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Em busca da politica de zigmunt bauman ivanesio

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v 1, n. 1 (2011) 
 
Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-84, Jan/2011. 
 
 
Editorial 
 
Mª Júlia Batista de Holanda
1
 
 
No dia de hoje 11 de janeiro de 2011 entendemos como um momento especial 
de novas possibilidades e oportunidades no que diz respeito aos estudos 
interdisciplinares em ciências humanas, principalmente, nas áreas de Filosofia, Ciências 
Sociais e Literatura. Observando, é claro, os temas sobre: Relações Humanas; 
Axiologia; Violência Pública; Insegurança; Consumismo; Moda. 
Cadernos Zygmunt Bauman – C-ZB se estabelece como um periódico que tem 
por objetivo discutir com clareza e sinceridade as questões humanas a partir da visão do 
sociólogo polonês Zygmunt Bauman. 
Em sua primeira Edição v. 1, n. 1 (2011) o C-ZB aborda três pontos de grande 
importância. O primeiro artigo: “A História estilhaçada: tradições e usos do passado no 
diálogo entre Zygmunt Bauman e Hannah Arendt” que estuda especificamente sobre os 
usos do passado e da tradição em uma sociedade pós-tradicional, na perspectiva de 
Zygmunt Bauman. O objetivo do presente artigo é rastrear esse pensamento na obra de 
Bauman a partir da suturação do conceito de tradição com a obra mais ampla do 
filósofo. Ainda, buscam-se pontos de contato com Hannah Arendt – a partir da ótica de 
que a modernidade é marcada pela dependência de um passado ressignificado. 
Outro momento pode ser apreciado com a leitura do artigo “O individualismo 
como estratégia de cuidado de si na sociedade de consumo” que traz uma discussão da 
relação entre a construção de uma postura individualista como estratégia de cuidado de 
si dentro no contexto atual em que o ser humano está inserido. Para tanto é realizado 
uma reflexão a partir da ideia de “sociedade de consumidores” trazida por Zygmunt 
Bauman, buscando construir uma relação desta com diferentes campos de atuação do 
sujeito humano. O que encontramos é uma postura que busca defender o indivíduo de 
possíveis riscos, sendo o outro, seu principal alvo de controle. Ao final, concebe-se a 
resistência às políticas de controle de desejos, como saída aos dispositivos presentes na 
sociedade de consumo. 
Ainda todos poderão conferir no artigo “Consumismo como fuga simbólica do 
real”, o problema existencial do consumismo a partir da análise de Zygmunt Bauman e 
de autores cujas reflexões favoreceram uma frutífera interlocução intelectual, 
destacando assim, a pertinência de tal interpretação ao revelar como a existência 
humana, na sociedade contemporânea, se encontra submetida aos parâmetros 
normativos do consumo social. 
E finalmente, no artigo La producción imaginal de lo social: imágenes y 
estetización en las sociedades contemporâneas, onde se procura desenvolver uma 
análise contemporânea da cultura e das relações sociais a partir de imagens. Com 
motivo das mudanças nas sociedades capitalistas, interessa-nos refletir sobre as inter-
 
1 Mestranda do Curso de Educação da UCB/DF. Endereço para acessar CV: 
http://lattes.cnpq.br/4298961141386037. E-mail: juliaholanda1@hotmail.com. 
 
 
v 1, n. 1 (2011) 
 
Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-84, Jan/2011. 
 
 
relações entre essas transformações e o surgimento de novas práticas culturais que 
produzem novos exercícios do visual, da estética e do imaginal. Em suma, propomos 
um exercício teórico que tenta produzir novos conceitos para pensar e refletir 
criticamente sobre a estética e a produção visual das imagens no mundo social. 
Que este momento especial proporcione a todos um excelente meio de trocas, 
descobertas e aprendizados no campo científico, em nossas vidas acadêmicas e 
principalmente, em nossas existências. 
 
 
Editorial 
 
As of today January 11, 2011 we see as a special time of new possibilities and 
opportunities with regard to interdisciplinary studies in humanities, especially in the 
areas of Philosophy, Social Science and Literature. Noting, of course, the topics: 
Human Relations; Axiology; Public Violence, Insecurity, Consumerism, Fashion. 
Cadernos Zygmunt Bauman - C-ZB establishes itself as a journal that aims to 
discuss with clarity and sincerity human affairs from the perspective of Polish 
sociologist Zygmunt Bauman. 
In its first edition v. 1, n. 1 (2011) C-ZB addresses three points of great 
importance. The first article, "The History shattered: traditions and customs of the past 
in the dialogue between Zygmunt Bauman and Hannah Arendt" that studies specifically 
on the uses of the past and tradition in a post-traditional society, in view of Zygmunt 
Bauman. The aim of this paper is to trace this thought in Bauman's work from the seam 
of the concept of tradition with the broader work of the philosopher. Also, look up 
points of contact with Hannah Arendt - from the viewpoint that modernity is marked by 
a reliance on past reinterpreted. 
Another moment is apparent from reading the article "Individualism as a 
strategy for self care in consumer society" that brings a discussion of the relationship 
between the constructions of an individualistic approach as a strategy of self care within 
the current context in which the human being is. For such a discussion is performed 
from the idea of "consumer society" brought by Zygmunt Bauman, seeking to build a 
relationship of this with different fields of the human subject. What we find is an 
attitude that seeks to protect the individual from possible harm, the other being his main 
target for control. In the end, is conceived political resistance to control desires, as the 
output devices in the consumer society. 
Although everyone can check the article "Consumerism as symbolic of the real 
flight," the existential problem of consumerism from the analysis of Zygmunt Bauman 
and authors whose ideas favored a fruitful intellectual dialogue, thus underscoring the 
relevance of this interpretation by revealing how human existence in modern society, is 
subject to the normative parameters of social consumption. 
And finally, in article imaginal La producción imaginal de lo social: imágenes 
y estetización en las sociedades contemporâneas, which seeks to develop an analysis of 
 
 
v 1, n. 1 (2011) 
 
Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-84, Jan/2011. 
 
 
contemporary culture and social relations from images. On the occasion of the changes 
in capitalist societies, we are interested in reflecting on the interrelations between these 
changes and the emergence of new cultural practices that produce new exercises of the 
visual, aesthetic and imaginal. In short, we propose a theoretical exercise that attempts 
to produce new concepts and to think critically about the aesthetics and production of 
visual images in the social world. 
That this special moment will give all an excellent medium of exchange, 
discovery and learning in science in our lives and mostly academic, in our lifetimes. 
 
 
v 1, n. 1 (2011) 
 
Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-19, Jan/2011. 
3 
 
A História estilhaçada: tradições e usos do passado no diálogo 
entre Zygmunt Bauman e Hannah Arendt 
 
Eliza Bachega Casadei
1
 
 
RESUMO: Os usos do passado e da tradição em uma sociedade pós-tradicional, na 
perspectiva de Zygmunt Bauman, é resultado dos desdobramentos da modernidade em 
sua produção da ambivalência. O objetivo do presente artigo é rastrear esse pensamento 
na obra de Bauman a partir da suturação do conceito de tradição com a obra mais ampla 
do filósofo. Buscaremos, então, pontos de contato com outros autores que também 
trabalharam esta temática –notadamente, Hannah Arendt – a partir da ótica de que a 
modernidade é marcada pela dependência de um passado ressignificado. 
 
Palavras-chave: Tradição; Usos do Passado; Zygmunt Bauman; Hannah Arendt. 
 
ABSTRACT: The uses of the past and traditions in a post-traditional society, in the 
view of Zygmunt Bauman, are the result of the production of ambivalence typical from 
modernity. The aim of this paper is to trace this thought in Bauman's work and suture 
the concept of tradition with the philosopher broader work. We intend, therefore, 
underline points of contact with other authors who also worked this issue - notably, 
Hannah Arendt - from the viewpoint that modernity is marked by a dependency on 
reinterpreted past. 
 
Keywords: Tradition; Uses of the Past; Zygmunt Bauman; Hannah Arendt. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São 
Paulo (ECA-USP. Colaboradora do livro “Palavras Proibidas: pressupostos e subentendidos na censura 
teatral” e autora do livro “Saiu da História para entrar nas revistas: enquadramentos da memória 
coletiva sobre Getulio Vargas em Veja, Realidade e Time”. E-mail: elizacasadei@yahoo.com.br. 
 
