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A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová

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117
A transfusão de sangue e as testemunhas de 
Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
Karina Elise Machado Lopez Lourenço�
Fernanda Brandão Lapa�
Recebido em: 29/4/2011
Aprovado em: 6/9/2011
Resumo: O presente artigo trata do direito do paciente de escolher tratamento médico, 
especialmente a recusa das testemunhas de Jeová à transfusão de sangue. Adotou-se 
o método de pesquisa qualitativa, operacionalizado com vasta pesquisa bibliográfica, 
buscando-se dados jurídicos, religiosos e científicos, bem como jurisprudência pátria e 
estrangeira. Alguns enxergam um conflito entre a liberdade de crença e o direito à vida. 
Outros já pregam a inexistência de conflito, na medida em que se trata de direitos de um 
mesmo titular, mormente considerando-se que a vida protegida pela Constituição envolve 
muito mais do que seu aspecto material. De grande importância para o tema é o princípio 
da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. 
Palavras-chave: transfusão de sangue; liberdade de crença; testemunhas de Jeová; direito 
à vida; autonomia; consentimento esclarecido; dignidade da pessoa humana.
Abstract: This article is about the pacient’s right of choosing a medical treatment, especially 
the refusal of blood transfusion by Jehovah’s witnesses. The qualitative research method was 
used, operationalized with extensive literature search, seeking legal, religious and scientific 
data as well as Brazilian and foreign cases. There is an understanding that this is a conflict 
between freedom of belief and right to life. Others argue that there is not a conflict because 
they are rights of the same holder, especially considering that the life protected by the 
Constitution involves more than its material aspect. Very important for this theme is the 
principle of the human dignity, basis of the Federative Republic of Brazil. 
Keywords: Blood transfusion; freedom of belief; Jehovah’s witnesses; right to life; autonomy; 
informed consent; human dignity.
� Acadêmica do curso de Direito da Univille.
� Professora do departamento de Direito da Univille e coordenadora da Clínica de Direitos Humanos.
IntRodução
Este artigo é fruto de um trabalho de 
conclusão de curso apresentado na Universidade 
da Região de Joinville acerca do direito de 
uma pessoa escolher seu tratamento médico, 
especialmente no caso da transfusão de sangue 
em uma testemunha de Jeová.
Essa temática está inserida no debate 
relativo à bioética e aos direitos humanos. O 
vocábulo “bioética” apareceu pela primeira vez 
em 1970, no artigo “The science of survival”, 
escrito pelo oncólogo Van Rensselaer Potter e 
publicado na revista Perspectives in Biology and 
Medicine. Segundo o autor (2000, p. 27):
118
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
Uma ciência de sobrevivência deve ser 
mais que uma ciência somente, e por 
conseguinte proponho o termo “Bioética” 
para poder enfatizar os dois mais 
importantes componentes para alcançar a 
nova sabedoria que tão desesperadamente 
necessitamos: conhecimento biológico e 
valores humanos�.
No entanto o termo ficou mais conhecido em 
seu livro Bioethics: a bridge to the future (POTTER, 
1971), no qual esse autor, preocupado com a 
sobrevivência da vida no planeta, propõe uma 
“ponte” entre o saber científico-biológico e o saber 
humanista, como bem sintetiza Elio Sgreccia:
[...] a ética não deve se referir somente ao 
homem, mas deve estender o olhar para a 
biosfera em seu conjunto, ou melhor, para 
cada intervenção científica do homem sobre 
a vida em geral. A Bioética, portanto, deve 
se ocupar de unir a “ética” e a “biologia”, 
os valores éticos e os fatos biológicos 
para a sobrevivência do ecossistema todo: 
a bioética tem a tarefa de ensinar como 
usar o conhecimento (knowledge how to use 
knowledge) em âmbito científico-biológico 
(SGRECCIA, 1996, p. 24).
Todavia muitos cientistas da área médica 
têm reduzido o conceito de bioética a uma 
disciplina que se preocupa apenas com 
as intervenções médicas sobre o homem, 
desconectando-o das intervenções feitas em 
todas as formas de vida da biosfera. A bioética 
não é restrita à ética médica, pois abrange 
discussões referentes a toda a biodiversidade, 
uma vez que nasceu de reflexões acerca do 
progresso da ciência e da preocupação da 
sociedade em proteger a vida em âmbito 
planetário, e não somente para criar um código 
deontológico para os profissionais da área 
médica4.
A palavra bioética, segundo o Dicionário de 
bioética, designa
um conjunto de investigações, de 
discursos e de práticas, geralmente 
pluridisciplinares, tendo como objeto 
clarificar ou resolver questões de alcance 
ético suscitados pelo avanço e a aplicação 
de tecnociências biomédicas. A Bioética 
não é, para falar com propriedade, nem 
uma disciplina, nem uma ciência, nem 
uma ética novas (HOTTOIS; PARIZEAU, 
1998, p. 58). 
