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362
Trabalho, Educação e Saúde, 2(1):362-368, 2004
RESENHAS REVIEWS
Educação Profissional no Brasil. Silvia Maria
Manfredi. São Paulo: Cortez Editora, 2002, 317
pp.
Edgard D. A. T. Bedê
Doutorando em Educação, Universidade Federal 
Fluminense <edgardbede@terra.com.br>
O livro de Silvia Manfredi compõe a Coleção Do-
cência em Formação e destina-se a subsidiar os
cursos de formação de professores para atuarem
neste campo. No capítulo I da 1a Parte (“Traba-
lho, Profissão e Escolarização: visitando concei-
tos”), a autora aponta que, apesar de um certo
grau de correlação entre escolaridade e empre-
gabilidade, essas relações resultam, na verdade,
de uma complexa rede de determinações e con-
tradições sócio-históricas. De forma acertada,
ela afirma que as mudanças macro-econômicas
ocorridas a partir de 1990, caracterizadas pela
nova inserção subordinada do Brasil à economia
global, provocaram a diminuição do emprego in-
dustrial e o aumento do desemprego, do subem-
prego e da informalidade. 
Conseqüentemente, a Educação Profissional
(doravante, EP) em si não gera diretamente tra-
balho nem emprego, conforme avalia com muita
pertinência a autora, constituindo-se como um
processo condicionado e determinado de quali-
ficação social. O trabalho e o emprego depen-
dem, segundo Manfredi, da organização dos pro-
cessos estruturais de produção, das condições
do mercado de trabalho, das políticas regulató-
rias da economia capitalista. Entretanto, justa-
mente por assumir essa visão da questão, deve-
ria estar presente, nesse capítulo, uma análise
mais substancial e histórica sobre a crise do for-
dismo e a emergência da acumulação flexível,
por serem categorias determinantes no processo
sócio-histórico da metamorfose do trabalho e do
emprego no capitalismo global competitivo, com
conseqüências profundas nas reformas atuais da
EP no Brasil.
No capítulo II, ainda na 1a Parte (“Histórias
da Educação Profissional”), Manfredi busca re-
construir a história das práticas educativas do
Brasil, não apenas apresentando uma narrativa
de sucessão de fatos, mas se preocupando em
analisá-los em conexão com as transformações
estruturais da sociedade brasileira. Assim, a eco-
nomia colonial escravista restringiu a EP aos al-
deamentos jesuítas, onde ocorreram as primei-
ras experiências de ensino de ofícios. No Perío-
do Imperial, surgiu primeiramente o ensino su-
perior para a aristocracia escravista formar a ca-
mada de burocratas da monarquia. Os ensinos
primário e secundário surgiram com caráter pro-
pedêutico. A EP de ofícios era desenvolvida em
academias militares, liceus de artes e ofícios e
casas de educandos artífices. Na Primeira Repú-
blica, com o trabalho assalariado na cafeicultu-
ra e as primeiras indústrias, a autora destacou a
criação de uma rede de escolas profissionalizan-
tes nos Estados, pelo governo federal, as quais
futuramente tornaram-se os Centros Federais de
Educação Tecnológica (Cefets).
No Estado Novo, com a implantação do mo-
delo de substituição das importações e com a
política intervencionista de Estado, surgiram
novos padrões e mecanismos de controle e capa-
citação da nova classe operária para atender à
industrialização em massa. Nesse período, a au-
tora destacou a separação dual entre o ensino
propedêutico e o ensino profissional pelas Leis
Orgânicas. Ressaltou, ainda, a construção do Sis-
tema S para a formação da mão de obra opera-
cional, sob controle exclusivo das entidades em-
presariais. 
Sobre a EP no Regime Militar, apesar de a au-
tora destacar a tentativa fracassada de implan-
tar o ensino técnico obrigatório através da Lei
5692/71 de reforma do ensino de 1o e 2o graus, a
obra carece de uma análise mais dedicada às de-
terminações históricas dessa reforma, que esta-
belecesse as múltiplas relações entre, de um la-
do, a expansão do capitalismo monopolista ba-
seado nas empresas estatais e multinacionais, a
tecnoburocracia estatal e a nova dependência
externa, e, de outro lado, a necessidade de for-
mação profissional de nível técnico em massa
para atender ao chamado “milagre brasileiro”.
