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* Mestre em História e Espaços pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte A escravidão no mundo greco-romano: da Grécia clássica à Roma republicana Gustavo Sartin* 2 EGITO, SUMÉRIA, BABILÔNIA, ARZAUA e PÉRSIA: sociedade com escravos GRÉCIA E ROMA: sociedades genuinamente escravistas ↓ elites SOCIEDADES COM ESCRAVOS x SOCIEDADES ESCRAVISTAS 3 ECONOMIA ↕ ↕ INSTITUIÇÕES ↔ PRÁTICAS E POLÍTICAS VALORES SOCIEDADES GENUINAMENTE ESCRAVISTAS 4 GRÉCIA (arcaica e clássica): cidades-estado (semi-)independentes ROMA (republicana): cidade-estado → confederação → império ↓ romanização GRÉCIA x ROMA 5 “Uma vez que a subsistência é necessária a cada família, os meios para buscá-la certamente fazem parte da administração familiar, porque sem suprimentos é impossível viver e bem. Como em todas as artes que já foram trazidas à perfeição, é necessário que se possua os instrumentos apropriados para se completar os trabalhos, [...] assim, um escravo é um instrumento animado, mas um instrumento que consiga gerir a si mesmo é mais valioso do que qualquer outro; [...] Vida é o que utilizamos [...] Um senhor é somente senhor do escravo, mas não é parte dele, enquanto o escravo é somente escravo do senhor e nada mais. Isso explica completamente a natureza do escravo e quais são suas capacidades: ser nada mais do que ele mesmo e pertencer totalmente a outro, e ainda assim ser um homem, este é o escravo por natureza; e este homem que é propriedade de outro, é meramente uma mercadoria, não obstante continuar a ser um homem. → GRÉCIA CLÁSSICA: ESCRAVOS SUBUMANOS 6 É formado pela natureza, então, o escravo, que é qualificado para se tornar escravo de outro, e assim o é; e que tem razão suficiente apenas para saber que existe tal faculdade, sem ter recebido a capacidade para utilizá-la. Os outros animais não têm percepção da razão, sendo guiados totalmente pelo apetite, e, de fato, eles (escravos e animais) variam pouco entre si em seu uso, uma vez que o benefício que recebemos, tanto dos escravos quanto dos animais domésticos, decorre de sua força corporal para satisfazer nossas necessidades. É a intenção da natureza fazer os corpos dos escravos e dos homens livres diferentes uns dos outros: os primeiros devem ser robustos, adequados para suas finalidades; os segundos devem ser eretos, deveras inúteis para aquilo no qual os escravos são empregados, mas adequados para uma vida de cidadania. [...] Esses princípios, contudo, nem sempre se concretizam, uma vez que os escravos algumas vezes têm corpos e outras vezes almas de homens livres.” Aristóteles, Politika, 1.4.1253b-1254ª (circa 330 a. e. c.) GRÉCIA CLÁSSICA: ESCRAVOS SUBUMANOS 7 “Algumas pessoas consideram que o poder do senhor sobre seu escravo se origina de seu conhecimento superior, e que este conhecimento é o mesmo no senhor, no magistrado, no rei, como já dissemos. Outros, contudo, pensam que o domínio exercido por um senhor é contrário à natureza e que é a lei que torna um homem escravo e outro livre, sendo que, pela natureza não existiria diferença.” Aristóteles, Politika, 1.3.1253b (circa 330 a. e. c.) GRÉCIA CLÁSSICA: ESCRAVOS SUBUMANOS Xenofonte (Oikonomikos, 8; circa 360 a. e. c.) comparou escravos a animais. sheyophoros (séc. V a. e. c.) Corinto (circa 500 a. e. c.) 8 “Uma vez que, de acordo com a natureza, alguns homens são escravos e outros livres, é evidente que a escravidão é vantajosa para todos.” Aristóteles, Politika, 1.5.1255ª (circa 330 a. e. c.) Um consenso, com algumas poucas exceções. (1) Exceções notáveis: - Alcidamas, pupilo do sofista Górgias (2) - Eurípides (3) (1) FINLEY, Moses I. Politics in the Ancient World (1983), p. 25. (2)TAYLOR, C. C. W. A note on ancient atitudes towards slavery (1983), p. 40. (3) SYNODINOU, Katerina. On the concept of slavery in Euripides (1977), p. 110. ESCRAVIDÃO NATURAL: UM CONSENSO? 