É importante destacar o aspecto 
multidisciplinar da bioética, que é essencial, pois 
as reflexões devem considerar o conhecimento 
humano em suas perspectivas filosóficas, 
jurídicas, psicológicas, antropológicas, 
sociológicas, religiosas e biológicas.
Garrafa (2002), utilizando a dicotomia 
“bioética de fronteira e do cotidiano”5, de 
Berlinguer, classifica-a em bioética das situações 
persistentes e bioética das situações emergentes. A 
primeira analisa os temas cotidianos que se 
3 “Una ciencia de supervivencia deve ser más que una ciencia sola, y por consiguiente propongo el término ‘Bioética’ 
para poder enfatizar los dos más importantes componentes para lograr la nueva sabiduría que tan desesperadamente 
necesitamos: conocimiento biológico y valores humanos […]”.
4 É interessante observar que a bioética nasceu em momentos diferentes na cultura anglo-americana e europeia e, assim, 
com filosofias diferentes: “A reflexão bioética de tradição filosófica anglo-americana desenvolve uma normativa de 
ação que, enquanto conjunto de regras que conduzem a uma boa ação, caracterizam uma moral. A reflexão bioética 
de tradição filosófica européia prossegue uma inquirição acerca do fundamento do agir humano, dos princípios que 
determinam a moralidade da ação, constituindo-se numa ética” (NEVES, �999, p. 6).
5 Giovanni Berlinguer divide a bioética de duas formas: a bioética do cotidiano, que se preocupa com a ética no dia 
a dia, por isso está diretamente relacionada ao tema dos direitos humanos; e a bioética de fronteira, que está ligada 
aos temas de vida e morte diante da tecnologia genética. “Isso se deve ao fato de que o desenvolvimento da ciência 
e da tecnologia no campo biológico e médico propõe continuamente problemas inéditos, referentes não apenas às 
‘zonas de fronteira’ da existência humana, como o nascimento, a morte e a doença, mas também à vida cotidiana 
de todos” (BERLINGUER, �996, p. �6).
119
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
referem à vida das pessoas e que “persistem 
teimosamente desde o Velho Testamento”, como 
a exclusão social, o racismo, a discriminação da 
mulher no mercado de trabalho, a eutanásia, 
o aborto. Já a segunda se ocupa dos conflitos 
originados pela contradição verificada entre o 
progresso biomédico desenfreado dos últimos 
anos e os limites e as fronteiras da cidadania 
e dos direitos humanos, como as fecundações 
assistidas, as doações e os transplantes de 
órgãos e tecidos, o engenheiramento genético 
de animais e da própria espécie humana e 
inúmeras outras situações, como a do tema 
deste artigo. Para Garrafa (2002, p. 2):
[...] está claro que a bioética não significa 
apenas uma moral do bem ou do mal, ou 
um saber acadêmico a ser transmitido e 
aplicado na realidade concreta, como a 
medicina ou a biologia: pela amplitude 
do objeto com o qual se ocupa, seus 
verdadeiros fundamentossomente podem 
ser alcançados através de uma ação 
multidisciplinar que inclua, além das 
ciências médicas e biológicas, também a 
filosofia, o direito, a antropologia, a ciência 
política, a teologia, a economia.
Para compreender a bioética, então, faz-se 
mister analisar as relações sociais, culturais e 
biológicas de forma complexa. Como já previa 
Potter (2000, p. �2):
Ao sugerir uma nova disciplina chamada 
Bioética e ao especificar que buscamos 
fundamentá-la por fora das ciências 
tradicionais, não estou sugerindo que 
abandonemos o tratamento tradicional 
para uma nova ideia, mas que atravessemos 
as fronteiras disciplinares mais livremente 
e busquemos ideias que sejam suscetíveis 
de uma verificação objetiva em termos 
da futura sobrevivência do homem e o 
melhoramento da qualidade de vida para 
as futuras gerações6.
Assim, busca-se com este trabalho analisar 
com rigor científico um tema que é muitas vezes 
abordado a priori de forma preconceituosa. A 
divisão foi feita com uma breve descrição de 
quem são as testemunhas de Jeová, seguida 
da análise dos princípios da bioética que mais 
se destacam nessa temática: a beneficência e a 
autonomia. Ademais, alguns direitos humanos e 
o princípio da dignidade humana são expostos 
na defesa de que, no caso da recusa das 
testemunhas de Jeová à transfusão de sangue, 
há uma concorrência de direitos humanos e não 
um conflito.
testemunhAs de Jeová
A questão da recusa de pacientes 
testemunhas de Jeová à transfusão de sangue 
por motivos religiosos é assunto polêmico, 
especialmente nas áreas do Direito, da 
Medicina e da religião, despertando a atenção 
de estudiosos e leigos.
Quando ocorre essa situação, de um 
lado temos o profissional da Medicina com 
sua responsabilidade de salvar vidas, e do 
outro o paciente querendo ter garantido seu 
direito constitucional à liberdade de crença e 
à autonomia. Ambos creem estar agindo em 
conformidade com a Constituição e com todo 
o ordenamento jurídico vigente.