A segunda parte do livro se divide em cin-
co capítulos. No capítulo I (“A Reforma do En-
sino Médio e Profissional nos Anos 90: a cons-
trução de uma nova institucionalidade”), a au-
tora dedica-se a analisar os embates políticos na
definição da EP nos anos 90, em especial no go-
verno FHC. Manfredi afirma, corretamente, que
a nova LDB e o Decreto 2208/97 representaram
o triunfo do projeto de reforma da EP oriundo
da classe empresarial, mantendo a dualidade e
criando uma nova institucionalidade da EP.
Dentro desse governo, havia uma divergência
entre o projeto de reforma da EP encaminhado
363
Trabalho, Educação e Saúde, 2(1):362-368, 2004
reviews
pelo Ministério do Trabalho (através da Secre-
taria de Formação e Desenvolvimento Profissio-
nal) e o encaminhado pelo Ministério da Educa-
ção (mediante a Secretaria de Educação Média e
Tecnológica): o primeiro, envolvendo amplos se-
tores da sociedade civil, buscava a superação da
dicotomia entre ensino médio e ensino profis-
sional; o segundo atualizava essa dicotomia,
priorizando o aumento de escolaridade e a (re)-
qualificação profissional para a nova estrutura
produtiva. Essa divergência refletia o embate
de projetos – escola unitária universal e escola
funcional ao mercado – oriundos da sociedade
civil.
O capítulo II (“A Rede de Educação Profis-
sional”) retoma a reforma da EP, ao radiografar,
de forma brilhante, a nova institucionalidade
instaurada pela reforma – que organizou o ensi-
no em três níveis, básico, técnico e tecnológico
– como uma multifacetada rede composta pelos
sistemas de ensino, Sistema S, universidades, es-
colas de empresas, escolas de sindicatos, ONGs,
sindicatos e cursos livres. No nível básico, a au-
tora destaca o Plano Nacional de Formação
(PLANFOR), que, através do Fundo de Amparo
do Trabalhador (FAT), financia projetos de esco-
larização e (re)qualificação em parcerias com
sindicatos, escolas, ONGs e empresas. No nível
técnico, a autora alertou para o risco de “senai-
zação” dos Cefets devido, entre outros fatores,
ao descomprometimento da União com a expan-
são da rede federal de escolas técnicas e ao in-
centivo de parcerias dos Cefets com empresas,
para atender mais organicamente às necessida-
des do mercado e obter o auto-financiamento
através da especialização em cursos modulares e
não regulares de curta duração para capacitação
profissional. 
No capítulo III (“Sistema S”), Manfredi ca-
racteriza o Sistema S como uma rede institucio-
nal de EP, articulada a atividades sócio-recreati-
vas, culturais e assistenciais e mantida por ver-
ba pública, mas sob controle exclusivo das enti-
dades empresariais oriundas dos diferentes se-
tores da economia. O Sistema S, analisa correta-
mente a autora, funciona, ao mesmo tempo, co-
mo um mecanismo de racionalização, disciplina-
mento e controle da mão de obra, e como força
ideológica de incentivo à paz social entre o ca-
pital e o trabalho. Contudo, como processo so-
cial mediado, o Sistema S está atravessado por
contradições que transformam esses aparelhos
educacionais em palcos de tensões e disputas in-
ternas de projetos de EP. As entidades sindicais
dos trabalhadores vêm questionando o monopó-
lio dos empresários sobre o Sistema S e apontan-
do para a criação de um sistema gestor triparti-
te de empresários, governo, trabalhadores, tal
como o FAT.
