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BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, vol. 1 p 165 201

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3 
MESA: LUXO ~ coNSUMO DE MASSAS 
Luxo, 
No que se refere_ à. "_lt!l>a, logo à pri?'ei.ra vista •. a~ duas margens distinguem-se 
facilmente: luxo e m1sena.' s~perabund~~c1a c pe~una. Posto isto, corramos para 
0 luxo. É 0 espetáculo.ma1s vistoso, mais inventa nado, mais atraente também para 
um observador de hoJe sentado na sua poltrona. O outro lado revela-se aílitivo 
por mais refratário que se seja a um romantismo à Michelct, que, no entanto, i: 
neste caso bem natural. 
mos tardio 
À maneira de comentário, digamos entretanto que não houve na Europa ver-
dadeiro luxo de mesa, ou, se se quiser, requinte de mesa antes dos séculos XV ou 
XVI. O Ocidente, neste ponto, atrasou-se em relação às outras civilizações do Ve-
lho Mundo. 
A cozinha chinesa, que hoje conquistou tantos restaurantes no Ocidente, é uma 
rradição muito antiga que há mais de um milênio mantém imutáveis as suas regras, 
ritos, receitas difíceis, uma grande atenção, sensual e literária, ao registro dos sa-
bores e às suas alianças, um respeito pela arte de comer que os franceses (num esti-
lo muito diferente) são talvez. o único povo a partilhar. Um belo livro recente 11 in-
siste nas riquezas desconhecidas da dieta chinesa, na sua variedade, equilíbrio -
de que dá abundantes provas. Creio, porém, que, nesta obra coletiva, o entusias-
mo de F. W. Mote tem de ser temperado com os de K. C. Chang e de J. Spencer. 
Sim, a cozinha chinesa é sã, saborosa, variada, inventiva, sabe utilizar admiravel-
mente tudo o que tem ao seu alcance mantendo-se equilibrada, compensando os 
legumes frescos e as proteínas da soja a escassez. da carne, com a arte das conservas 
de todos os tipos contribuindo para aumentar os seus recursos. Mas também à França 
se poderiam gabar as tradições culinárias regionais e falar, relativamente aos t"ilt~­
mo: quatro ou cinco séculos, de invenção culinária, de gosto, de e":Senho na ~-uh­
l<lçao do& variados recursos da terra: carnes, aves e caça, cereais, vinhos. que•JOS. 
produtos c.la horta e do pomar, para não falar dos sabores distintos da mant.:ig~, 
da banha, da gordura de ganso do azeite e do óleo de noz, para não falar dos me-
100?1 comprovados das conser~as familiares. Mas o problema não e esse: será esta 
ª.alimentação da maioria das pessoas? Na França, certamente que não. O campo-
ncs vende muitas vezes mais do que o seu "suplemen10" e, sobretudo, não c~il\e 
0 
melhor c.la ~ua produção: alimenta-se de milhete ou de milho e vende 0 seu mgo: 
come por · 1 d . s · uas ª' es os ~eu> co ~a gado uma vez por ~emana e leva ao merca o a s ' • · <>vo~ º' •e . b . . . . ·1·01 COITIO 11'1 China. a~ 
• "º u~ ca Tllos, as suas vuelas os seus borregos.·· " •.. . • . torntza1n· .1 • ' ·, , a 1· 11<ullcienc1~1 do ª~ "º' c.11a~ de fe\la ~ervcm para romper a monotom,i ~ • · . . 
to11d1a110 1; • • • 1 M·i- n 1l11n<"nta1-.10 d · '° por certo ahmcntam uma arte cuhnánn popu ar. • ~ • . º~ cu111po · . . . 1 • • 1· tem a v.:r rom ·' d . . nt~e,, 1Mo é, c.la imensa maioria da popu uçao, nnc" . o~ livro\ ·' · . ., füt ·1 dos rl'•'llí'll~ 
ue Co1111ha para uso c.lc privilegiados. Nc111 colll C''·1 ' 
165 
_ __ , .. , .· .. ª 41 
BORGES
Realce
Alimentos e bebidas 
1 b ada cm 1788 por um gourmet: perus trufado5 do Pé . para a gulosa !· rança e ªctºr1'.0~louse terrinas de perdiz vermelha de Nérac P '1· d • de f nie ~ras e ' , d T ' • a\1a gor . pates T 1 calh'rndras de Pezenas, xaras e royes, galinholas d de atum frese? de ~· on, >res~ntos de Bayonne, línguas afiambradas de Vier 01 
Dombes, capoes de adu>-E~s'trasburgo ... 12 Não há dúvida de que o mesmo se Pa'·º" 
·•a" c/toucroute e . d d - •\a 
e alt' . ' . variedade e até simplesmente a sacie a e sao para os ricn. 
a China O requinte, a ' . h . ·r· v .. 11 
. • 1 rcs podemos deduzir que carne e vm o s1gni 1cam riqueza Que Dos duados popu a , .. t' , " E Ch ' 
. , . ra um pobre c ter arroz para mas 1gar . ang e Spencer ter de que VI\ cr. p,l ' d f' 1805 
d dar r3710 a John Barrow quan o a 1rmava, em , que em pan• concor am cm ' • ' , . • - d . , 
d ldo 3 distância entre nco e pobre e tao gran e como na China Spen alguma o m111 , 'I b d , 1 XV . . 
, · 0 apoio este episódio de um ce e re romance o secu o l IJ, o sonho cer cita com · · · · b 
do pavifliào i·enneflto: 0 jovem e rico hero1 vb1s11t~ por dacads? a_ po1_ dre morada de uma das suas criadas. Es1a, ao apresentar o ta u eiro on e rspos m _amente tudo 
0 que tem de melhor, bolos, frutos secos, nozes, apercebe-se com tristeza de que 
"não havia ali nada de que o seu amo pudesse alimentar-se" rJ. 
Quando falamos de grande cozinha do mundo antigo estamos sempre, pois, 
do lado do luxo. Resta dizer que esta cozinha rebuscada que todas as civilizações 
adultas têm, a chinesa desde o século V, a muçulmana por volta dos séculos XI· 
XII, só no século XV aparece no Ocidente, nas ricas cidades italianas, onde se 1or· 
na uma ar1e cara, com os seus preceitos e o seu protocolo. Cedo o Senado de Vene· 
za protesta contra os dispendiosos festins dos jovens nobres e, em 1460, proíbe 0) 
banquetes de mais de meio ducado de despesa por cabeça. Os banchelti, claro, con-
tinuam. E Marin Sanudo registrou nos seus Diarii as ementas e os preços de algu· 
mas dessas refeições principescas, nos dias de folgança do Carnaval. Como por aca· 
so. encontram-se aí os pratos proibidos pela Signoria, as perdizes, os faisões. os 
pavões ... Um pouco mais tarde, para Ortensio Landi, no seu Commentario deffe 
p1u notabifi e mostruose cose d'ltalia, que se imprime e reimprime em Veneza en1Ce 
1550 e 155~. o embaraço é a escolha do que enumerar entre as coisas que, nascida· 
des da háha, agradam ao paladar dos gourmets: salpicões e paios de Bolonha. \l 
::.ampone (espécie de pernil recheado) de Módena, empadas de Ferrara. a corognur.: (ma~mclada) de_ Reggio, o queijo e os gnocchi de alho de P iacenza. os maçap.i(> 
de ~•ena, 0~ coei maf7.olini (queijos de março) de Florença a /uganica souife (>ai>•· 
cha lrna) e os tomerelfe (picados) de Monza osfiagiani (f~iso·es) e as castanha~ Je Chra..,cnna O\ · • 
luxo de ,; peixes e as ostras de Veneza, até o pão ecce/fentissimo (so por" u~r 
>.. 
1 ~dua, sem e~quecer os vinhos, cuja reputação hâ de ainda auml'nt.ir · 
••<t\ Ja nc~'ª época F · · lá \e rnv"nt· . ª r,inça se tornara o país por excelência ela boa 111('·1' ~ ararn e rc1.:olhcram 1·1mbé d •'"" r• 1clci1a\· tá w a e f ' m, os quatro can1os da Europa, a~ prn · 
lod11.:l' c'do bon~ 1~~,rç~a .ª,.ªPrc~cn~ação, o cerimonial destas festas profana' da ~1:· 
· ".iuundancn ·1 va · t d 1 'e• c111:t/< ' de ' urprccndcr . 1 •. . '·' • ncc a e e e recursos franceses ~a · 
.1 e uni vcrH:11ano u · 1 I' ri' ,·rn 1557, ex""'ª \e pcra 111 c urn-i 1 · :.. u.o am_o Lippontano. embaixador <'111. •1 r _._.. 
n1c1 a IOdo\ 1 • . • ' lpulcucia on1presen1e: "Ih\ casas que'º' dao d 
>\ r>•c~o,, 1)01 u111 1m.1·· · · r• 1"'1 
uc1, até v1111c 1,, 11 ()C\\u·i , , • · '1º· por dor_.., por um l".Wutlo, por qu,it e • il 1 
' l 1 •• ~e uC\CJardc~ M· . . 1 1 ) \i1' UI . 
,( f)a l e lli tt111\ O i i de ,.. . d~ por VilllC l' ClllÇ(l CSl'IH o~ { ;11 . .. •• N • 111x tt~\ach· • 1 · 1 ·n 1 0 c 111a1110, a l' ' ande co/ 1 · f ' · cu rrt1, o qut· tle mais prel.'ic1so ha na ' · 11 
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0 tia ";111il l>a1 ia ele l>1<11 .'.'~. ru nc:c ~u ~ó 1 11ai~ lar ele se afirma. dc:pc>i' do dr'1.r~':,:. 
Ou are >Ctt llllc ~ ·10 ·1 R • · · 1 Ke~• 1 11
lal\ J<udc, cnt 1746 · ' ,,' . c1wnc1a e c1 bom 80.~ll! nll\Cl t 1_1 • ~I~ 
uon, li vao Pl<:1:10" 1 cint• cn i;;' quando 'ª'li í'lll irn a Ct11:;111it>rc /1011rxec11•'<' d< ~ J ' 
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Alimentos e bebidas 
. ·a'es de Pascal" 16. Desde logo, na França, ou melhor cm Par'is. 
Prownc1 ,, . . . 1 b . ' , vmga a mo-]. 'ri· a "Só ha meio secu o se sa e comer com delicadeza" prete d . da cu ma · .. . , • n e um pan-l7g211. Mas, afirma um outro, de 1827 "a arte da cozinha f . iense ern d ' . ez mais pro-
s ern trinta anos do que antes urante um século"'8. E certo que t d. gressos d 1 , , em 1ante 
. espetáculo suntuoso e a guns grandes restaurantes" de Paris (não h. . des10 ,, " ,, amu1to 
"casas de pasto passaram a ser restaurantes ). Com efeito a moda m d queas . . U b 1 d' , an a, 
ulinária como no vestuano. m e o ia, os molhos célebres são despromo ·d na e _ , f 1 1 . v 1 os e, a partir de entao, so se. a a ne e~ com sorn~os condescendentes. "A nova cozinha" , 
diz 0 irônico autor do D1ct1011na1re sentenc1eux (J 768), "está toda no suco e no mo-
11 o". E fora com os potages de outrora! "Soupe. Ou potage [diz 0 mesmo dicioná-ri~] que tod~ a gent~ comia outrora e que hoje se rejeita por moda, como prato dema-
siado burgues e antigo, com o pretexto de que as papas soltam as fibras do estôma-
go." Fora também com as ".couves da sopa", os legumes que a "delicadeza do século 
quase baniu por serem comida de lavrador! ... Nem por isso as couves são menos sãs 
nem menos excelentes" e todos os camponeses as comem a vida inteira19. 
Outras pequenas mudanças produzem-se por si. O peru veio da América no 
século XVI. Um pintor holandês, Joachim Buedkalaer (1530-1573), foi sem dúvida 
um dos primeiros a incluí-lo numa das suas naturezas-mortas, hoje no Rijkmuseum 
de Amsterdam. Perus e peruas multiplicam-se na França, dizem-nos, com o resta-
belecimento da paz interna no tempo de Henrique IV! Não sei o que pensar desta 
nova versão do frango-na-púcara do grande rei, mas, no fim do século XVIII, não 
restam dúvidas: "Foram os perus", escreve um francês de 1779, "que, de cena 
modo, fizeram desaparecer os gansos das nossas mesas, onde ocupavam antigamente 
o lugar mais honroso. "20 Os gansos gordos do tempo de Rabelais - deveremos 
vê-los como uma era extinta na gourmandise européia? 