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Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-19, Jan/2011. 
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Em sua análise sobre a modernidade, Anthony Giddens (As Consequências da 
Modernidade, p. 44-45) aponta para a questão de que “nas sociedades tradicionais, o 
passado é honrado e os símbolos valorizados porque contêm e perpetuam a experiência 
das gerações”. E assim, a tradição seria “um modo de integrar a monitoração da ação 
com a organização tempo-espacial da comunidade”, de forma que ela “não só resiste à 
mudança como pertence a um contexto no qual há, separados, poucos marcadores 
temporais e espaciais em cujos termos a mudança pode ter alguma forma significativa”. 
Já nas sociedades modernas, haveria uma mudança significativa neste 
funcionamento, na medida em que a tradição, nessa nova configuração, “pode ser 
justificada, mas apenas à luz do conhecimento, o qual, por sua vez, não é autenticado 
pela tradição”. E desta forma, muito embora o passado continue a ter um papel 
importante, ele perde proeminência, na medida em que “a tradição justificada é tradição 
falseada e recebe sua identidade apenas na reflexividade do moderno” (GIDDENS, As 
Consequências da Modernidade, p. 44-45). 
A temática da crise da autoridade da tradição apontada por Giddens é, de uma 
maneira geral, bastante relativizada na obra de Zygmunt Bauman. No seu livro Em 
Busca da Política, o autor realoca a questão ao chamar a atenção para o fato de que 
toda a tradição “tem que ser inventada e não pode ser senão inventada”. E isso porque 
ela é constituída por forças paradoxais, uma vez que “induz a crer que o passado amarra 
o presente; e prevê, no entanto, (e desencadeia) nossos esforços presentes e futuros de 
construção de um „passado‟ pelo qual precisamos ou queremos ser amarrados” 
(BAUMAN, Em Busca da Política, p. 136). E, neste sentido, mais do que uma questão 
de aceitação, a tradição diz respeito a raciocínios, justificações e, acima de tudo, 
escolhas. 
 É neste sentido que devemos estar atentos para o fato apontado por Bauman (Em 
Busca da Política, p. 137) de que viver em uma sociedade pós-tradicional não pode ser 
confundido com “uma suposta perda da autoridade da tradição ou falta de respeito por 
ela, como se houvesse esgotado ou fenecido a nossa demanda de „herança‟ e „memória 
histórica‟”. Muito pelo contrário. Os jogos entre presente e passado estão ligados às 
 
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ambivalências resultantes dos desdobramentos da modernidade e a uma tensão posta 
entre a realidade da autonomia e o desejo da heteronomia. 
 Isso posto, o objetivo do presente artigo é rastrear esse pensamento na obra de 
Bauman a partir da suturação do conceito de tradição com a obra mais ampla do 
filósofo. Buscaremos, então, pontos de contato com outros autores que também 
trabalharam esta temática – notadamente, Hannah Arendt – a partir da ótica de que a 
modernidade é marcada pela dependência de um passado ressignificado. 
 
1. O Estilhaçamento dos Sentidos e da Tradição na Pós-modernidade: 
A relação de uma sociedade pós-tradicional com o seu passado, na perspectiva 
baumaniana, não é tanto sinônimo da perda da autoridade do decorrido, quanto o é de 
um certo excesso de tradições concorrentes, de modo que nenhuma delas consegue se 
fixar com uma autoridade suficiente. Está relacionada ao “excesso de leituras do 
passado competindo pela aceitação, à ausência de uma leitura única da história 
merecendo possivelmente a confiança universal ou quase universal”, de forma que “há 
muitas tradições competindo e nenhuma consegue angariar adesão duradoura e exercer 
autoridade suprema” (BAUMAN, Em Busca da Política, p. 138). 
Esse passado em excesso, no entanto, segundo Bauman (Em Busca da Política, 
p. 138), é resultado mesmo dos próprios desdobramentos da modernidade, estando 
“intimamente ligado ao caráter essencialmente policêntrico da sociedade moderna”. Ele 
é, portanto, uma das erupções das ambivalências ligadas à modernidade. É sobre este 
ponto-chave que precisamos nos deter por um momento para que a dimensão da 
tradição em sua obra possa ser compreendida em sua complexidade. 
Para Bauman, o processo de modernização tem, indissociavelmente, a 
ambivalência como o seu produto imediato. E isso se daria na medida em que todo o 
esforço moderno está justamente empreendido em torno dos princípios de ordenação e 
de classificação. E, neste sentido, quanto maior o esforço de ordenação, maior a 
produção de ambiguidades, segundo o autor. 
 
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Partindo de uma analogia entre o ato de nomear e os princípios classificadores 
da modernidade, o autor enfatiza que “embora nascida do impulso de 
nomear/classificar, a ambivalência só pode ser combatida com uma nomeação ainda 
mais exata e classes definidoras de modo mais preciso ainda”, ou seja, “com operações 
tais que farão demandas ainda mais exigentes (contrafactuais) a descontinuidade e 
transparência do mundo e assim darão ainda mais espaço a ambiguidade”. Sendo tanto 
autodestrutiva quanto autopropulsora, a luta contra a ambivalência é, portanto, inútil sob 
este ponto de vista, na medida em que a própria ambivalência “prossegue com força 
incessante porque cria seus próprios problemas enquanto os resolve” (BAUMAN, 
Modernidade e Ambivalência, p. 11). 
É neste sentido que podemos entender a sua afirmação de que, na modernidade, 
é o próprio esforço de ordenamento que produz a ambiguidade como o seu outro. 
A pós-modernidade não é oposta, sob esta perspectiva, à modernidade: ela a 
constitui. Isso porque ela seria um mecanismo que teria se desenvolvido em paralelo à 
modernidade a partir das ambivalências geradas por esta. Os sistemas classificatórios e 
de atribuição de sentidos, nesta perspectiva, são estilhaçados, mas não na direção de seu 
aniquilamento e, sim, em uma explosão que gera um número vasto de categorias. Mais 
do que isso, eles deixam de ser privilégios das instituições tradicionais (Igreja, Escola, 
Exército) e se espalham pelas malhas do social. É justamente o esforço de ordenamento 
da modernidade levado ao limite que constitui o esmigalhamento dos sentidos típico da 
pós-modernidade na perspectiva baumaniana. 
É neste mecanismo que está calcado também o estilhaçamentodos sentidos 
sobre o passado. Ele é mais uma expressão desta ambivalência fundamental implicada 
nos processos de modernização. Se, na pós-modernidade, há mesmo um 
esmigalhamento dos sentidos, isso não poderia ser diferente no que concerne aos 
sentidos do passado ou à sua articulação à vida cotidiana. 
Há, ainda uma outra questão pressuposta aqui. Uma das consequências da 
explosão de sentidos também diz respeito a uma sensação de aumento da liberdade de 
escolha na pós-modernidade (na medida em que os grandes sistemas regulatórios 
 
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perdem a sua legitimidade enquanto tais) acompanhado de um aumento no sentimento 
de insegurança (devido ao arrefecimento dos sistemas fixos de sentidos postos pela 
modernidade). 
 Há, neste sentido, uma ilusão de liberdade e escolhas ilimitadas que escondem, 
em verdade, ambivalências fundantes e medos expressos. É neste sentido que Smith 
pode afirmar que “por baixo da superfície [da pós-modernidade] estão os restos das 
tentativas da modernidade em planejar uma sociedade com propósitos, em que todos 
cumpriam a sua parte de acordo com os comandos da elite” (SMITH, Zygmunt 
Bauman: prophet of postmodernity, p. 159). 
 O passado se articula ao presente também a partir desta perspectiva nas 
sociedades pós-tradicionais. Embora as escolhas pareçam ilimitadas, “depois de fazer 
suas opções, os optantes podem se comportar de modo extremamente reminiscente do 
comportamento compulsivo, tipo de conduta com frequência (e erroneamente) imputado 
aos que vivem sob as garras da tradição”. 
E assim, muito embora o sentido próprio da tradição esteja mesmo ligado às 
sociedades heteronômicas - nas quais “o sentido próprio de „tradição‟ implica 
exatamente essa qualidade institucional „inerente‟: o reconhecimento de que não há 
nada que as pessoas vivas possam fazer para mudar as instituições herdadas e que se 
tentarem, esquecidas de sua impotência, intrometer-se com esse legado, ocorrerão 
desastres inimagináveis, produzidos por punição divina ou pelas leis da natureza, que 
não admitem, nem toleram qualquer violação” (BAUMAN, Em Busca da Política, p. 
140) – o atual mundo autônomo ainda sentiria necessidade de pagar um tributo ao 
passado. 
Em outras palavras, embora esteja ressignificado uma vez que posto em uma 
sociedade autônoma (onde “é a força da adesão que faz a preferência suportar a 
concorrência”), “o tradicionalismo é um sintoma da sociedade envergonhada da própria 
autonomia, que não se sente à vontade com isso e sonha em escapar desta liberdade”. E 
“assim como a hipocrisia é um tributo indireto pago à verdade pela mentira, da mesma 
 
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forma o tradicionalismo é um tributo enviesado, embaraçado e envergonhado pago à 
autonomia pela heteronomia” (BAUMAN, Em Busca da Política, p. 143). 
 Se para Bauman, a dependência que a modernidade nutre pela tradição pode ser 
entendida como uma consequência de seus próprios desdobramentos, podemos 
encontrar alguns pontos de contato entre a obra deste autor e as considerações de 
Hannah Arendt sobre os desdobramentos dos usos do passado na modernidade. É sobre 
estes pontos de contato que gostaríamos de nos deter por um momento. 
 
