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1 POSIÇÕES NO DOMÍNIO DA EPISTEMOLOGIA Professor Mestre Obertal Xavier Ribeiro Maio de 2014 A Concepção Positivista do Conhecimento Científico e sua Evolução Histórica Não obstante a forte presença do positivismo desde o século XIX até o atual, suas raízes encontram-se no final da Idade Média, especificamente nos séculos XIII e XIV. No século XIII, efetivamente, registra-se a contribuição altamente significativa de Roger Bacon, franciscano de Oxford, a quem devemos uma precisa indicação dos critérios capazes de nos possibilitar uma adequada definição do conhecimento científico: ele deveria ser empiricamente verificável. Enunciados que não se revelassem suscetíveis de comprovação empírica teriam que ser descartáveis. Roger Bacon ainda acrescenta - e nisso antecipou-se ao pragmatismo - que qualquer proposição com pretensões científicas teria que se mostrar fértil em suas conseqüências. Já na primeira metade do século XIV, Guilherme de Occam, centrado numa concepção nominalista bem radicalizada, rejeita a existência de entidades universais, insistindo em que a realidade apenas se constitui de objetos singulares. Na verdade, as proposições universais somente valem, como bem registra Kolakowski, como registros concisos e classificatórios dos dados recolhidos pelos sentidos. Elas não teriam qualquer função cognitiva autônoma. Também a Occam cabe o mérito do enunciado do princípio da parcimônia, em função do qual se rejeita o hábito metafísico de se povoar a realidade com uma multidão de seres absolutamente supérfluos para cuja designação apenas disporíamos de palavras vazias. Não obstante a relevância das contribuições acima registradas prevalece a tese de que o positivismo constitui essencialmente a obra de Hume. Coube-lhe, efetivamente, levar às últimas conseqüências as concepções empiristas desenvolvidas por Locke e Berkeley, proclamando, inclusive, a rejeição do princípio da causalidade, dado que a relação entre causa e efeito absolutamente não dispõe de qualquer sustentação empírica. Na verdade, o que se testemunha através dos sentidos é apenas uma seqüência entre fatos que de nenhum modo se exigem mutuamente, a não ser pelo hábito que nos aponta para a freqüência com que a "causa", ao longo do tempo, tem sido seguida pelo que chamamos, então, de "efeito". A ordem entre os dois fatos, todavia, será sempre contingente, de modo algum sendo possível convertê-la em uma seqüência necessária. Vale registrar que Hume, sempre muito rigoroso no procedimento de conduzir às últimas conseqüências as teses empiristas, chega a considerar perfeitamente dispensável a preservação do conceito de "sujeito". Ele não disporia de sustentação empírica e poderia, perfeitamente, ser cortado pela "navalha" de Occam. A relevância absoluta concedida à tese de que toda a nossa experiência provém dos sentidos concede-lhe, indiscutivelmente, a condição de fundador do positivismo presente em toda a modernidade. O século XIX e o pensamento positivo: O século XIX é rigorosamente tocado pela presença do pensamento positivo, destacando- se a contribuição produzida por Comte. A ele, duas contribuições revelam-se de extrema importância: 1. A teoria histórica dos três estados discrimináveis na evolução do conhecimento. 2. A classificação das ciências, para a qual serviu-se do clássico princípio da complexidade crescente, e generalidade decrescente. No que se refere à "lei dos três estados", Comte aponta para o fato de que o conhecimento alcançado pelo homem ao longo da história teria atravessado três momentos distintos: o teológico, o metafísico e o positivo, este caracterizado pela presença do pensamento científico. Essas três fases não se sucedem simultaneamente em todos os setores do saber; antes, obedecem 2 ao princípio que fornece sustentação à própria classificação das ciências. Isso significa que, nas ciências mais gerais e menos complexas, a positividade logo se implanta, por oposição ao que sucede com as ciências mais complexas e menos amplas, em que a positividade revela-se tardia. Ainda no século XIX enriquece-se o movimento positivista com a adesão de cientistas e filósofos do porte de Claude Bernard, Stuart Mill, H. Spencer, Avenárius e E. Mach, este responsável pelo "Empirocriticismo" e ainda presente no início do século que está a se encerrar. Século atual e regras do movimento positivista: No atual século, o grande movimento expressivo do positivismo surge com o Círculo de Viena, 1 sob a direção de Moritz