Poderíamos ainda seguir a moda através da história reveladora dessas pala-
vras que são perpétuas mas mudam muitas vezes de sentido: entradas, entremets. 
guisados, etc. E comentar as "boas" e as "más" maneiras de assar as carnes! Mas 
seria uma viagem sem fim. 
A Europa 
dos carnt'voros 
m Nã~ há cozinha requintada, na Europa, antes de terminar o século XV'. tli~a­
c o~ . Nao se deixe o leitor deslumbrar retrospectivamente por um ou o~tro tesc_im: 
orno os da faustosa corte dos Valois da Borgonha: essas fontes de vinho. e~sas 
Peça~ mo ll' d · . · d 1 do n•u presas por 
ca 1 ª as, ei.~as crianças disfarçadas de anJOS que escen · . 1, 
U bo, ~ ... A Quantidade ostentatória ganha à c1ualidade. Trata-se, quando muito.< t ni u d · 'º :\ rnc·sa d _xo e fachada. Os fest ins de carne - destinados a durar muito temi · 
O\ rico~ ã 
<· b - > o a característica marcante. .1r ~ ,.0111 "º tod, · . 1· . · te ·o111 lt:gume:. e · t: ' 
l>e'. ii~ a> ormas cozida ou assada 1untamen t: . ixe\, a e· ' ' . ,, . . )S J)féllOS que ret:t'· bi· arnt era ~ervida a "ranel "em pir'im1dc em imens< · . · 
a111, na F • "' < ' d , bn:po~tos con~t1· 
tuf· rança o nome de meH "Assim todos os assa os so - 1 . · <1111 urn · · ' · · · ' · 1 .. A 1artc Nao 1t·,1-
ta\a111 .11éunico me15 e o~ molhos, muito variauos, e ram servi< os 1 ' . t<, · iirn·i 1111~ . e em a . J •• - • . • 'lll'l l' t'~le píd • . ' tura '" cumu ar toda a rele1çao numa u111ca v.ist '· 1 .. ·irici-,.avor0,, .1 . ,2 • b · ~e ·tn111a111, ne~ t~ ' · • cl, C 1antava-sc também um /11t'/S . ' 1 fall1 em t;; ' 
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Alimentos e bebidas . . 
.5 dispomos já de livros franceses de cozinha assiet 361 1391 para os qua1 . . . d' ' tes· de 1 e . . 5 ou mets comportava seis serviços, tz-se. Todos co . · 
uma refeição de s7is pr~;~dos para nós. Eis um único rnets, tirado do MénagiePt;. 
sos. muitas vezes inestp que apr··c·enta seguidos: empadas de boi, r issoles lampr'. e 
· . l 393) dos qua ro · ·' · . . . ' eia f>ans ( • , molho branco de peixe, mais uma arboulasire, molh d' 
dois caldos com carne, f 22 e d d 0 e 
. d açúcar e de sumo de ruta... . a a um estes pratos é d 
1rnnte1ga de nata, e · f · b - a. 1 
' . . 'ta que um cozinheiro de hoJe ·ana em em nao tomar à letra do com uma rece1 1 . Todas as experiências neste sentido correran~ ma . 
Este consumo de carne não parece, nos seculos XV e XVI, um luxo exclusiva. 
· ado a· s pessoas muito ricas. Nas estalagens da AJta Alemanha, ainda ern mente reserv . . . 
1580. Montaigne observa os porta-traves~as com vanos compartimentos que permi-
tem aos criados apresentar pelo menos do1~ ~~atos de carne ao mesmo tempo, renová. 
los facilmente até 0 total de sete em um dia . Abun~am as carnes para grelhados e 
assados: bois, carneiros, porcos, aves, pombos, cabntos, borregos ... Quanto à caça, 
um tratado de cozinha, talvez de 1306, traz uma longa enumeração só relativa à F ran. 
ça; 0 javali, no século XV, é tão vulgar na Sicília que vale menos do que a carne do 
talho; Rabelais nunca mais acaba de enumerar as aves de caça: garça, poupa, cisne 
selvagem, alcaravão, grou, perdiz, francolim, codorniz, pombo-bravo, rola, faisão, 
melro, caJhandra, flamingo , gaJinha-de-água, merguJhão . .. 24 Segundo a extensa mer· 
curial do mercado de Orléans (de 1391 a 1560), salvo as peças grandes Uavali, veado, 
cabrito montês) a caça abunda regularmente: lebres, coelhos, garças, perdizes, gali-
nholas, cotovias, tordos, cercetas ... 25 A descrição dos mercados de Veneza no sécu-
lo XVI é igualmente rica. E não é lógico, num Ocidente meio vazio de pessoas? Lê-se 
na Gazettede Prance esta notícia proveniente de Berlim, de 9 de maio de 1763: "Sen· 
do aqui muito raros os animais" ordenou o rei que fossem conduzidos para a cidade 
"cem veados e vinte javalis por semana para consumo dos habitantes"26. 
~as não. tomemos demasiado à letra estas queixas, muitas vezes literárias, a 
res~e1to da a~1mentação dos pobres camponeses a quem os ricos ''roubam o vinho. 
0 pa~, ~ aveia, as vacas, os carneiros e as vitelas, deixando-lhes apenas o pão de 
centeio . Temos prova em contrário. 
N P' B · ~s aises a1xos do século XV, "a carne era a tal ponto de uso correllfe que 
uma cnse de fome mal diminuía a sua procura" e o seu consumo não parou de 
aume~tar durante a primeira metade do sécuJo x'v (por exemplo no hospital dos 
mendicantes de Lierre)27 N AI ' d Sa 
- . · ª emanha, segundo um decreto dos duques ª · 
xon1a em 1482 "qu t d · . · dom'.· 0· ' · .e 
0 os saibam que os artesãos devem receber na sua refeiçao carnc~10- ial e da noue quatro pratos ao todo: se for dia de carne: uma sopa. duas 
· ' um egume· se for sexta f · d ' · 1·resco 
ou saluado d · 1 ' · · eira ou ta sem carne: uma sopa, um peixe . . "' ' ois egumes Se se est' 1 . . d ·. opo> de peixe dua . _. · ' · · iver e e JeJum cinco pratos· uma sopa, 015 
f)ão" A' s guarr11çocs de legumes. Ao que 'se acrescenta. de manhã e à noit<. 
citadi.no, qdu.1cr ~ee~1crMesc. cnta ainda o kofe111, a cerveJ·a leve E:rienta de artesãos. d~ 
. . · ' -., -, · a~ cm 1429 . · • re· , qu1~1tado para a corvéh à .'em Oberherghe11n, na Alsácia, se o ca111po~es , . 1 
dente '. o Müier, e1>1c 1 in;1;1d0 1~L~ise~sc comer com os outros na residêm:ia do 1'.:t<~1r ! 1.k boi, doi~ bocado~ de .. e e mand<1r ''a sua própria casa dois bocados ck ~.tn . '.' ••e" 2~ T · c.irnc assada · . d · · P1t>ll111 1 
"' · tmo\ ainda m~·. ••uma medida de vinho e p;io por . ois 1. 1 1 ub•, . 0 ' " 18 testemunho · ··1 d11 1111 i . ~rva <>r eMrangdro· "CJ s a este respeito. Em Paris, cm 1 .... , · ·'t' 
VCI cJacJ . ' f)<>rco é O • I' 1 · tjUt' >·1 
e11arll(:n1c pobre• M· a 1men10 costumeiro dos pobres,' os . ·. 
' · "' qualciue- , 11 ·11~ rut 161! 1 aitc,ão, qualquer mercador. por 1 ' • 
" 
~··-0•1 •11 ...... ~ .. -!!'!1!#1111 ..... -..~~ 
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t.J /f rrc~lfl/ e 111ur11uua, u co111("rf10 li<> xudo tle /JOrte t•111 llireçtio aos 1nt1lt1douro.s tlu EuroJ.'J' '1 t." 
t "'' f >e· lt e un1>r('\''º"""'f! (400 11111 c·11heçt1\). \/o.~. 110,ç nierctulos rir• Puris. ('ln 1701 f' t'f 1ntr .1 li. ~ ..,p 
11 .-11tlt-'11 .l<' <1t1tu1/1Uc•11fr t/Uil\f.! 70 1111/ /un.,, . JJl'O\'U tlt' t/114' u t'\le <t>lll('F<'JO d~ 1011~0 1:t1r.l1• '' tu' iJ1TI 
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'"• "ituJ,,,, ... , .. U 1/tl•vt•\f tn J t1r<111t1 '' íu t\uhur unU ri t'\.·tuu~. 11 • 2. JQ79. />. -1!. -'~·-:1uu/11 <lth ''41' p ~ ~ 
e : e e 
As bancas de carne 11a Holanda do século XVII. A clientela será só burguesa? Gravura. (Co-
leção Vioffet) 
ninguém se espanta por ver chegar "extraordinárias manadas de 16 mil e mesmo 
de 20 mil bois"31 • Em Veneza, as manadas de Leste chegam por terra ou pelos por-
tos marítimos da Dalmácia· descansam na ilha do Lido que também serve pnra o 
. ' t~emo de tiro das peças de artilharia e para as quarentenas de navios suspeitos. As v~sceras , particularmente as tripas, são um dos a limentos cotidinnos dos pobres da 
cidade de São Marcos. Em 1498, os carniceiros marselheses iam comprar carneiro> ~ Saint-Flour, no J\uvergnc. Não só os animais como também os carniceiros S<io •~portados destas regiões longínquas: no século XVIII, em Veneza . os carniceiros 
sao muitas vezes montanheses dos Grisons, aptos a aldravar o preço de venda das ~~ses.; ".ºs Bálcâs , a lbaneses, depois cpirotas ainda hoje emigram para longe. como 
carnicc1ros ou frcssurcirosn . 
. Não hâ dt'1vid<1 de que a Europa passou, entre 1350 e 1550, por 11111 r:ríod~ 
de vida individual feliz. Antes das catúst rofcs da peste m:gra. quando ª mao·tk-
obra se tornou rnra, as cone.lições de.: trabalho eram forçosmnentc bons pnra quem 
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• . ,, JIOf apt'nJS 
\uma casa mral, a refeição, na segunda metade do século XVJI, e co11s1111!':· ª . ·.i.,, 
um pruro sem carne. Há pior: sempre na Holanda, a refeição de papas (16)-• ,·f. 'ur. 
/27J Quadro de Ep.berr van Heemskerck. (Foto A. Dingja11) 
... 5\~ , - ·õne· 
1rabalh11va. Nunca os salários reais foram tão altos como então. l:m L•·' · l ' ~ 
N d. . _ . . .. 1toine111 110 da orman ta queixam-se de nao encontrarem, para cultivar a 1err,1. .... 
que nf10 queira ganhar mai~ do que ganhavam seis criados no come.,·o do s~U1•' . 
1 t:\\c o paradoxo em que temos de insisur, prevalecendo a idda simph~ta d<' l~ll:· 
quanto ma1\ recuamo\ para a Idade Média, mab penetramo~ na infclí..:id;idc L•'1,' 
deito. quando''>\! tala do nivd de vida popular, isto e. o da maioria da> pl'.''l" . 
. . . " '() \' l ,,11 ~ º . ..:0~1ra1 m que \_u..:tde Pormenor que não engana: antes de 1?20-L ... · ,~ l \ ,k 
"ucdoc a1nd,1 pouco povoado, camponC\C\ e artesão\ comem pao bran~o 
tc.:r101ação au:ntua·\C a medida que 110, afa,wmo~ do ··outono" da td.1dc \k• ,·· 
l !1tant,·m·~1: até n meio do ~écu lo XI\., pro-,,o!~u111do <I dcrrocaJa. ,·m ..-~·rt.1·~ 
J.'JOe\ do 1 C\lt cui opcu. pa11 kulan11cn1<: º' Bákà•-. ainda cm pleno '<'<·ui<' \. 
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. irtir de . . - . 