2. Inteligibilidade na História como um Jogo de Ligar os Pontos 
Assim como Bauman, Hannah Arendt em seu livro Entre o passado e o futuro 
também apresenta uma visão bastante específica de como a modernidade teria 
articulado o passado como forma de estabelecer sentidos precisos para o presente. Isso é 
feito a partir de uma reflexão acerca de como os sentidos da história teriam mudado ao 
longo do tempo. Para Arendt, ao articular o passado como um todo inteligível, a 
modernidade teria transformado as suas relações com o presente em um jogo demasiado 
óbvio de “ligar os pontos”, o que sugere possíveis contatos interessantes com a obra de 
Bauman e sua noção de estilhaçamento dos sentidos. 
Como expõe a autora, a noção de História entre os gregos era essencialmente 
diferente da que carregamos atualmente. A primeira parte da História de Herôdotos - 
em que ele expõe que os feitos eram ali relatados para que “a memória dos 
acontecimentos não se apague entre os homens com o passar do tempo, e para que os 
feitos maravilhosos e admiráveis dos helenos e dos bárbaros não deixem de ser 
lembrados” (HERÔDOTOS, História) - já indicaria uma íntima relação, bastante 
comum em toda historiografia grega, entre o conceito de História e a ideia de Natureza. 
 Isso porque a natureza grega era concebida como um ser-para-sempre, ou seja, 
como possuidora de uma imortalidade inerente. Na medida em que a natureza não era 
concebida como tendo sido criada por algum Deus ou Entidade (sem um começo, 
portanto) e a partir da observação de que as coisas da natureza estavam sempre 
presentes, elas eram tidas, pois, como imortais. Nem mesmo o homem escapava desta 
 
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Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-19, Jan/2011. 
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noção de imortalidade na medida em que a duração perpétua dos seres vivos era 
atestada a partir da recorrência das gerações que, através da procriação, garantiriam a 
continuidade deste ser-para-sempre. 
 Na medida, no entanto, em que esta imortalidade da espécie humana não 
assegurava a permanência dos homens tomados como seres individuais, o homem se 
destaca como o único ser mortal em meio a uma natureza imortal. “Essa vida individual 
distingue-se de todas as outras coisas pelo curso retilíneo de seu movimento que, por 
assim dizer secciona transversalmente os movimentos circulares da vida biológica” 
(ARENDT, Entre o passado e o futuro, p. 71). Desta forma, a mortalidade era vista 
como esta capacidade de se mover retilinearmente em meio a um universo onde todas as 
coisas que se movem seguem uma ordenação eminentemente cíclica. 
 É a partir dessa ordem de pensamentos que podemos entender a noção de 
História de Heródoto, para quem esta teria a função de garantir a imortalidade para 
humanos e feitos tomados em sua individualidade. Sua busca, portanto, não está ligada 
a uma inteligibilidade profunda dos fatos através de uma ordem que percorra os 
acontecimentos, mas sim, de engrandecer e imortalizar os fatos, tanto quanto for 
consentido a coisas mortais. 
Como bem aponta Lateiner (The Historical Method of Herodotus, p. 56), “ao 
invés de encontrar leis universais, ele celebrava a singularidade, permanecia fincado nas 
particularidades concretas enquanto organizava opiniões e questões para discussão”. De 
fato, Heródoto afirma que o propósito de sua empreitada era evitar a deformação dos 
registros históricos, seja pelo esquecimento, seja pela falsificação. 
Associando esta ideia com uma noção própria de história como exemplo, 
também Plutarco colocara muito tempo depois, que a história deveria se ocupar em 
escrever “as memórias dos melhores e mais estimados, repelindo e recusando tudo mais, 
se o trato necessário com aqueles com quem convivemos exala algo vil, vicioso e sem 
nobreza, a fim de desviar nossa reflexão para torná-la propícia e favorável aos mais 
belos exemplos” (PLUTARCO, “Vida de Tilemonte”, p. 177). 
 
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Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-19, Jan/2011. 
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A fala de Plutarco explicita que esta crença no caráter cíclico da Natureza 
também engendrou uma visão funcionalista da história, que passa a ser pautada nos 
exemplos dos antepassados. O funcionamento, mais nitidamente exposto nos 
historiadores romanos, grossomodo, se baseava no pensamento de que a decadência 
deveria ser combatida através da reprodução, a título individual, das lições e dos feitos 
dos grandes mestres. A história se tornava, assim, um grande repositório destas ações, 
um depósito dos eternos modelos do passado. 
Por essas razões que Arendt pode afirmar que, para os gregos, era através da 
história que os homens se tornavam iguais à natureza. Uma vez que somente os feitos e 
as palavras que se destacavam sozinhos do contínuo desafio do universo natural eram 
chamados de acontecimentos históricos, a conexão entre natureza e história não poderia 
ser vista absolutamente como uma oposição: 
 
 A História acolhe em sua memória aqueles mortais que, através de feitos e 
palavras, se provaram dignos da natureza, e sua fama eterna significa que 
eles, em que pese sua mortalidade, podem permanecer na companhia das 
coisas que duram para sempre (ARENDT, Entre o passado e o futuro, p. 
78). 
 
Essas “irrupções do extraordinário”, tal como define Arendt, remetiam ao fato de 
que os acontecimentos, para os gregos, eram dotados de uma importância em si. 
Significava que eles estavam interessados nas ocorrências singulares, e nas entidades 
individuais com suas causas distintas e específicas. 
Assim como enfatiza a correlação entre a noção de História da Antiguidade 
Clássica com uma ideia específica a respeito da natureza, Arendt também considera que 
a guinada moderna na visão de História pode ser creditada a uma nova maneira de o 
homem se relacionar com o conjunto das manifestações das forças naturais. E isso 
porque, pelo menos desde o século XVI, o conceito de História estaria submetido aos 
mesmos processos que levaram ao desenvolvimento das Ciências Naturais, 
caracterizado, desde pelo menos a postulação da dúvida cartesiana, por um afastamento 
do ambiente natural e da percepção imediata. 
 
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Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 3-19, Jan/2011. 
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É neste sentido que a autora interpreta a postulação de Vico, para quem 
“podemos demonstrar assuntos matemáticos porque nós mesmos o fazemos; para provar 
os assuntos físicos, teríamos que fazê-los” (VICO, The New Science, p. XXXI). O 
interesse de Vico pela História estaria posto na medida em que esta pode ser 
compreendida porque é feita pelos homens, ao contrário da natureza, que é feita por 
Deus. Ou seja, está ligado indissociavelmente a uma teoria do conhecimento que 
postula que a natureza de qualquer coisa só pode ser conhecida por quem a tenha 
necessariamente feito, de forma que criar e saber são entendidos como um só ato. O 
aspecto distintivo da ciência histórica está, portanto, alocado no fato de que, em 
contraste com outros ramos do conhecimento, a História é tomada como algo 
verdadeiramente criado pelos homens e, portanto, um campo no qual os homens 
poderiam esperar conhecer. 
Como bem explica Horkheimer (Origens da Filosofia Burguesa da História, p. 
93), “Vico aproveita o princípio exclusivo do realizado por si, tornando-o no fio de 
prumo de sua filosofia – só que lhe dá um significado completamente diferente e nunca 
ouvido”. Assim, “aquilo que os homens criaram eles próprios e aquilo que deve por isso 
ser o objeto mais nobre do conhecimento – aquelas criações em que a substância da 
natureza humana e do „espírito‟ se manifestam de modo mais evidente – não são as 
construções fictícias da razão matemática, mas a realidade histórica”. 
Arendt considera este pensamento de Vico como um ponto de inflexão para a 
Época Moderna, na medida em que é a partir dele que a ideia de história emerge como 
algo que nunca tinha sido antes. Ao invés de se compor dos feitos do homem, tornou-se 
um processo feito pelo homem. Talvez mais do que isso: trata-se do único processo 
global que existe devido à raça humana. Para Arendt (Entre o passado e o futuro, 93-
95), a assunção de uma lei férrea na história não é mais do que uma metáfora 
emprestada das leis da natureza. E a conexão entre estas duas esferas está justamente na 
ideia de processo: “o moderno conceito de processo, repassando igualmente a história e 
a natureza, separa a época moderna do passado mais profundamente que qualquer outra 
ideia tomada individualmente”. 
 
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E isso porque “para nossa moderna maneira de pensar nada é significativo em si 
e por si mesmo, nem mesmo a história e a natureza tomadas cada uma como um todo, e 
tampouco, decerto, ocorrências particulares na ordem física ou eventos históricos 
específicos”. Ao substituir a noção de singularidade do evento, “o processo, que torna 
por si só significativo o que quer que porventura carregue consigo, adquiriu, assim, um 
monopólio de universalidade e significação” (ARENDT, Entre o passado e o futuro, 
p. 95-96). 
Ao contrário das historiografias da Antiguidade Clássica – nas quais não havia 
nada que indicasse que o geral confere sentido e significação ao particular – a noção 
moderna de processo histórico conferiria uma dignidade e uma importância inédita à 
mera sequência temporal dos fatos. Mais do que isso, “pensar, com Hegel, que a 
verdade reside e se revela no próprio processo temporal é característico de toda 
consciência histórica moderna, como quer que esta se expresse – em termos 
especificamente hegelianos ou não” (ARENDT, Entre o passado e o futuro, p. 101). 
A Era Moderna, portanto, inauguraria uma consciência histórica inteiramente 
nova, pautada por um relacionamento inédito do homem com a Natureza e, 
consequentemente, com o tempo. Para Arendt, a ideia de processo é a culminação do 
reengendramento desta questão, que encontraria sua máxima expressão nos séculos 
XVIIII e XIX, a partir da constatação de que nenhum evento pode ter uma importância 
em si. O acontecimento singular vira uma mera expressão de um todo que o dota de 
significação. 
Para entendermos a questão posta por Arendt, podemos recorrer a Hobsbawm 
(Sobre História) quando este coloca que a questão das significações do passado não 
pode ser dissociada - uma vez que a história não é meramente uma disciplina teórica e 
está correlacionada intimamente a práticas sociais – do problema que concerne ao o que 
as pessoas esperam obter deste passado. E durante a maior parte do passado humano, 
supunha-se que ele tivesse a capacidade de nos dizer como uma sociedade qualquer 
deveria funcionar. O passado era mesmo o modelo para o presente e para o futuro. 
 