Schlick, dele participando um grande número de filósofos da ciência, valendo citar, entre outros, Carnap. Sob os nomes de Neopositivismo, Positivismo Lógico, Empirismo Lógico, na verdade, sustentam-se teses relevantes, entre elas a de que cabe sempre proceder-se à distinção entre as proposições destituídas de significado e as que se definem por sua presença. Só estas, efetivamente, revelam-se aceitáveis do ponto de vista científico, dado que são as únicas que se sujeitam à verificação empírica. Três excelentes exposições envolvendo o Empirismo lógico ou o positivismo lógico: 1. As de Ayer, em sua Introdução ao livro Examen Del Positivismo Lógico, em que se estende sobre a "Historia del movimiento del positivismo lógico"; 2. A de Weinberg, em seu "Examen del Positivismo Lógico"; 3. A de Kolakowski, do qual, inclusive, retiramos as quatro regras fundamentais do movimento positivista. 2 1 A linguagem surge então como alternativa de explicação de nossa relação com a realidade enquanto relação de significação. A análise do significado e de nossos processos de simbolízação constitui-se em uma nova via na busca do fundamento, de se encontrar um elemento mais básico. Isto se dá principalmente em duas direções: Em primeiro lugar, é como se o próprio pensamento subjetivo, como se os processos mentais dependessem de linguagem, de significados, de um sistema simbólico: como mais fundamental; Em segundo lugar, a linguagem pode ser considerada, de um ponto de vista lógico, como constituída de estruturas formais cuja relação com a realidade podemos examinar independentemente da consideração da subjetividade, da consciência individual. É significativo, portanto, que a questão sobre a natureza da linguagem, sobre como a linguagem fala do real, sobre o sentido dos signos e proposições linguísticas, emerja como um problema central na filosofia e em outras áreas do saber na passagem do séc.XIX para o séc.XX em várias correntes teóricas que, embora apresentem diferentes formas de tratamento dessa questão, compartilham o ponto de partida comum na linguagem. Podemos citar dentre as mais importantes dessas teorias: O positivismo lógico: Do Círculo de Viena e sua concepção de fundamentação do conhecimento científico na lógica das teorias científicas, com RUDOLPH CARNAP (A estrutura lógica do mundo, 1928, e A sintaxe lógica da linguagem, 1934) e MORITZ SCHLICK (com o artigo "Significado e verificação", 1936). MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p.252-253. 2 O empirismo moderno ou lógico surgiu nos anos vinte do século passado a partir dos esforços filosóficos no chamado Círculo Vienense, na Sociedade Berlinense para Filosofia Empírica e na Escola dos Lógicos polonesa. Representantes importantes do empirismo lógico são: Ayer, Carnap, Feigel, Gödel, Hahn, Hempel, Jórgensen, Kraft, Neurath, Reichenbach, Schlick, Tarski e Waismann. O empirismo lógico deve impulsos decisivos aos trabalhos lógicos ou filosoficos de Frege, Russell e Wittgenstein. O empirismo lógico distingue-sedo empirismo clássico pela maior precisão, que se deve ao emprego sistemático da lógica formal como instrumento analítico filosofico e por uma radicalização da crítica à tradição filosófica. Desse modo surge, ao lado da tese compartilhada com o empirismo clássico de que conhecimento pode ter sua base somente na experiência, a outra tese de que é possível e necessário distinguir entre sentenças pertinentes (em sentido rigoroso) e sentenças impertinentes (pseudo-sentenças). Quanto a isso, Wittgenstein considerava pertinentes apenas as sentenças sintéticas a posteriori; Schlick, além disso, também incluía as sentenças tautológicas entre as pertinentes, e Carnap, as sentenças analíticas em geral (portanto, inclusive as contraditórias). Essa segunda tese, a tese senso-crítica, é responsável pela radicalização da crítica à tradição filosófica: em conseqüência dessa tese, numerosos problemas da filosofia tradicional tornam-se 3 Destaque necessário neste estudo para as regras, explicitando o positivismo: 1. A primeira é a regra do "fenomenalismo": Trata-se da regra que afirma "a inexistência de uma diferença real entre a essência e o fenômeno em que este é simplesmente apresentado como manifestação de uma realidade que não se pode revelar diretamente através do conhecimento comum". 2. A segunda é a regra do "nominalismo": "Trata-se da regra que sustenta a tese de que qualquer proposição formulada em termos gerais tenha no mundo real equivalentes outros que não os objetos singulares e concretos". 