No Capítulo IV (“Educação Profissional e as
Entidades da Sociedade Civil”), o livro enfoca o
crescimento da participação das ONGs na EP a
partir dos anos 90, com o PLANFOR e as verbas
do FAT. Nesse capítulo, foram apresentados, de
forma bem fundamentada, o Projeto do MST e o
Projeto AXÉ, escolhidos pela autora por possuí-
rem em comum uma perspectiva de intervenção
crítica em realidades sociais tão distintas quan-to injustas: a luta pela terra no campo e a luta
pela sobrevivência nas periferias urbanas. 
Contudo, está ausente, nesse capítulo, uma
análise comparativa desses projetos, ressaltando
suas diferenças políticas. O Projeto do MST pos-
sui claramente um caráter contra-hegemônico,
de formação de intelectuais orgânicos para par-
ticiparem como dirigentes na intervenção social
de ocupação, resistência e produção da terra do
latifúndio; o Projeto AXÉ apresenta um caráter
de inclusão social, pela formação da cidadania,
socialmente necessário, sem dúvida, mas limita-
do à construção da identidade social como novo
instrumento da política de consenso. Tal dife-
rença pode ser constada, de forma empírica, na
diferença política do tratamento, pela grande mí-
dia, aos dois projetos (apesar de ambos terem si-
do premiados pela Unicef/Unesco).
No capítulo V (“Educação Profissional na
Organização dos Trabalhadores”), Manfredi de-
dica-se a demonstrar o processo de participação
crescente das centrais sindicais (Central Única
dos Trabalhadores, Força Sindical, Confedera-
ção Geral dos Trabalhadores), a partir de 1996,
nos programas de (re)qualificação profissional
e escolarização, em parceria com o PLANFOR e
financiados com recursos do FAT. Até 1995,
dentro da CUT, havia uma séria divergência so-
bre se seria ou não papel do movimento sindi-
cal substituir o Estado na EP. Segundo a autora,
o processo histórico de transformação do siste-
ma produtivo, o crescimento do desemprego es-
trutural e o recuo do movimento sindical im-
puseram a necessidade de uma atuação siste-
mática da CUT na EP. Assim, em 1999, o Progra-
ma Integração, da CUT, foi viabilizado pelo
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resenhas
Saúde Paidéia. Gastão Wagner de Sousa
Campos. São Paulo: Editora Hucitec, 2003,
185 pp.
Monica Vieira
Pesquisadora do Observatório dos Técnicos em Saúde 
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 
Fiocruz <monicavi@fiocruz.br>
Elaborado como coletânea de textos, Saúde Pai-
déia busca expressar e ultrapassar os desafios da
gestão, presentes no encontro com o real do tra-
balho em saúde. Os autores, convocados pelos
encontros e pelas experiências do cotidiano de
trabalho, percorrem aspectos que circundam o
tema central da intervenção, já que “saúde é um
campo comprometido com a prática” (p. 11). A
função ‘paidéia’ é entendida como uma dimen-
são da gestão, no sentido de produzir sujeitos e
coletivos organizados e de reforçar o compro-
misso com os valores de uso nas atividades pro-
fissionais de trabalhadores da saúde. 
No entendimento de que a compreensão do
cotidiano depende de conceitos, métodos e teo-
rias, o livro, dividido em quatro partes, relacio-
na o conceito de ‘paidéia’ – de origem grega,
que significa o desenvolvimento integral do ser
humano – com temáticas como “saúde coletiva”,
“clínica ampliada”, “modelos” e “a experiência
de Campinas”. A obra pode ser melhor apreen-
dida se lida na perspectiva de um desdobramen-
to da produção anterior do autor: Um método
para análise e co-gestão de coletivos (Hucitec,
2000), um livro que trata de conceitos, métodos
e teorias que devem ser construídos previamen-
te à análise do real.
No livro, Gastão reforça a necessidade de
construção de abordagens compreensivas sobre
as formas de atuar nas organizações de saúde,
buscando-se analisar os espaços de expressão do
trabalho e alcançar propostas de gestão que te-
nham como eixo a construção de alternativas de
relacionamento com o trabalho. 
