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Aula 1 - Conceitos Fundamentais
Teoria e Metodologia são dimensões essenciais para qualquer tipo de conhecimento, e a História não é exceção. Uma base teórica adequada e uma metodologia eficaz são vitais para a concretização de qualquer pesquisa bem-sucedida e para sua posterior exposição de resultados, seja em forma de texto (artigos ou livros) ou de comunicação oral (palestras e seminários). Quando lemos um bom livro de História, ou de qualquer outro campo de saber, mesmo sem perceber começamos a dialogar com a teoria implícita na obra; e, se o texto consegue nos convencer de sua veracidade e coerência, isso também se dá porque o historiador soube demonstrar adequadamente suas ideias e lidar com uma boa metodologia. É hora então de compreendermos com maior precisão o que significam essas duas expressões: Teoria e Metodologia
Teoria
Corresponde a uma determinada maneira de ver coisas, ou, por assim dizer, a uma certa “visão de mundo”. A origem etimológica da palavra “teoria”, no antigo idioma dos filósofos gregos, relacionava-se precisamente ao verbo “ver”. Quando, na vida cotidiana, conversamos com uma outra pessoa sobre determinado assunto, não lhe é raro lhe dirigirmos a seguinte pergunta: “qual a sua teoria sobre isso?”. Quando fazemos isso, estamos simplesmente querendo saber como o nosso interlocutor “vê” determinada questão, como ele concebe determinado problema, ou o que ele pensa sobre algo.
Uma teoria é, de fato, um certo modo de ver as coisas, ou de conceber um determinado tema em pauta. Podemos desenvolver teorias sobre a crise econômica, sobre as comoções sociais nos países árabes nesta segunda década do século XI, ou sobre a ocorrência do Nazismo na Alemanha na segunda metade do século XX. Podemos também assumir teorias, ou então incorporar certos vieses teóricos, acerca de todo um campo de saber. Assim, se pensarmos neste campo de conhecimento e de práticas de pesquisa que é a História, podemos começar a responder de determinado modo certas perguntas sobre o oficio do historiador, sobre a natureza da história ou sobre o que deve buscar o historiador no seu universo de estudos. Quando respondemos de maneira específica a estas perguntas, começamos a nos aproximar, dependendo das nossas respostas, de certos modos teóricos de pensar a História. Existe uma palavra muito utilizada para essas diferentes maneiras de conceber um campo de conhecimento como a História. Os “paradigmas” correspondem exatamente a estas maneiras específicas de conceber a História (ou outros campos de saber) que caracterizam os historiadores que partilham certas formas de conceber seu ofício e o seu campo de seu conhecimento. A palavra “paradigma” também pode ser entendida como “modelo”. O paradigma é um modelo que passa a ser aceito pelos praticantes de determinado campo de saber, mesmo que, no interior do modelo, haja variações e, obviamente, as contribuições pessoais e mais específicas de cada um.
Existem muitos paradigmas historiográficos (isto é, diferentes maneiras de ver ou de pensar a própria História). O materialismo histórico, um paradigma surgido a partir do século XIX, e que até hoje permanece como uma alternativa teórica importante para os historiadores, é um destes paradigmas. Mas há outros, como o Positivismo e o Historicismo, e também existem diversas outras correntes teóricas que dão determinadas respostas a certas perguntas sobre a história. Os historiadores, portanto, possuem muitas alternativas teóricas à sua disposição quando se trata de escolher o seu modelo ou a sua concepção da História, e é possível mesmo combinar alguns dos paradigmas disponíveis de modo a produzir novas alternativas teóricas.
É importante compreender que um paradigma corresponde a uma certa maneira de ver as coisas quando se trata de História, e que, ao optar por um paradigma ou por outro, ou ao compor o seu viés teórico de uma determinada maneira, o historiador começa a enxergar as coisas de determinada forma, a fazer à história certas perguntas (e não outras), a busca certos problemas singulares no vasto universo de questões que podem ser examinadas. Em uma palavra: ao fazer suas opções paradigmáticas ou teóricas, os historiadores estabelecem certos patamares que lhes possibilitam determinados pontos de vista. 
