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A relação entre as edificações e o espaço público

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A relação entre as edificações e o espaço público 
 
Igor Eliezer 
 
Como terceiro fator a contribuir para a vitalidade dos espaços urbanos, destacamos as características das 
edificações, especialmente no que diz respeito às suas relações com os espaços abertos. Como veremos, 
a maneira como as edificações estão posicionadas e a forma como configuram seus sistemas de barreiras 
e permeabilidades em relação às ruas podem influenciar diretamente na quantidade de pessoas que 
utilizam o espaço público e de atividades que ali se desenvolvem. 
Permeabilidade público x privado 
Holanda (2002) trata da questão da permeabilidade física entre a edificação e o espaço público ao 
atribuir ao Paradigma da Urbanidade características como maior número de portas por espaços 
convexos e menor percentual de espaços cegos (HOLANDA, 2002, p. 126). O Paradigma de 
Urbanidade (definido por Holanda em contraposição ao Paradigma da Formalidade), no que diz respeito 
aos arranjos sociais relaciona-se ao uso dos espaços públicos e portanto tem relação com a ideia de 
vitalidade. Holanda, portanto, dá a entender que essas variáveis costumam ocorrer concomitantemente 
(maior densidade de portas e menir percentual de espaços cegos, pelo lado das características 
morfológicas, e maior uso dos espaços públicos, pelo lado dos arranjos sociais). 
A mesma recomendação é feita por Bentley et al (1985, p. 13): 
Permeabilidade física entre espaços públicos e privados ocorre nas entradas para os edifícios ou jardins. 
Isso enriquece o espaço público através do aumento do nível de atividade em suas bordas. 
Mais adiante, Bentley et al (1985, p. 69) acrescentam: 
Para aumentar a robustez, a interface entre edifícios e espaço público deve ser projetada para viabilizar 
que uma gama de atividades privadas internas coexistam em intensa proximidade física com a gama de 
atividades públicas no exterior. 
 
 
Proximidade e interação entre as atividades no interior e exterior das edificações. Fonte: Bentley et al 
(1985, p. 69) 
 Portas devem ser abundantes e promover a proximidade entre interior e exterior, em todo o perímetro 
da quadra. 
Uma quantidade apropriada de portas pode auxiliar na promoção da vitalidade urbana conectando a rua 
com atividades comerciais e de serviços, promovendo assim as atividades que lhes são inerentes, tais 
como a pesquisa de preços, o olhar de vitrines e o entra-e-sai para comprar ou obter mais informações 
sobre os produtos. No caso dos shopping-centers essa vitalidade é interiorizada: as ligações dos espaços 
edificados com a rua são minimizadas, e toda essa movimentação é retirada dos espaços públicos, 
juntamente com a possibilidade (ainda que nem sempre exercida) de interação social entre pessoas de 
perfis socioeconômicos mais variados do que aquelas que frequentam os shoppings. 
Carlos Nelson também reforça esse argumento para o caso de atividades residenciais: 
Diríamos que, quanto mais portas se abrem para a calçada, tanto mais completamente o espaço público é 
passível de apropriação pela casa. (SANTOS; VOGEL, 1985, p. 54). 
“Apropriação pela casa”, nesse caso, significa utilizar o espaço da rua, seja para atividades de lazer, 
contemplação, deslocamentos ou mesmo para estabelecer relações sociais. A mesma lógica pode ser 
estendida para edifícios residenciais. Na Figura abaixo Bentley et al (1985) mostram os contrastes de 
duas organizações, nas quais a primeira intensifica a conexão com a rua, enquanto a segundo concentra 
os acessos em apenas um ponto, não apenas distante da rua como também localizado em apenas uma 
das faces do quarteirão. As outras três faces possuem fachadas sem permeabilidade física, prejudicando 
a possibilidade de vitalidade. 
 