Na primeira parte – intitulada “Saúde Cole-
tiva e o Método Paidéia” – o autor aponta que o
método reafirma a possibilidade dos sistemas de
saúde contribuírem para a constituição do sujei-
to, considerando que a gestão e as práticas pro-
fissionais têm a capacidade de modificar pa-
drões de subjetividade. Assim, noções como
“vínculo”, “arranjos” e “roda” são apresentadas
como norteadoras da ação humana no interior
dos espaços organizacionais, podendo contri-
buir para orientar a reflexão sobre a gestão do
trabalho e sobre a qualificação de trabalhadores
nos serviços públicos de saúde. 
Em “Clínica Ampliada”, segunda parte da
obra, o autor, utilizando os conceitos de “cam-
po” e de “núcleo de saberes e responsabilida-
des”, identifica a gestão colegiada e a conforma-
ção de unidades de produção como favoráveis à
construção de projetos terapêuticos. Nos encon-
tros e desencontros dos movimentos entre traba-
lho e gestão, situam-se os desafios que podem si-
nalizar caminhos de mudança. Nessa ciranda,
PLANFOR, bem como outros programas da FS e
da CGT.
A EP passa ser entendida agora como um
campo de disputas de concepções e práticas de
domínio do novo saber/fazer operacional e téc-
nico pelos trabalhadores, para o enfrentamento
das novas estratégias de controle do capital so-
bre o trabalho coletivo. Entretanto, a autora per-
deu a oportunidade de ressaltar as contradições
desencadeadas por essa institucionalização dos
projetos educativos através de recursos do FAT.
Ou seja, o livro não problematiza até que ponto
esses programas em parceria com o PLANFOR
significam realmente uma resistência contra-he-
gemônica ao controle do capital, numa fase de
recuo da capacidade de organização e luta da
classe trabalhadora, ou constituiriam, ao contrá-
rio, novas estratégias da política de consenso,
buscando a colaboração e domesticação do novo
sindicalismo, tão temido na década de 80 como
alternativa radical da classe trabalhadora.
De modo geral, a obra de Silvia Manfredi
busca sistematizar, de forma inédita, os conhe-
cimentos e as discussões acumuladas e atuais so-
bre EP no Brasil. As transformações da base téc-
nica e organizacional das empresas, a mundiali-
zação do capital e as reformas em curso no Bra-
sil colocam na ordem do dia a importância estra-
tégica do domínio e da disputa sobre o novo sa-
ber/fazer do trabalho coletivo e sobre o caráter
da EP. Nesse sentido, a leitura desse livro torna-
se obrigatória para todos os educadores-sindica-
listas envolvidos na intervenção política por
uma educação na perspectiva emancipatória, em
contraposição à perspectiva instrumental volta-
da para o mercado.
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Trabalho, Educação e Saúde, 2(1):362-368, 2004
reviews
deslocam-se saberes e reconstroem-se possibili-
dades, definidas numa abordagem dialética que
descobre diferentes eixos de análise e de inter-
venção.
A análise realizada nos textos parte de uma
concepção ampliada acerca da categoria “traba-
lho” e do interesse pela constituição dos modos
de ser trabalhador. Dessa forma, consideramos
relevantes noções como “serviço”, “espaço or-
ganizacional”, “situação de trabalho”, “identi-
dade profissional” e “qualificação”, dado seu
caráter complementar à conformação do “méto-
do paidéia”.
Como pano de fundo das questões presentes
no livro, coexistem distintas correntes de pen-
samento diante das transformações no mundo
do trabalho, incluindo o setor de serviços. Uma
se aproxima da percepção de que, à medida que
a racionalização elimina as condições para as
orientações “morais” em relação ao trabalho, sua
dimensão subjetiva, associada à “dignidade” e
ao reconhecimento social do trabalhador, tam-
bém se enfraquece. Caminha-se, assim, para um
processo de não envolvimento com o trabalho,
acreditando-se que este não pode mais signifi-
car o fundamento ético da sociedade nem ofere-
cer o eixo em torno do qual fixar identidades e
projetos de vida. A outra corrente sinaliza o sur-
gimento de espaços para a expressão subjetiva
no trabalho, que pode traduzir o desenvolvi-
mento de uma consciência do seu significado.
