Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO CIVIL – PARTE ESPECIAL DIREITO DE FAMÍLIA 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA 1.1 CONCEITO E CONTEÚDO DO DIREITO DE FAMÍLIA Direito de família, segundo MARIA HELENA DINIZ, é o “complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela”. Tal conceito abrange todos os institutos do direito de família, regulados pelo novo Código Civil entre os arts. 1.511 e 1.783, que o separa em regras que, didaticamente, poderíamos classificar como de direito matrimonial, direito convivencial, direito parental e direito assistencial. Em suma, as normas de direito de família ora regem relações pessoais entre cônjuges ou conviventes, entre pais e filhos, entre parentes (como as que tratam dos efeitos pessoais do matrimônio, da filiação, ou as que autorizam o filho a promover a investigação de sua paternidade, etc); ora regulam relações patrimoniais (que surgem, p.ex., entre marido e mulher ou companheiros, entre ascendentes e descendentes, entre tutor e pupilo); ora disciplinam as relações assistenciais que existem entre os cônjuges ou conviventes, os filhos perante os pais, o tutelado ante o tutor e o interdito em face do curador. Porém é preciso esclarecer que o direito de família, em qualquer uma de suas regras, não tem conteúdo econômico, a não ser indiretamente, no que tange ao regime de bens entre os cônjuges ou conviventes, à obrigação alimentar entre parentes, ao usufruto dos pais sobre os bens dos filhos menores, à administração dos bens dos incapazes, e que apenas aparentemente assume a fisionomia de direito real ou obrigacional. O que se protege, em verdade, são interesses superiores, que são os da família como organismo (o casamento, a união estável, as relações de parentesco e os institutos protetivos de todos eles), e não os particulares do indivíduo. 1.2 OBJETO DO DIREITO DE FAMÍLIA O objeto do direito de família é a própria família, embora contenha normas concernentes à tutela dos menores que se sujeitam a pessoas que não são os seus genitores, à curatela, que não tem, necessariamente, qualquer relação com 2 o parentesco, mas que faz parte deste sub-ramo do direito civil pela semelhança ou analogia com o sistema assistencial dos menores. Apenas a ausência, que é modalidade especial de assistência aos interesses de quem abandona o próprio domicílio e, portanto a própria família, não se encontra aqui regulada, pois o novo Código Civil a rege na parte geral (arts. 22 a 39). Família – Dicionário Aurélio: Substantivo feminino. 1. Pessoas aparentadas que vivem, ger., na mesma casa, particularmente o pai, a mãe os filhos. 2. Pessoas do mesmo sangue. 3. Origem, ascendência. 4. Art. Gráf. O conjunto dos caracteres ou dos tipos com o mesmo desenho básico. 5. Biol. Reunião de gêneros [v. gênero (5)]. Antrop. A que é constituída pelo casal e seus filhos. A palavra família tem várias acepções jurídicas que se desprendem do vocábulo, em gradações somáticas, segundo a situação em que se acha o observador. Num primeiro sentido, chamado de sentido amplíssimo por MARIA HELENA DINIZ, o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consangüinidade ou da afinidade, chegando a incluir inclusive pessoas estranhas, como no caso do art. 1412, §2º, do Código Civil (em que as necessidades da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico) ou do art. 241 da Lei nº 8.112/90, Estatuto dos Servidores Públicos da União (que considera como família do funcionário além do cônjuge e prole, quaisquer pessoas que vivam às suas expensas e constem de seu assentamento individual (segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, esta concepção corresponde à gens dos romanos e à genos dos gregos). No sentido amplo ou “lato”, além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, a família abrange os parentes em linha reta ou colateral, bem como os afins (parentes do outro cônjuge ou companheiro), nos termos dos arts. 1.591 e seguintes do Código Civil, o Decreto-lei n.º 3.200/41 e a Lei 883/49. Já no sentido restrito (CF, art. 226, §§1º e 2 º), família é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e sua prole (CC, arts. 1.567 e 1.716), e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável ou qualquer dos pais ou 3 descendentes (CF, art. 226, §§3º e 4º), independentemente de existir o vínculo conjugal que a originou.1 a) Formas históricas de família Os diferentes modos pelos quais se podem estabelecer as relações entre os cônjuges e os filhos determinam várias formas de família. Uma delas depende, diretamente, da modalidade que reveste a união conjugal e daí a poligamia e a monogamia. Outras procedem das relações de dependência, parentesco e autoridade que tecem entre os membros da associação familial. Daí as três formas de família identificadas por CLÓVIS BEVILÁQUA: a matriarcal, o patriarcal e a igualitária. Família materna (matriarcado): em vários clãs primitivos da África, da Oceania e da América (tribos tupis, bechuanas e bantos) encontrava-se a filiação com o caráter puramente feminil. Trata-se do que escritores antigos chamavam de “matriarcado”, onde a mulher toma parte no conselho administrativo da família, dela sendo o seu chefe (preponderância da mulher). Família paterna (patriarcado): forma familial mais consistente e definida, na qual o