9 ECONOMIA ↕ ↕ INSTITUIÇÕES ↔ PRÁTICAS E POLÍTICAS VALORES ↓ eleutheros bios ↓ ⊅ trabalhos manuais É impossível para aqueles que vivem como artesãos ou serviçais contratados adquirirem a prática da virtude. Aristóteles, Politika, 3.5.1278a (circa 330 a. e. c.) SOCIEDADES GENUINAMENTE ESCRAVISTAS 10 ANTECEDENTES: GRÉCIA MICÊNICA (1600 – 1200 a. e. c.) 11 ANTECEDENTES: MICENAS (1600 – 1200 a. e. c.) 12 DO-E-RO DO-E-RA ANTECEDENTES: GRÉCIA MICÊNICA 13 ECONOMIA ↕ ↕ INSTITUIÇÕES ↔ PRÁTICAS E POLÍTICAS VALORES SOCIEDADES GENUINAMENTE ESCRAVISTAS 14 Primeiro de tudo, consiga uma casa, uma mulher e um boi para o arado; uma mulher escrava, não uma esposa, para também seguir o boi e deixar tudo pronto em casa [...] Hesíodo, Erga kai Hēmerai, 405 (circa 700 a. e. c.) ANTECEDENTES: HESÍODO (circa 700 a. e. c.) ← Homens semeando e mulheres realizando ritual para Deméter (circa 575 – 550 a. e. c.) 15 ANTECEDENTES: JOGOS OLÍMPICOS (776 a. e. c.) 16 ← Ulisses cega um ciclope (circa 650 a. e. c.) ANTECEDENTES: HOMERO (circa 750 a. e. c.?) Hoplitas atacam cidade fenícia (circa 675 a. e. c.) ↓ 17 ECONOMIA ↕ ↕ INSTITUIÇÕES ↔ PRÁTICAS E POLÍTICAS VALORES SOCIEDADES GENUINAMENTE ESCRAVISTAS 18 soldado-cidadão ↓ ↓ hoplita falange ↓ panóplia Panóplia: kranos - elmo thorakion ou linothorax - colete hoplon - um grande escudo (semi)circular pyterires - saiote xiphos - uma espada curta de duplo corte dory - pica knemidei - perneiras ANTECEDENTES: HOPLITA hoplitas lutando (circa 550 a. e. c.) 19 Imagem: (1) (2) NORRIS, Michael. Greek Art. From Prehistorical to Classical. A resource for educators. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. p.70. (3) BOARDMAN, John. Greek Art. London: Thames and Hudson, 1964. p. 27. (imagem 1, esquerda) Cratera funerária ática no estilo geométrico (circa 750 - 725 a. e. c.) (imagem 2, acima) Detalhe: três guerreiros portando escudos do tipo dipylon e dardos (?); uma carruagem individual aberta, cerimonial (?) (imagem 3, direita) Estatueta de bronze encontrada em Kardissa, norte da Grécia (circa 700 a. e. c.) 20 (imagem 2, esquerda) Cinto de bronze encontrado em Fortetsa, Creta, retrata carruagem de guerra dupla fechada e arqueiros (circa 725 - 700 a. e. c.) Imagens: (1) SABIN, Philip, VAN WEES, Hans, WHITBY, Michael (eds.). The Cambridge History of Greek and Roman Warfare. New York: Cambridge University Press, 2007. v. 1, p. 194. (2) MARINATOS, Nannó. The Goddess and the Warrior. The Naked Goddess and Mistress of Animals in Early Greek Religion. New York: Routledge, 2000. p. 112. (imagem 1, acima) Retrato de tropas mistas se enfrentam em vaso geométrico encontrada em Paros(circa 700 a. e. c.) 21 Kylix ático de figuras negras retrata combate entre hoplitas e cavaleiros (circa 700 - 675 a. e. c.) Imagens: SABIN, Philip, VAN WEES, Hans, WHITBY, Michael (eds.). The Cambridge History of Greek and Roman Warfare. New York: Cambridge University Press, 2007. v. 1, p. 200. 22 (esq.) Perna de tripé encontrado em Olímpia retrata dois homens de elmo lutando por um tripé (circa 725 - 700 a. e. c.) (dir.) Conjunto de elmo e colete mais antigo já encontrado (circa 700 a. e. c.) Imagens: (esq.) OSBORNE, Robin. Greece in the Making, 1200 - 479BC. Second Edition. London and New York: Routledge, 1996. p. 60. (dir.) SABIN, Philip, VAN WEES, Hans, WHITBY, Michael (eds.). The Cambridge History of Greek and Roman Warfare. New York: Cambridge University Press, 2007. v. 1, p. 112. 23 (imagem 1, esquerda) Detalhes de uma cinta de escudo encontrada em Olímpia (anos 700 a. e. c.) (imagem 2, centro) Thorakion encontrado em Creta (circa 650 - 600 a. e. c.) (imagem 3, direita) Elmo de bronze no estílo coríntio (circa 675 a. e. c.) Imagens: (1) MARINATOS, Nannó. The Goddess and the Warrior. The Naked Goddess and Mistress of Animals in Early Greek Religion. New York: Routledge, 2000. p. 112 (2) SABIN, Philip, VAN WEES, Hans, WHITBY, Michael (eds.). The Cambridge History of Greek and Roman Warfare. New York: Cambridge University Press, 2007. v. 1, p. 294. (3) SEKUNDA, Nicholas, HOOK, Adam. Greek Hoplite 480 - 323 BC. Warrior. no. 27, 2000. Oxford: Osprey Publishing. p. 11. 