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Isso significa que o sentido do passado até o século XVIII – relacionado mesmo 
com a ideia de que os mais velhos eram sábios não na medida de sua experiência, mas a 
partir do fato de que eles eram um repositório da memória coletiva sobre o modo no 
qual as coisas deveriam ser feitas – direcionava os padrões para o presente. 
Curiosamente, esse direcionamento que tornava o presente similar ao passado 
não excluía, de forma alguma, que se pudessem absorver alguns tipos de inovação. Isso 
pode ser feito na medida em que “o vinho novo pode ser vertido, no que, pelo menos na 
forma, são velhos recipientes”, ou seja, de forma que a “inovação possa ser formulada 
como não-inovação” (HOBSBAWM, Sobre História, p. 24). E isso se manifesta, por 
exemplo, em uma súbita redescoberta de alguma parte do passado esquecida ou a 
pregação de um retorno aos tempos do passado (os bons tempos do passado!) quando o 
modelo do presente se torna insatisfatório ou insuficiente. Nestes casos, a busca por 
estes passados remotos se identifica à inovação total e o passado evocadopode se 
tornar, muito facilmente, nos termos postos por Hobsbawm, “um artefato” ou, ainda, 
“uma fabricação”. 
É a este tipo de sentido do passado que Hobsbawm chama de “uso antiquado ou 
experiencial” da história: “o tipo que Tucídides e Maquiavel teriam reconhecido e 
praticado” (HOBSBAWM, Sobre História, p. 41). A questão se torna potencialmente 
mais complexa quando o passado e o futuro deixam de ser vistos como tempos 
semelhantes, quando as ações do presente simplesmente não encontram precedentes, ou 
o passado se torna completamente inadequado para o entendimento das coisas, uma vez 
que a mudança não é somente inevitável como também desejada. Esse sentimento, para 
Hobsbawm (Sobre História, p. 41), de transformações rápidas, radicais e contínuas, era 
o tipo de sensação própria do final do século XVIII e, especialmente forte, a partir da 
segunda metade do século XX. 
Isso apresenta uma série de dificuldades uma vez que determinadas inovações 
também exigem uma legitimação tal como a que pode ser fornecida pelo passado, em 
um período em que este parece deixar de poder ser tomado como mestre da vida. Isso se 
torna especialmente problemático na medida em que “a experiência básica dos últimos 
 
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dois séculos foi a da mudança constante e contínua, que não pode ser assim considerada, 
exceto ocasionalmente, à custa de considerável casuísmo, como a aplicação 
constantemente necessária de princípios permanentes a circunstâncias que sempre 
mudam de modo um tanto misterioso” (HOBSBAWM, Sobre História, p. 30). 
Não obstante isso, o passado continua a ser uma ferramenta analítica bastante 
útil para lidar com essa mudança constante, mesmo que os princípios pelos quais ele 
pode ser entendido tenham se modificado de forma drástica. Essa mudança no sentido 
do passado é fundamental para entendermos a novidade trazida pela modernidade na 
forma como experimentamos o tempo. 
O passado “se converte na descoberta da história como um processo de mudança 
direcional, de desenvolvimento ou evolução. A mudança se torna, portanto, a sua 
própria legitimação, mas com isso ela se ancora em um „sentido do passado‟ 
transformado” (HOBSBAWM, Sobre História, p. 30). Em outras palavras, o 
mecanismo de mudança no sentido da História que surge a partir do século XVIII é a 
nova forma de uso do passado e legitimação através dele que se adéqua a uma época 
em que a mudança se torna a regra e que o passado não pode simplesmente ser tomado 
como análogo ao presente. 
Muito embora a teoria da História enquanto progresso e a afirmação de que 
existem leis na História tenham sido amplamente desacreditadas, elas marcam o início 
de uma consciência histórica que não se encontra, de modo algum, superada. Isso 
porque, até para a historiografia mais recente “o que legitima o presente e o explica não 
é o passado como um conjunto de pontos de referência (por exemplo, a Magna Carta), 
ou mesmo como duração (por exemplo, a era das instituições parlamentares), mas o 
passado como um processo de tornar-se presente”. Desta forma, “diante da realidade 
avassaladora da mudança, até mesmo o pensamento conservador se torna historicista” 
(HOBSBAWM, Sobre História, p. 30). 
 Com isso, modifica-se também a relação do passado com o futuro, uma vez que 
a História entendida como singular coletivo possibilita extrapolações mais ou menos 
sofisticadas que buscam pistas no processo de desenvolvimento dos acontecimentos no 
 
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passado como forma de tentar delinear o que está por vir. É com base nesta ordem de 
pensamentos que Hobsbawm pode atestar a aporia fundamental de que quanto mais 
embebidos estamos nos ideais de inovação e de mudança contínua, mais firmemente nos 
apoiamos na história para descobrir como essas alterações se darão. 
Como bem coloca Hobsbawm (Sobre História, p. 31), “esse procedimento pode 
ir desde o muito ingênuo – a visão do futuro como um presente maior e melhor, ou um 
presente maior e pior, tão característica das extrapolações tecnológicas ou antiutopias 
sociais pessimistas – até o intelectualmente muito complexo e intenso; mas, 
essencialmente, a história continua a ser a base de ambos”. 
É a isso que também se refere Fernand Braudel (Reflexões sobre a História, p. 
330-331) quando afirma que os historiadores podem ser invejados uma vez que podem 
recorrer a duas maneiras de escapar ao tempo presente: uma está no refúgio ao passado 
e a outra no evadir-se para o futuro. Para ele, de fato, foi “o que fizemos, nós, 
historiadores, bem antes que nascesse a moda da perspectiva, também dita futurologia. 
Nada mais cômodo, na verdade, para julgar o tempo presente”. 
 Este sentido que dotamos o passado, no entanto, não exclui outras formas. 
“Podemos ainda ser obrigados a remontar ao passado, de certo modo análogo ao seu uso 
tradicional como repositório de precedentes ainda que agora fazendo nossa seleção à luz 
de modelos ou programas analíticos que nada tem a ver com ele” (HOBSBAWM, 
Sobre História, p. 32). De certa forma, a concepção do passado como uma 
continuidade coletiva de experiência não é de todo sepultada pela modernidade e, 
mesmo que este tipo de conhecimento acumulado tenha perdido muito de sua 
relevância, a hegemonia da forma de mudança histórica não exclui a persistência, em 
diversas outras circunstâncias, de outras formas de sentido do passado. 
 O que temos que ter em mente não é a substituição de uma forma por outra, mas 
sim, o surgimento de uma nova maneira de experiência do tempo a partir do momento 
em que as mudanças frequentes esgarçam até o ponto de ruptura as similaridades antes 
tidas como válidas entre o presente e o passado. O que antes era tido como um modelo 
de ação atemporalmente válido posto na forma de um repositório de exemplos, passa a 
 
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ser também a própria expressão e justificação do devir, como uma forma de conferir a 
legitimidade de um precedente mesmo para coisas que parecem não possuir precedentes 
concretos. 
 É justamente neste ponto que a crítica de Arendt se torna mais contundente. É 
também aqui que podemos reconhecer na obra de Arendt o mesmo mecanismo de 
estilhaçamento de sentidos posto por Bauman. Isso porque, como explica Arendt (Entre 
o passado e o futuro, p. 123), quando a ocorrência particular deriva a sua 
inteligibilidade de um todo (fornecido por um modelo de desenrolar dos fatos da 
história) há um problema fundamental relacionado ao fato de que podemos tomar 
qualquer hipótese e agir sobre ela “com uma sequência de resultados na realidade que 
não apenas fazem sentido, mas funcionam”. É como se estivéssemos brincando com 
alguma espécie de jogo de escolha os pontos – pontos estes que serão escolhidos já em 
função de pré-julgamentos e de ideias a partir das quais se busca convencer. Mais do 
que isso, pontos que, ao serem colocado em uma ordem, farão sentido e delimitarão os 
contornos de entendimento em torno do relatado. 
E “isso significa, de modo absolutamente literal, que tudo é possível”, na medida 
em que “qualquer ordem, qualquer necessidade, qualquer sentido que se queira impor 
fará sentido. Essa é a mais clara demonstração possível de que, sob essas condições, não 
há necessidade, nem sentido” absoluto (ARENDT, Entre o passado e o futuro, 125). 
A noção, portanto, de que a modernidade é marcada pela dependência de uma 
tradição ressignificada e que esta se configura a partir de um estilhaçamentode sentidos 
pode ser encontrada tanto na obra de Bauman quanto na obra de Arendt, sugerindo 
pontos de contato profícuos. 
 