3. A terceira regra consiste na negação de "qualquer significado cognitivo aos julgamentos de valor e aos enunciados normativos". 4. A quarta regra é a "que se expressa através da consagração da tese da unidade fundamental do método científico, esta, efetivamente, implicando a rejeição da diferença envolvendo as ciências da natureza e as ciências sociais". Para destacar a importância do empirismo lógico, segue a citação do texto de Kolakowski, no capítulo oitavo de seu La Philosophie Positiviste, fixando-se mais na definição das características do "empirismo lógico": "Apesar das modificações, disputas, precisões e atenuações conhecidas pelo empirismo lógico, podem-se observar nessa corrente filosófica várias tendências duráveis. Primeiramente, trata-se de um racionalismo concebido como oposição ao irracionalismo; em segundo lugar, trata-se de um nominalismo que é aplicado em geral à epistemologia e mais particularmente à teoria do significado, à teoria dos objetos matemáticos, assim como às considerações axiológicas 3 ; em terceiro lugar, representa uma orientação antimetafísica, fundada na tese de que os julgamentos definidos como metafísicos não se submetem ao controle experimental; finalmente, o cientificismo, ou seja, a fé na unidade metodológica fundamental da ciência". Vale a observação de que todas essas regras surgem como peculiares a todo o movimento positivista. Kolakowski inclui as concepções positivistas no quadro de uma tendência mais geral que se expressa através do movimento da filosofia analítica, a qual tem suas origens nas Universidades de Oxford e Cambridge, expressando-se principalmente através das obras de Moore e Russell. Aponta, não obstante, para peculiaridades por ambas apresentadas que não justificariam a atribuição a ambos da condição de positivistas, no sentido, por exemplo, em que essa condição se aplica aos empiristas lógicos. O mesmo ocorre com Wittgenstein, presente, também, no texto de Kolakowski, mas não adequadamente justificando sua presença como expressão da corrente por ele analisada. Não custa ressaltar a apresentação de Popper, feita por Kolakowski, como tendo sido um dos integrantes do Círculo de Viena, fato energicamente pôr ele negado conforme teremos ocasião de pôr em destaque na segunda parte desta Introdução. pseudoproblemas (por exemplo o conflito idealismo e realismo). Com base na suposição central do empirismo lógico, pode-se fazer filosofia somente como atividade esclarecedora de pensamentos, como análise lógica ou como lógica científica (no sentido de uma análise lógica de sistemas de sentenças científicas). RICKEN, F. Dicionário de Teoria do Conhecimento e Metafísica, São Leopoldo - RS: Editora Unisinos, 2005, p.84- 85. 3 axiologia (oxiologie) - O estudo ou a teoria dos valores. Pode pretender-se objetiva (se considerar os valores como fatos) ou normativa (se subscrevê-los). Esta decorre daquela; aquela só vale para esta. 4 Obstáculos Epistemológicos: As Contribuições de Bacon e Bachelard Nenhum processo objetivando a obtenção de conhecimento revela-se fácil. Todos, efetivamente, defrontam-se com obstáculos. Obstáculos epistemológicos e obstáculos pedagógicos: O texto de G. Bachelard, La Formation de L'Esprit Scientifique, se detém no estudo dos chamados obstáculos epistemológicos e nos obstáculos pedagógicos. Considerá-los juntos constitui procedimento absolutamente correto, dado que funcionam sempre como barreiras que dificultam a aquisição do saber. E são, bem analisados, indiscerníveis. Sobre a compreensão: Bachelard, ao considerar, por exemplo, os obstáculos pedagógicos, aponta para um deles, quando escreve sobre a dificuldade de não compreender: "Sempre me surpreendeu o fato de que os professores de ciências, mais ainda que os de outras áreas, não compreendam que se possa não compreender". Eis aí uma primeira - e diria inesperada - dificuldade. A ela logo se segue uma outra bem mais grave: a de que, com freqüência, numa sala de aula, nem mesmo aquele que se espanta pelo fato de que alguém possa não compreender também não compreende aquilo que nele produz o espanto de não ser compreendido. Na verdade, revela- se como a primeira vítima do que chamamos, freqüentemente, de compulsão à repetição. Nietzsche, possivelmente, foi o primeiro a denunciar isso. Sobre a opinião: Referindo à opinião, afirmando o obstáculo de fundamentação, segue a transcrição sobre o breve comentário de Bachelard: "A ciência, tanto em sua necessidade de acabamento como em seu princípio, opõe-se absolutamente à