Mas talvez nos perguntemos: Quem são 
as testemunhas de Jeová? Por que recusam a 
transfusão sanguínea?
6 “Al sugerir una nueva disciplina llamada Bioética y al especificar que buscamos fundamentarla por fuera de las 
ciencias tradicionales, no estoy sugiriendo que abandonemos el tratamiento tradicional para una idea nueva, sino que 
atravesemos las fronteras disciplinarias más libremente y busquemos ideas que sean susceptibles de una verificación 
objetiva en términos de la futura supervivencia del hombre y el mejoramiento de la calidad de vida para futuras 
generaciones”.
120
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
As testemunhas de Jeová constituem 
um grupo de mais de 7.000.000 de pessoas 
distribuídas em 2�6 países ou territórios 
(SOCIEDADE TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS 
E TRATADOS, 2010, p. �2-�9) que procura guiar 
sua vida diária pelas normas de Deus indicadas 
no livro sagrado, a Bíblia. Elas não têm esse livro 
apenas como um guia de orações ou possuidor 
de algum poder mágico ou místico, bem como 
não acreditam em curas pela fé, mas sim veem 
a Bíblia como um manual de instruções, que 
pode ajudá-las a ter uma vida mais satisfatória 
e feliz e ainda agradar a seu criador.
As testemunhas de Jeová valorizam e 
respeitam muito a vida, por isso não fumam, 
não usam tóxicos nem praticam aborto. 
Aprenderam, pela Bíblia, a considerar a vida 
algo sagrado, a ser protegido e preservado, tanto 
para elas mesmas como para seus filhos.
Mas, no que se refere à transfusão de 
sangue, seguem a proibição expressa no livro 
sagrado (Bíblia – Gênesis 9: �, 4, Levítico 17: 10, 
Atos 15: 28, 29). Decidem não utilizar o sangue 
alogênico, seja pela via oral, seja pela via venal7. 
Essa é a posição firme que as testemunhas de 
Jeová assumem. Para elas, a questão do sangue 
envolve os princípios mais fundamentais sobre 
os quais elas, como cristãs, baseiam sua vida. 
Entretanto reconhecem que, às vezes, é 
um desafio para a comunidade médica dar 
a assistência de que necessitam. Isso não os 
torna, porém, contra a Medicina. Na verdade, 
aceitam a maioria dos tratamentos médicos e 
procedimentos cirúrgicos disponíveis. Prezam 
a saúde e a vida e procuram tratamento médico 
para suas famílias. Por essas razões, estão 
organizadas com o Serviço de Informações 
sobre Hospitais e as Comissões de Ligação com 
Hospitais (COLIHs), com o objetivo de prover 
apoio aos pacientes e fornecer aos médicos 
informações sobre alternativas médicas às 
transfusões, sempre fazendo todo o possível 
para que o paciente receba um tratamento de 
saúde adequado de acordo com sua escolha 
esclarecida. Elas desejam a cooperação, e não 
a confrontação.
PRIncíPIos de bIoétIcA e medIcInA
Os problemas de estudo da bioética não 
possuem uma solução matemática. Ela lida com 
conflitos de juízo e valores, mormente em face 
das recentes questões trazidas pelo avanço da 
Medicina. Assim, a bioética emprega princípios 
para explicar e fundamentar o comportamento 
do homem, especialmente no que se refere às 
intervenções sobre a vida humana.
Tom L. Beauchamp e James F. Childress 
(2002, p. 1�7-422) enunciam quatro princípios 
básicos, quais sejam: autonomia, beneficência, 
não maleficência e justiça. Trataremos neste 
artigo apenas de dois princípios, os mais 
diretamente relacionados ao nosso tema: 
autonomia e beneficência.
A palavra autonomia é derivada do grego 
autos (próprio) e nomos (regra, governo, lei) 
e, portanto, refere-se à possibilidade de 
autogovernação, direitos de liberdade, escolhas 
individuais, privacidade etc.
Muñoz e Fortes (1998, p. 57) definem 
autonomia como
autogoverno, autodeterminação da pessoa 
de tomar decisões que afetem sua vida, sua 
saúde, sua integridade físico-psíquica, suas 
relações sociais. Refere-se à capacidade 
de decidir o que é “bom”, ou o que é 
seu “bem-estar”. A pessoa autônoma é 
aquela que tem liberdade de pensamento, 
é livre de coações internas e externas para 
escolher entre as alternativas que lhe são 
apresentadas.
7 Via oral refere-se ao consumo de sangue como ingrediente no preparo de alimentos, costume comum em muitos 
locais. Via venal refere-se à sua utilização para fins terapêuticos, como na transfusão sanguínea. As testemunhas de 
Jeová evitam o sangue nessas duas formas.