Diferença no arranjo de portas voltadas ao espaço da rua: muitas edificações abrindo-se diretamente 
para a rua (à esq.); concentração de entradas para várias unidades em apenas um ponto, com pouca 
relação com a rua (à dir.). (BENTLEY et al, 1985, p. 13) 
Por fim, Gehl (2011) oferece o mesmo conselho: 
É importante que seja fácil entrar e sair das habitações. Se a passagem entre interior e exterior é difícil – 
se é necessário, por exemplo, usar escadas e elevadores para entrar e sair – o número de visitas ao 
exterios cair notavelmente (GEHL, 2011, p. 184). 
Dimensões da forma edificada 
Gehl (2011) defende a adoção de fachadas curtas como forma de intensificar as possibilidades de 
interação da rua com a edificação e diminuir as distâncias a serem percorridas pelos pedestres: 
Sabendo que pedestres geralmente não desejam caminhar muito, os projetistas de lojas comerciais usam 
fachadas estreitas, de modo que haja espaço para a maior quantidade possível de lojas na menor 
distância possível na rua. (GEHL, 2011, p. 95) 
Fachadas estreitas são um recurso para aproveitar melhor a frente dos lotes e diminuir distâncias. 
Segundo ele, algumas cidades vêm proibindo a instalação de atividades que ocupem muito espaço de 
fachada sem a correspondente densidade de portas e interação com a rua, tais como postos de gasolina e 
até mesmo bancos e edifícios de escritórios. Esses equipamentos precisam ser posicionados nos andares 
superiores ou, no caso de ficarem no térreo, limitarem fortemente o tamanho de suas fachadas. Assim, 
seria possível concentrar o acesso em uma pequena largura (o exemplo dado por Gehl cita 5m como 
tamanho máximo) e utilizar o resto da interface para outras atividades com acesso direto pela rua, ao 
invés de criar longos perímetros sem permeabilidade. 
Essas bordas sem portas constituem “espaços vazios” que são prejudiciais à vitalidade: 
Usando o princípio de lotes estreitos [na largura] e profundos [no comprimento] juntamente com um uso 
cuidadoso do espaço frontal evita o problema de “buracos” e “áreas residuais” sempre que os edifícios 
se voltam para calçadas e rotas de pedestres. Isso também vale para áreas residenciais. (GEHL, 2011, p. 
95) 
O mesmo princípio pode ser estendido aos afastamentos laterais entre as edificações, que reduzem a 
proporção da quantidade de metros lineares de fachada (e portanto o espaço para atividades em 
interação com a rua) em relação ao comprimento total do quarteirão. Essa configuração desperdiça o 
potencial que a interface entre os lotes privados e a rua possui em termos de estímulo ao movimento de 
pessoas, ao mesmo tempo em que aumenta as distâncias a serem percorridas e diminui a densidade de 
atrativos. Alexander et al (1987, p. 67-71) reforça a necessidade de que as fachadas sejam contínuas: 
“Os edifícios envolvem o espaço”, e NÃO “o espaço envolve os edifícios”. [...] Se possível, o edifício 
deve tocar ao menos um outro edifício existente, de forma que os edifícios em conjunto formem um 
tecido contínuo atavés da cidade. 
Gehl (2011) defende também a adoção de edifícios mais horizontais, baseado no fato de o campo de 
visão humano ser limitado no que diz respeito a elementos situados em posições altas. Temos, segundo 
ele, um campo de visão voltado à frente e abaixo que nos permite visualizar a apreender com mais 
facilidade o espaço contido nesses limites. Por isso, a configuração mais “natural” de um espaço urbano 
é aquela constituída por edificações baixas, ao longo de uma rua, já que estão mais em harmonia com 
nossos sentidos. 
Um ponto semelhante é levantado por Alexander et al (1977), baseando-se em estudo de Fanning (1967 
apud Alexander et al, 1977). Segundo ele, as distâncias enfrentadas pelos moradores e a “fricção” 
causada por corredores, elevadores, portarias, afastamentos e portões nos deslocamentos até a rua 
desestimulavam significativamente o desenvolvimento de atividades nos espaços abertos. 
[...] viver em edifícios verticais afasta as pessoas do solo, assim como da sociedade casual e cotidianaque acontece nas calçadas e ruas e nos jardins e nos alpendres. Deixa-os sozinhos em seus apartamento. 
A decisão de sair para algum tipo de vida pública torna-se formal e desajeitado; e a não ser que haja 
alguma tarefa específica que traga a pessoa para fora, a tendência é ficar em casa, sozinho. 
(ALEXANDER et al, 1977, p. 116) 
O que vemos por aí? 
Preocupantemente, cada vez mais observamos em nossas cidades tipos arquitetônicos que são o oposto 
do que a literatura tem nos apontado como geradores de vitalidade. As imagens falam por si.

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