Um historiador influenciado significativamente pelo paradigma do materialismo histórico, por exemplo, irá buscar enxergar nas histórias os conflitos entre estes grandes grupos sociais que são as “classes sociais”, pois este conceito é basilar para este paradigma que é o materialismo histórico. Um historiador que aceita certos parâmetros proporcionados pelo paradigma do materialismo histórico também passa a se preocupar, em primeiro plano, com as condições materiais e objetivas que afetam a sociedade, que está sendo examinada – isto é, ele passa a se preocupar, na análise da sociedade em questão, com o seu “modo de produção” – este que é outro conceito importante para este paradigma que é o materialismo histórico.
Não é nossa intenção retomar estes conceitos e a sua discussão, que já foi objeto de aulas vinculadas à disciplina anterior, e que também pode ser consultada em artigos específicos sobre o tema (BARROS, 2010). Queremos apenas evocar o fato de que, ao plano da Teoria, pertencem tanto os “paradigmas” (as maneiras específicas de conceber a História), como os “conceitos” (expressões importantes que adquirem certos sentidos neste campo de saber).  A partir de certos diálogos com estes ou aqueles paradigmas existentes, e a partir da instrumentalização destes ou daqueles conceitos em nossas análises, o historiador começa a construir um certo viés teórico que poderá ajudá-lo na sua caminhada em busca da compreensão de certos problemas históricos que ele elegeu para seu objeto de estudo.
A noção de “paradigma” tem sido empregada com sentidos variados por diferentes autores. Por isto, é preciso indagar com cuidado em qual sentido a palavra está sendo empregada quando lemos este ou aquele autor. Crio Flamarion Cardoso dá ao conceito de paradigma um sentido mais abrangente. Ele define como uma matriz mais ampla de pressupostos adotados pela ampla maioria de praticantes de um determinado campo de saber, considerando que no interior deste mega-paradigma existem diferentes correntes teóricas a serem consideradas, mesmo que constrastantes entre si com relação a alguns aspectos. De tempos em tempos, pode surgir um novo paradigma contestando os pressupostos fundamentais do paradigma dominante, de modo que a história de um campo de saber mais poderia se assemelhar a um grande confronto de paradigmas dominantes.
A ideia de que a história de um campo de saber consistiria em uma luta de vida e morte entre paradigmas que querem se afirmar como dominantes foi aventada pela primeira vez por Thomas Kuhn, no livro As Estruturas das Revoluções Científicas (1962), se bem que Kuhn, um físico que estava especialmente preocupado com as ciências exatas, tenha em outra oportunidade admitido a ideia de que as ciências sociais e humanas poderiam ser multiparadigmáticas (isto é, ciências sociais e humanas, e entre estas a História, não comportariam paradigmas dominantes, e sim paradigmas concorrentes que se oferecem como alternativas aos praticantes de cada campo de saber.). Para resolver certos problemas que ficaram pendentes na primeira noção de paradigma que havia instrumentalizado, Thomas Kuhn acrescentou mais tarde uma nova noção, a de “matriz disciplinar”, que evaleceria precisamente a este mega-paradigma, ou a este conjunto de pressupostos que, uma instância mais abrangente, seria aceito por quase todos os praticantes de um campo de saber, até que um dia surgissem novas modificações na matriz disciplinar do campo em questão.
Em seu livro Razão Histórica (1983), o historiador alemão Jorn Rusen adaptou o conceito de “matriz disciplinar” para se referir a um sistema mais amplo que envolve a prática profissional de todos os historiadores, e que articula certas formas de apresentação, carências e funçõesde orientação, posturas metodológicas e perspectivas orientadoras da educação do passado. Também podemos utilizar este conceito para dar conta dos elementos mínimos que todos os historiadores, ou pelo menos a maioria dos historiadores concordariam em atribuir à História como um campo específico de saber. Apenas para dar um exemplo, dificilmente um historiador discordará do pressuposto de que as fontes históricas constituem a base empírica necessária para os historiadores se conectarem com uma outra época, e tampouco qualquer historiador, hoje, discutiria que o tempo é uma categoria basilar para a história. Constituem elementos mínimos da matriz disciplinar da História estes e outros aspectos, como também a “intenção da verdade”, ou de construir um conhecimento verdadeiro (mesmo que haja discordâncias com relação à possibilidade ou não de se chegar a uma “verdade” única em história, aspecto que, aliás, constituiu objeto de disputa paradigmática entre positivistas e historicistas no século XIX). A matriz disciplinar, portanto, pode ser entendida como a instância mais abrangente, que fixa alguns pressupostos que dificilmente seriam objeto de transgressão ou discordância entre os praticantes de um campo, em determinada época pelo menos; e, no interior deste universo mais amplo regido por uma certa matriz disciplinar consensualmente aceita, poderiam surgir paradigmas diversificados, no sentido que consideramos nos parágrafos anteriores.