 
 
Considerações Finais 
Diversos autores enfatizam a temática da crise de legitimidade do passado nos 
desdobramentos da modernidade. “Se a vida moderna está de fato tão permeada pelo 
 
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sentido do fugidio, do efêmero, do fragmentário e do contingente (...) a modernidade 
não pode respeitar sequer o seu próprio passado, para não falar de qualquer outra ordem 
social pré-moderna”. E assim, “se há algum sentido na história, há de descobri-lo e 
defini-lo a partir de dentro do turbilhão da mudança, um turbilhão que afeta tanto os 
termos da discussão como o que está sendo discutido” (HARVEY, Condição Pós-
Moderna, p. 22). 
Os trabalhos de Bauman e Arendt, no entanto, nos lembram de que esta crise 
está relacionada a uma ressignificação das articulações do passado com o presente, 
relacionada a uma esmigalhamento de sentidos, mais do que à perda, propriamente dita, 
da autoridade do passado em si. Este continua a exercer um papel essencial, muito 
embora haja uma concorrência e diversidade de articulações e de sentidos. 
Neste sentido, podemos também estabelecer conexões entre esses autores e os 
trabalhos, por exemplo, de Frederic Jameson, quando ele coloca que vivemos em uma 
sociedade que tenta “pensar historicamente o presente em uma época que já esqueceu 
como pensar dessa maneira”2 (JAMESON, Pós-modernismo: a lógica cultural do 
capitalismo tardio, p. 13) e estabelece, por este motivo, uma relação de pilhagem com 
a sua história (que se refere justamente a esta capacidade de aproveitar-se da história 
tudo o que nela se classifica como um aspecto do presente). 
Também é neste sentido que David Harvey (Condição Pós-Moderna, p. 190) 
pode afirmar que é exatamente porque a história fornece uma espécie de “continuidade 
entre o passado e o presente que cria um sentido de sequência para o caos aleatório e, 
como a mudança é inevitável, um sistema estável de sentidos organizados que nos 
permite lidar com a inovação e a decadência”, que “apropriamo-nos dos espaços antigos 
de maneiras bem modernas, tratando o tempo e a história como algo a ser criado, em 
vez de aceito”. 
 
2 É justamente esta a definição de pós-modernidade para Jameson. Segundo este autor, o pós-moderno 
deve ser pensado como um conceito que “ou exprime (não importa se de modo distorcido) um 
irreprimível impulso histórico mais profundo ou efetivamente o „reprime‟ e desvia, dependendo de que 
lado da ambiguidade nos colocamos” (JAMESON, Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo 
tardio, p. 13). 
 
 
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 Este direcionamento é bastante marcado na obra de Bauman uma vez que, como 
o próprio autor aponta, mesmo que a modernidade tenha sido caracterizada pela 
profanação do sagrado, ou seja, “pelo repúdio e destronamento do passado e, antes e 
acima de tudo, da tradição”, trata-se de um reengendramento do decorrido e não da 
eliminação de sua autoridade. E assim, “lembremos, no entanto, que isso seria feito não 
para acabar de uma vez por todas com os sólidos e construir um admirável mundo novo 
livres deles para sempre, mas para limpar a área para novos e aperfeiçoados sólidos” 
(BAUMAN, Modernidade Líquida, p. 9). 
 
Referências 
 
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007. 
 
BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 
 
_________. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 
 
_________. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 
 
BRAUDEL, Fernand. Reflexões sobre a História. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
 
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991. 
 
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 2007. 
 
HERÔDOTOS. História. Brasília: Editora UNB, 1985. 
 
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 
 
HORKHEIMER, Max. Origens da Filosofia Burguesa da História. Lisboa: Editorial 
Presença, 1984. 
 
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São 
Paulo: Ática, 2006. 
 
LATEINER, Donald. The Historical Method of Herodotus. Toronto: University of 
Toronto Press, 1989. 
 
 
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19 
 
PLUTARCO. “Vida de Tilemonte”. In HARTOG, François. A História de Homero a 
Santo Agostinho. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001. 
 
SMITH, Dennis. Zygmunt Bauman: prophet of postmodernity. Cambridge: Polity 
Press, 1999. 
 
VICO, Giambattista. The New Science of Giambattista Vico. New York: Cornell 
University Press, 1984. 
 
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O individualismo como estratégia de cuidado de si na 
sociedade de consumo 
 
The indvidualism as a care of self strategy inside consuming 
society 
 
 
Rafael Bianchi Silva 
 
Doutorando em Educação (UNESP/Marília) 
Professor da Faculdade Norte Paranaense e da Faculdade Pitágoras 
 
 
 
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir a relação entre a construção de uma 
postura individualista como estratégia de cuidado de si dentro do contexto atual em que 
vivemos. Para tanto é realizado uma reflexão a partir da idéia de “sociedade de 
consumidores” trazida por Zygmunt Bauman, buscando construir uma relação desta 
com diferentes campos de atuação do sujeito humano. O que encontramos é uma 
postura que busca defender o indivíduo de possíveis riscos, sendo o outro, seu principal 
alvo de controle. Dessa forma, constrói-se um individualismo que não pode ser 
confundido com a postura ascética do cuidado de si grego que possuía em seu conceito 
a dimensão trágica como suporte a política da existência. Ao final, concebe-se a 
resistência às políticas de controle de desejos como saída aos dispositivos presentes na 
sociedade de consumo. 
 
Palavras-Chave: Sociedade de Consumo; Cuidado de Si; Individualismo 
 
Abstract: This article aims to discuss the relationship between the construction of an 
individualistic approach as a care of self strategy inside the current context the we live. 
For such we presents a discussion about the idea of "consuming society" brought by 
Zygmunt Bauman, seeking to build a relationship of this concept with different fields of 
the human subject. We found an attitude that seeks to protect the individual from 
possible discomfort and the point of view that the other is his main target for control. 
Thus, we build an individualism that cannot be confused with the ascetic attitude of care 
of self in Greece who had the tragic dimension inside the concept that support the 
politics of existence. In the end, we proposal the resistance as political atitude against 
the control desires presents in the consuming society. 
 
Keywords: Consuming Society; Care of the Self; Individualism. 
 
 
 
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Introdução 
 O objetivo deste artigo é discutir a relação entre a idéia de cuidado de si e os 
dispositivos relacionados ao imperativo de saúde e segurança presentes na sociedade 
atual. Consideramos que essa questão é de suma importância ao contexto emque 
vivemos, caracterizado pela dificuldade dos sujeitos construírem laços tanto com outros 
sujeitos quanto com os objetos a sua volta, fenômeno esse que possui íntima relação 
com a idéia de consumo. 
 Para discorrer sobre esse pano de fundo do debate em torno do cuidado de si, 
recorremos a duas obras que tratam diferentemente da mesma questão: Vida para 
consumo, de Zygmunt Bauman e Sorria, você está sendo controlado, de Sonia Regina 
Vargas Mansano. Nosso objetivo é buscar os atravessamentos pelos quais passam o 
sujeito no final da primeira década do século XXI formando uma noção de sujeito que 
cada vez mais é introvertido e direcionado em si mesmo. 
 A hipótese que aqui levantamos é que existe uma diferença entre a política do 
cuidado de si e as técnicas de valorização do individualismo: de um lado, vemos a 
presença de um valor de si em prol de uma melhor relação com o mundo; de outro, a 
formação de uma idéia na qual o indivíduo é consumido pela lógica de mercado, 
transformando-se em produto a ser consumido ao longo de sua existência. 
 Iniciemos, então, com a idéia de consumo. 
 
1. Vida e Consumo 
 
 Bauman, em Vida para consumo, inicia a discussão sobre a relação vida e 
consumo com a seguinte idéia: somos, ao mesmo tempo, promotores das mercadorias 
que consumimos e a própria mercadoria a ser promovida. Isso se deve a partir da 
própria lógica de mercado que para manter-se em funcionamento necessita de um duplo 
dispositivo. Primeiro, é necessário que existam pessoas que comprem os produtos que 
são ofertados e, mais do que isso, o divulguem enquanto bem a ser alcançado. Segundo, 
para que tais produtos sejam concebidos, fabricados e distribuídos, é fundamental a 
existência de uma quantidade de pessoas que 
 
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 [...] em busca de trabalho precisam ser adequadamente nutridas e saudáveis, 
acostumadas a um comportamento disciplinado e possuidoras das habilidades 
exigidas pelas rotinas de trabalho dos empregos que procuram (BAUMAN. 
Vida para Consumo, p.15). 
 
 
 Para tanto, constrói-se uma idéia de como deve ser o indivíduo ideal para entrar 
na empresa e fazer a sua vida um desdobramento da própria instituição. Pergunta-se: 
quais são as características centrais desse sujeito? São nestas características que se 
fundam o principal traço do novo espírito do capitalismo: 
 
 
 [...] A preferência, entre os empregadores por empregados “flutuantes”, 
descomprometidos, flexíveis, “generalistas e, em última instância, 
descartáveis (do tipo “pau-pra-toda-obra, em vez de especialistas e 
submetidos a um treinamento estritamente focalizado) foi o mais seminal de 
seus achados.[...] Os empregadores desejam que seus futuros empregados 
nadem em vez de caminhar e pratiquem surf em vez de nadar. O empregado 
ideal seria uma pessoa sem vínculos, compromissos ou ligações emocionais 
anteriores e que evite estabelecê-los agora [...] (BAUMAN, Vida para 
consumo, p.17). 
 