11" "dt•nic. notam-se reslnçocs a partir do ~écu lo XVI. Na Suábia, C\crcve ~<' º~'·uer em 1550. ''na casa do cam ponês comia-se como não se come ago-
Hcí11nch f\ u po todos os dias havia carne e comida cm profusão· nas qucrmc,~e· N -se tcn1 . . ' " " 
ra. e~. as mesas abatiam-se ao peso da carga. 11 OJC em dia, ludo mudou. Há a~ fe~rns. ' . 1 E 1· -eº'· npos calamitosos, que carestia. ' a a 1mentaçao do~ campone\cs mais 
OI que ICI d . 1 . . 
an ·d. d 5 é quase pior do que a os JOrna e1ros e criados de outrora"H. Diga-se r·nie ia o J - 'd q~e 05 historiadores fizeram m.a edmdnao c.ons1 crarhestes testemunhos sucessivos, 
. .. . 3111 e lll ver neles a necess1da e oent1a que os omen~ têm em elogiar ª' êpo-m~1s1H• · h d '" 1· 
. ssada~. "Onde vai o tempo, o , compa res . , exp 1ca um velho camponês 
,as pa f · d · ó f ~reião (1548). "em que era e10 e1xar passar uma s es~a em que alguém da al-
d ·a não convidasse todos os outros para comer a sua galinha, o seu gamo, o seu P;~sunto, 0 seu primeiro borrego e o lombinho do seu leitão. " 36 Em 1560, escre-
iia um fidalgo normando: "No tempo do meu pai tínhamos carne todos os dias, 
os praios eram abundantes, emborcava-se vinho como se fosse água. " 37 Antes das 
euerras de Religião, observa outra testemunha, as "gentes das aldeias [na Franca} 
;ram tão ricas e cheias de tudo, tão bem mobiliadas eram suas casas, tão cheios 
de galináceos e de gado que era uma nobreza"38• As coisas mudaram muito. Em 
1600. os operários das minas de cobre de Mansfeld, na Alta Saxônia, com o salário 
que recebem, têm de contentar-se com pão, broa coada e legumes. E os compa-
nheiros tecelões de Nuremberg, muito favorecidos, queixam-se, em 1601, de só re-
ceberem três vezes por semana a carne que lhes é devida, por regimento, todos os 
dias. Ao que os mestres respondem que 6 kreutzers de pensão não lhes permitem 
encher todos os dias de carne a pança dos companheiros39• 
A panir daí, nos mercados, são os cereais que dominam. Quando o seu preço se 
ioma exagerado, falta o dinheiro para comprar o supérfluo. O consumo de carne vai 
diminuindo, e isso, repita-se, até cerca de 1850. Estranha regressão! Claro que tem os 
ieus recuos e as suas exceções: assim foi, a seguir à guerra dos Trinta Anos, na Alema-
nha, onde o gado se reconstitui depressa, já que o país não tem gente; assim foi. emre 
177º e l 780, quando o preço da carne não pára de subir e desce o do trigo. e quando 
~obA~g~ e no Bessin, importantes regiões da Normandia, a pecuária é cada H~Z mais 
u 5lltuida pela cultura dos cereais pelo menos até a grande crise das forragens de 1785 : 
conse .. • · • 
. quencia bastante lógica há desemprego uma importante parte do pequeno cam-~ina10 rcdu 'd • · ' ' d gráfi 71 a a mensalidade ou à vagabundagem, a braços com um suno en~o-
tonfico de pesadas conseqüências ... 40 Mas estes episódios duram pouco e as C\ Ct>ÇOó 
1rniam are 1 1· · 10\ E gra · A oucura, a obsessão das lavras e do trigo conservam os seu) t 1re1-in~ ~ Monipezat, pequena cidade do Bas-Quercy o número de carniceiros diminui <>1 l~~ba."'emente: l8em 1550· IOem 1556· 6em 16411• 2em 1660; 1em1763 ... Embor,t 
ª nautc\ di · ' ' ' ' d J" 141 o . minuam durante este período a quebra global mio e e 0 P•tra -
\ numero~ es bel . ' aJ queva · • ta ec1dos para Paris indicam, entre 1751 e 1854, um .:onswno !lllll 
na c.le 51 a 65 k d · · e L · " ttue lhe atri . · g e carne de talho por habitante, mas Pans é l'ans. u ,1vt' 1~1~ 1 · 
•no mé:di b~, º.elevado con~umo de72,6 kg no inicio da Rcvoluçüo, Céilcula o .:o n-.i~-
2. 3,5 k• No ~la hança, na mesma ah u1 ·1 em 48 5 libra.~ (uma lib1 a, 488 g), 1~to ~'. d ,,. urnero , , ' . . • . . 
º·no '>teu lo que todo~ o~ comentadores acham ainda 0111111\!a 1- · Do ~ne,mo mo-
1 X VI 11 ' t:íll llarnburgo (que l'ica á~ polias da Dinum:11.:.1, tornt'l.·t>dOI ª 
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Al1111enro,\ e bebidas 
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de cnrnc), 0 consumo anu:il ai ingc 60 k g po1 pe;,!>oa (<lo' qual\, t certo ape 
1 A 1 1 . . . 1 • na-, 2(J k de carne fres..-a), mas. para o coniunlo e a l.'man ia, .no 1111c10 e o ~éculo XI X é in~ ~ 
a 20 kg por cabc.;n e por ano (em vc1 dos IOO h.g do fim da Idade Média)n. c) en~>r 
d ·d 1 (P · CS\enc1a1 continua a ~cr a uc~igualdade entre n~ 1~cr~a' c1 ac e~ an~. por exemplo · 
• • ) . 1 d E • ainda em 1851 goza de cndcntc~ pnvileg10~ e entre c1ua e:. e cnmpo. m 1829 um ob 
· d I ' · <l' • servador afirma claramen1c: "Em nove cl<.:1." 111 10s a •1w1ça, o 111 1gen1e e o pequeno la 
\O se alimen1am de carne, incluindo carne ~algada, uma vez por semana."-1-l vradl)r 
Com o~ ~éculos da modernidndc, o privilégio da Europa carnívora atenu 
e os verdadeiros remédios ~ó surgem com os meado\ do século XIX, graça\ à geº~·ie 
d . ·r· . . .1 1 . ncra. lização, nessa all ura, das pra anas art1 1cl(t1S, ao uesenvo v1mento de uma pecu . 
cientifica e também à e~ploraçào da criação de gado longinqua, no Novo :Vlun~'ª 
A Europa ainda tem muito de esperar para matar a fome ... No Brie, em 17 17 ° 
território da Eleição de Melun que mede 18.800 dos nossos hectares, 14.400 sà~~o 
terras de lavoura contra 814 de prados, ou seja: nada. Além disso, "os lavradorc~ 
só guardam para as necessidades da sua exploração o estritamente indispensável" 
vendendo a forragem em Paris, e a bom preço (para os numerosos cavalos da capí: 
tal). É certo que, nas terras lavradas, o trigo dá então boas colheitas, 12 a 17 quintai; 
por hectare. Impossível resistir a esta concorrência e a esta tentaçàoH . 
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vem u (/('('(lrtl{' ,\(l/jiu(/(I 'hr11i ' ' . ·r f('ltd•<' . 
· ' num \<lllll <ll" in 111t•thdna, 11ri11<·11•10 do ,,•cu/o ,\ 
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A ltn1entos e heb/(fa~ 
, 1.,,,, Íl) (wu,c, d11ia1110., nú\, dt"c.'l\O\ g1<1dicntc.:\ 1 m· .. 1 ~<''''Ire!! , .. ' . . . . · · · •li\ n111ua no, pai-
·imi.:-o' do que na~ n.'.l!1oe~ nord 11.:a' 1.:0111 boa' pa\t .1,,en' 1, 1 1.:d11c:rr. '" · o onesc' ale. 
"" 11 .11 . .,, ui••le\e> ran:i.:cm meJH)\ rac:1onados do que 0, outro' N· 1 1 ' · ., 1t11nc. ' · "' '· a ng a1err<1 111.1• · tnti a vcorrer, no ~c:çuJo °'\VI 11 , por dc111ro de uma rc,olucai> agr·. 1 1 . •a 111l'' 1ço a, um~ 
"l•!! d . rci·oltu;ão da carne:. No grande nwrcadn de l .cadcn J Jall em Lond (!7?" •1.f1 l'Jf,I • d 1 1 res o) " · . i· 1101 emhat\a 01 e,1><11110 "quc:m ç· atnhuida a afirmai·ão ••.• d. • 
11,, d1Zd t t . ·E , 1 . , . .,. . \Cn ia- .e 
, nUll' earnc do que n,1 ~p.tn 1,1 !>c ~on,omc durante um ano inteiro" -r d 11urn lll•' . H 1 1 1 - . . 'º a-
' 13 nit>,llltl num rais co_mo a o ant ~1 ont e as 1 uçocs "oficiai\" 'ªº boa\-lli (\e fo 
'· . 1.1 ) a ·ilimentaçao. antes dos 111clhoru1111.:nto\ do fim do sécu lo XVIII · 1 1,·m t'xa • ) · . • _ , . . _ e ma 
·i· t rad"' tenoe~ um pouco de carne salg.1da, pao (de cevada e de centci·o) . equ1 11 ' 0 • • • . • .. , peixe, 
ulll pt'uco de 10uc111ho. ocas1011al111ente caç.1 ... Mas _a caça, normalmente, é para 0 
• 11,00e, 011 para o senhor. O pobre das cidades nao a conhece: "para ele são 0 ,an f . - d • , ~ 
r;ibano:-. • 1, cebolas r~tas, .~ pa.~ seco .q~a~ o nao e_ bolorento" ou o pão pegajoso 
Je,·rnreio. e a "cerve.nnha (a cerveja e para os ncos e para os bêbados). o bur-
~u~. nolandês '1ve com sobriedade. Claro que o hutsepot, o prato principal, inclui 
~arne. de boi ou de carneiro, mas finamente picada e sempre utilizada com parcimô-
nia. ~lu11as \'ezes, a refeição da noite é apenas constituída por urna papa de crostas 
de pão amolecidas em leite47 • Entre médicos, abre-se então a discussão para saber 
,e urna ahmentação com carne é boa ou nociva. Escreve Louis Lemery (I 702), com 
prudenc1a excessiva: " Por mim, creio que, sem entrar em todas estas discussõe~ que 
me parecem bastante inúteis, se pode dizer que o uso da carne dos animais pode ser 
éomenieme, desde que seja moderado ... " 48 
Concomitantemente à diminuição da ração de carne, desenha-se um nítido au-
mento do consumo de carne defumada ou salgada. Werner Sombart falou, não sem 
razão, de uma revolução das salmouras a partir do fim do século XV, para alimemar 
as tripulações no mar. No Mediterrâneo, o peixe salgado e mais ainda o biscoito tradi-
oonal não deixam por isso de ser sempre a ementa essencial dos marinheiros embarca-
do~. E em Cadiz que começa, com o imenso Atlântico, o domínio quase exclush o da 
carne de vaca salgada, a vaca salada que a intendência espanhola fornece a partir do 
século XVI. A carne salgada vem sobretudo do Norte, particularmente da Irlanda. 
expo.nadora também de manteiga salgada. Mas a intendência não é a única interessa-
da. A medida que a carne se vai tornando um luxo, as salmouras tornam·se habiro 
dos pobres (que em breve incluem os escravos negros da América). Passado o 'erão, 
na1g1 · · d/'' 
, n aterra, a falta de alimentos frescos, o • 'saltbeef was rhe standard wtnrer is 1 • 
:\a Rorgonha, no século XVII J, ''o porco fornece a maior parte da carne que ~e con-
IOme na ~a do camponês. Poucos .são os inventários que não falam de traços <_k to_u 
Ctnho na salgad · d . , · 1~ · ·e111c~ ª"ª' tao 
.. · eira. /\ carne fresca é um luxo reserva o aos 1.:onv.1 ~sl • ~ar~q~e nem 5e pode pagar"4'1. Na Itália e na Alemanha, os mcrç·adorcs ambulamt'' 
e ~als1cha~ ( w , h . . 1 · 1. 1.. V·\"'I e 11hll' .11nd,1 Po urst andler) fa:t.em parte da paisagem e a~ c1t .1c es · • ~· · Jesr~ol-~algado fornecem aos pobre~ da Europa a sua magra raçiio de carne. tk ,tp<)· 
(. amburgo, da França à5 imediações de São Petersburgo. laro qu . . . 1 , 1 0 w1 º" 1ni:lt''t''· que" . . e, uma vez ma1~. há exceções. A rinnc1prt ~ e e 111 1 ' : - . , 
que u~º v11;cm d<: carne". b~c1cvc J>. J. Gro1,Jey em 1770· "/\ quan11dadl' ck l"ll 
, ll1 franc:ê . .. ,u ;\ ' Ih 1 t' o 11111\'ll p.11' 
'de\en"ol d ~ çomc por dia ~1.:rvc para quatro rnglCSl's. 1 • , 1., .11 •• .,1<, 
• VI o" d 1 ~1 · YU lliha l''(t' J I ,,., corn rc .• a "-Urora que ~e cncon1 ra nc~tt caso. " ,1, 1 ' ra 
lando dg1oc~ relativamente at ra,~da~ . Em 1658, M ndc11101~dle dl' M<mlf1<.'ll'f1t·1 ... 1 
os seus ca . .. u· ... ' t11 \ es11do,... 111111"'1 
. mpone~C!> dos Oornbe:., d1z-no1, qul' tlll cllll vt . 