121
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
A autodeterminação é um dos direitos 
fundamentais do homem. Cada vez mais se 
percebe que os pacientes têm buscado envolver-
se ativamente no rumo de seus tratamentos, 
estando mais presentes as figuras da recusa e do 
consentimento no que se refere às intervenções 
sobre sua vida e saúde.
Assim, por esse princípio, o médico deveria 
expor ao paciente informações claras quanto 
ao diagnóstico e às opções de tratamento 
disponíveis e, consequentemente, respeitar sua 
decisão autônoma.
O princípio da beneficência está baseado 
na obrigação do médico de promover o bem. 
Envolve a “obrigatoriedade moral de agir em 
benefício de outros. [...] afirma a obrigação 
de ajudar outras pessoas promovendo 
seus interesses legítimos e importantes” 
(BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002, p. 282).
É exatamente com base nesse princípio que 
um médico insiste na aplicação de uma terapia 
à base de sangue mesmo quando o paciente a 
recusa, porque entende que assim lhe estará 
fazendo bem. E então entram em choque a 
autonomia do paciente e a beneficência do 
médico.
Nos últimos �0 anos tem se discutido 
a questão dos conflitos entre beneficência 
e autonomia. Tradicionalmente, os médicos 
basearam-se em seus próprios julgamentos 
para decidir quanto a tratamentos, informações 
e consultas, mas há pouco tempo tem sido 
crescente a reivindicação do direito do paciente 
de fazer seu próprio julgamento, resultando emuma atenção especial da bioética ao problema 
do paternalismo.
Uma corrente defende a ideia de que devem 
ser garantidos os direitos relativos à autonomia 
do paciente, obrigando o médico a revelar-
lhe informações, a buscar seu consentimento 
informado e a garantir a confidencialidade e 
privacidade. Já outra corrente argumenta que a 
obrigação do médico se funda no princípio da 
beneficência e, portanto, a promoção do bem do 
paciente estaria acima da sua autonomia.
Esse último posicionamento, contudo, 
cada vez mais tem sido raro, ante a grande 
influência nos dias atuais da supremacia dos 
direitos de autonomia. Nesse sentido, destaca-
se o entendimento de Kipper e Clotet (1998, p. 
45-46) sobre a questão do conflito beneficência-
autonomia:
A beneficência tem também os seus limites 
– o primeiro dos quais seria a dignidade 
individual intrínseca a todo ser humano. 
[...] Além disso, ainda que o princípio da 
beneficência seja importantíssimo, ele 
próprio torna-se incapaz de demonstrar 
que a decisão do médico ou do profissional 
da saúde deva sempre anular a decisão do 
paciente, sendo essa uma das características 
dos deveres num primeiro momento ou 
deveres numa primeira consideração. 
Essa é uma das razões pelas quais foi 
afirmado que eles não são absolutos, 
mas sim condicionais ou dependentes da 
situação ou ponto de vista com que são 
afirmados.
Na verdade, quando o médico reconhece a 
autonomia do paciente e respeita sua decisão, 
e, com base no princípio da beneficência, se 
utiliza de todos os meios disponíveis para tratá-
lo, está lhe fazendo o bem.
É importante mencionar que o respeito 
do profissional da saúde a conceitos, crenças 
e valores do paciente deve ocorrer mesmo que 
não os aceite. Não compete ao médico julgar 
essas escolhas e sim somente respeitá-las. 
Nesse sentido, Muñoz e Fortes (1998, p. 58) 
declaram:
Respeitar a autonomia é reconhecer que 
ao indivíduo cabe possuir certos pontos 
de vista e que é ele quem deve deliberar e 
tomar decisões segundo seu próprio plano 
de vida e ação, embasado em crenças, 
aspirações e valores próprios, mesmo 
quando divirjam daqueles dominantes na 
sociedade ou daqueles aceitos pelos profissionais 
de saúde. O respeito à autonomia requer que 
122
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
se tolerem crenças inusuais e escolhas das 
pessoas desde que não constituam ameaça 
a outras pessoas ou à coletividade. Afinal, 
cabe sempre lembrar que o corpo, a dor, o 
sofrimento, a doença são da própria pessoa 
[grifos nossos].
De fato, o princípio da beneficência é 
basilar na orientação das atividades e decisões 
dos profissionais da saúde; devem pautar sua 
conduta em todas as situações, mas sem deixar 
de levar em conta, é claro, a autonomia do 
paciente. A beneficência deve ser aplicada nos 
limites impostos pela autonomia do paciente, 
ou seja, o profissional de saúde fará todo o 
possível, dentro de suas possibilidades, para 
oferecer um tratamento que resulte no bem do 
paciente, de acordo com a escolha esclarecida 
deste.
PRIncíPIos fundAmentAIs e 
dIgnIdAde dA PessoA humAnA
Na situação em que um paciente recusa 
o tratamento à base de sangue e seu médico 
insiste nele, surge um conflito, que precisa ser 
solucionado pelos princípios da bioética e do 
ordenamento jurídico vigente, especialmente 
os princípios fundamentais. Muitos defendem 
a existência de um conflito de princípios 
fundamentais nesse caso. Afirmam que 
ocorreria um conflito entre o direito à vida, a 
liberdade religiosa e a autonomia da vontade.
