normal do pensamento de acordo com as seguintes teorias. 
O pensamento logico-formal (ou aristotélico) é fundamentado por três princípios:
Princípio da identidade ou da não contradição: se A é A e B é B, logo A não pode ser B.
Princípio da causalidade: se A é causa de B, então B não pode ser ao mesmo tempo causa de A.
Princípio da relação da parte com o todo: se A é parte de B, então B não pode ser parte de A.
Com o desenvolvimento da dialética hegeliana, os conceitos acima foram, de certa forma, superados. Assim, de acordo com essa dialética, a quantidade pode se transformar em qualidade; toda afirmação possui dentro de si mesma o princípio de sua negação; e tudo é, ao mesmo tempo, causa e efeito de si mesmo. 
Além disso, a história da ciência e do conhecimento manifesta dois outros tipos básicos de pensamento: indutivo e dedutivo. 
O método indutivo parte da observação dos fatos elementares, da experimentação e da comparação entre fenômenos para chegar a conclusões mais gerais. Aplicado as ciências naturais e sociais. 
O método dedutivo parte de esquemas, axiomas, definições e teoremas já bem-arquitetados, para, por meio de demonstrações lógicas, deduzir a sua verdade. Aplicado à matemáticas e à lógica formal. 
Normalmente as pessoas tendem a utilizar-se de crenças preconceituosas, sociais ou pessoais, o que torna difícil a discriminação entre pensamento normal e patológico. Mesmo assim, a psicopatologia registra uma série de tipos de pensamento comumente associados a estados mentais alterados e transtornos psiquiátricos:
O pensamento mágico fere os princípios da lógica formal, bem como os indicativos e imperativos da realidade. O pensamento mágico segue os desígnios dos desejos, das fantasias e dos temores, conscientes ou inconscientes, do sujeito, adequando a realidade ao pensamento, e não o contrário. É comum nos quadros obsessivo-compulsivos, na esquizofrenia e na histeria. Algumas leis e particularidades do pensamento mágico a partir do pensamento do antropólogo James Frazer:
Lei da contiguidade: utiliza o preceito de que “coisas que estiveram em contato continuam unidas” (Ex.: ao queimar uma camisa da pessoa estará “queimando” a própria pessoa).
Lei da similaridade: a ação ou o pensamento mágico pensa produzir efeito desejado por imitação da ação real (Ex.: ao queimar um boneco com alguma semelhança com um inimigo, estará queimando o próprio inimigo).
O pensamento dereístico só obedece à lógica e à realidade naquilo que interessa ao desejo do indivíduo, distorcendo a realidade para que esta se adapte aos seus anseios. Também se opõe marcadamente a realidade. As crenças do indivíduo baseiam-se mais nos desejos que nos fatos. É comum nos transtornos da personalidade (esquizotípica, histriônica, borderline, narcisista, etc.), na esquizofrenia, na histeria e, eventualmente, em crianças e adolescentes (e mesmo em adultos) normais.
No pensamento concreto, o indivíduo não consegue entender ou utilizar metáforas, o pensamento é muito aderido ao nível sensorial da experiência. Faltam ao pensamento concreto aspectos como a ironia, o subentendido, o duplo sentido, bem como categorias abstratas de modo geral. É comum em indivíduos dementados e esquizofrênicos graves.
No pensamento inibido há a inibição do raciocínio, com diminuição da velocidade e do número de conceitos, juízos e representações. Ocorre em quadros demenciais e depressivos graves. 
No pensamento vago, o paciente expõe um pensamento muito ambíguo, podendo mesmo parecer obscuro. O pensamento vago pode ser um sinal inicial
da esquizofrenia ou ocorrer em quadros demenciais iniciais, transtornos da personalidade (Ex.: esquizotípica) e neuroses graves.
Com pensamento prolixo o paciente não consegue chegar a qualquer conclusão sobre o tema de que está tratando, senão após muito tempo e esforço. São comuns ao paciente com pensamento prolixo a tangencialidade e a circunstancialidade. A tangencialidade ocorre quando o paciente responde às perguntas de forma oblíqua e irrelevante, não sabendo discriminar o supérfluo do essencial. A circunstancialidade descreve o raciocínio e a digressão do paciente como “rodando em volta do tema”, sem entrar nas questões essenciais e decisivas. 1995). Esses tipos de pensamento ocorrem em pacientes com transtornos da personalidade, em indivíduos com lesões cerebrais, em deficientes mentais limítrofes, naqueles que se acham no início de um processo esquizofrênico e em alguns neuróticos graves.