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. "''ornem carne quatro vezes por d1a"51, o que n' 
Ih "· ·1crescenla. '- é 1 xvr aoe\ pagam ta as · • . 1 porque os Dombes, nos c u o 1, \ão ainda · 1.í provado mas era p~ss~c-' é na~ regiôe~ mal dominadas pelo homem que urn.a 
região selvagcn~, mals~~m~~;icos ou não. Aliás, é provável que para nó~. ho~ª1\ 
abundam os animais, .
0 
cm Riga 110 tempo de Pedro, o Grande, ou em Bel O\ 
do ~éculo XX. O qT. ue era .us (Ilido aí é "excelente" embora a "vil preço" 0 gra. de avermcr · • • Pao 
do ~o tempo e e os enormes lúcios e carpas que se pescam no Danúbio ou no 
º. ~111'.~~· :r;:;.sc mais sati~fatório do que o que _o s: usava cm Berlim, em Viena 
S,l e) P P· . Muita~ reoiõcs deserdadas nao sao humanamente mais pobrei 
ou mesmo cm ,ins. "' . J -
. . ri'cos o nível de vida continua a ser uma re açao entre o número do que os pa1scs · . 
de pessoas e o conjunto dos recursos ao seu dispor. 
Uma Europa apesar 
de tudo privilegiada 
176 
Diminuído, 0 privilégio da Europa continua porém a ser um privi légio. Com 
efeito basta pensar nas outras civilizações. "No Japão, só comem carne se a caça. 
rem"' diz um espanhol (1603)53•Na Índia, felizmente, a população tem horror a alime~tar-se de carne. Os soldados do Grão-Mogol, Aurengzeb, no dizer de um 
médico francês, são muito pouco exigentes quanto ao rancho: "Desde que tenham 
o seu kicheris, uma mistura de arroz e outros legumes sobre a qual deitam manm-
ga derretida ... ei-los contentes." Esta mistura é feita exatamente de "arroz, faias 
e lentilhas cozidas, tudo em purê"s4 • 
Na China, a carne é rara. Não há ou quase não há carne de talho: o por.:o 
doméstico, criado em casa com as sobras da mesa, por vezes com um pouco d~ 
arroz, os galináceos, a caça, por vezes cães à venda em talhos especiais ou de porta 
em porta, "pelados ou chamuscados", levados em gaiolas como leitões ou cabrito• 
da Espanha, diz o Pe. de Las Cortes - todos estes animaís, pouco numerosos, não 
poderiam satisfazer os apetites de uma população resolutamente carnívora. A car· 
ne, excetuando as populações mongóis onde o carneiro cozido é de regra. nunca 
é apresentada como prato autônomo. Cortada em pedacinhos muito pequenos que 
~e comem ~e uma vez, por vezes até picada, entra na composíçào do rsai, esses tn~· 
meros praunhos de carne misturada com peixe ou com legumes. molhos e ron~i· 
mcmos que acompanham tradicionalmente o arroz. Na realidade por mais reqmn· 
1
ª:ªr e pcn~ada ~ue seja esta cozinha, surpreende os europeus, a :ujos olhos pareí.'<' Pb~ e. Ate os ricos mandarins, observa o Pe de Las Cortes ''picam como parJ 
a rir o apet'1c b · · • · e 1 1 p ~ '.um ocadmhos de porco, de galinha 011 de qualquer outra carn d;·1 •. ºr1~mª" rico~ ou impo11antcs que sejam, n carne que consomem é em quanll 
"<e 111 ama e ~e comc~sem · · Ut' Pl"° \ucm n' 0 Jh . · b· . como nos, europeus, todas as espécies de carne <l a C\ .tsl<1vam 1 1 a fc tT<l d . . . . "'' llfll llJ pol11ano Uemclli C: : ·.. r 1 1 a t' da sua Chma não res1s11na · 111 1696 r .' · . d arcn, que atraves~a a China de ( " mtào a Pequim,. ' º11ª· e 
• 1ca ira o perante os ·ir • •1 ·o11t 1.1 llà\ c~1alagcn' e coiTI ' unemo~ vegetai~. a seu ver mal <.:Olido~. qul:' t 1' " 
1 pra ao ·1c· 1~0 do · 1• 1 1 · ou 0 11 • u1\oe,, lebre, pi c~um • • .' pcrnmtc e dos merc:tdo~. ga 111 11 ~. ,..11 
condui· "O, '.1 · · 
0
• fll.:rdizcs .. -~" Por volta de 173'i 11 111 obscrvndor ~uropi r 
. • c 11ne~cs comem . . , . , . ,, •' 1\\ll pr1:cisam de 111c11 muno pouca carne da gia11dc" e ac1c~~e11t .a., P< 
. º' h:rrc110 r ·1ra r ano , .. ~ qu1ni, quarentaªºº' ma . ,, • . a 1111c111ar o gado." Um m1ss1on. 1 çj,i. 1~ 1.1ruc cxplt'"t . · . 1• 11opu a 
' u \:Olll lllillS rtgOI : "() t''l.l'CSSO ( ~ 
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tlr "''.t . . . nhrl!!<l º' chtnl''>e\ ''.1 Pª'"ª' wm hrn\ 111;m 1 cb;rnltci> prn q 11c ;1 Lcrr;1 ~11t:fld•l'> l . • . . ·~ de ricnl'I' .1 ~ua '111\l\lc1ic.:1a e ncu:\'>arta para ;1 d o horncn'". l'or "'º li<'"ª''·' . . . > • .. . <1 . "c,iruntc rar.1 ,1, tcrr.1,. Larrll. para .1 lllC'><I, c.1valo, rara a l'llcrr." e "m,11 , 1~ 11 •1 11 , 111 •11 , l!C.:lltt: para ohtc.: r é'.l lllc\ lll a quantidade de~'' ªº' t111c no., 0111ro• luw1 rub .. 1 1l'l: ' ..... _ . . .- . .· , l .r:-,• 
.. ( ,iodi. "l•uard,1da' ,1\ dev1d,1\ propot (,;OC\, h<J relo llll'll()\ dl't IJOt\ 11a f'ranç,1 
.:\ 1Ja um na ( htnJ. · r,1r,, l..C: 1 1 •• A liiaa1ur:i e.: llllC'ª t C\l~mun l<I no flll.:'>lllO '>1.: 1111 ... 0 No 1c111po do\ r , 1111., 11111 
~roitlho'o ncrora· "'lo out11l dia, o lll t:ll gc1110 veio 11;11cr llll duél\ 11'-1·1, de ~(.ll!f('\'~ 1· . _ 1/c 
.:arot: de ,catlo -.ec.1 que e-.ta .iqu1 nc\ta t1avc\\a.' Um carn1tc1ro tndu ... 1 dt ,1dnu 
ra,füi pe• ame um alto personagem ''que tem ma1~ d 1 n hei ~o qut o 11npcradm t1n pc\ 
"ª"e lltJíl 'ª'ªtem alguma~ dezenas. de parente\ e \crvtdorc> a 1ntnc" l'ro a irrc 
iul~\l~I. "Lei a ror ano .t mil a 5 mtl ltbra~ de carne mc'>m<> quando mio ha ct.:rtmo 
ma\~ Lena ementa fc~tiva tem de tudo, "ninhos de andonnha, 1 rango, paro, çho 
,.,s, peptn<h amargo'> de Kuang Tung .. . " E quais não i,erão ª" cxigén<.:ia\ ahmcnta-
rc,de uma 11u1a caprichosa! Todos os dias, 01tofen <le med1camcnto\, um dia ra•o, 
n(1dia \Cgu1n1e peixe, outra vez legumes frescos, caldo de brotos de bambu , ou ainda 
laran1as. bt\COttos. nenúfares, pardais frito~. camarões salgado><: natural menti: 1 -
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A fimentos e bebidas 
. d . flor"s .. ~s. Tudo b so não exclui , pelo comrário 0 r . 1 "vinho e cem ~· .. · . · • cqu1n1 
n 10. . . iremo e di!>pcndioso. Mas se o luxo da cozinha chinesa r . _e, 
e a1é um requmte ex . 1 . . 01 tao 
' d'd elos europeus é porque a carne e para e es l>mal de luxo E . 
mal comprecn 1 o P h · p · d' · nrn. 
1 e a qu.111tid·idc de cnrnc que a em equ1m 1ante do pala' . guém nos e escrev • • . . cio do 
ertas Pnv·as da cidade. No entanto, trata-se de grandes P • imperador e em e •' · . . . orçot\ 
·e .11., d·i T·irt ·\ria que o fno do inverno conserva do1~ ou tre· 5 de caça provem r ,. ' • • . . . rne~e\ 
e que é '' tão barata que dão 11111 cabrito 011 um Javali por .uma moeda de oito" l>_ 
A mesma moderação. a 111csmr1 sobriedade na Turquia onde a carne de vac 
seca. 0 pasfermé, não é apenas alimento de soldados em campanha. Em lstambu~ 
do século XVI ao século XYlll, à parte os enormes consu~os de carne de carneiro 
do Serralho a média da cidade situa-se perto de um carneiro ou um terço de car-
neiro por ca,beça e por ano; e Ista~bul ~ Ista~bul, ci~ade pri~ilegiada ... oo No Egi. 
to . celeiro de abundância, à primeira vista, a maneira de viver dos turcos", diz 
um viajante em 1693, "é uma contínua penitência. As suas refeições, mesmo a; 
dos mais ricos, são compostas por mau pão, alho, cebola e queijo azedo; quando 
acrescentam carneiro cozido, já é festa. Nunca comem frangos nem outras aves, 
embora lá sejam baratas"6t. 
178 
Se o privilégio dos europeus diminui em seu próprio continente, recomeça pa-
ra alguns deles, com a abundância de uma verdadeira Idade Média, quer no Leste 
europeu - corno na Hungria -, quer na América colonial, no México, no Bra.1il 
(no vale do São Francisco, invadido por rebanhos selvagens, onde se instala para 
beneficio dos brancos e dos mestiços uma vigorosa civilização da carne), ainda maJs 
para o Sul, junto a Montevidéu e Buenos Aires, onde os cavaleiros abatem um ani-
mal selvagem para uma só das suas refeições ... Estes massacres não têm lugar. na 
Argentina, por causa da incrível proliferação das manadas em liberdade, mas bem 
cedo arruínam esta provisão no norte do Chile; em volta de Coquimbo, a partir 
do fim do século XVI, só sobrevivem os cães que se tornaram selvagens. 