O conceito de paradigma está sendo empregado por Cardoso em um sentido mais abrangente. Ele nos fala de um paradigma iluminista – ancorado nos pressupostos de racionalidade e cientificidade, e voltado para a busca de máxima inteligibilidade possível – que teria se estabelecido no século XVIII e atravessado o século XIX e XX com bastante sucesso. Apenas nas últimas décadas do século XX teria surgido um outro paradigma para questionar este grande modelo, que seria o paradigma pós-moderno.
O conceito pós-modernismo é extremamente polissêmico e não o discutiremos neste momento, notando-se ainda que há muita polemica sobre quem poderia ser classificado como pós-moderno no inverso das ciências sociais e humanas. Apenas para dar um exemplo, dificilmente os filósofos marxistas ligados à Escola de Frankfurt – uma escola vinculada ao materialismo histórico, mas que incorpora influencias diversas como a Psicanálise – aceitaria, para si mesmos a designação de pós-modernos. No entanto, Ciro Flamarion sustentará neste texto que fazem parte do paradigma pós-moderno estes filósofos frankfurtianos, junto a inúmeros outros autores pertencentes a origens teóricas ou institucionais as mais diversas, como boa parte dos historiadores franceses ligados à Nouvelle Histoire, alguns dos micro-historiadores italianos, todos os historiadores alinhados mais enfaticamente às propostas de Michel Foucault, ou os historiadores que dialogaram com a chamada “virada linguísticas” e que discutiram a discursividade da História, ou mesmo a sua possível ficcionalidade. Estes vários segmentos – certamente capazes de se estranhar uns aos outros conforme seus próprios pontos de vista – foram situados por Ciro Flamarion em um único grande paradigma.
Segundo esta perspectiva, cria-se uma grande dicotomia diante da qual existiria, de um lado, um paradigma iluminista, defensor da razão e que abrigaria os historiadores preocupados em assegurar certos níveis de objetividade e racionalidade, e, de outro lado, um paradigma pós-moderno, tendente a exagerar no relativismo, ou mesmo a investir no irracionalismo. Este posicionamento está longe de ser consensual entre os historiadores, mas é uma análise desenvolvida por um historiador brasileiro renomado. Deve ser confrontado também com outros posicionamentos igualmente legítimos, outras maneiras de ver e entender a complexidade atual que é vivenciada pela História como campo de saber no contexto das últimas décadas. A principal razão deste texto ser trazido aos matériais didáticos oferecidos para esta disciplina – além de várias das suas passagens que podem ser elucidativas, como a que sintetiza as contribuições da Escola dos Annales – é mostrar que não existem leituras consensuais em Historiografia (o setor da História que analisa como objeto principal as contribuições dos próprios historiadores). As análises da Historiografia levam a caminhos diversificados. Classificar um autor no interior de um paradigma implica sempre em um ponto de vista. O historiador em formação que adentra os estudos de Teoria da História deve estar preparado para um posicionamento crítico, capaz de considerar os diversos pontos de vista e a avaliar as várias análises sobre uma mesma questão, para, a partir daí, entretecer suas próprias escolhas.
Conceitos, de modo geral pertencem ao âmbito da teoria. Logo poderemos compreender melhor a diferença entre Teoria e Método. Se a teoria está ligada ao verbo “ver”, a Metodologia deve ser associada ao verbo “fazer”.