Mas existe realmente um conflito de 
princípios? Analisaremos agora os princípios 
constitucionais envolvidos.
o dIReIto à vIdA
O que é realmente a vida que a Constituição 
resolveu proteger, em seu artigo 5.º? Será que se 
limita ao seu aspecto material ou biológico? Será 
simplesmente um conjunto de órgãos vivos? 
Silva (2006, p. 197, 198 e 201) ensina-nos 
que
a vida humana não será considerada apenas 
no seu sentido biológico de incessante auto-
atividade funcional, peculiar à matéria 
orgânica, mas na sua acepção biográfica 
mais compreensiva. Sua riqueza 
significativa é algo de difícil apreensão, 
porque é algo dinâmico, que se transforma 
incessantemente sem perder sua própria 
atividade.
A vida humana, que é o objeto do direito 
assegurado no artigo 5.º, caput, integra-se 
de elementos materiais (físicos e psíquicos) 
e imateriais (espirituais). [...] No conteúdo 
de seu conceito se envolvem o direito à 
dignidade da pessoa humana [...], o direito 
à privacidade [...], o direito à integridade 
físico-corporal, o direito à integridade 
moral e [...] o direito à existência [grifos 
nossos]. 
Assim, o direito à vida envolve muito mais 
do que o seu aspecto material ou biológico, muito 
mais do que autoatividade funcional, mas também 
elementos “psíquicos” e “espirituais”, englobando 
valores morais, ético-sociais, culturais e religiosos 
do ser humano. Envolve o respeito à sua forma de 
pensar, aos seus padrões de moral, às suas crenças 
e ao seu bem-estar tanto físico como emocional. 
E esses valores certamente serão atingidos caso 
seja realizado tratamento com uso de sangue 
sem o consentimento do enfermo. Ainda que a 
sociedade os ignore ou os despreze, estes estão 
entre os valores mais íntimos protegidos pela 
Constituição Federal compreendidos no direito 
à vida. 
Feitas essas considerações, pode-se 
seguramente concluir que, em verdade, o 
respeito à decisão consciente de uma testemunha 
de Jeová está protegendo o direito à vida, e não o 
violando. Infundir sangue à força num paciente, 
no afã de proteger apenas uma parte de sua 
vida (a material), violaria diretamente seu 
direito à vida como um todo, que inclui suas 
123
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
crenças e seus padrões de moral. Ao recusar 
um único tratamento, a transfusão, o paciente 
está a invocar o próprio direito à vida (SILVA, 
2006, p. 200).
LIbeRdAdes de cRençA e de conscIêncIA
Bastos afirma que tais liberdades consistem 
na possibilidade de livre escolha pelo indivíduo 
da sua orientação religiosa, mas aí não se 
esgotam. Envolvem todos os consectários que 
dessa liberdade advêm, englobando a prática 
religiosa. A orientação religiosa há de ser 
seguida pelo indivíduo em todos os momentos 
de sua vida, independentemente do local, do 
horário ou da situação. De outra forma haveria 
apenas a “proteção aos locais de culto e a suas 
liturgias” (BASTOS, 2000, p. 14).
Nery Junior (2009, p. 14) afiança que, 
“em razão da estrutura jurídica de direito 
fundamental (personalidade) que possui a 
liberdade religiosa, ela deve ser considerada 
irrenunciável, indisponível, intransferível e 
imprescritível”.
O direito à liberdade religiosa pode ser 
concebido como a faculdade de fazer tudo aquilo 
que não é proibido pela lei. Esse é o sentido do 
princípio da legalidade. Nesse aspecto, registra-
se que não existe lei proibitiva, no sistema 
jurídico pátrio, da opção individual em realizar 
transfusão de sangue. Nem há, igualmente, lei 
impondo aos médicos a desconsideração da 
vontade individual do cidadão. 
Assim, se nem mesmo à lei é conferida 
a possibilidade de interferir nesse tema, 
proibindo determinada opção individual 
sobre tratamentos médicos, o que não se 
dirá da decisão individual do profissional da 
Medicina?
Dessa forma, as liberdades de crença, 
como todas as liberdades constitucionais, desde 
que não prejudiquem a terceiros, não toleram 
nenhuma coação e não podem sofrer limitações. 
Obrigar uma pessoa a receber sangue, quando 
isso é contrário às suas concepções religiosas e 
à sua consciência, é uma afronta à lei escrita e 
à norma constitucional expressa.