A carne seca ao sol (a carne-de-sol do Brasil) é acima de tudo um recurso para 
as cidades do litoral e para os escravos negros das plantações. O charque • ..-arn~ 
cle~ossada e seca, fabricada nos saladeros da Argentina (também destinada aos e;-
cravos e aos pobres da Europa), é praticamente uma invenção do inicio do seculli 
~IX. Por um justo castigo, vemos, no galeão que vai de Manila a Acapuko. 30 
fim de sete ou oito meses de um interminável regresso (1696), um viajante delica~" 
devidamente condenado a, ''nos dias de carne", comer "fatias de vacas e de bula· 10
' seca<o ao ~01... e que são ião duras que não se podem mastigar sem as bacer Ju· 
ranti: mu110 1empo ··on1 b .. d . • · 1·1·ºrt'OI<'> 
. ~ um oi:a o de madeira da qual não sao muuo l 1 " 
nem t.lige ri-la~ ' cm um bom purgante" .Mais r~pelente ainda o~ verme~ pulufJnl 
llC\lC\ JlltVôfO I' t2 ' · k't• 
, \O\ ª 1111c n10, ' · A necessidade de carne t'videntt'mentc. n:k' tt'lll 
ou ª' tt:m pouca\ A , · • • . · . · )S JJ• 
Anl.11 . 1 · \\lm, '
1 dc~pcno de alguma repugnancw. os t11l'iu'! t'tH 
1 la \, 1 a como º' nc 1 · · d rdl'l•'11 
eia Jovcn, • e 1, gro'. la A f ~11:a, ma1am e comem os macaco~. e P 1 1. ,1," <= , m ,uma º' 1111 ~c1"v . , b · r t" tle iu · lorncdcJ .. fl 11 ' · " 1:1., e os po res Judeu~ compl'<l!H ra 1 • tlll' " or !a 10, C\pci:i-ti . . lo 111~· 111ocJo crn A •1x . 1, ' s, " que a~ pessoas vulgares tt·111 h•lfl or · ( ... 111,r ' " Cll · 1 Cl\ICll(;C ~A ( , t' tl ,v 
" hrn," . .. . • · " po1 vo ta llc 1 ó90 se 1.·tu11ci;a a 111at,11 1 "' · ~"ª c.1rnc l.la f!íl 1 1 " • 11111 ,.t 1 11• •11a111 0 11 •1 !)' li l e que tcvt: d11ra111e muito 1c111po fa111 ~1 de '~1 c:lll 
"' , 1ncu11a 1l'a '' ·t .. 1 ,, l H u111, 10 enojado . ' l .tl nc t l ' cavalo 't' Vl'tHk 110 m1.·rrath> . n lll • 
• um v1aia111c l 1 a tll'l''"' 
Alimentos e bebidas 
er belll demais. 
Cof// ·travagâncias da 1ne.\a 
011 as e.\ 
1'6r u 
111e1u 
Passados os sécu los XV c XVI, o grande luxo da mesa na l:uropa lerá 'd 
. ·1 . d F . ' ' SI o quando muit~ o de raros pnv1 eg1a os. '.c 11 0 de extravagâncias, incide nos pratos 
r:iro~ consumidos ab~indantcmcnt.e. Os criados comem a seguir, e os restos, mesmo 
·siragados, são vendidos a regateiras. Extravagâncias: mandar vir para Paris uma ~;rla~uga de Londres, "é um prato [ 1782] que chega a mil escudo\ e sete ou oito co-
mensais enchem-se com ele''. Em comparação, um javali na bra!'.a parece muito vul-
gar. "Sim", diz-nos mesmo uma testemunha, "vi-o com os meus olho:. no grelha-
dor: 0 de Saint-Laurent não era de melhor tamanho. Rodeia-se de um brasido bem 
quente, lardeia-se de foie gras, esfrega-se com gorduras finas, inunda-se dos mais 
saborosos vinhos, é servido inteiro com a cabeça ... " 65 A seguir, o~ convivas mal pro-
\ amas diversas partes do animal. .. Facécias de príncipes. Para o rei ou para as casas 
opulen1as. os dispenseiros enchem o amo do melhor que há no mercado, carne, caça, 
peixe. Para a "arraia-miúda" vão as peças inferiores, a preços superiores aos que 
os ricos conseguem; e, o que é pior, mercadoria normalmente adulterada. "Os carni-
ceiros de Paris, nas vésperas da Revolução, fornecem às grandes casas o que há de 
melhor no boi; vendem ao povo o que têm de pior e ainda lhe j untam alguns ossos 
a que ironicamente chamam brindes." Os pedaços muito inferiores, os "miúdos", 
sebos ou aparas que os pobres comem são vendidos fora dos talhos66. 
Outros exemplos de pratos raros: galinhas-do-mato, ou então hortulanos: 
consomem-se 16 mil libras deles no casamento da princesa de Conti (1680)67• Este 
pássaro das vinhas abunda em Chipre (que, no século XVI, o exportava para Vene-
za conservado em vinagre), encontra-se também na Itália, na Provença, no Lan-
guedoc68. Ou as ostras verdes. Ou as ostras novas de Dieppe ou de Cancale que 
chegam em outubro; ou os morangos; ou os ananases cultivados em estufas na re-
gião de Paris. Para os ricos, também, molhos complicados, até demasiado compli-
cados, que misturam todos os ingredientes imagináveis: pimenta, especiarias, amên-
doa~. âmbar, almíscar, água de rosas ... E não esqueçamos os preciosos cozinheiros 
do Languedoc, em Paris os melhores de todos, pagos a peso d e ouro. Se o pobre 
Quiser participar nestas festas tem de se entender com a criadagem ou ir à "feira'' 
de Versalhes: aí se vendem os' restos da mesa real de que um quarto da dita cidade 
não tem vergonha de se alimentar: "Um entrou de espada à cinta e encheu-s~ co~ 
um rodovalho, uma cabeça de salmão, naco fino e raro."69 Talvez fosse ma.is a\1-
\ado e 1entador ir à casa de assados da rua La Huchette, no Quartkr Latm. ou 
ao cais de Vallée (o cais dos galináceos e da caça), escolher um capli? no sal gros~o, 
/lC'>Cado na "marmita perpétua", pendurada de uma grande crcnrnJhe1rn onde é post~ 
a co~cr com muito~ outro~ capões. Comê-lo em casa bem quen1e "ou a dois p~ssos 
dali , regado com vinho da Borgonha ... ,,70 M ns isso slio maneirns d~· burgues! 
() J . • 1 . lh ·i 11os !luarclana-uxo C\lá também na mesa, na louça, nas prain~. 11.1 º" . '· · · vvi P<i~. "º' .. d 1 b · •: 1 1•·111, tHl wntlo ·" · 1 cm1 e a ro\ na dci.:oraçào da ~ala ele J:tnlllr. '-"1 < • 1 l<1v1:i oh-' b' ' d l·I 1 ·11 ·rn~«I\ à n1mp i-a 110 dt alug<H hchl\ 1 c~idênda,, ou 11ll'lho1. e < c:n 1 • f 
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. . Alimentos e bebidas 
d aga dos guardas, pois o C))talaJadeiro cnt regava rcf · -ida e P . p . . . ·- c1çoes cm do · ·1· 
e . ceber os arn1gos. or vezes, o anf1tnao provisório in . . . m1c1 10, e 
assun re . , . d 1 . crustava-se na e· . • •rdadeiro propnetano o · csa 01assc. "Monsenhor Sal . . · . . asa ate quco vc.: • d • v1at1,onunciodo . f · forçado, no meu tempo, .1 rnu ar-se trcs vezes em dois , ,, Pa-
ra. º'. (l S57)1 1. mcse~ • conta um 
ernba1xador · . ~ . 
Assim como há res1dencias suntuosas, também há alberou 
• "f' L e . . o e~ Sllntuo~o~. l·m 
eh. tons (sur-Marnc), 1camos no a owonne, que e uma bela ca a d a ., M . 72 :> on e !>ervem 
bal·xela de prata , conta onta1gne . em ' . 
Mas coloquemos dev1dament·c o problema: como pôr uma mc'la para" . 
d 1 d d. - uma com-panhia de trinta pcss~as e e eva. a con . 1çao que se ?eseja tratar suntuosamente"? 
A resposta vem num hvro de cozm?a de inesperado titulo: Les défices de la campag-
1Je. de Nicolas de Bonnefons, publicado em 1654. Resposta: dispor catorze talheres 
de um lado, catorze do outro e, como a mesa é retangular, uma pes~oa "no topo 
de cima", mais "uma ou duas embaixo". Os convidados ficam "à distância entre 
si do espaço de uma cadeira". Deve "a toalha cair até o chão de todos os lados. Deve 
hal'er vários trinchantes e pousa-travessas no meio para pousar os pratos volantes". 
A refeição terá oito pratos, sendo o oitavo e último constituído, a título de exemplo, 
por doces "secos ou líquidos", "glacis" em taças, almíscar, drágeas de Verdun, açúcar 
"almiscarado e ambarizado ... " O chefe, de espada à cinta, dá ordem de mudar os 
pratos "pelo menos em cada serviço e os guardanapos de dois em dois". Mas esta 
descrição cuidadosa, que diz mesmo como devem "alternar" as travessas na mesa 
para cada prato, não diz como se dispõe o couvert de cada conviva. Nesta época, 
compreende apenas um prato, uma colher e uma faca, mais raramente um garfo in-
dividual e por certo nenhum copo, nenhuma garrafa diante dele. As regras de etique-
ta continuam a ser incertas, uma vez que o autor recomenda, por elegância, um pra· 
to fundo para a sopa para que os convivas possam servir-se de uma vez' 'sem tomar 
colher a colher num prato, por causa do nojo que possam ter uns dos outros" . 
Uma mesa posta à nossa maneira, o modo de se comportar, são pormenores 
que o costume foi impondo, um a um e de formas diferentes conforme as regiõe:.. 
Colher e faca são hábitos bastante antigos. Contudo, o uso da colher só se gene:a· 
hzou no século XVI bem como o hábito de fornecer facas: antes, cada conviva 
levava a sua. O mes~o quanto a cada qual ter o seu copo, à sua frente. A delic~d~­
za antiga mandava cada qual esvaziar o seu antes de passá-lo ao vizinho, que lazia 
0 mesmo. Ou então, a pedido o criado trazia da copa ou do aparador jumo à mesa 
do\ convivas a bebida solicit~da vinho ou água. Conta Montaigne que no sul da 
Alemanha, que ele percorre em '1580 "todos tinham um cálice ou taça pousa.do 
no seu J' ál ' 1·1ça mal fo:a 
. . ugar, tendo quem serve o cuidado de encher esse e ice ou ' • 
V;u10 \e . h d . · ·irro de esrnnho 
• m O mexer do seu lugar vertendo de longe o vm o e unn J• . • 
ou de rnad · ' r 0 ei.:onom1za po 
. eira com bico comprido"73 Solução elegante e que n.i 
!><141 1n· · · ado no se11 l11 
" ' as, neMc ~erviço cada "h6s1Jcde" deve ter diante de si (.JJOllS 1, . , ª') urn Cál' , d M u igne Clh .1 l o11 1iv· 1. •cc próprio. Nesta mesma Alemanha do 1empo e on 1 · , t~l·i d<' " em tamb , · c1cs uma e~" lll • ' 
r!Jad . cm um prato de esrnnho ou de madeira. por v, . . r .11io, tira ern " • . 0 , t s dl' 111a, t•1ra, l d1110 cuna, um prato de estanho por baixo. s prct 0 Prov·11 • • .~ . t XIX 
•• . ' • lllautern-sc na Alemanha rural até o sccu o ' · . . 1 0~ .:ou •••a1an1e d d'os e rt•c1111nt .1c o~. 1 1 vii~ e ~ c~tc~ aperfeiçoamento~ mais ou 1ne11os wr 1 < •• ·li<Jir" 11 rn.1 
f ontema , " b , ou 11111 trai/< • <lllà ele , ram-.1e duramc muito tempo com 11111a tu 11ª . 1. l•a~t:na para Pao 0 11u •·si·i 1•r,1lll ( ' e pou1avam a cai nc14. Nessa alt11lll, a ll'U'-· ' " 181 
... 
. -_ ....... -----~-·-
Alnne111os e hebidas 
d lodos: cada qunl 1a lá bu~car com a~ mãoi. o bocado que escolhes'e 111 o e para "" · " · "S l s d l , · 
1 bserva .1 propósiio do!> .10111sses . ervcn - e e antas colhere• d oni:ugne o • , • · 1 · . d . ' e d abo de Prata quan1os os homens ( eia-se. a ca a conviva a sua e mn eira com e . . o. 
lhe ri e não há Souisse que não tenha 1 aca, com a qual pegam cm ludo e nunca Pôern 
• 10 "'~ Os museus guardam colheres de pau com cabo metálico na· :i nwo no pra . · · · · . _ . ' o ncccs~ariamenie de prai a, e fncas de diversas forma~. Mas sao velhos instrumentos. 
N~io é 0 t:aso do garfo. Claro que~ garfo muito gr~nde eon: dois dentes que 
era usado para servir as carnes aos convidados, para mexe-las no forno ou na cozi. 
nha, é antigo, mas não o garfo individual, salvo ~ma ou outra ex.ceção. 