Método
O método, ou a necessidade de uma metodologia, surge quando alguém está diante de uma tarefa qualquer a ser executada. Pode ser uma tarefa mais simples, como preparar uma refeição ou planejar uma viagem, ou pode ser uma operação mais complexa, que podemos exemplificar com a própria pesquisa em quaisquer dos seus campos de conhecimento. Um historiador pode tender a enxergar o seu campo de saber de uma determinada maneira, e possuir teorias sobre certos problemas específicos, mas quando ele passa à ação, ao fazer historiográfico, à necessidade de empreender especificamente uma pesquisa, é neste momento que ele começa a lançar mão de procedimentos metodológicos. Na História, como campo de saber que tem suas próprias especificidades, as diversas metodologias disponíveis aos historiadores costumam se relacionar ao trabalho com as fontes históricas em seus diversos momentos. Com fontes histórias que os historiadores conseguem estabelecer um ponto de contatos com outras épocas, sociedades e processos que não estão mais presentes senão a partir de certos vestígios que podem ser textos, objetos, imagens, memórias. Estes vestígios, resíduos de uma época anterior, ou discursos que nos chegaram de uma outra época através de inúmeros textos ou outros tipos de materiais, são precisamente as fontes históricas as partir das quais os historiadores podem iniciar a sua caminhada para compreensão de outras épocas e de processos que aconteceram na história. A fonte histórica, desta maneira, adquire uma centralidade importante para a metodologia.
Escolher adequadamente as fontes que irão ser importantes para a compreensão de determinado problema histórico, agrupá-las de acordo com certos critérios, eleger certas perguntas e parâmetros de análise para incidirem sobre as fontes, buscar nelas certos aspectos e não outros, propor modos específicos de analisá-las – cada uma destas operações faz parte da metodologia. Na História Oral, que é uma modalidade historiográfica na qual os historiadores precisam produzir as suas próprias fontes a partir de entrevistas, as técnicas de entrevista e os procedimentos de análise dos discursos orais ocupam uma posição metodológica fundamental no quadro de ações a serem efetivadas pelos historiadores. Se, por outro lado, o historiador estiver lidando com imagens, precisará buscar metodologias adequadas para a percepção e análise das imagens. Se é de textos que ele lança mão, poderá se municiar de procedimentos para analisar os discursos que os perpassam. A Metodologia, na prática historiográfica, relaciona-se visceralmente com as fontes históricas.
Outro procedimento metodológico importante, sobretudo em pesquisas de maior fôlego, é o planejamento da pesquisa através de um instrumento metodológico que é denominado projeto de pesquisa. Não é ainda a ocasião de discutir como se faz um projeto de pesquisa e quais os diversos capítulos que compõem este tipo de texto, mas também podem ser indicados artigos sobre o assunto. Por ora, queremos salientar apenas que faz parte da Metodologia o planejamentoda pesquisa, envolvendo inúmeros aspectos que vão da delimitação mais precisa do tema à constituição das fontes acompanhada da escolha de técnicas para a sua análise. A Metodologia refere-se a tudo o que envolve o “fazer da história”, da mesma forma que a Teoria se relaciona a tudo o que se refere ao “conceber a história”. “Ver” (no sentido de conceber) e “Fazer” são os dois gestos fundamentais que constituem a Teoria e a Metodologia, e que se irmanam de modo a permitir realização de um bom trabalho historiográfico (BARROS, 2011-a, p.17). É da interação entre teoria e metodologia que se produz ciência, e isto também ocorre com a História, particularmente a partir do momento em que os historiadores passaram a reivindicar para o seu campo de saber um estatuto de cientificidade. É da interação entre teoria e metodologia que se produz ciência, e isto também ocorre com a História, particularmente a partir do momento em que os historiadores passaram a reivindicar para o seu campo de saber um estatuto de cientificidade.