Com base no exposto anteriormente,podemos concluir que a tese de que há um 
conflito entre vida e liberdade religiosa 
nessa situação é equivocada e baseada em 
pressupostos inverídicos e falhos. Ressalta-se 
que se trata de direitos de um mesmo titular, 
que não pretende dispor de nenhum deles. Na 
verdade, estamos diante do que Canotilho 
(1999, p. 1189-1191) chamou de “concorrência 
de direitos fundamentais”, que se dá “quando 
um comportamento do mesmo titular preenche 
os ‘pressupostos de facto’ de vários direitos 
fundamentais”, e não de “colisão de direitos 
fundamentais”, em que “o exercício de um 
direito fundamental por parte do seu titular 
colide com o exercício do direito fundamental 
por parte de outro titular”.
Assim, fica evidente a inexistência de 
conflito de direitos fundamentais, primeiro 
porque o paciente não está dispondo de sua 
vida, na medida em que não quer morrer 
e aceita tratamentos alternativos; segundo 
porque está exercendo sua liberdade religiosa, 
sem que esse exercício atinja negativamente 
o direito fundamental de outrem; e terceiro 
porque, ao afirmar sua recusa, está a exercer 
o próprio direito à vida, o qual considera o ser 
humano como um todo, incluindo seus valores 
e sentimentos. Em consequência, não há falar 
em eleição de um dos direitos, mas sim em 
conjugação deles, norteando-se pelo princípio 
da dignidade da pessoa humana, fundamento 
da República Federativa do Brasil.
InvIoLAbILIdAde ou IndIsPonIbILIdAde
O constituinte, no art. 5.º da Constituição 
Federativa da República do Brasil, decidiu 
garantir a inviolabilidade do direito à vida, in 
verbis:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção 
de qualquer natureza, garantindo-se aos 
124
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
brasileiros e aos estrangeiros residentes 
no país a inviolabilidade do direito à vida, 
à liberdade, à igualdade, à segurança e à 
propriedade [...] (BRASIL, 1988).
O que é inviolável? O Dicionário Aurélio define 
como o “que está legalmente protegido contra 
qualquer violência e acima da ação da justiça” 
(FERREIRA, 1999). Isso indica proteção contra 
terceiros, inclusive da ação da justiça/Estado.
Dispor significa renunciar a um direito 
ou dar a ele uma finalidade diversa, como lhe 
convier. 
Assim, pela inviolabilidade se reconhece uma 
proteção contra terceiros e pela disponibilidade a 
possibilidade de cada pessoa guiar-se de acordo 
com a própria concepção de vida.
Podemos afirmar que o direito à vida é 
inviolável (protegido contra terceiros), mas 
não indisponível. A possibilidade de dispor 
desse direito não significa necessariamente 
renunciar a ele. A disponibilidade “permite 
ao indivíduo dar a seus direitos a finalidade 
que melhor lhe convier, de acordo com suas 
concepções pessoais” (DRUMOND, 2005, 
p. 125).
Esse entendimento está de acordo com o 
ensinamento de Bastos (2000, p. 9), a seguir 
transcrito em parte:
[...] a Constituição acaba por assegurar, 
tecnicamente falando, a inviolabilidade do 
direito à vida, assim como faz quanto 
à liberdade, intimidade, vida privada, 
e outros tantos valores albergados 
constitucionalmente. Não se trata, 
propriamente, de indisponibilidade 
destes direitos. [...] Por inviolabilidade 
deve compreender-se a proteção de certos 
valores constitucionais contra terceiros. 
Já a indisponibilidade alcança a própria 
pessoa envolvida, que se vê constrangida 
já que não se lhe reconhece qualquer 
discricionariedade em desprender-se de 
determinados direitos. No caso presente, 
não se fala em indisponibilidade, mas sim 
de inviolabilidade. O que a Constituição 
assegura, pois, é a “inviolabilidade do 
direito à vida” (art. 5.º, caput).
Esse entendimento se esclarece quando 
o comparamos com outros direitos cuja 
inviolabilidade também foi garantida no mesmo 
dispositivo constitucional, como liberdade, 
igualdade, segurança e propriedade. Ninguém 
negaria que uma pessoa, apesar de ter sua 
propriedade inviolável, pode dispor dela, caso 
deseje, vendendo-a, doando-a, reformando-a etc. 
Da mesma forma ocorre com a inviolabilidade 
da imagem, garantida no inciso X do mesmo 
artigo: é inviolável, mas não indisponível, ou 
seja, o indivíduo pode dar a esse direito o fim 
que bem entender.
De fato, a inviolabilidade do direito à vida 
aplica-se até mesmo ao Estado. O direito à vida 
consta do artigo 5.º da Constituição Federal, entre 
os chamados direitos de liberdade. Segundo a 
tradicional classificação doutrinária, estes se 
referem aos direitos de primeira geração, os 
quais constituem limites à atuação do Estado.
Dessa forma, o Estado deve proteger esse 
direito até dele mesmo. Nem o próprio Estado 
pode interferir na maneira como o indivíduo 
quer usar seu direito, que é, como indica a 
própria classificação da Constituição Federal, 
individual.