24 ANTECEDENTES: HOPLITAS EM FORMAÇÃO DE FALANGE O olpe protocoríntio conhecido por “vaso Chigi”, encontrado em Veios, retrata duas falanges de hoplitas se enfrentando (circa 650 a. e. c.) Imagem: FIELDS, Nic, BULL, Peter. Ancient Greek Warship 500-322. New Vanguard. no. 132, 2007. Oxford: Osprey Publishing. p. 16. 25 ANTECEDENTES: HOPLITAS EM FORMAÇÃO DE FALANGE “Não muitos arcos serão esticados, nem muitas fundas disparadas, quando Ares avança para a guerra na planície, mas haverá um terrível trabalho para a espada, pois esse é o tipo de batalha na qual são mestres os renomados piqueiros senhores da Eubeia” Arquíloco de Paros (floruit circa 650 a. e. c.) fr. 3 26 HOPLITAS, POR QUE ESTAMOS FALANDO DELES? 27 “NÓS” versus “ELES” 28 seisachtheia ↓ ↓ hektemoroi horoi ⅙ E “NÓS”? SÓLON (circa 575 a. e. c.*) * MARKIANOS, Sophocles S. The Chronology of the Herodotean Solon. Historia: Zeitschrift für Alte Geschichte, v. 23, no. 1, 1974 (1st quart.) , pp. 1-20. 29 CONFUSÃO TERMINOLÓGICA - doulos (nome genérico para escravos-mercadoria) - oiketas ← oikos ↓ Família extensa, que incluía pessoas ligadas por laços matrimoniais, de sangue, além de agregados, do patrimônio familiar e dos cultos domésticos. “Os habitantes de Quios possuíam mais oiketai do que qualquer outra pólis, com exceção da Lacedemônia.” Tucídides, Polemos ton Peloponnesion kai Athenaion, 8.40 heilotes (hilotas): trabalhadores presos à terra; não eram douloi, pois não podiam ser comercializados; também não era oiketai, visto que não pertenciam à família a quem serviam, mas ao Estado espartano. ESCRAVOS DO PERÍODO CLÁSSICO 30 ESPARTA: ERAM OS HILOTAS ESCRAVOS? 31 heilotes (hilota): (1) não podia ser vendido (2) atrelado a um pedaço de terra (3) entregava parte da produção ao cidadão responsável (4) alforria somente através dos ephoroi (éforos) ou da gerousia (gerúsia) heilotes + agogē = mothax neodamodeis ≠ homoios ESPARTA: ERAM OS HILOTAS ESCRAVOS? “Mais tarde, Brasidas reuniu muitos trácios para se unirem, como confederados, aos lacedemônios. Depois disso, numa tentativa de conduzir a guerra com maior vigor, enviou um pedido de homens da Lacedemônia para fortalecer suas tropas. Os espartanos, então, lhe enviaram mil dos melhores soldados entre os hilotas; homens que há muito os espartanos planejavam mandar em expedição, na esperança de que fossem amputados [da cidade] pela guerra.” Diodoro da Sicília, Bibliothēkhē, 12.7 32 É provável que a maioria dos cidadãos possuísse ao menos um escravo (1). TABELA DE PREÇOS - escravo sem habilidades especiais: 125 a 150 drachmai (séc. IV a. e. c.) - custo para alimentar um escravo por um ano: 120 drachmai (idem) Em 329 a. e. c., o Estado ateniense pagava 180 drachmai por ano para seus trabalhadores escravos (2). Cidadão artesão: 1 drachme por dia. Escravos com profissão trabalhavam por conta própria. Seus proprietários recebiam apophora. Os apeleutheroi eram metoikoi e não podiam adquirir bens imóveis. ATENAS: ESCRAVOS-MERCADORIA... ASSALARIADOS? (1) JAMESON, Michael H. Agriculture and Slavery in Classical Athens. The Classical Journal. v. 73, no. 2, pp. 122-145, dec. 1977 – jan. 1978. (p. 123) (2) FINLEY, M. I. Between Slavery and Freedom. Comparative Studies in Society and History. v. 6, no. 3, pp. 233-249, abr. 1964. (p. 239) 33 FUNÇÕES - auxiliar do lado do proprietário em seu ofício urbano / lavoura - trabalhador por conta própria - serviçal familiar (oiketas) - trabalhadores das minas ATENAS: ESCRAVOS-MERCADORIA... ASSALARIADOS? (1) JAMESON, Michael H. Agriculture and Slavery in Classical Athens. The Classical Journal. v. 73, no. 2, pp. 122-145, dec. 1977 – jan. 1978. (p. 123) (2) FINLEY, M. I. Between Slavery and Freedom. Comparative Studies in Society and History. v. 6, no. 3, pp. 233-249, abr. 1964. (p. 239) 34 ATENAS: MINEIROS 35 ESCRAVOS GREGOS: BARBAROI e XENOI Escravos gregos: normalmente bárbaros e sempre estrangeiros. 