Torna-se, portanto, necessário construir espaços de formação no qual esse 
indivíduo possa torna-se aquilo que ainda não é. Ou seja, cada um terá que construir 
estratégias – ou técnicas – de personificação desse modelo de homem, que não será 
adotado por uma esfera de ordem, mas sim de desejo por parte do vivente. 
O que isso significa? Temos aqui alguns pontos que merecem ser desdobrados. 
Começamos pela questão da construção do sujeito. Ao longo da vida, encontramos 
formas diferenciadas de tutela do sujeito. Esses espaços servem de suporte para a 
entrada do indivíduo a uma lógica que ultrapassa a sua existência – que hoje, 
hegemonicamente é entendida como sendo a lógica de mercado – na qual construirá 
uma visão do que é ser sujeito. 
 
 
Nos dias de hoje, é possível observar que uma resposta recorrente para essa 
questão pode ser encontrada no crescente pelo apelo ao consumo. É como se 
a posse de bens e mercadorias ajudasse a dizer algo sobre o sujeito, ligando-o 
a uma referência identitária circunscrevendo os espaços que ele pode ou não 
frequentar, bem como definindo seu status perante os outros. A busca de uma 
verdade sobre si mesmo, que seria supostamente alcançada pela aquisição das 
 
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mercadorias ou pelo acesso aos serviços, envolve uma tarefa exaustiva e 
infinita, visto que as ofertas são frequentemente renovadas em um mercado 
dinâmico que, a cada momento, promete algo novo [...] (MANSANO, 
Sorria, Você Está Sendo Controlado, p.73). 
 
 
A família e a escola são a porta de entrada para esse modelo de formação e, para 
tanto, passam, em um primeiro momento, para discipliná-lo a tal modo de vida. Assim, 
mais do que um controle exterior, a construção do que se é, passa a ficar sob controle do 
próprio sujeito que modula a proximidade ou não dos traços esperados. Esse processo, 
de certa maneira, formata um estilo de vida que precisa – quase imperativamente – ser 
próximo dos traços esperados pela sociedade em que este ser encontra-se inserido.Por 
essa razão, ser feliz passa estar intimamente vinculado com a obtenção de objetos de 
consumo rápido, sendo estes tanto materiais quanto imateriais. Nesse sentido, os 
vínculos passam a estar também pautados pela mesma fluidez encontrada no mercado, 
sendo que a liquidez o maior de seus traços. 
Vemos aqui um caráter dúbio. As relações se tornam líquidas porque são 
rápidas; mas esse mesmo processo, liquida com aquilo que há de mais próprio em uma 
verdadeira relação que é sua capacidade de ser durável, potencializando a geração de 
experiências verdadeiramente significativas para o sujeito. E a que isso se deve? 
Bauman explica que a sociedade de consumo é movida pela busca constante de 
garantias: 
 
 Garanta suas apostas – essa é a regra de ouro da racionalidade do 
consumidor. Nessas equações de vida há muitas variáveis e poucas 
constantes, e as primeiras mudam de valor com muita freqüência e rapidez 
para que se possa acompanhar suas mudanças e muito menos prever suas 
voltas e reviravoltas futuras (BAUMAN, Vida para consumo, p. 113). 
 
Nesse sentido, quanto maior o investimento em elementos que não tragam 
consigo essa garantia, maior o mal-estar dos indivíduos. Dentro da lógica de custo-
benefício presente em nosso contexto atual, afastar-se do sentido comunitário passa a 
ser quase uma regra que perverte o sentido da convivência. Ampliam-se as estratégias 
de vigilância e suspeita em relação ao outro que passa a ser investigado, categorizado e, 
em última instância, forjado. É construído um conceito de humano que deve ser seguido 
por todos e aqueles que não aderem a tais formas de condutas, devem ser deixados de 
 
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lado e segregados. Esse processo atua retroalimentando o sistema: se vigio, sou vigiado 
e, portanto, preciso me policiar o tempo todo para ser aquilo que se exige que eu seja. 
Afirma Mansano 
 
Assim, vemos alastrar-se um grau de persecutoriedade tal que faz que, na 
sociedade de controle, em diversas ocasiões, o cidadão tenha dificuldade de 
reconhecer e elaborar fatos que simplesmente acontecem ao acaso [...]. O 
retraimento em relação ao desconhecido (avaliado como perigoso) toma 
dimensões tais que, para evitá-lo, são construídos pequenos mundos isolados 
ou pequenas fortalezas cercadas de muralhas protegidas por agentes 
especializados e tecnologias avançadas [...].(MANSANO, Sorria, Você Está 
Sendo Controlado, p.69). 
 
Forma-se umacultura do medo no qual o idéia de profilaxia passa a ser o foco 
vigente. O sujeito passa a evitar qualquer tipo de evento que possa causar sofrimento e o 
fechamento ao outro próprio desse tempo nebuloso que caracteriza nossa época gera um 
contínuo investimento em si mesmo como forma de manutenção de uma pretendida 
saúde mental. 
Este espaço é ocupado por diferentes campos que atuam de forma a oferecer ao 
indivíduo a idéia de bem-estar, saúde e entretenimento. As clínicas de estética, os spas, 
os agentes de turismo e os mais diferentes tipos de gerenciamento da saúde, movida 
pela ação de especialistas (nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, etc) estão a 
disposição do indivíduo para que ele cuide de si mesmo e, a partir disso, siga atuando 
nas diversas formas de consumo disponível. 
 
 [...] De qualquer maneira, todo esse trabalho encontra repercussão na esfera 
social à medida que é difundido como um mundo que pode ser conquistado 
de acordo com a disponibilidade financeira e o segmento de mercado que está 
em jogo. Mas, independentemente disso, o que fortalece essa adesão é a 
incitação de um desejo específico: o que de ver realizadas as promessas de 
felicidade, de inclusão e de aumento da autoestima (MANSANO, Sorria, 
Você Está Sendo Controlado, p.84). 
 
O que se configura ao final desse processo são sujeitos atravessados por uma 
estimulação que o coloca a olhar para si, de forma, que avalie a própria condição. 
Porém, não se trata de um investimento que deve retornar em longo prazo já que a 
lógica do consumo necessita de retornos imediatos. Essa razão somada a fuga do mal-
 
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estar, configura um tipo diferencial de relação com os objetos do mundo, no qual se 
inclui o próprio homem: 
 
 
 O consumismo dirigido para o mercado tem uma receita para enfrentar esse 
tipo de inconveniência: a troca de uma mercadoria defeituosa, ou apenas 
imperfeita e não plenamente satisfatória, por outra nova e aperfeiçoada [...]. 
A curta expectativa de vida de vida de um produto na prática e na utilidade 
proclamada está incluída na estratégia de marketing e no cálculo de lucros: 
tende a ser preconcebida, prescrita e instilada nas práticas dos consumidores 
mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a difamação das antigas (de 
ontem) (BAUMAN, Vida para consumo, p.31). 
 
 
 
Para sanar o empobrecimento das relações, o mesmo autor indica a utilização do 
que ele chama de “tirania do momento”, ou seja, pela necessidade de consumir 
imediatamente, em estado de emergência. Nesse sentido, existira uma relação 
inversamente proporcional entre o que chamamos de “relações humanas” com a idéia de 
consumo: quanto menor a proximidade e o nível de trocas entre os indivíduos, maior a 
necessidade de consumir novos e diferentes objetos. 
 
 [...] estamos diante de um sujeito que não é mais necessariamente marcado 
pela disciplina, mas pelos signos, imagens e imperativos publicitários, por 
meio dos quais ele se inscreve no universo das mercadorias, acreditando ser 
possível “comprar” afeto, bem-estar, autoestima, respeitabilidade, enfim, 
atributos que em outros tempos históricos eram acessíveis por meios 
distintos, como os laços sociais, por exemplo (MANSANO, Sorria, Você 
Está Sendo Controlado, p.76). 
 
 
Por essa razão, a velocidade do consumo dita a própria velocidade da vida e a 
idéia de formação própria ao trabalho e à vida social ao mesmo tempo em que avança 
com a presença de um turbilhão de elementos, também, ao mesmo tempo, é a cultura do 
esquecimento no qual as informações não são transformadas verdadeiramente em 
conduta por parte do sujeito. É dentro desse sistema que avança as propostas em torno 
do que chamamos de “competências”. Elas seriam o encontro entre o conhecimento 
formal e a atuação do indivíduo em contextos diferenciados. Como discuti em artigo 
recente, esta concepção de formação humana defende que 
 
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 [...] diferentemente de transformar o homem em valor de capital troca, o que 
temos observado é uma constante preocupação com a humanização do 
capital, ou seja, inserir no mundo do trabalho elementos que não eram 
levados em conta, como por exemplo, as características subjetivas do 
trabalhador (SILVA, “Formação Humana e/ou Formação Profissional: Uma 
Contribuição da Psicologia do Trabalho” In: Administração em Diálogo, 
p.110). 
 