Essa abordagem indica a possibilidade de reva-
lorização do trabalho a partir das brechas de
participação mais autônoma e criativa em seus
espaços.
Nas discussões das dimensões complexas da
gestão, presentes na terceira parte do livro, bus-
ca-se integraro mundo cotidiano com o mundo
da produção, aproximando-se da visão de que a
importância do trabalho relaciona-se com sua
possibilidade de significar fonte de realização,
de ser percebido como central na constituição
do homem como sujeito. O trabalho surge, des-
sa forma, como criador de valor de uso, como
atividade vital que possui uma intenção voltada
para o processo de humanização. Os autores pa-
recem apostar que o setor de serviços, por sua
lógica e racionalidade próprias – margem mais
ampla de atuação, indeterminação de ativida-
des, maior necessidade de comunicação e quali-
ficação – deve encontrar-se mais protegido do
processo de degradação do trabalho. 
Outro aspecto apontado pelos autores nesse
terceiro segmento da obra, especialmente no
texto de Rosana Onocko Campos – “A Gestão:
espaço de intervenção, análise e especificidades
técnicas” –, refere-se à necessidade de reativar
a questão do sentido na vida organizacional.
Compreende-se que as concepções do pensa-
mento administrativo clássico, na busca de téc-
nicas úteis para produzir dominação e consen-
so, obediência e docilidade, desconsiderando
desejos e interesses, tenham dado origem a per-
cepções de pessoas e de relações de trabalho car-
regadas de conseqüências negativas para a vida
de trabalhadores. 
A quarta e última parte do livro, que trata
da experiência de Campinas (SP), apresenta dois
textos elaborados pela equipe envolvida nos
projetos da Secretaria de Saúde do município. O
primeiro identifica as diretrizes do Projeto de
Saúde da Família, na busca da reforma e amplia-
ção da rede básica de Atenção à Saúde. Os auto-
res recuperam a noção de “clínica ampliada”,
apresentada anteriormente, enfatizando a neces-
sidade de redefinição do trabalho a ser realizado
e apontando alguns eixos que norteiam a pro-
posta, como acolhimento e responsabilização,
sistema de co-gestão e capacitação. O segundo
texto desta parte final discute uma experiência
de intervenção institucional nas equipes dos
distritos sanitários e no hospital Mário Gatti de
Campinas, também orientada pelo “fator Pai-
déia”, ou seja, pela perspectiva de que uma con-
cepção ampliada de gestão possa influir na cons-
tituição de sujeitos com maior autonomia e ati-
tude crítica.
Um dos méritos do livro é permitir a refle-
xão sobre os pressupostos centrais dos aportes
teóricos que têm servido de modelagem para a
prática administrativa. Assim, percebe-se que o
espaço organizacional, tradicionalmente perce-
bido como aquele que constrange e tolhe a ex-
pressão de sensibilidade, é capaz de gerar expe-
riências inovadoras entre os trabalhadores, e en-
tre estes e os usuários dos serviços de saúde. 
Em suma, a abordagem utilizada no livro
amplia os enquadramentos normalmente utiliza-
dos na gestão do trabalho e impulsiona para uma
compreensão do trabalhador como criador de
história, ou seja, a obra parte do princípio que
a identificação com o trabalho só é possível
quando o trabalhador consegue assumir o ato de
trabalhar como seu, apropriando-se dele como
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Trabalho, Educação e Saúde, 2(1):362-368, 2004
resenhas
por examinar a obra em questão não necessaria-
mente a partir dos conjuntos de artigos que com-
põem cada uma dessas partes, mas em termos de
uma interpretação da clássica tripartição que dis-
tingue a ‘linguagem sobre o trabalho’, ‘a lingua-
gem no trabalho’ e a ‘linguagem como trabalho’.