A confusão existente entre as noções de 
inviolabilidade e disponibilidade tem trazido 
a ideia de “dever de viver imposto pelo Estado 
– frise-se, inexistente no ordenamento jurídico 
brasileiro” (DRUMOND, 2005, p. 124).
Todavia não se está fazendo aqui uma 
apologia ao direito à morte, visto que esses fiéis 
prezam por demais a vida. Aceitam a maioria 
dos tratamentos médicos, sendo a única ressalva 
a transfusão de sangue.
Assim, conclui-se esse tópico afirmando-
se que ambas as noções – inviolabilidade e 
indisponibilidade – têm de compor o direito 
à vida. Esta última deve ser entendida como a 
possibilidade de o indivíduo dar a seu direito (a 
vida) a finalidade que lhe convier e da maneira 
que lhe agradar.
125
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
dIgnIdAde dA PessoA humAnA
É o princípio norteador do nosso 
ordenamento jurídico e um dos fundamentos 
da República Federativa do Brasil (art. 1.º, III, 
CRFB). Ensina-nos Moraes (2006, p. 60):
A dignidade é um valor espiritual e 
moral inerente à pessoa, que se manifesta 
singularmente na auto-determinação 
consciente e responsável da própria 
vida e que traz consigo a pretensão ao 
respeito por parte das demais pessoas, 
constituindo-se um mínimo invulnerável 
que todo estatuto jurídico deve assegurar, 
de modo que, somente excepcionalmente, 
possam ser feitas limitações ao exercício 
dos direitos fundamentais, mas sempre 
sem menosprezar a necessária estima 
que merecem todas as pessoas enquanto 
seres humanos. O direito à vida privada, 
à intimidade, à honra, à imagem, dentre 
outros, aparecem como conseqüência 
imediata da consagração da dignidade 
da pessoa humana como fundamento 
da República Federativa do Brasil. Este 
fundamento afasta a idéia de predomínio 
das concepções transpessoalistas de Estado 
e Nação, em detrimento da liberdade 
individual.
A ideia de vida digna pode ser considerada 
subjetiva. É claro que, ao estabelecer um 
mínimo de dignidade, um mínimo existencial, 
este será objetivo, sob pena de acabarmos por 
tolerar situações extremas. Contudo será muito 
difícil estabelecer um padrão, tendo em vista 
que o indivíduo difere em valores e conceitos 
pessoais. Não é possível que um terceiro, aí 
incluso o próprio Estado, determine o que 
seria digno para o indivíduo. Somente ele pode 
estabelecer o que seria uma vida digna para 
si. O Estado tentar impor um padrão de “vida 
digna” ao indivíduo fere o próprio fundamento 
da República e do Estado Democrático de 
Direito (DRUMOND, 2005, p. 124).
Um paciente ter seu próprio corpo violado, 
por receber, contra a sua vontade, um tecido vivo 
de pessoa desconhecida, talvez ainda correndo 
o risco de contrair doenças mortais, com certeza 
representa violação da sua dignidade.
O entendimento de Coutinho (1994, p. 16-
17), conceituado médico que foi membro do 
Conselho Federal de Medicina (CFM), está 
transcrito a seguir:
É claro que, na busca constanteda 
perfeição, o médico, mais do que ninguém, 
está obrigado a respeitar não só a vida, mas 
o ser humano como um todo. É degradante 
e não merece exercer a profissão aquele 
que utiliza seus conhecimentos para ferir 
essa dignidade.
Dessa forma, a postura adotada pelos 
médicos e juristas de que um terceiro deve 
decidir o que é uma vida digna para o 
indivíduo é, no mínimo, perigosa. Abre-se 
uma porta que pode levar a outras formas 
de desrespeito à liberdade humana, talvez 
um caminho sem volta. Um dos bens mais 
preciosos que o indivíduo possui é sua 
dignidade, a possibilidade de gerenciar sua 
vida. Uma sociedade que tolhe essa liberdade 
não é livre!
consentImento InfoRmAdo versus 
constRAngImento ILegAL
A teoria do consentimento informado 
ou esclarecido vem ganhando força na 
jurisprudência internacional e nacional. É 
digna de nota a importância maior dada a ele 
pelo Novo Código de Ética Médica. Houve um 
enfoque nas questões de autonomia do paciente 
com destaque para o direito à informação, bem 
como recomendações expressas aos médicos 
para que colham o assentimento do menor de 
idade em qualquer ato médico a ser realizado.
O consentimento informado não é 
simplesmente uma autorização do paciente 
para determinado tratamento ou mesmo uma 
decisão tomada em conjunto por ele e o médico. 
126
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
Trata-se de um processo contínuo, que ocorrerá 
em várias oportunidades durante o tratamento, 
nas quais o profissional da Medicina prestará 
com clareza informações sobre o procedimento, 
as alternativas disponíveis, os riscos e os 
benefícios, permitindo assim ao paciente uma 
decisão esclarecida e autônoma.