Este data, mais ou menos, do século XVI e difunde-se a partir de Veneza e 
da Itália, cm geral, mas com lentidão. Um pregador alemão c~ndena o luxo diabó-
lico: ier-nos-ia Deus dado os dedos se quisesse que nos servissemos deste instru-
men1o? Momaigne ignora-o, uma vez que se acusa de comer depressa, tão rapida. 
mente que "por vezes mordo os meus dedos com a pressa". Aliás, admite que pou-
co "ajuda com a colher e o garfo"76• E em 1609, o senhor de Villamont, ao des-
crever com muitos pormenores a cozinha e os hábitos alimentares dos turcos, acres-
centa: " não usam garfos, como os lombardos e os venezianos" - como se vé, não 
diz os franceses. Na mesma época, um viajante inglês, Thomas Coryate, descobre-o 
na Itália, acha-o engraçado, depois adota-o, para grande gáudio dos seus amigos 
que o chamamfurciferus, porta-garfo, ou melhor, porta-forquilha77. Terá sido a 
moda dos morangos que forçou os convivas a usar garfo? Duvidemos. Na Inglater-
ra, por exemplo, não figuram garfos nos inventários antes de 1660. O uso só se 
generaliza por volta de 1750. Ana da Áustria, durante toda a sua vida, mameve 
o hábito de enfiar os dedos nos pratos da carne78. A corte de Viena fez o mesmo. 
pelo menos até 1651. Mas na corte de Luís XIV, quem se serve de um garfo? O 
duque de Montausier, que Saint-Simon diz ser de um "asseio tremendo" .. ào o 
rei, a quem o mesmo Saint-Simon gaba a habilidade para comer um guisado d~ 
aves com os dedos! Quando o duque da Borgonha e os seus irmãos foram admiti-
dos à ceia do rei e pegaram no garfo que os tinham ensinado a usar o rei proibiu-
os de se servirem dele. A anedota é contada com satisfação pela P aÍatina que. por 
~ua vez, declara " sempre se ter servido, para comer, da faca e dos dedos ... " 79. Dai 
ª ab~~~ância de guar~anapos fornecidos aos convidados, cujo uso, porém, s.o _se v~l~anza ~ntre o~ ~articulares no tempo de Montaigne, ao que nos diz o própnoso. 
Dai iam bem 0 ~~bito do "lava-mãos", com gomil e bacia, muitas vezes repeiidli 
ao longo da rele1ção. 
Um '>avoir-vivre 
que :.e inHula lentumente 
l; \ta\ t ran~formaçó' on· do ·10~ r>!> •0 0 . ~~ que rcprc~cn1 am um novo .yuvoir-vivre foram Sé 1111P ' · uc ~- propno luxo 1 • · · 1 ,-.ir-
rcm1.: na ,, . . . te uma sala rcservnda às refeições ~o se 10 111•. . 
, rança, com o ~frui XVI . 11a li•• ~ lru Vll\líl coli nha. 0 e nas casas ricas. Antes, o sc:' rthor nin 
'I odo o cerimonial da 1 •I .· .. · . . . ·o. u.• l<J/1ttha a volta d e c iç.w rtnphcu criados mul1ipli1:a lht'' t) nunu.•• 
' o~ <:011v1v·" e • ' · a cof'·1 granck e a pc' 'lt•·n· ' • 11 •1º apenas cm Ver~ ·1lhc~ onde t: auvam .. 
" ~ " PU• a a tclci ·d • · I·' Rc:I · ~· º· tiu, tomo então :.e d11in. para a "carnt'' v 1 !12 
Tolher com cabos de marfim, século XVI!. (Boyerisches Nationalmuseum, Munique) 
Todo este novo luxo só atinge o conjunto da França ou da Inglaterra no século XVIl l. 
"Se os que morreram há sessenta anos voltassem, não reconheceriam Paris em ma-
téria de mesa, de traje e de costumes", escreve Duelos por volta de 176581• O co-
mentário aplica-se, sem dúvida, a toda a Europa, entregue a um luxo onipresente, 
e às colônias, onde ela sempre procurou reconstituir os seus hábitos. Por isso os via-
jantes ocidentais julgam muito mal, e de alto, os costumes e os hábitos do vasto mun-
do. Gemelli Careri espanta-se com os gestos do seu anfitrião, um persa, quase um 
senhor, que o recebe à sua mesa (1694), "servindo-se, em vez da colher, da sua mão 
direita, com a qual pega o arroz para o pôr no prato [dos seus convidados]"8~. Ou 
leia-se o que diz o Pe. Labat (1728) dos árabes do Senegal: "Entre eles, não se sabe 
o que é comer à mesa ... " 83 Perante juízes tão exigentes, só encontram tolerância 
os chineses requintados, sentados às suas mesas, com as suas taças vidradas e que 
usam, presos ao cinto da túnica, a faca e os pauzinhos (estes num estojo) de que 
~e servem para comer. Em Istambul, por volta de 1760, o barão de Tott descreve 
com humor uma recepção na casa de campo de • 'Madame la premiere Drogma11e' ', 
de~sa clas~c de gregos ricos ao serviço do grão-turco que adotaram muitos eosmmes 
locais ma, go~tam de se distinguir. "Mesa redonda, cadeiras à volta. colheres e gar-
fos, não faltava nada a não ser o hábito de usar as coisas. Não quenamos. porem. 
renunciar ao~ nos~o\ hábitos, mas eles começavam a obter dos gregos o apn:.,:o que 
nó~ concedemo~ aos ingleses e durante o jantar vi uma mulher pegar numa azcttona 
tom O\ dedo\ e depois espetá-la no garfo para comê-la il franct·~a . "b~ 
No entanto, ainda em 1624, uma lei austríaca para a pro' incia da Als:kia. Je1o-
tínada ªº' J011en~ oficiais, mencionava as norma~ a observar quando ro .. ~.:m con' 1-
dado\ para a me\a de um arquiduque: ap1e5entar-se em traje adequadu. 11;h> d1c-
gar meio ht bado, não beber a seguir a cada bocad o, limpar aclequacla111cntc º' b1-
~odc~ a111c, de beber, não lamber (l\ dedo~. mio e~carra 1 no prato, n,1l1 " ' ª"ºª' 
~ ioalha, nao "emborca r" co1n clcmns1ada bestialidade ... Ebta~ i11Mrt1\'ÔC.'> d:11,10 
ao lcilur 4uc pcn,ar quan10 ao ll:qui11t c da \ 111a11c ira~ na l!nropa de R1d1di<·u~'. 
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BORGES
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Alimentos e bebidas 
A mesa 
de Cristo 
Nesra viagem pelo passado, nada de mais in~trulivo do que os quadros ante-
riores a estes requi ntes tardios. Ora, es tes quadroli, com as s uas imagens de refei-
ções ant igas, são inúmeros. Sobretudo essa últ íma refeição ele Cristo, a Ceia, re-
presentada e'.11 milhares de exe~p}ares desde que há rintorcs no Ocidente; ou are-
feição de Cristo em casa de S11nao, ou as bodas de Canaã, ou ainda a mesa d os 
peregrinosde Emaús ... Se nos esquecermos por momentos dos personagens patéti-
cos para ver apenas a mesa, as toalhas bordadas, o s assentos (escabelos, cadeiras, 
bancos) e sobretudo os pratos, as travessas , as facas, perceberemos que antes de 
!600 não se encontra nenhum garfo, quase nenhuma colher; à guisa de pratos, fa-
tias de pão, bandejas de madeira redondas ou ovais, discos de estanho pouco cava-
dos cuja mancha azul é de regra nos quadros da Alemanha meridional. A fatia ou 
talhada de pão duro encontra-se muitas vezes sobre uma placa de madeira ou de 
metal; a sua utilidade: beber o suco do bocado cortado. Depois, este "pão-prato" 
era distribuído aos pobres. Sempre uma faca pelo menos, por vezes de grande for-
mato, quando é única e tem de servir para todos os convivas, outras vezes peque-
nas facas individuais. Claro que o vinho, o pão, o cordeiro comparecem ao encon-
tro místico. Claro que não se trata de uma refeição copiosa ou luxuosa, a narrativa 
ignora os alimentos terrestres e não se detém neles. Contudo, Cristo e os seus após-
tolos comem como os burgueses de Vim ou de Augsburgo, uma vez que o espetácu-
lo é quase o mesmo quando se trata de representar a s bodas d e Canaã, o festim 
de Herodes ou a refeição de um jurista de Basiléia, rodeado pela sua família e pelos 
seus atentos servidores, ou de um físico de Nuremberga pendurar o espeto , com 
os amigos, em 1539. Que eu saiba, um dos primeiros garfos a figurar numa Ceia 
foi desenhado por Jacopo Bassano (1599). 
Alimentos cotidianos: 
o sal 
Mas viremos a página do luxo para passar ao cotidiano. O sal servirá para nos 
chamar à ordem pois este bem tão vulgar representa um comércio universal. obn-
&atório; é um bem indispensável aos homens, aos animais. á salga das carnes e d os 
peixe~. tão importante que os governos se interessam por ele. É uma grande fonte 
de riqueza para os Estados e para os mercadores, tanto na Europa como n:i China; 
ai v?haremos. Jndisrensável, força todos os obstáculo~. valoriza todas as rnerc:i-
d?nas. Como é pesado, utiliza a:. vias fluviais (sobe o Ródano) e o serviço dos na-
vio~ do Atlântico. Não há min•t ele ~a i-gema que 11:io st·ja explorad:l. As salina~. 
no Me:dit crrá11eo ou 110 Allftntico, estão todas nos paísi::s co111 sol, qui;- sfio caroli-
lo\, e oi. pescadores do Norle, pro1 esta11tcs, preósam de sal de llrouage, d t· 'etubal 
ou de San l.úcar de llarrameda. Ora, a troca foz-se sempre. a dci;pc1rn das guerra' 
e corn grande~ lucro~ dos vas tos consórcios de mercadores. As plm:as ele ' ª ' do S:ia 
ra C~kg,am à Ál'ric<1 Negra u c1c~pd1o do descri o, nas car:11'anas de ca111dos. ttocando-
~e, e ceno, por ouro cm r>ó. nw1 l'im du~ prc'íl~ d e cldu11tc l>1 1 e'l·ravus nc!(ro~ . T:io-
t o ba~t ·1 1)· · 1 · · · · • 1 · . t" 
· ' Ma revc ar a~ 1rrccu\nvc1\ cx1gc11c111s l es!>c tJ a 1.:0. 
185 
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Alimentos e bebidas 
bé 11 termos de economia e de distância a percorrer D . . 0 nos fala tam m, ei d · 1 •o iss , d V 1 " Nestas regiões que bor eJam ova e do alto Rócta ntão smço o a ais. - J • pequeno ca ' . uilíbrio entre recursos e populaçao, sa vo quanto ao ferro 
no, há um perfeito eq ·te último de que os habitantes precisam para criar 
0 e ao sal. Par~icul~:me~itea~: as salgas'. Ora, 0 sal chega-lhes, a este cantão dos AI. 
gado. para .os ~ue1J~S dep Peccais (Languedoc), a 870 km por Lyon; de Barletta, a 
pes, de mmto onge. · 2 300 km também por Veneza86• l 300 km por Veneza; de Trapam, a . " . 
· . 1 · • bstºttii'vel 0 sal é um alimento sagrado ( no hebraico antigo Essenc1a , msu 1 • · , · , · d 1· ' 
· 1• • 1 axe atual alimento com sal e smommo e a 1mento sagrado"). como na mgua ma g ' . , · · 
E d ·oinedores de insípidas papas farmaceas, ongma um grande consu-Na uropa os e 1) U édº hº . 
mo (20 gramas por dia e por pessoa, o dobro do atua . m ':1 1co . 1stonador 
que Os levantamentos camponeses do Oeste frances, no seculo XVI pensa mesmo . . . , 
contra a gabela, se explicam por ?ma fome de sal que o fisco tena co~tranad~s1. 
Al. · m ou outro pormenor ensmam-nos, ou recordam-nos de maneira fortuna , ias, u . d ' 1 
numerosos usos do sal em que não pensam~s 1me 1atamente: P?r exemp o, no f~-
brico da bourargue provençal ou na produçao de conservas ~ase1ras que se vulgari-
za no século XVIII: aspargos, ervilhas frescas, cogumelos, m1scaros, tortulhos, fun-
dos de alcachofras ... 
Alimentos cotidianos: 
laticínios, gorduras, ovos 
186 
Também não há luxo no domínio dos queijos, dos ovos, do leite, da manteiga. 