Essa opção implica em explorar o estatuto que a
linguagem assume com relação ao próprio trabalho
de cada um dos autores/pesquisadores. 
Embora cada um dos aspectos dessa tripartição
apresente problemas de ordem prática e epistemo-
lógica, na medida em que, em situação concreta,
seja difícil, ou até mesmo impossível, estabelecer
diferenças entre os dois últimos conceitos, concor-
damos com Nouroudine quando conclui ser o sal-
do final mais positivo do que negativo, principal-
mente quando se opta por privilegiar, dentre os
múltiplos problemas a serem examinados, “aquele
que articula a questão do sujeito no trabalho ten-
do em vista a complexidade da relação lingua-
gem/trabalho” (p. 18) e, em decorrência, as ques-
tões que envolvem a produção do saber. 
Além disso, tal visão tripartite, do modo apre-
sentado pelo autor, está subordinada ao conceito
de ‘práticas linguageiras’, tomado como termo ge-
nérico que abrange esses três aspectos da lingua-
gem, preservando a idéia de uma unidade no âm-
bito da experiência antropológica em geral e, em
particular, no âmbito da experiência de trabalho. 
Em decorrência da natureza das lentes com
que nos propusemos a olhar para o livro, faz-se ne-
cessário um enquadramento inicial da situação de
trabalho dos próprios autores que assinam os tex-
tos da obra em questão. Segundo os dados biográ-
ficos que figuram no livro, com exceção da co-au-
tora de um dos artigos que trabalha em um museu,
todos são, ou foram, professores e pesquisadores
lotados em universidades. Desse aspecto decorre o
fato de ser a escrita de artigos e ensaios uma tarefa
que faz parte das atividades de trabalho desses
grupos de profissionais. Pode-se identificar, por-
tanto, por meio desses produtos-textos, um traço
geral e comum de ‘linguagem como trabalho’ no
sentido “de uma fala para si e fala ao outro, para o
outro” (Teiger, apud Nouroudine, p. 19), centrada
essencialmente na necessidade, no campo da ciên-
cia, de compartilhar os desafios enfrentados na rea-
lização do trabalho de investigação e, ao mesmo
tempo, de marcar a existência de uma identidade
pessoal dentro da comunidade acadêmica. Desse
modo, todos os textos constituem-se como exem-
plares de ‘linguagem como trabalho’.
sujeito. Nesse sentido, os vínculos sociais devem
ser reconstruídos, permitindo a intensificação
das possibilidades de formas de vida dignas de
serem vividas.
Linguagem e Trabalho. Maria Cecília Souza-e-
Silva e Daniel Faïta (orgs.). São Paulo: Cortez,
2002, 240 pp.
Maristela Botelho França
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(Unirio) <mbfranca@hotmail.com>
Linguagem e Trabalho, coletânea de textos organi-
zada pelos lingüistas Maria Cecília Souza-e-Silva e
Daniel Faïta, é uma importante obra que merece e
precisa ser bem divulgada. Importante pela consis-
tência teórica que se observa nos artigos, além do
fato de representar um marco no intercâmbio entre
Brasil e França com respeito ao trabalho de cinco
grupos. Dos Programas de Pós-Graduação em Lin-
güística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC-
SP, em Letras da PUC-Rio e em Engenharia de Pro-
dução da COPPE/UFRJ advêm os grupos do lado
brasileiro, composto principalmente por lingüis-
tas. Do lado francês, os grupos são constituídos por
duas equipes pluridisciplinares, oriundas, na épo-
ca da realização do livro, da Université de Proven-
ce-Aix.Marseille e da Université de Rouen. 
Entre esses grupos, há em comum o interesse
em discutir questões que afetam os diferentes
mundos do trabalho contemporâneo, com o reco-
nhecimento do papel fundamental que a lingua-
gem desempenha como mediadora e construtora
desses mundos. Os textos apresentados fornecem
um leque de possibilidades para se pensar essas
questões sem fugir ao desafio de fazer avançar o
terreno teórico. 