opinião. Se ocorre, sobre um ponto particular, legitimá- la, será por razões diversas daquelas que a fundamentam; na verdade, a opinião despoja-se sempre de razão. A opinião pensa mal; ela não pensa', ela apenas traduz necessidades sob a forma de conhecimento. Designando os objetos por sua utilidade, ela se interdita de conhecê-los. Nada se pode fundar sobre opiniões: importa destruí-las. Ela é o primeiro obstáculo a se superar." Sobre a capacidade de conhecer e saber com rigor: No comentário feito quando da transcrição anterior deste trecho, ressaltamos a importância concedida por Bachelard ao que ele chamou de necessidade de se psicanalisar o saber. Não basta registrar aqui a coincidência entre uma observação de Bachelard e outra de Bergson, em texto também acima considerado. Referimo-nos a "La Perception du Changement". Nele, por igual, mostra Bergson que a preocupação de percebermos os aspectos úteis dos objetos, na verdade, nos interdita de conhecê-los. Daí seu grande apelo no sentido de um alargamento da nossa capacidade de perceber, dado que ela é absolutamente fundamental. Vale assinalar que neste século ninguém mais do que Husserl lutou contra todos os obstáculos que nos impedem de alcançar um conhecimento rigoroso do mundo. Seu apelo à técnica das reduções foi, sem dúvida, o grandecaminho que imaginou capaz de nos assegurar o 5 rigor no domínio do saber. Kolakowski, em suas três belíssimas conferências realizadas sobre sua obra e intituladas Husserl and the Searchfor Certifude (New Haven, Yale University Press, 1975), resumiu, de forma magistral, o pensamento do grande fenomenologista ao estudá-lo em três tópicos: seus objetivos, seu método e seus resultados. Sobre estes, contudo, não se revela absolutamente tocado. De qualquer modo, foi Husserl quem mais se empenhou em aprofundar a meta que antes fora, também, a que marcou a obra de Descartes, ou seja, a busca do rigor, ou, como prefere Bachelard, a busca de um saber psicanalisado. Não seria justo terminarmos este tópico sem mencionar o esforço realizado por Bacon com a publicação do clássico Novum Organum, especialmente no First Book, em que se propõe a denunciar os grandes obstáculos que dificultam a produção do saber, logo definindo-os como os idols of the tribe, idols of the den, idols of the market e idols of the theatre. 4 Sem deles nos libertarmos, não teríamos o conhecimento depurado que ele anuncia como capaz de ser atingido pelo seu método, que, de resto, de modo algum mereceu boa acolhida de um historiador da ciência do porte de Koyré. Bacon, no terceiro grupo de seus Idols, ou seja, no grupo Idols of the market, destaca a obstrução produzida pela linguagem. Na verdade, ela nos fornece o nome das coisas que compõem o mundo. Como Nietzsche ressaltou muito bem, esse nome foi aplicado pelo primeiro homem que as percebeu. Reflete, portanto, uma forma muito particular de se contemplá-las e, pelo processo da enculturação, todos passamos a empregá-lo para designar as mesmas coisas. A enculturação, tão exaltada pelos etnolingüistas, passou a determinar nossa visão do mundo. Vale recordar que Merleau-Ponty concedeu muita importância ao fato de dispormos de palavras para designar as coisas que percebemos. Com elas, as coisas nos aparecem com significados definidos. Quando nos faltam, nossa visão fica mais difícil. Pensamos, todavia, que essa facilidade se constitui num sério obstáculo no sentido de nos privar de nossa própria visão do real. Atrela-nos ao passado e nos retira o direito de ver com os nossos próprios olhos, impondo- nos, por outro lado, um mundo sem mudança, sem história, sem tempo, em que o modo de percebê-lo hoje em nada se pode distanciar do modo como foi visto pelo primeiro homem que contemplou as coisas e as batizou. Na verdade, a vida é transformação e a busca de novas formas de se contemplar o mundo constitui-se num direito que nenhum respeito pelo passado pode eliminar. Estamos, nesse particular, com Bergson. FONTES: PENNA, Antônio Gomes. Introdução à epistemologia. Coleção Introdução à Psicologia. Rio de Janeiro: Imago, 2000. RICKEN,F. Dicionário de Teoria do Conhecimento e Metafísica. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2005. MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 4 Idols of the tribe, idols of the den, idols of the market e idols of the theatre: ídolos das tribos, ídolos do antro, ídolos do mercado e ídolos do teatro. Destacando os ídolos do mercado que obstrui a linguagem.
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