comando da família repousa sobre a autoridade de um homem, chefe despótico, que é, ao mesmo tempo, o ascendente mais velho, em regra, e o pontífice do grupo que preside. Despontou entre vários ramos étnicos, especialmente entre os povos arianos. Família igualitária: o comando da família é dividido entre os cônjuges, homem e mulher, ou pertence a apenas um na ausência do outro. É o tipo de família atual. b) Aplicação da palavra família pela legislação brasileira A legislação brasileira, com base nas acepções da palavra família, a tem empregado de acordo com vários critérios, quais sejam: o dos efeitos 1 Trata-se de inovação da CF/1988, pois anteriormente só havia núcleo familiar se constituído pelo casamento. Assim, após a Constituição de 1988 e da Lei 9.278/96, assim como após o advento do Novo Código Civil, passou-se a se reconhecer a família como aquela decorrente do matrimônio e a entidade familiar como a oriunda de união estável e também a comunidade monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes, independentemente da existência de vínculo conjugal entre os pais. 4 sucessórios e alimentares, o da autoridade e o das implicações fiscais e previdenciárias. Critério Sucessório: a família abrange os indivíduos chamados por lei a herdar uns dos outros. Compreende todos os parentes da linha reta ad infinitum (ascendentes e descendentes), os cônjuges, os companheiros (art. 1.790, CC) e colaterais até o 4º grau (arts. 1.829, IV, 1.839 a 1.843, CC). Efeitos Alimentares: considera-se família os ascendentes, os descendentes e os irmãos (arts. 1.694 a 1.697, CC). Critério da Autoridade: a família restringe-se a pais e filhos, pois nela se manifesta o poder familiar, ou seja, as autoridades paterna e materna, que se fazem sentir na criação e educação dos filhos (arts. 1.630 a 1.638, CC) Critério fiscal: emrelação ao imposto de renda, a família reduz-se ao marido, à mulher, ao companheiro, aos filhos menores, aos maiores inválidos ou que freqüentam a universidade às expensas do pai, até a idade de 24 anos, às filhas solteiras e ao ascendente inválido, que vivam sob a dependência econômica do contribuinte, e aos filhos que morem fora do ambiente doméstico, se pensionados em razão de condenação judicial. Efeitos previdenciários: a família abrange o casal, os filhos de qualquer condição até os 21 anos (desde que não emancipados) ou inválidos ou inválidas, enteados e menores sob tutela (sem bens suficientes para seu sustento e educação), incluindo o convivente do trabalhador, inclusive em concorrência com os filhos. É de se observar que a maioridade do Código Civil (18 anos) não se aplica para efeitos previdenciários pois a legislação específica confere a condição de dependente previdenciário às pessoas até 21 anos. c) Espécies de Família Quatro são, didaticamente, as espécies de família, conforme seja sua fonte, o matrimônio, o companheirismo, a adoção ou a unilateralidade, posto que juridicamente não há qualquer distinção entre todas, de modo que para todos 5 os efeitos legais, seja qual for a espécie de família, filho será sempre filho. Vejamos: Matrimonial: a que tem por base o casamento, sendo composta pelos cônjuges e pela prole (arts. 1.597, I a V e 1.618, parágrafo único, CC). Não-matrimonial: a oriunda de relações extraconjugais (união estável), composta pelos pais (conviventes) e pela prole. Monoparental: a formada por apenas um dos genitores e a prole. Homoafetiva: a formada por casais de pessoas do mesmo sexo e prole (reconhecida pelo STF no julgamento conjunto da ADFP 132- RJ e da ADI 4.277-DF, como pela 4ª Turma do STJ no julgamento do REsp 1.183.378 – RS ). 1.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA A evolução dos costumes deu à família moderna um tratamento legal mais consentâneo à realidade social, de modo a ser preservada a coesão familiar e seus valores culturais, bem como se atender as necessidades da prole e de diálogo entre os cônjuges ou companheiros. Nesse sentido, o atual direito de família rege-se pelos seguintes princípios: Principio da “ratio” do matrimônio e da união estável: segundo ele, o fundamento básico do casamento, da vida conjugal e do companheirismo é a afeição entre os cônjuges ou conviventes e a necessidade de que perdure completa comunhão de vida, sendo a ruptura da união estável, a separação judicial e o divórcio uma decorrência da extinção da affectio (CF, art. 226, §6º; CC, art. 1.511 e 1.571 a 1.582). Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros: segundo ele, os poderes e deveres do matrimônio pertencem a ambos os cônjuges concomitantemente; as decisões devem ser tomadas em comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher (CF, art. 226, §5º; CC, art. 1.511, in fine, 1.565 a 1.570, 1.631, 1.634, 1.643, 1.647, 1.650, 1.651 e 1.724). 