 
O problema é que a subjetividade também é capturada e passa a desejar esse 
modelo formativo que é consumido na mesma velocidade que os demais objetos 
disponíveis. Mansano faz a crítica a tal modelo ao discutir o papel da educação – em 
especial, o ensino superior – nesse processo, que vende a idéia de que através da 
obtenção de diplomas dos mais variados tipos, isso garantirá de alguma maneira, a 
entrada no mercado de trabalho, que é entendido, em última instância como a “senha” 
ou “permissão” para a entrada no mundo do consumo das mercadorias. O grande 
problema que aqui se coloca é que tal promessa é frágil já que o modelo de 
competências não está vinculado a atuação formal, colocando o caráter formativo em 
um patamar que indica para o impossível: 
 
 
 
[....] A formação profissional hoje é algo que acompanha à risca essa dinâmica 
caracterizada pelo interminável. Com isso, a empresa tornou-se um 
prolongamento da escola e eferece – ou, em alguns casos, chega a exigir de 
seus funcionários – a continuidade dos estudos em nome da melhoria na 
qualidade do serviço, tornando a formação profissional algo permanente. [...] 
As incertezas sobre a conquista e a manutenção da colocação profissional 
estimulam o sujeito a seguir em sua formação, ainda que uma análise mais 
cuidadosa mostre quanto pode ser ela inútil para a atividade que está sendo 
realizada naquele momento. Entretanto, o raciocínio dominante salienta que 
não se pode “ficar parado” ou “andar para trás”, pois sempre haverá alguém 
mais qualificado “para tomar seu lugar” [...] (MANSANO, Sorria, Você Está 
Sendo Controlado, p.85-86). 
 
 
 
O panorama aqui descrito nos coloca a refletir acerca de qual o sentido das 
estratégias utilizadas pelos diferentes agentes sociais para cuidar de si mesmos, 
focalizando principalmente a que elas servem. 
 
 
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2. Individualismo na Sociedade de Consumo 
 
 Vimos até o presente momento que o contexto em que vivemos coloca 
determinados tipos de discursos para os sujeitos que deve fazem parte. Tal processo não 
é passivo, mas sim, intensamente dinâmico. O que deve ficar claro, porém, é que a 
articulação ambos fazem surgir elementos que colocam em foco novas perspectivas que 
impelem a reflexão. Um deles é a relação entre os cuidados que os indivíduos têm 
consigo mesmos e o desenvolvimento de uma posição individualista. Discutimos que o 
consumo acelerado constrói um paradigma relacional e que os efeitos desse processo 
fazem com que cada vez mais o olhar esteja voltado a si mesmo, o que aparece como 
desdobramento de olhar o outro. Segundo Mansano, 
 
 
 Assim, seja na condição de usuário de serviços, seja na de consumidor de 
produtos, novas atividades passaram a fazer parte do cotidiano da população: 
as de observador, avaliador, julgador e delator. O uso das palavras de ordem 
permite dimensionar quanto vivemos em um amplo circuito que incita a 
vigilância mútua [...] (MANSANO, Sorria, Você Está Sendo Controlado,p. 56). 
 
Viver em comunidade, portanto, é vigiar. Se antes o controle era central e 
demarcado, hoje é difuso e anônimo. Por essa razão, o estranhamento do outro justifica 
o olhar atento e torna-se quase que imperativo a busca de lugares seguros com pessoas 
confiáveis com quem se deve estar. Espera-se que assim sejamos mais felizes, inclusive 
porque em tais espaços artificiais, os defeitos e qualidade são identificadas entre os 
demais como marca diferencial do grupo. Como indica Bauman, as evidências mostram 
o contrário, 
 
 
 [...] provando, ou pelo menos indicando fortemente, que, em oposição às 
alegações do queixoso, uma economia voltada para o consumo promove 
ativamente a deslealdade, solapa a confiança e aprofunda o sentimento de 
insegurança, tornando-a ela própria uma fonte de medo que promete curar ou 
dispersar [...]. (BAUMAN, Vida para consumo, p. 62-63) 
 
 
 
 
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É dentro desse contexto que se forja um ideário de comunidade que não remete a 
idéia de ação comum. Por essa razão, quanto mais o indivíduo está inserido nesse tipo 
de agrupamento mais ele se sente sozinho; e por mais se sentir sozinho, menos vale a 
pena investir nos frágeis laços sozinhos por ele vivenciados. Se a lógica de afastar-se do 
mal-estar é verdadeira nesse caso, então, estabelece-se o que chamamos de “controle de 
risco”: do afastamento do outro, conserva-se a si mesmo e a própria integridade. A 
existência de dispositivos e programas de prevenção dos mais diversos tipos apenas 
demonstra a preocupação com aquilo que não é visivelmente claro, mas se mostra como 
perigo eminente. 
Voltemos a questão do trabalho novamente. O fantasma que ronda o sujeito é a 
questão do desemprego e com ela, a suspeita de que o outro é um adversário a ser 
combatido. Por essa razão, encontramos como discurso social uma intensa preocupação 
com a cooperação, solidariedade e trabalho em grupo dentro das empresas, consideradas 
características fundamentais para o trabalhador do século XXI. 
Ainda dentro dessa mesma esfera, há uma relação entre a perda de saúde e 
incompetência em relação ao trabalho. Tal sentimento é expresso por Dejours: 
 
 
 [...] bastou uma doença ser evocada para que, em seguida, venham numerosas 
justificativas, como se fosse preciso se desculpar. Não se trata da culpa no 
sentido próprio que refletiria uma vivência individual, e sim um sentimento 
coletivo de vergonha: “Não é de propósito que a gente está doente”. 
Maciçamente, com efeito, emerge uma verdadeira concepção da doença [...]. 
Toda doença seria de alguma forma voluntária: “Se a gente está doente é 
porque é preguiçoso”. “Quando a gente está doente, se sente julgado pelos 
outros”. A acusação cuja origem não se conhece claramente, acusação pelo 
grupo social no seu conjunto. Essa atitude em relação a doença pode ir muito 
mais longe: “Quando um cara está doente, acusam esse cara de passividade” 
[...]. (DEJOURS, A Loucura do Trabalho, p. 28) 
 
Constrói-se a idéia de que existe uma modificação na concepção ética 
relacionada à responsabilidade. Ela passa a ser uma questão individual, própria de cada 
um, na qual os gestos do indivíduo devem atender a interesses e satisfações próprias ao 
eu. Segundo Bauman, “os conceitos de responsabilidade e escolha profissional, que 
antes residiam no campo semântico do dever ético e da preocupação moral pelo Outro, 
 
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transferiram-se ou foram levados para o reino da auto-realização e do cálculo de riscos 
[...]”.1 
O risco à saúde é um risco a própria integridade moral do sujeito e por isso, a 
adesão a programas preventivos inscritos nas mais diferentes redes de controle se torna 
tão atraente ao indivíduo. Um exemplo é dado por Mansano (2009, p.103) ao descer 
situações em que o indivíduo se mantem 
 
 
 [...] em uma espécie de tratamento permanente, realizado por meio de dietas, 
cuidados alimentares, exercício físicos ou uso de medicamentos. É como se a 
lógica médica que circula no interior dos hospitais atingisse também seu 
exterior e atravessasse a vida por inteiro. Nesse movimento, o indivíduo 
acredita ser portador de um saber médico, difundindo novos imperativos 
como “Mantenha a saúde” e “Vida mais e melhor” (MANSANO, Sorria, 
Você Está Sendo Controlado, p.103). 
 
Dessa maneira, se espera que os possíveis imprevistos da vida possam ser 
deixados de lado. O indivíduo centrado em si mesmo que planeja, calcula riscos e se 
mostra dono da própria existência precisa de certa autonomia para seguir seus planos 
sem que nada fuga de seu controle. Assim, a busca pelo controle das imprevisibilidades 
futuras demonstra, na verdade, um projeto de onipotência que não cessa em fracassar. 
Vejamos mais de perto esse ponto. O outro demarca a dificuldade de 
determinação dos eventos e por essa razão conviver com o diferente aponta para a 
existência de um mal-estar. Nesse sentindo, evitar o outro é uma forma radical de 
proteção contra os percalços da vida. Justifica-se, portanto, o tipo de relação 
eminentemente contratual, pautada pela defesa do interesse exclusivo e único das partes 
envolvidas. Eliminam-se os riscos que a relação eu-tu traz consigo, ao mesmo tempo em 
que também afasta a possibilidade do verdadeiro convívio humano. Observa-se, 
entretanto um perigo dentro dessa lógica: 
 
 [...] Mas a questão torna-se ainda mais difícil quando é a própria vida que 
fica reduzida a um mínimo de experimentação com o objetivo de ser 
conversada por mais tempo. Aqui, corre-se outro tipo de risco: o de que a 
vida, como variação, intensificação e devir, seja impossibilitada em nome da 
conservação. A gestão de riscos ganha importância tal que, diante da 
proximidade com os limites e com a morte, estes são tidos como inaceitáveis 
 
1 BAUMAN, Vida para consumo, p. 119. 
 
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e precisam ser amplamente combatidos (MANSANO, Sorria, Você Está 
Sendo Controlado, p.109). 
 