Quando discutimos os aspectos teóricos e metodológicos de que um historiador lança mão em suas pesquisas e na elaboração de suas análises, começamos a compreender um pouco a identidade deste historiador. Um historiador define-se pelo que ele pensa (sua teoria) e pelo modo como ele faz o que faz (sua metodologia). Por isso o pertencimento a determinado paradigma – como o positivismo, o historicismo, o materialismo histórico ou qualquer outro – ou ao menos o diálogo com certas proposições relacionadas a determinadas correntes teóricas, pode se tornar um aspecto importante da identidade de um historiador. Existe uma outra noção, por outro lado, que também pode ajudar a compor a identidade dos historiadores. Referimo-nos à noção de “escolas históricas”. 
Para uma compreensão mais precisa do conceito de “escola histórica” vamos recorrer a um artigo de José D’Assunção Barros no qual esta noção é discutida. Uma “Escola” deve ser aqui compreendia como uma corrente de pensamento, sempre que ocorre um padrão ou programa mínimo perceptível no trabalho de grupo formado por um número significativo de praticantes de determinada atividade ou de produtores de certo tipo de conhecimento. Para que se possa falar em escola histórica, é ainda importante que haja uma constante intercomunicação entre estes praticantes, a constituição de identidade em comum, e a consolidação de meios para a difusão das ideias do grupo, como é o caso de Revistas especializadas controladas por seus membros ou programas veiculados em mídias diversas. As “escolas” podem apresentar uma referência sincrônica – relacionada a autores ou praticantes de uma mesma época – e uma referência diacrônica, no sentido de que a “escola” pode se estender no tempo e abarcar sucessivas gerações ou ser por elas reivindicadas.
A Historiografia, no decorrer de sua própria história, conheceu muitas “escolas históricas”. Algumas eram entendidas como “escolas” pelos seus próprios praticantes, outras foram classificadas como escolas independentemente de seus componentes. Embora isto não seja uma regra, boa parte das escolas históricas até hoje conhecidas relacionaram-se a espacialidades específicas, não raro se referindo a países a que pertenciam os historiadores que nela se viram incluídos. No século XIX, podemos lembrar a “Escola Alemã”, que abarcava historiadores alemães ligados ao paradigma historicista, e para o século XX é possível falar em uma “Escola Marxista Inglesa”, que reunia historiadores marxistas do Reino Unido que se vinculavam à Revista Past and Present e que propunham certas renovações no corpo teórico-prático do Materialismo Histórico, a começar por uma importância maior à dimensão da cultura nas análises históricas. A constituição de escolas históricas em torno de revistas tem sido muito comum na historiografia, e é notório o movimento de historiadores franceses no século XX que ficou conhecido como Escola dos Annales e que teve principal instrumento de divulgação de seu trabalho a revista de mesmo nome. Muitos também enxergam como uma “escola” os historiadores ligados à micro-história italiana, que apresenta uma base nos Quaderni Storici, embora neste caso os próprios historiadores envolvidos não se vejam deste modo.
Para que se tenha uma “Escola Histórica”, o principal é a ocorrência de certo padrão comum entre seus participantes, ou outro elemento qualquer que seja forte o suficiente para estabelecer uma unidade – o que pode se dar através do método, de uma determinada perspectiva teórica, de uma certa maneira de enfrentar os dilemas historiográficos da época, ou mesmo do pertencimento a determinado paradigma historiográfico. Todavia, conforme diversos exemplos conhecidos demonstram, é preciso diferenciar claramente os conceitos de paradigma e de escolas, uma vez que estas noções não se superpõem. Na verdade, o que traz identidade a uma escola é uma espécie de “programa” em comum, e pode ou não ocorrer uma unidade paradigmática entre os membros de uma mesma escola histórica. De fato, as “Escolas Históricas” podem ou não inserir no interior de um paradigma específico, e pode mesmo ocorrer que historiadores de uma mesma escola se relacionem a paradigmas distintos. O paradigma pode também abarcar, em outros casos, diversas escolas, e é oportuno lembrar o caso do Historicismo, que encontrou difusão não apenas na Escola Alemã, como também entre diversos outros historiadores que por vezes se viram agrupados, no século XIX, em diversas escolas historicistas nacionais. Quando nos referimos ao “programa” em comum que deve caracterizar uma escola histórica, é oportuno ressaltar que nem sempre é fácil encontrar elementos em comum quando se discute o trabalho de um grupo de historiadores vinculados a uma Revista ou Instituição: discute-se por exemplo, se a chamada “Escola dos Annales” era mesmo uma escola, se constituía um “movimento historiográfico”, se chegou a apresentar algo que poderia ser entendido como um “novo paradigma historiográfico”, ou se na verdade abrigava dois ou mais paradigmas. Há mesmo os que rejeitam a ideia de que a Escola dos Annales teria produzido a tão propalada ruptura na historiografia francesa, como é o caso de Jean Glénisson, que, em ensaio de 1965 sobre a Historiografia Francesa Contemporânea, chega a falar de uma “tranquila evolução” da historiografia francesa “desde cem anos”.