O livro está harmonicamente dividido em três
partes: “Diversidade de enfoques e de campos de
intervenção” é o título da primeira, que reúne cin-
co artigos; “Saberes acadêmicos, formação profis-
sional e escola” constitui a segunda, com quatro
artigos; por fim, “Construção de identidades, rela-
ções de serviço e espaço empresarial” fecha o livro,
com cinco artigos. 
Inspirados no excelente artigo “A linguagem:
dispositivo revelador da complexidade do traba-
lho” que abre a coletânea, do filósofo comoriano
Abdallah Nouroudine, optamos, nesta resenha,
367
Trabalho, Educação e Saúde, 2(1):362-368, 2004
reviews
Por outro lado, prosseguindo em nossa análise
daobra, na grande maioria dos textos que com-
põem o livro, particularmente naqueles assinados
por lingüistas, essa ‘linguagem como trabalho’ se
reveste de uma outra particularidade que se traduz
pela escolha mesma do objeto de análise que carac-
teriza a produção textual como ‘metalinguagem’.
Afinal, trata-se da linguagem sobre a linguagem.
Essa metalinguagem pode ser, porém, percebida
em dois diferentes níveis: no primeiro, a linguagem
é constituída como objeto a partir do qual se visa
à reflexão e ao debate sobre o próprio trabalho se-
ja do professor – Regine Delamotte-Legrand em “A
profissão de professor: relação com os saberes, diá-
logo e colocação em palavras”; seja do ergonomista
– Francisco Duarte, Vera Cristina Rodrigues e Day-
se Lima com “A construção da ação ergonômica no
projeto de modernização de uma refinaria de pe-
tróleo: análise de interações entre operadores, en-
genheiros e ergonomistas”; seja de assessoria pres-
tada por lingüistas – Anna Rachel Machado e Ma-
ria Cecília Magalhães com “A assessoria a professo-
res na universidade brasileira: a emergência de
uma nova situação de trabalho a ser desvelada”.
No segundo nível, o posicionamento escolhido
constitui a linguagem do outro, no caso, do prota-
gonista do trabalho como objeto de análise. Nesses
estudos, os objetos são analisados em termos de
uma abordagem sócio-interacional com vistas a ve-
rificar processos de “Construção e reconstrução de
identidade em interações de trabalho” (Bastos, p.
159); processos de “Construção da identidade ge-
rencial masculina no jogo interpessoal das emoções
em uma reunião empresarial” (Pereira, p. 175); ou
os efeitos de “Vozes superpostas em duetos e solos:
um estudo da sobreposição numa reunião empre-
sarial” (Oliveira, p. 193); e, por fim, “A pulsão co-
municativa: jogos e desafios no questionamento
entre entrevistador-entrevistado” de Jeannine Ri-
chard-Zappella.
Esses dois níveis refletem uma das problemáti-
cas centrais entrevista em alguns dos textos: o pró-
prio estatuto do papel do lingüista e de seu objeto
no campo do trabalho. Esse é o assunto diretamen-
te abordado por Daniel Faïta em sua excelente
“Análise das práticas linguageiras e situações de
trabalho: uma renovação metodológica imposta pe-
lo objeto”, que propõe uma discussão de particu-
lar interesse para aqueles que já se lançaram ou
que pretendem se lançar nos estudos da linguagem
em situação de trabalho. Os que se lançaram certa-
mente irão se identificar com o tipo de questiona-
mento proposto. Além do já mencionado problema
de uma definição do papel do lingüista na análise
do trabalho, o autor se pergunta se será mais ade-
quado considerar, como verdadeiro objeto de sua
pesquisa, o próprio funcionamento da linguagem
ou as condutas dos atores e seus efeitos? Ou ainda,
se os ensinamentos que são obtidos referem-se às
atividades de trabalho ou se tendem mais a recons-
tituir a especificidade da própria linguagem? (p. 4)
O autor conclui que a análise da atividade, sob a
perspectiva da linguagem, principalmente em si-
tuação de trabalho, exige que os pontos de vista se-
jam ampliados, o que diz respeito tanto ao objeto
quanto à postura do lingüista. Suas conclusões
apontam também para a necessidade de uma ‘ati-
tude dialógica’, enfatizando o fato de o lingüista
ser o profissional que está em condições de apreen-
der os movimentos discursivos no âmbito de um
diálogo instaurado entre ele próprio e os ‘textos’
recolhidos.