As testemunhas de Jeová utilizam-se de 
um documento intitulado Instruções e procuração 
para tratamento de saúde, no qual deixam clara sua 
posição quanto ao uso do sangue, esclarecendo 
quais procedimentos aceitam e quais não, bem 
como nomeando um procurador para garantir 
o cumprimento de sua vontade em caso de 
inconsciência.
O respeito a essas diretrizes antecipadas 
do paciente está de acordo com a teoria do 
consentimento informado, e seu desrespeito 
poderia caracterizar-se como constrangimento 
ilegal, crime previsto no artigo 146 do Código 
Penal.
O artigo 15 do novo Código Civil estabelece: 
“Ninguém pode ser constrangido a submeter-
se, com risco de vida, a tratamento médico ou 
a intervenção cirúrgica” (BRASIL, 2002).
Assim, quando um determinado tratamento 
ou terapia apresenta “risco de vida”, é necessário 
o consentimento do paciente, sob pena de 
afronta direta ao referido dispositivo legal, que 
está entre os direitos de personalidade.
Já não restam dúvidas quanto aos riscos da 
transfusão de sangue, já que pode resultar em 
uma série de reações transfusionais, bem como 
transmitir doenças, sendo certo que não existe 
sangue 100% seguro (AGÊNCIA NACIONAL 
DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2008). Como 
a transfusão é um procedimento de risco, só 
pode ser aplicada com o consentimento do 
paciente.
Bem verdade é que o médico tem o dever 
de zelar pela saúde do paciente a seus cuidados, 
o que por vezes exige que atue de forma 
“paternalista”. Nesse aspecto, é interessante o 
esclarecimento de Ferreira Filho. Ele afirma 
que há uma hierarquia entre os dois institutos. 
“O dever médico é de fonte legal, o direito do 
paciente de aceitar, ou não, um tratamento, ou 
um ato médico, é expressão de sua liberdade 
– direito seu de ordem fundamental, declarado 
e garantido pela Constituição” (FERREIRA 
FILHO, 1994, p. 24).
Questiona-se a posição do médico no 
caso de iminente perigo de vida. Nery Junior 
defende a tese de que seria inconstitucional 
eventual portaria, resolução ou até mesmo lei 
que viesse a autorizar a realização de transfusão 
de sangue quando há recusa expressa do 
paciente, mesmo em caso de “iminente risco de 
vida”. “Esta inconstitucionalidade não advém 
apenas da violação ao exercício da liberdade 
religiosa, mas, também, da desconsideração do 
próprio Estado Democrático de Direito” (NERY 
JUNIOR, 2009, p. 19-21).
Assim, com base nos elementos 
mencionados, conclui-se que, pela regra prevista 
no artigo 15 do Código Civil, alicerçada no 
direito fundamental de liberdade, o paciente 
não pode ser obrigado a submeter-se a 
procedimento que lhe imponha risco de vida, 
como é o caso da transfusão de sangue, sem seu 
consentimento. É dever o médico prestar-lhe 
todas as informações necessárias, propiciando-
lhe o consentimento informado, para que possa 
decidir quais riscos pretende correr, se os da 
transfusão de sangue ou os do tratamento 
alternativo.
consIdeRAções fInAIs
A questão discutida neste trabalho de 
fato conduz a sérias reflexões; não pode ser 
resolvida com soluções simplistas e, muito 
menos, preconceituosas.
As pessoas que professam a crença das 
testemunhas de Jeová entendem que a sua 
relação com Deus está acima de qualquer coisa e 
consideram a imposição de transfusão de sangue 
alogênico uma violência contra seu corpo e sua 
mente e uma violação de sua dignidade.
127
A transfusão de sangue e as testemunhas de Jeová: conflito ou concorrência de direitos?
Nas últimas décadas, a ética médica evoluiu 
do paradigma paternalista, baseado no conceito 
da beneficência hipocrática, para um modelo 
fundado na autonomia do paciente. A regra, no 
mundo atual, passou a ser a do consentimento 
esclarecido do paciente.
A inviolabilidade do direito à vida, 
garantida constitucionalmente, envolve, além 
dos elementos materiais e biológicos da pessoa 
humana, também os valores morais, emocionais 
e espirituais. Permitir que o Estado desrespeite 
esses valores, forçando o paciente a aceitar terapia 
médica contra a sua vontade, significa violar a 
sua dignidade e o próprio direito à vida.
Assim, conclui-se que é legítima a recusa 
de testemunhas de Jeová a tratamento que 
envolva a transfusão de sangue. Tal decisão se 
funda no exercício de liberdade religiosa, um 
direito fundamental emanado da dignidade da 
pessoa humana, que assegura a todos o direito 
de fazer suas escolhas existenciais.
Os direitos do paciente de ter seu corpo 
respeitado e de decidir os rumos da sua 
vida estão entre os pilares da democracia, 
são direitos fundamentais de todos os seres 
humanos, independentemente da religião que 
professem! 
RefeRêncIAs
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