De todo modo, apesar das habituais dificuldades classificatórias, o espírito de grupo que determinados historiadores terminam por constituir, trabalhando para uma finalidade comum, frequentemente é forte o suficiente para que se crie a ideia de uma “Escola”. March Bloch e Lucien Febvre, à parte certos pontos em comum que se referiam às critivas contra a historiografia francesa tradicional representada pelos metódicos, apresentavam influencias e estilos historiográficos distintos, mas isso não impediu que erigissem um dos movimentos mais bem-sucedidos da historiografia contemporânea. Sua unidade – além de estratégias bem calculadas para a conquista de um espaço institucional – foi assegurada por um programa mínimo, dentro do qual podemos destacar aspectos como a idéia da “interdisciplinaridade”, a multiplicação de interesses historiográficos para além do “politico”, e a necessidade de opor radicalmente uma “História-Problema” a uma historiografia que consideravam factual. François Dosse (1987), em um livro na qual procura diferenciar a Escola dos Annales dos historiadores franceses mais recentes que postulam ser herdeiros desta escola – os mesmo que, na historia da historiografia, são agregados sob a denominação Nouvelle Histoire – considerava ainda como elemento identitário fundamento dos Annales o seu empenho em realizar o projeto de uma História Total, distintamente da fragmentação historiográfica que seria a principal característica da Nouvelle Historie (uma “historia em migalhas”, segundo Dosse). E José Carlos Reis acrescenta que os historiadores dos Annales – de Marc Bloch e Lucien Febvre a Fernando Braudel e ErnstLabrousse, entre outros – teriam outro traço comum, que foi a edificação de uma nova forma de conceber o tempo (um tempo estrutural, capaz de articular diferentes durações e ritmos históricos). Todos estes elementos podem ser assinalados como um programa em comum que traria uma certa identidade aos historiadores da escola de Annales. Mas a verdade é que, no interior destes parâmetros, os historiadores dos Annales desenvolveram diversificadas formas de trabalho (metodologias) e variadas visões sobre a Historia (teorias). Apenas para dar um exemplo, o historiador econômico Ernst Labrousse pertencia ao grupo que ficou conhecido como Escola dos Annales, mas no que se refere ao aspecto teórico identificava-se com o paradigma do Materialismo Histórico (isso também ocorrerá com o historiador das mentalidades Michel Vovelle). Enquanto isso, seu amigo e contemporâneo Fernando Braudel incorporou influencias teóricas da antropologia estrutural de Lévi-Strauss, entre outras, e podemos encontrar em Marc Bloch uma certa combinação de influencias historicistas e positivistas, neste ultimo caso através de diálogos com correntes teóricas relacionadas à sociologia durkheimiana. Com estes exemplos, podemos ter uma boa ideia de que uma escola histórica pode conter dentro de si uma certa diversidade de posicionamentos teóricos e de tendências metodológicas, embora apresente um programa comum que uma os seus membros, de maneira parecida com o que ocorre com os partidos políticos, uma vez que também nestes não existe necessariamente uma identidade de visões do mundo, o que não impede que os políticos pertencentes ao mesmo partido formulem um programa de ação que será o de todos.