A Paris, os queijos chegam de Brie, da Normandia (os angelots da região de Bray, 
os livarots, os pont-l'évêque ... ), do Auvergne, da Touraine, da Picardia, e compram· 
se sobretudo nos regateiras, esses vendedores de tudo a varejo ligados aos conven-
tos e aos campos próximos: o queijo de Montreuil e de Vincennes é entregue ''coa-
lhado e escorrido de fresco em cestinhos feitos de vime ou de junco", os joncl1éeS'8• 
No Mediterrâneo, os queijos sardas, cacio cavalloB9 ou salso, chegam a toda a par-
le, a Nápoles e a Roma, Livorno, Marselha ou Barcelona; são exportados de Ca-
gliari ao~ barcos inteiros e vendem-se a melhor preço até do que os queijos da Ho-
landa que, no século XVIII, acabam de invadir os mercados da Europa e do mun-
do intei'.º· Já em 1572 milhares de queijos holandeses chegavam de contrabando 
a América espa,nhola. Em. Veneza, vendem.se queijos da Dalmácia e as enormes 
rod7!as <.lc que110 de Cand1a. Em Marselha, em 1543, consomem-se, entre outros. ~ueiJos do Au~ergneW. São tã? a.bundantes nesta última província qut\ até 0 ~."'­
culo, X VI , cons111uem a base pr111c1paJ da alimentação. No século anterior• o qtk'IJO 
da Uran~c Cart~ixa, no Delfinaclo, passava por excelente e empregava-se em fo// -
di'.es n'.1 França Já antes do século XVIII. Por volla de 1750, a Fran<,:n importa Jtl 
innad 4nu1S1~t:116~.dc gruyere por ano. É "falsifii.:ado 1 ... 1 no Franco-Condndo. na Lon~-
' a av ia e 110 Dei finad " • b · 'Ili 
0 preço dei< r· · 1 - .
0 
e, em ora estas imitações não tenham a tmml n1.: . 
> igina , ~ao muito conh ' · ·'· . E . · . de 11111-tação do p·irm ·~'io . (Cluc\S. ·m i.:ontrapart1da, a~ tenrat1vns 
' e. ' , P()r exemplo n·'t N . d' - . 91 O qu
·"iJ·o l) f() I •• 1 b • ' º' m.an 1a nao tiveram srn:csso . 
v • cu a arata ~ 1 8 ·opa e viva \<ntdadc p'ir·• 4u· 1 ' e um e. os grandes alimentos populares da ui 1 
. 
· ' u <1 quer e urop . ... · ºbTdat e> de obtê-lo. Por voha tlc 1698 1, .. eu º''ngado a viver longe sem po~s 1 1 ' . le-
, ltl 1.:ainpo11eses na França que ganham fortu11<\} 
BORGES
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/1 f11111•11f111· " ln·/mfus 
do nm'lft)' pa1:111' l"\l' f t" tlt•' qm comhatcm na 11 <\h;1 e n,1 l\h:m·uih· 1 l . ian " 1. I • ' .1 . •1tav1.1 
. 1 •11 1 iirlll'llfL' na 1.111\.i o quu10 'º cnlamcnt c a1 111g1u .1 'º 1 f"I 1. • t' r.1r ,, . . • • ' Ili .u,::11' i;uh 
1 , 111 "lltlfln::.1 <h li\"'' dt t1111nh,1 concedem lhe pmiu ... nana.' . . 'e,p,1c;1J,' "' 1 J~ '" '' Ljllilltd.ldl·' l dl'\ll'lld\'\lC\ C\(X'l.:lal\ . () (.jllCIJ0 0 <k. ·1hr ·1 . J l:tlll Ü·•' . ' . . ~· ' (; ( l:\flf l'/,1cl11 
,·der·1th> 1111e11t11 ,w, dl' 01 d li:1 l' dl· v;i1.:ii. /\inda cm 170?. 11.1 l>pir•i 1 ' ((lll>I ' • • ., < ' ,111 ( I' 11111 d.·~ l l'llll'l,. h.1 ,qll'll:I' li l'' 1•1,111dc\ quelJO\. ''{) roaue/ort <> f.J"r 1111.' 1n•. . • , " 11u·~w1 " 0 ,, 
que , êm de ~ª''ell<ll'l nn Dl'll1 11,1clo, 1 • 1 '>erv1do' él\ me~a\ llléll\ dllítada .,. () 
l(e ,.0 ,.1 rc•'l'lra t'lllaO ,1 \Ct1d<1 dl' 111.11\ de 6 nul qwntar \ pcir ·ino <; roQ .t' <" • • 1a11rn"J:'' 
. urna mi~t111a de k 1lt'' de v;1ca, l«1bra e 1wclha \ubmetr<la a cbuli<;tio. <> fJWn 
e I .. 1 1·1 ·' . wzan (bem como 0 "11U1r.10 111 t c · 01 t·1u,:a, que ucpo1' pa\~Oll de moda) tinha \Ido um·i 
aquisição d.r' ~p!err•" d.1 llaha. dq101s do regres~o de (.~rio'> VIII Contudo, dil!.<i 
Lemery o que d1s:-c1. quando, em 17 18,o çardeal Dubor<,, na cmlJéuxada un l .cm 
dres. escrl•ve ao seu ,ob1 inho, que lhe pede ele que mande de f'arí <,? ·1 ré\ dút1a 
de queijos de.> Pont ·l' L' êque, out 1 os tantos marolles e bries - ma1., uma pen ça, 
As qualidade~ de qucrJO têm ja os seus fiéis e os seu~ apreciadore5 • 
Em todo o Islã e are a lndia, assinalemos o importante lugar ocupado por ah 
mentas humildes. mas dieteticamenLe ricos: leite, manteiga, queijo. ~1m, ob\erva 
um 1iajanre em 1694, os Persas gastam pouco, "contentam-se com um pouco d 
queijo e de leite azedo em que mergulham o pão da região que é tão fino como 
lacre, sem gosto e mui lo amargo; juntam-lhe, de manhã, arroz (ou pilau) por veze, 
cozido só em água"94 • Mas o pi lau, muitas vezes um guisado de arroz, é para me-
sas de geme abastada . É seguramente o caso da Turquia, onde o:. laticínio\ ~implc~ 
são quase o único alimento dos pobres: leite azedo (iogurte) acompanhado, con-
forme a estação, de pepinos ou de melão, de uma cebola, de uma pêra, de uma 
papa de frutos secos. A par do iogurte, não esquecer o kaymak, nata f'ervida leve-
mente temperada de sal, e os queijos conservados em odres (tului11), em roda~ (le-
kerlek) ou em bolas, como o famoso cascava/ dos montanheses valáquios, e\pon.t-
do para Istambul até a Itália, queijo de ovelha submetido a sucessivas cbu liçõe,, 
como o cacío cavai/o da Sardenha e da Itália. 
!'\tas não esqueçamos, para leste, a vasta e persistente exceção da China· i~nora 
Sl\tematicamente leite, queijo, manteiga; vacas, cabras e ovelhas são cnada, a1 ape· 
nas pela sua carne. Então, o que é a "manteiga" que o senhor Gu1g111.'o, pl' º"" 
comer9s? Na China, só serve para alguma pastelaria. Neste ponto, o Jap:10 parulha 
a repugnánc1a chine\a: mesmo na~ aldeia~ em que bois e vacai; servem par.1 o traba-
lho da terra . o campo nê~ do Japão, ainda hoje, não consome p1 olluco' lalteo' por-
que lhe parecem "~ujo~"; tira da sojn as pequenas quantidades ele olet) de que ncec,-.1 ta 
O leite, pelo conr rúrio, é con~umido em tão grande~ quant 1d.iue' 11.1, e1daJe, 
do Ocidemc que levantu problema' de aba\tC<.:t mento 1 111 I ondrc·-. o nll1,11mo :111 
menta em todo~ o~ 111vcr noio, quando toda~ a~ 1 a1nífi:1, nc.i' e\t~10 ll<J i.:ap11.il. d11rnnu1 
no vcrfü> pela 1 a1ão i n vc1 "ª, ma~, de vcriío e de inverno, da luj.tar a 11 ma 1 raude l\tl!an · 
t<:\ta O lt:11c é largament e "bat11adu" f1l''º' rl'vendrdorl''· ou nw,uw n.1 p11ld111;;h1 
''Oii-\e qu1; 11111 gr3ndc propnctú11oclo '-i1111 t'\' (18011 tt•n111ma hv111ba (n 1 'º" kih' 
rial tonh1:1.:1da pelo 110111c de f a 1110,,a 1'éH:a pr ct a, por q11t• cq,1 p111t ada de,t .t 1.'PI t' ~·1 
ran ti.:m que 101111.:1.:e mai o, leit e do qrn; 1od;1' "' vtH.':t' junta,."'11• Oh,cr1<ulll1' anl<''• 
no ~éçu(o precedente, ern Valladolrd, o c't>l't<1c11lo l'llt1d1 .1110 d,1, 111;1\ <tt11lh.id.1' P•H 
mar~. de 400 burro\ que 1ra1ern <1 1t-11c do\ l.tlllflO' ' 11111htl'> t' .1h.1'tl·ec111 •1 dd.idc dr 
Qucrios coulhmlo,, 111a111 ciga e 11:11 a c11 ra qualidade e brn11 p1 e~·o no' g,11 .lllll' 11 11•11<1tlll' 
187 
4 fl/lll.!flfo.i e /le/11das 
, . ·~ ii irnl qirc 1 ilipc Ili em breve trocará por Madri 
- I:.ldor::ido 1:su 1;., 1 d . . , Onde ro11ugue~. ' ' d de aves vendcm-~c 1 O( os os ias mais de 7 mil P 
d l icta· no mcrca o · • . 1 f . eças 1u o" 1u1 · 1 undo 0 püo cxcclcnl c, o v1n 10 per eito e o abasteci ' , ro é<> melhor com · . . rncn. 
o c:irm:i _ . . 1 p·ira a Espanha, onde e rrnrtu.:ula rmen te raro91 . d, J-111c1nios um uxo ' . 
10 ~ ' . • • cetuando as imensas zonas da 1nantc1ga rançosa, do Norte d· A nrnn1e1ga, l:X . f ' J · . N , d E a 
. . .. d . até mais longe. fica con 1na a .to orte a uropa. o rest /\lncaaAlcx.1n nae . . h . o 
' . l l ' é dom in ado pO I pingue , (O UClll o, azeite. A França resurn do pequeno con1111c1 ~ ' . h p J ... e 
. f"a v·iri·:ida dos ingredient es de coz1n a. e as margens do Loire cm 51 csl <1 gcogra 1c ' ' ' . . • " 
d le\·1.0 rio de manteiga; em Paris, o seu LaM) e de regra : Na França corre um ver ª' _ 1• d . • 
. - , f"? molho em que ela nao entre. Os ho an eses e os povos do Norte qua~e nao se ,..,_ · d ' · 
e dela ainda mais freqüentemente do que nos e 1z-se que e o que contribui >t' r\'em-~ ' · (1702)'>8 N (' para 0 frescor da sua pele", conta Louis Lemery , . a rea idade: o uso da 
allteiga mesmo na Holanda, só se propaga no seculo X V 111. Caracteriza a cozi-111 ' b . d . 
nha dos ricos. As gentes do Mediterrâneo, o nga as a viver ou a passar por estes 
paises estrangeiros. ficam desola~as poi~ pensam que a rna~teiga se~ve para multi-
phcar 0 número de leprosos. Por isso o nco cardeal de Aragao, em viagem aos Paí-
ses Baixos em 1516, teve o cuidado de se fazer acompanhar pelo seu cozinheiro e 
levou na bagagem uma quantidade suficiente de azeite99. 
A Paris do século XVIII, bem ins talada nas suas facilidades , dispõe de um am-
plo abastecimento em manteiga fresca, salgada (da Irlanda e da Bretanha), até derre-
tida à moda da Lorena. Boa parte da manteiga fresca chega-lhe de Gournay, peque-
na cidade perto de Dieppe, onde os mercadores recebem a manteiga bruta que depois 
batem para eliminar o soro que ainda Já se encontre. ' 'Depois depositam-na em grandes 
montes, de quarenta e sessenta libras, e a mandam para P aris. ' ' 100 O esnobismo nun-
ca deixava os seus créditos por mãos alheias: segundo o Dictionnaire senrencíem· 
(1768), " há apenas duas espécies de manteiga de que a gente de bem ouse falar: a 
manteiga de Vanvre (Vanves) e a manteiga de Frévalais' >I 0 1, nos arredores de Paris. 