Com o pensamento deficitário (ou oligofrênico) a compreensão e a explicação de fatos complexos da vida é sempre difícil, e o paciente apreende apenas a realidade de forma vaga e simplificada.
Em certos pontos, o pensamento demencial pode revelar elaborações mais ou menos sofisticadas, embora de forma geral seja imperfeito, irregular, sem unidade ou congruência. Com esses pacientes acontece um fenômeno interessante, as ilhotas de memória que se caracterizam por uma memorização mecânica de determinados temas ou conteúdos, como modelos de carro, ruas e nomes de pessoas. 
O pensamento confusional caracteriza-se por uma turvação da consciência, um pensamento incoerente, de curso tortuoso, que impede que o indivíduo apreenda de forma clara e precisa os estímulos ambientais. Ocorre principalmente nas síndromes confusionais agudas. 
O pensamento desagregado é radicalmente incoerente, no qual os conceitos e os juízos não se articulam minimamente de forma lógica. O paciente produz um pensamento que se manifesta como uma mistura aleatória de palavras, que nada comunica ao interlocutor – “salada de palavras”. 
No pensamento obsessivo predominam idéias ou representações que, apesar de terem conteúdoabsurdo ou repulsivo para o indivíduo se impõem à consciência de modo persistente e incontrolável constante (Ex.: “Se eu repetir a palavra santo cinquenta vezes impedirei que meu pai morra”).
As principais alterações do curso do pensamento são a aceleração, a lentificação, o bloqueio e o roubo do pensamento. 
Aceleração do pensamento: o pensamento flui de forma muito acelerada, uma ideia se sucedendo à outra rapidamente. Comum em quadros de mania, ansiedade intensa, esquizofrenia, psicoses tóxicas e depressão ansiosa.
Lentificação do pensamento: o pensamento progride lentamente, de forma dificultosa. Há certa latência entre as perguntas formuladas e as respostas. Comum em depressões graves e rebaixamentos de consciência.
Bloqueio ou interceptação do pensamento: o paciente, ao relatar algo, no meio de uma conversa, brusca e repentinamente interrompe seu pensamento, sem qualquer motivo aparente. O doente relata que, sem saber por que, “o pensamento para”, é bloqueado. É exclusivo da esquizofrenia. 
Roubo do pensamento: é associada ao bloqueio do pensamento, na qual o indivíduo tem a nítida sensação de que seu pensamento foi roubado de sua mente, por uma força ou ente estranho, por uma máquina, uma antena, etc. É típico da esquizofrenia.
As principais alterações da forma ou estrutura do pensamento são:
Fuga de ideias: existe uma acentuada aceleração do pensamento, na qual uma ideia se segue a outra de forma extremamente rápida, perturbando-se as associações lógicas entre os juízos e os conceitos. 
Dissociação do pensamento: os pensamentos passam progressivamente a não seguir uma sequência lógica e bem-organizada, e os juízos não se articulam de forma coerente uns com os outros.
Afrouxamento das associações: há concatenação lógica entre as ideias, contudo nota-se já o afrouxamento dos enlaces associativos. Manifesta-se nas fases iniciais da esquizofrenia e em transtornos da personalidade.
Descarrilhamento do pensamento: o pensamento passa a extraviar-se de seu curso normal, toma atalhos colaterais, desvios, pensamentos supérfluos, retornando aqui e acolá ao seu curso original. É observado na esquizofrenia e nos transtornos maníacos.
Desagregação do pensamento: há profunda e radical perda dos enlaces associativos, total perda da coerência do pensamento. Sobram apenas “pedaços” de pensamentos. É uma alteração típica de formas avançadas de esquizofrenia e de quadros demenciais.
A observação clínica indica que os principais conteúdos que preenchem os sintomas psicopatológicos são: persecutórios, depreciativos, religiosos, sexuais, de poder, riqueza, prestígio ou grandeza, de ruína ou culpa e conteúdos hipocondríacos. As razões pelas quais tais conteúdos e não outros são os mais prevalentes é certamente complexa. A importância desses conteúdos tem a ver com a constituição social e histórica do indivíduo, com o universo cultural no qual ele se insere, assim como com a estrutura psicológica e neuropsicológica do Homo sapiens.

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