Outro ponto importante a ressaltar é que, face ao sucesso ou projeção de um determinado grupo que tenha constituído ou ficado conhecido como uma “Escola”, não raramente surgem os herdeiros, os que se postulam como continuadores da escola em questão, mesmo que já tenham se distanciado dos aspectos que unificavam a escola historiográfica na sua origem. Não é incomum que se estabeleçam polêmicas acerca da continuidade ou descontinuidade de um determinado grupo de historiadores em relação a outro grupo anterior que seja evocado como elemento identitário importante. Podemos dar o exemplo da notória polemica sobre a continuidade ou descontinuidade entre o arco que abrange as duas primeiras gerações da chamada Escola dos Annales (1930-1968), e a chamada Nouvelle Histoire, que reúne novos historiadores franceses em torno da mesmo Revista dos Annales, que um dia fora fundada por Marc Bloch e Lucien Febvre. Os historiadores ligados às Nouvelle Histoire seriam mesmo legítimos herdeiros dos Annales – tal como propõe Peter Burke em seu livro “A Escola dos Annales – Revolução Francesa da Historiografia” – ou, tal como propõe François Dosse, há muito mais uma ruptura entre a Escola dos Annales e esta outra corrente, que a partir das ultimas décadas do século XX tende a desenvolver o que foi por muitos chamados de “Uma História em Migalhas”? Se a polemica existe, o que se percebe é que o gesto de se autoinscrever em uma “Escola Histórica” também está frequentemente relacionado a mecanismos formadores de identidade, à imagem que determinado grupo pretende projetar de si mesmo. Os próprios historiadores da Nouvelle Histoire tendem a desejar reforçar esta vinculação com as gerações de Marc Bloch e de Braudel. Eis aqui um exemplo de que o pertencimento a uma “escola” é também uma construção da qual podem participar os próprios sujeitos envolvidos. François Dosse sustenta, ao longo de todo o seu ensaio de 1987, a ruptura entre os historiadores franceses que muitos consideram como uma “terceira geração dos Annales”, e o autentico movimento dos Annales.
Nossa ultima discurssão conceitual importante corresponderá à própria compreensão sobre o que é um conceito. Os historiadores precisam utilizar conceitos todo o tempo, pois ao iniciarem suas pesquisas sobre problemas históricos específicos, e ao desenvolverem suas análises sobre os mesmos, necessitam se aproximar dos seus objetos de estudo a partir de uma certa perspectiva. Na verdade, os historiadores constroem os seus objetos de estudo a partir de certas perspectivas, pois não encontram dados de antemão. Nesse sentido, os conceitos desempenham um papel fundamental, de modo que será importante entender o que é um conceito como instrumento de elaboração teórica.
Um conceito pode ser entendido como uma formulação abstrata e geral, ou pelo menos como uma formulação passível de generalização, que o individuo pensante utiliza para tornar alguma coisa inteligível nos seus aspectos essenciais ou fundamentais, para si mesmo e para outros. Visto desta forma, o conceito constitui uma espécie de órgão para a percepção ou para a construção de um conhecimento sobre a realidade, mas que se dirige não para a singularidade do objeto ou evento isolado, e sim para algo que liga um objeto ou evento a outros da mesma natureza, ao todo no qual se insere, ou ainda a uma qualidade de que se participa. Um conceito, conforme se vê, favorece a certo modo de ver as coisas, e por isso o situamos atrás como um dos aspectos que fazem parte do ambiente da Teoria. Muito frequentemente, os conceitos correspondem a categorias gerais que buscam definir classes de objetos e de fenômenos dados ou construídos, e seu objetivo maior é o de sintetizar o aspecto essencial ou as características existentes em comum entre estes objetos ou fenômenos. Assim, a Revolução Francesa ou Revolução Americana não podem ser consideradas conceitos, mas “revolução” sim. Da mesma forma, o conceito de “modo de produção”, particularmente importante para o materialismo histórico, pode encontrar um desdobramento no “modo de produção asiático” ou no “modo de produção feudal”: mas não tem sentido, por outro lado, dizer que se pretende conceituar o modo de produção feudal em uma certa região da Europa Medieval. O que se está fazendo neste ultimo caso é, na verdade, descrever uma situação social específica, que pode até mesmo se enquadrar naquilo que habitualmente se define como “modo de produção feudal”, mas que nesta espécie de operação (a descrição de um fenômeno) virá misturada com singularidades diversas que não fazem parte do âmbito conceitual. 
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