Os ovos são de consumo muito corrente. Não os cozer demais, consumi-los 
rrescos, os médicos repetem os velhos preceitos da Escola de Salerno: "Si sumas 
ovum, moffe sit atque novum." E correm as receitas para conservar os ovos em 
Lod_o 0 seu frescor. De qualquer maneira, o seu preço no mercado é de grande \a-
lor. mercadoria popular, segue exatamente as flutuações da conjuntura. Yt'ndeni-
\e algu~s ovos ~m Florença e já um estatíslico l02 reconstitui o movimento do cu>· 
lo d: v1d~ no ~cc ~rlo XVI . Só por si, o seu preço é com efeito. um teste valil1Sll ~obre o nrvel de vida ou 0 1 d d ' . ' , fc•lf•l d ·,. 1 va or o 1nhe1ro numa cidade ou num pais. 1 O " o ~ccu o XVI I , houve OC't io- . ,, . . . do1~ 
b . '~ es em que se pocha escolher entre l nnta ovo~. rorn º'ou uma galmha por . ld .. .. (lti9-fl. 
11 0 , • . • . ,- _ um so o ; na eslrada de Magnésia para Brousse . , v1ve1 cs nao -'>ao caros· l ' . . . , ,. 11111t,1 por UCZ Uíll bom I' • . ~lll ·Se SC[C OVOS por um para f = SOldol. ll íll<I g,1 (Í 
• rne <lO dt.: inverno po . 1 · ,ter cont 
num _.,ó dia pelo me 11 1 l o is e tanto pão quanto se pu . 1, ~ 'º prec,:o'" em 1· · 0 1•ia1111 · JH:11 o de Aç 1 • cvl!n·1 ru de 1697 nota este mesm ' ' I<' apu co, 11a Nova t!> t>a 11 , " ' 1m•d,1 < <>11 0 132 ' oltlo\1110.- tini- 1. • 
1 1
" • o hosped1:i ro fat-mc pagai 111na 11 " 
1 " ga 'nh·' e º' IH i O\ <111 <11t n1 riarre d- . 1 ' " "OVO\ a 11111 i;oldo cath um" ' . Ass1 r1 · · . . 
i.t a 1mentação h- U' 1 ' e 1t u~lll 
na'> 1:'\lalagem, tl<i Alcm·i 1 .. ' ' l l Uél dos t:uropcus. Dai <t surprrsa de fl'l <H1' '.10, , t 1 ' n 1.1 11 u11l:·i ~"r , rf'\( l>~ ' 'I 1ª1 O\ , 11a\ ~· d · ill ·t "1c14 · ' " vem 'ovos a núo ser ,· o i 1d(.lS , cti ' · 11 
• ' '\ 011 · 1 M ' ' > r<'~~· 
ª Ro1.na (1729) · C'> f>"' i t • u <e Onlcsquieu ao dci....-ir N·ipoles p:1ra '"~ · .111 1 • " L <1 - \c POrl111e .. , ' • tr·< 11< um rango, ncr11 um p011 b . neste vt: lho 1 <\do o viajautc 11iio cm:on ' l () lilUl ("' , ' 
188 • " " vcze-' 11cm uni ovo" 11''. 
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"Velha dos ovos. " Q11C1dro de Velásquez de 1618, antes da sua partida de Sevilha, sua ç1da· 
rfe natal. (National Gallene.1 oj Scotland,The Cooper /Jridxeman lihrary. 7.iolo) 
1\la.;, na Europa,'~"º \ão exceções, não a regra como no Extremo Oriente \'egeta-
nano, onde a China, o Japão, a Índia não di'opõcm de todo deste nco e banal comn-
buto alimentar. O ovo é muito raro e nao fa;- pane da alimentaç<io popular. o, ct.'I!! 
brt\ ovei\ de pata chinc.,c~. con<,crvados trinta dia\ cm salmoura, ~iio gulo,cima' U<' m:o 
AltmC'llto1 cot1dwno5· () l/úl: .• 11'111 do mar 
1 ••orrnc, a 1111porta111.1:i . il1111cntai do mar pmh;ria wr ,11nd.1 111.tt•lf l t>lll c1<~1 1~· ~il\ta .. H:f!IÕC\ 1g rtOl lllll, (I li q11<1'>C , O\ \C ll\ .i11111c1\IO\, qu.: fl(l cnt.lllW c\l.iO .ih 
u llt&U> 
11
. 1 1na11cam..:11lc o cu\O tio Novo M11 11 tlo ,, tlt:,pc1to do ' p c..,q111.·11\I\ Ll •
1
' \
1111 
l ij\ l tio\ >CU\ halllO\ de peixe, onue 0 ., 1 ia~tO\, d caminlin de Vcr.i t 1111 . laLl'lll 
l><u ~1: 11:\ 1 t 1 1 • ~.i d· • un lc111po t a l1110, t.1ptur a \ 11 111 a1.11lo\il\, ou a tl-'P"'''' l •' 11q11t:1a ")li 1 
" ' ~O\I ª' ·~ hilll<:<" dil 1 t:I r a No\'a que \Cf \ \.'Ili qua'L c":hl\1\ ,lllll'llll'. pd1> 111 c 
--
A fimentos e bebidas 
190 
. . ~ . ali·inentaç'io da Europa (embora toneladas de bacalhau eh no~ rnor11 anamenh.:, •' • • - . e-
é 1 XVIII -'s colônia~ inglesa:, e às plantaco. e.s americanas do Sul)· ou gucm nos cu o ·• · . . - dá d AI· . ' 
a de pci1 o do~ salmões 4uc sobem os no!> fnos do, Cana e o .. asca, ~u a despcj. 
d:. " do pequeno Mediterrâneo de Baia onde a subida da \ aguas fria• 10 o~ rccur'o . . . . , ,, 
• 1 do Stil explica uma caça ativa à baleia e a presença, Ja no scculo XVI 1 provc111cn es , • ~ CI · 'd· 1 d r • 
d d bn .0 , Na Ásiu só 0 Japao e a 1111a men 1ona , a oz do lang e arpoa ores ~e.; ,... • • • • .. • • 
T , . · · · 111 ~ de Hainào pra11cam a pesca. Em outros locais, trata-5e apena• se-" iang a 1 " • • • • d " 
ao que parece, de c:,parsos barco\, como na Malas1a, ou ao re or do Ceilão. Ou 
então trata-se de curiosidades, como esses pescad?res de pé.rolas do golfo Pérsico, 
perto de Bandar Abbas (1694), que "gostam mais de sardinhas [secas ao sol que 
são 0 seu pão de cada dia) do que das pérolas compradas pelos mercadores, como 
coisa mais segura e mais fácil de pescar" 106. 
Na China, onde a pesca de água doce e a piscicultura dão grandes rendimento' 
(apanha-se esturjào nos lagos do Iang-Tse-Kiang e no Pei Ho), o peixe é muitas vezes 
conservado sob a forma de molho obtido por fermentação espontânea, como em Ton-
quim: mas o consumo, ainda hoje, é insignificante (0,6 kg por pessoa e por ano); 0 
mar não chega a penetrar nesta massa continental. Só o Japão é largamente ictiófago. 
O seu privilégio tem-se mantido, e hoje {40 kg por ano e por pessoa, primeira fro:a 
pesqueira do mundo a seguir à peruana) ombreia com a Europa carnívora. A sua abun-
dância vem-lhe das riquezas do seu mar interior, mais ainda de ter à mão os pesqueiros 
de Yeso e de Sacalina no encontro das enormes massas de águas frias de Oia-S1'0 e 
das águas quentes do Kurosivo, tal como no Atlântico Norte, na Terra Nova, se da 
a confluência da Corrente do Golfo e da corrente do Labrador. A junção do plâncton 
das águas quentes com o das águas frias alimenta a abundância de peixe. 
Não estando tão bem dividida, a Europa tem múltiplos abastecimentos, a cur-
ta e a longa distância. O peixe é tanto mais importante quanto as prescrições reh· 
giosa~ multiplicam os dias de jejum (166 dias por ano, incluindo a Quaresma. d~ 
extremo rigor até o reinado de Luís XIV). Durante os quarenta dias da Quaresma. 
não ~e pode vender carne, ovos ou galináceos a não ser aos doentes e com duplo 
certificado do médico e do padre. Para facilitar 0 controle em Paris só o ".:arni· 
ceiro da Quaresma" está autorizado a vender os alimentos' proibidos e no re.:mto d H , 1 o· 101 D • . 
o ote · ieu · ai a enorme necessidade de peixe fresco defumado ou salgad•1 
. C..on1u_do, o peixe não abunda sempre ao largo das cos;as da Europa. O ~l edi-
1.crranco, 1ª.º louvado, tem recursos limitados, salvo raras exceções: o atum do B•1>-fo~o'. 0 ca~i~r .~º~ nos russos, alimento de categoria para os j~jurls da crbcanJaJ~ 
acc na A bis~uua , a\ lula~ e polvo:; secos, desde sempre providência do arquipeJ,ii:•' 
~n:f:º· ;•\ sardrnha' e anchovas da Provença ... O atum é apanhado rnmbém colll 
alrnatlr.1va no Nort<; da África . s· ·1· ..\1 r1<' 
• • n,1 • 1c1 1a na Provc1J1"1 na Andaluzia m> · gJ 
POílll!'llC\: Lagl)\ é o •r· d d ' ~·. e ' • . " 
d · g ª
11 e expe 1dor de tonelath~ de acum salgado ªº' t>.ir•• in1c1ro,, c~1111ado ao Mtditen ànco o N ' . ' • 
f-111 1:ompa1 il(,:ão d . . . , u ao one. ' ' 
lo M d. - • po c.;nws ft1l.ir de s11pcrubu11tl'l11da de 1cl·11rsos 1w~~C) p«lu 
' ' e 11erranco\ do Non • M· .1 ' ' '< 1 no Nu, cO\ta\ <h 1 urc \• ª
11 1: 1ª· mar do Norte. llaltil:o e, mais aintl.1. Jl'I ' " .• 
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Pesrn du baleia. Prato de Delft do 
seculo X I 'Ili. Museu Carnavalet. 
(Clicllê .\1ari11/w Nacional France-
sa/ 
entre o século XIV e o século XV, o arenque abandona o Báltico•09. A partir dai, 
os barcos holandeses vão pescá-lo nas areias quase submersas do Dogger Bank, ao 
largo das costas inglesas e da Escócia, até as Orcades. Outros barcos unem estes 
lugares privilegiados e, no auge das lutas entre Valois e Habsburgos, no século X\'!, 
tréguas arenqueiras devidamente acordadas, mais ou menos respeitadas, permui-
ram que a Europa não fosse privada deste alimento providencial. 
O arenque é exportado para o Oeste e o Sul da Europa, por via marítima. ao 
longo dos rios, de carro ou de carroça. A Veneza chegam os arenques boujfis. sau-
rets ou blancs: blancs, ou seja, salgados; saurs, isto é, defumados: boujfis, que pas-
~aram pelo bouffissage, ou seja, meio defumados, meios salgados ... Parn as gran-
de\ cidade~. para Paris acorrem os "caça-marés", pobres-diabos qne passeiam uma 
pileca carregada de peixes e ostras. "/\renques frescos da noite! ". ouve-Sl' ainda 
no\ PreJ(.iJes de Pans do músico .Janequin. Em Londres, é um pequeno ll1\ll a 4\ll.' 
pode dar-\c: o jovem e econômico Samuel Pepys, o de comer um barril de ')'Ira~ 
tom a n1ulhcr e C>\ amigo!>. 
Ma\ não \e pcn\c que o peixe de ma1 provê à fome na Europa. \ nlt'd1d,1 llll'' 
ºº' ala\lamo\ do litoral marítimo e chegamo'ªº' países cu1111m·111a1' dti CentH' 
()u do l i:\lc, o rcc.:Ur\O ao peixe de úvua doce vai ~e 1mpondo .:ada H't 111.11,. '\.h• 
lt~ rio, rihc1ra, atl'.: o Sena de Pari!., que 11ao tenha pc~cadore~ cn.::1rtadt" l> 1,llti,:111 
(juo Vol1•a é u111a rc~crva colo~~al. () l.oirc e célcb1t' por ~c1.1' 'ahnôi:' ,• t·.11p;h O 
Reno Pda, '"ª' pcrl.'.a\ bn1 V;1lladolitl, 11111 v1aja111<: porluguc,, d111.11111· ''' p11111,·1 
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