36 Reinos helenísticos: generalização do recurso à mão-de-obra escrava. (1) PERÍODO HELENÍSTICO (1) LÉVÉQUE, Pierre. O Mundo Helenístico. Lisboa: Edições 70, 1987. (p. 87) 37 ROMA 38 ECONOMIA ↕ ↕ INSTITUIÇÕES ↔ PRÁTICAS E POLÍTICAS VALORES SOCIEDADES GENUINAMENTE ESCRAVISTAS 39 ESCRAVIDÃO x CLIENTELA dominus =paterfamilias = ciues optimo iure servus cliens filius manumissio potestas libertus + liberta ciues = libertinus 40 LEGES DUODECIM TABULARUM (449 a. e. c.) 3.4-10: “[...] Qualquer um que confessar que está em dívida enfrentará julgamento e, condenado, terá trinta dias para pagar o valor estipulado. Após esse período de trinta dias concedidos pela lei ao devedor condenado ter se esgotado e o pagamento estipulado não ter sido efetuado, seu credor terá o direito de capturá-lo e trazê-lo novamente à presença do magistrado. Se nesse intervalo tampouco o devedor como qualquer fiador tiver satisfeito os termos do julgamento, o credor, após o devedor ter-lhe sido entregue, poderá levá-lo consigo, prendê-lo e acorrentá-lo, desde que as correntes não pesem mais do que quinze libras. As correntes podem, no entanto, ser mais leves, se o credor assim o desejar. Se alguém que tenha sido entregue a seu credor, estando ou não acorrentado, desejar obter alimento, e possuir os meios para tanto, deve ser-lhe permitido sustentar a si mesmo às custas de seu próprio patrimônio. 41 LEGES DUODECIM TABULARUM (449 a. e. c.) Se, por outro lado, não possuir nada que lhe permita viver, seu credor, que lhe mantém aprisionado, deverá dar-lheao menos uma libra de grão por dia. Nesse ínterim, devedor e credor podem fazer um acordo. Se isso não ocorrer, o devedor deverá ser mantido acorrentado por sessenta dias e, durante três consecutivos dias de feira, deverá ser levado perante o pretor, no local onde se reúnem as assembléias, e o valor da dívida deve ser anunciado publicamente. Após o devedor ter sido mantido acorrentado por sessenta dias e o valor de sua dívida ter sido anunciado publicamente três vezes no fórum, ele deverá ser condenado à condição de escravo de seu credor que, se assim o desejar, poderá vendê-lo além do Tibre. No caso dum um devedor ter sido entregue a vários credores, ter sido acorrentado por sessenta dias e seu nome ter sido anunciado no fórum em três dias de feira, será permitido aos credores dividir seu corpo em pedaços, se assim o desejarem. Se, por ventura, algum dos credores obtiver mais do que lhe é de direito, não haverá punição.” 42 LEGES DUODECIM TABULARUM (449 a. e. c.) - nexum - o proprietário tem poderes de vida ou morte sobre o escravo lex poetelia papiria (326 a. e. c.) → fim do nexum ↓ Segunda Guerra Samnita (326 – 304 a. e. c.) “Pode ter havido, de fato, um método pelo qual nossos ancestrais podem ter aliviado as pressões da dívida; um método com o qual o ateniense Sólon, que havia vivido num período não muito anterior, estava familiarizado, e que nosso senado não negligenciou, quando, na indignação com o execrável avaro dum indivíduo libidinoso, todas as amarras dos cidadãos foram canceladas e o direito de prisão suspenso. Da mesma forma, quando os plebeus estavam oprimidos pelo peso das despesas ocasionadas pelos infortúnios públicos, uma cura e um remédio foram buscados, em nome da prosperidade geral (salutis omnium).” Cícero, De Re Publica, 2.34 43 LIBERTUS x APELEUTHEROS Obrigações do libertus : - visitar e saudar regularmente seu patronus - operae libertas ≠ mobilidade física = possibilidade de obter e legar patrimônio próprio apeleutheros → impossibilidade de adquirir bens imóveis eleutheria ≈ autonomia ≈ mobilidade física 44 GRATIAS VOBIS AGO.
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