Essa atitude dialógica, aliás, constitui-se como
fio condutor que entrelaça vários textos. Nourou-
dine, por exemplo, no já citado artigo, aponta para
a necessidade de se construir uma ‘linguagem so-
bre trabalho’ adequada em relação ao objeto ‘tra-
balho’. Segundo o autor, essa linguagem “passa pe-
la realização de um processo dialógico e dialético
em que as duas linguagens (a dos trabalhadores e a
dos pesquisadores) se confrontarão para “co-elabo-
rar” uma “linguagem sobre o trabalho’ de um no-
vo gênero” (p. 28). Além de fazer referência ao pro-
cesso socrático de duplo sentido, defendido pelo fi-
lósofo Yves Schwartz sob a forma de um dispositi-
vo de três pólos (as disciplinas constituídas, os pro-
tagonistas do trabalho e a exigência epistemológi-
ca e ética), a conclusão de Nouroudine destaca o
princípio dialógico bakhtiniano como orientação a
ser considerada para o conhecimento das ativida-
des humanas. 
Como um dos elos na cadeia dialógica que o li-
vro proporciona, o artigo “Perspectiva dialógica,
atividades discursivas, atividades humanas”, da
especialista em teoria enunciativa Beth Brait, per-
segue justamente o objetivo de discutir “as formas
de mobilização e a pertinência de uma perspectiva
dialógica para a análise das especificidades discur-
sivas constitutivas das situações em que a lingua-
gem e determinadas atividades se interpenetram e
se interdefinem, como é o caso dos contextos de
trabalho” (p. 31). Em seu texto, a autora oferece
uma leitura sobre as principais noções que com-
põem o pensamento dialógico bakhtiniano por
368
Trabalho, Educação e Saúde, 2(1):362-368, 2004
resenhas
meio da justaposição e articulação de variadas fon-
tes bibliográficas. 
Maria Cecília Souza-e-Silva, em “A dimensão
linguageira em situações de trabalho”, descreve e
comenta várias pesquisas realizadas por membros
do Grupo Atelier que, de certa forma, exemplifi-
cam a transformação do papel do lingüista e de sua
relação com o objeto de análise, enunciada por Faï-
ta, tomando por base, principalmente, uma atitu-
de dialógica. 
Exemplos típicos de ‘linguagem sobre o traba-
lho’ são “Criação e trabalho: um mapeamento de
análise identitária”, de Eric Delamotte, e “A abor-
dagem do trabalho reconfigura nossa relação com
os saberes acadêmicos: as antecipações do traba-
lho”, de Yves Schwartz. Trata-se de abordagens
bastante interessantes de onde se podem extrair
elementos de diálogo sobre o tema que mobilizará
a comunidade acadêmica em 2004: a discussão so-
bre o papel e a reforma da universidade de um mo-
do a afirmá-la como instituição pública. 
Como um último motivo que confirma o méri-
to de Linguagem e Trabalho, o artigo de Décio Ro-
cha, M. Del Carmen Daher e Vera Sant’Anna “Pro-
dutividade das investigações dos discursos sobre
trabalho” ajuda a construir uma dimensão amplia-
da da idéia de ‘linguagem no trabalho’, analisando
discursos oficiais e midiáticos que, capazes de in-
fluenciar as atividade e situações cotidianas, com-
provam a possibilidade de recuperação e constru-
ção de uma memória discursiva sobre o trabalho,
indo buscar as influências que vão além dos muros
onde as atividades se desenvolvem.
Por tudo isso, o livro poderá ser de particular
interesse para aqueles que aceitaram ou desejam
realizar pesquisas que visem a contribuir para os
conhecimentos das situações contemporâneas de
trabalho.

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