3. O Individualismo como Estratégia de Cuidado de Si 
Como fechamento desse mosaico, vemos, de um lado, a tentativa de controle dos 
fenômenos justificando estratégias de vigilância; e, tomando o outro como elemento que 
aparece como inesperado, não-controlável, o afastamento surge como opção possível e 
necessária. Ambos os processos levam a valorização do eu como elemento a ser 
observado e protegido, de forma a tornar-se o centro das experiências, decisões e 
políticas presentes na lógica do consumo. Forma-se uma espécie de desencantamento 
em relação aos objetos do mundo, justificando, portanto, a necessidade de consumir 
novas promessas de felicidade. O coletivismo é deixado de lado e a esperança de dias 
melhores passa a estar do lado das estratégias de mercado. Por todas essas razões, o 
individualismo surge como estratégia fundamental para sobreviver no contexto social 
em que nos encontramos. 
Poderíamos estar propensos a acreditar que existe uma proximidade de tal 
estratégia daquela tomada pelos gregos, em especial, por Epicuro, a partir da análise das 
vivências do chamado “jardim das delícias”. Segundo tal enfoque, 
 
 
Se as condições históricas, objetivas, impossibilitam que a liberdade seja 
conquistada no plano social e político, resta, todavia, todo o mundo interior, 
subjetivo, a ser libertado das ilusções e crendices que atormentam e 
escravizam a alma. E, se a felicidade não pode mais advir daparticipação 
num projeto coletivo de procura do bem e da justiça, isso não impede que se 
busque a felicidade pessoal, íntima [...]: a salvação é pessoal e interior, 
exigindo, como condição primeira, afastar-se das turbulências da Cidade [...] 
(PESSANHA, “As delícias do Jardim” In: Ética, p.67) 
 
 
Mas ela, diferentemente de uma retomada do eu como forma de atuação político-
social na busca da felicidade interior que é posta em primeiro lugar em relação a ação 
efetiva na polis, no contexto da sociedade de consumo, o que observamos é uma espécie 
de perversão de tal processo. Vejamos mais de perto esse ponto. Como aponta Vivar y 
Soler 
 
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 Escolas filosóficas como o estoicismo, ou o epicurismo, por exemplo, 
pregavam a afirmação de si o domínio do próprio destino, ao passo que a 
compreensão moderna sobre subjetividade produz um sujeito preso a valores 
de cunho científico, político e ideológico que se impõem como valores a-
históricos [...]. (VIVAR Y SOLER, “O Cuidado de Si em Michel Foucault”. 
In: Percursos – UDESC, p. 8). 
 
 
Nesse sentido, a formulação de preceitos voltados ao bem-estar, reificados a 
partir de uma política não mais formulada dentro de parâmetros comuns, mas sim, de 
formulação de estratégias de controle dos desejos que tomam a constituição do sujeito 
como foco central. Em outras palavras, o que encontramos é uma existência modulada 
pela eliminação de controles externos e com eles, técnicas formuladas a partir do 
coletivo, para outra postura, que tem no prazer seu fundamento. 
A diferença em relação à postura grega diz respeito ao caminho de acesso ao 
prazer. O sofrimento e as paixões são elementos presentes e devem ser vividos para via 
de acesso a purificação da existência. Existe uma íntima relação entre a dimensão 
trágica e o viver. Cuidar de si, em tal contexto, possibilita ao indivíduo ser dono da 
própria existência, tornam-se, consequentemente, mais livre. Tal liberdade, por sua vez, 
não é vivida sem o contato com os outros, mas está ligada a presença coletiva. Deste 
ponto, encontramos o valor do ato filosófico entendido como própria experiência de 
amizade ao saber e aos homens. Em síntese: 
 
[...] as práticas de existência eram práticas voluntárias através das quais os 
homens transformavam a própria vida em uma verdadeira obra estética única 
e não a pautavam na repetição de um outro modelo, fazendo isso pela 
aplicação de regras de conduta que valessem para todos (SILVA, 
Autonomia e Formação Humana, p.44). 
 
O que vislumbramos no contexto atual, porém, é outra postura do eu, que 
segundo Mansano, está baseada em um discurso em que 
 
 
 [...] é possível manter a dimensão trágica da existência (ou seja, o fato de 
que a vida mantém-se permanentemente vizinha do imprevisível, da dor e da 
finitude) o mais distante possível, ampliando assim as expectativas por um 
 
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controle capaz de prolongar a existência e a juventude por meio dos cuidados 
com a saúde (MANSANO, 2009, Sorria, Você Está Sendo Controlado, 
p.97). 
 
A manutenção de tal premissa é realizada pela repetição de um modelo 
vinculado à prática de consumo. Ser diferente, nesse caso, é inserir-se no imperativo que 
implica construir uma postura individual, única. Ou seja, deixa de ser uma postura livre 
para estar inserida em uma prática de combate: ser uniforme é ser diferente e na 
sociedade de consumidores, há produtos variados que atendem a tal especificidade. 
Pelo fato da vida real não se enquadrar nos modelos e categorias pré-
estabelecidas, viver em um espaço virtual seguro é uma alternativa bastante atraente. A 
tragédia existencial que implica aprender novas formas de ser é substituída pela 
necessidade de ser, que por sua vez, define o sujeito pelo poder de compra (de objetos, 
de pessoas, de papéis sociais) que ele possui. A dimensão trágica aparece no fracasso 
em consumir novos e atraentes objetos. A tragédia é ser excluído da capacidade de 
consumir. Desse ponto, construímos estratégias de cuidado que apontam para a 
liberdade, mas sob um ângulo diferente do indicado pela experiência grega. Trata-se de 
uma liberdade de escolha, movida pela necessidade de consumo que forma por sua vez, 
um individualismo radical. Segundo Bauman 
 
 A sociedade de consumo tende a romper os grupos ou torná-los 
eminentemente frágeis e fissíparos, favorecendo a rápida formação e difusão 
de enxames. O consumo é uma atividade um tanto solitária (talvez até o 
arquétipo da solidão), mesmo quando, por acaso, é realizado na companhia 
de alguém. Da atividade de consumo não emergem vínculos duradouros. Os 
vínculos que conseguem se estabelecer no ato do consumo podem ou não 
sobreviver ao ato [...]. (BAUMAN, Vida para consumo, p.101). 
 
O que parece estar em jogo nesse momento são as possíveis conseqüências 
futuras de tal empreendimento. Mas, aparentemente, o que se mostra ao horizonte indica 
um isolamento cada vez maior, o que, por sua vez, aponta, na mesma proporção, para 
uma maior cristalização do individualismo. 
Fica a necessidade de refletirmos nossa condição presente de forma a buscar 
diferentes maneiras de conduzir a própria vida verdadeiramente e não mais para sermos 
marionetes de uma superestrutura invisível que parece controlar todos os aspectos da 
 
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vida. Aponta-se, portanto para a necessidade de construirmos novas estratégias de 
cuidado de si que garantam o risco da vida e a coragem para enfrentar tais fragilidades 
que são próprias do sujeito humano. Essa será nossa forma de resistência. 
 
 
Referências 
 
 
BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em 
Mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 
 
DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do 
Trabalho. 5° ed. São Paulo: Córtex-Oboré, 1992. 
 
MANSANO, Sônia Regina Vargas. Sorria, Você Está Sendo Controlado: Resistência 
e Poder na Sociedade de Controle. São Paulo: Summus Editorial, 2009. 
 
PESSANHA, José Américo Motta. “As delícias do Jardim”. In: Adauto Novaes. (Org.). 
Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.57-84. 
 
SILVA, Rafael Bianchi. “Formação Humana e/ou Formação Profissional: Uma 
Contribuição da Psicologia do Trabalho”. In: Administração em Diálogo, v. 12, 2010, 
p. 102-120. 
 
_______. Autonomia e Formação Humana: Trajetos Educativos. Dissertação de 
Mestrado em Educação – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008, 188p. 
 
VIVAR Y SOLER, Rodrigo Diaz de. O Cuidado de Si em Michel Foucault. Percursos - 
UDESC, v. 09, 2008, p. 59-70. 
 
 
 
 
v 1, n. 1 (2011) 
 
Cadernos Zygmunt Bauman ISSN 2236-4099, v 1, n. 1 (2011), p. 34-67, Jan/2011. 
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Consumismo como fuga simbólica do real 
 
Renato Nunes Bittencourt 
 
Doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ 
Professor do Curso de Comunicação Social da Faculdade CCAA 
Membro do Grupo de Pesquisa Spinoza & Nietzsche 
 
 
 
 
Resumo: Neste artigo analisaremos o problema existencial do consumismo a partir da 
análise de Zygmunt Bauman e de autores cujas reflexões favoreceram uma frutífera 
interlocução intelectual, destacando assim a pertinência de tal interpretação ao revelar 
como a existência humana, na sociedade contemporânea, se encontra submetida aos 
parâmetros normativos do consumo social. 
 
Palavras-Chave: Zygmunt

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