6 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos: segundo ele não há distinção entre: a) filhos legítimos, naturais ou adotivos, quanto ao nome, direitos, poder familiar, alimentos e sucessão; b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; c) proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade; d) veda designações discriminatórias relativas à filiação. Só é possível, portanto, diferenciar-se os filhos didaticamente, em matrimoniais ou não matrimoniais e reconhecidos ou não reconhecidos (CF, art. 227, §6º; CC, art. 1595; ECA, art. 41). Princípio do pluralismo familiar: segundo o qual são constitucionalmente reconhecidas como válidas as famílias matrimoniais e as entidades familiares (união estável e famílias monoparentais), cujos integrantes possuem, em regra, os mesmos direitos e deveres. Princípio da consagração do poder familiar: surge, em substituição ao antigo poder marital e paterno (pátrio poder), o chamado poder familiar, que é o poder-dever inerente a ambos os cônjuges ou conviventes, inerente à criação, educação, companhia, guarda, representação, obediência e respeito entre pais e filhos (CC, arts. 1.630 a 1.638). Princípio da liberdade: representa: a) o livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de qualquer pessoa jurídica de direito público ou privado (CC, art. 1.513); b) a decisão livre do casal, unido pelo casamento ou pela união estável, quanto ao planejamento familiar (CF, art. 226, §7º; CC, art. 1.565, §2º); c) a liberdade na aquisição e administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1.642 e 1.643); d) liberdade de escolha do regime matrimonial de bens (CC, art. 1.639); d) liberdade de escolha do modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole (CC, art. 1.634). Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana: necessário ao pleno desenvolvimento e a realização de todos os membros da comunidade familiar, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 1º, III e 227). 7 1.4 NATUREZA DO DIREITO DE FAMÍLIA O direito de família é, como vimos, o direito das pessoas projetado no grupo doméstico, que tem aspectos patrimoniais harmonizados com os interesses pessoais e familiares, uma vez que se organiza em razão dos membros da comunidade familiar e se opera através da atuação deles, individualmente considerados. Assim, o direito de família é direito extrapatrimonial, e, portanto, personalíssimo, irrenunciável, intransmissível e não admite condição ou termo ou o seu exercício por meio de procurador. Apesar disso é o ramo do direito civil menos individualista, dado o reduzido e limitado papel da vontade, pois as normas jurídicas fixam-lhe todos os efeitos, salvo nas raras exceções em que se apresentam como normas permissivas ou supletivas, em matéria de regime de bens, deixando à margem à autonomia da vontade. Os institutos como o matrimônio, a união estável, a filiação e o parentesco estão delimitadas, de modo rigoroso, por normas, que as organizam e regulamentam; logo, reduzida é a esfera deixada à vontade humana. Portanto, no direito de família a regra é o princípio estatutário e a exceção, a autonomia da vontade, porque o interesse individual está sujeito ao da família. O Estado, consciente dos seus objetivos, não pode deixar ao indivíduo a sorte da família, de forma que os efeitos do matrimônio, do companheirismo e da filiação, a extensão do poder familiar e do poder tutelar não podem submeter-se ao arbítrio individual, pois manifestam um interesse da comunidade política, já que a sólida organização da família constitui a base de toda a estrutura da sociedade e da preservação e fortalecimento do Estado. Em virtude disso, a maioria das normas do direito de família são cogentes ou de ordem pública, insuscetíveis de serem derrogadas por simples arbítrio do sujeito, devendo, por isso, ser interpretadas restritivamente. O que se quer dizer, é que embora o casamento, a união estável, a adoção e o reconhecimento dos filhos nasçam de atos voluntários, seus efeitos já estão preestabelecidos em lei. No mais, todo o direito de família também repousa na idéia de que os vínculos que por meio dele se estabelecem são na verdade direitos-deveres. Assim, o poder familiar, a tutela e a curatela não são apenas direitos, mas direitos-deveres, ou melhor, poderes-deveres, pois não só outorgam poderes a quem os tem, mas tem os impõe deveres. Por fim, muito emboraalguns juristas considerem o direito de família como ramo do direito público, dado à grande intervenção do Estado, não é esta a dicção que nos parece correta. O direito de família é ramo do direito privado, 8 e assim também do direito civil, tendo em vista os sujeitos das relações que disciplina (particulares), o conteúdo dessas relações, os fins de seu ordenamento e as suas formas de atuação, bem com pelo fato de que a intervenção do Estado é meramente protetora, não podendo ocorrer de forma dominante, excessiva, como o é no caso do ramos do direito público. 2 – DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO 2.1 CONCEITO E ESPÉCIES Parentesco é a relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre um cônjuge e os parentes do outro, entre adotante e adotado e entre pai institucional e filho socioafetivo. Desse conceito, extraímos as seguintes espécies de parentesco: a) Natural ou consangüíneo: é o vínculo entre pessoas que descendem de um mesmo tronco ancestral; ligadas, portanto, umas às outras, pelo mesmo sangue. Este parentesco existe tanto na linha reta como na linha colateral. Será matrimonial se oriundo de casamento, e extramatrimonial se proveniente de união estável, relações sexuais eventuais ou concubinárias. O parentesco natural pode ainda ser duplo ou simples, conforme derive dos dois ou somente de um dos genitores (nesse sentido, são irmãos germanos os nascidos dos mesmos pais, e unilaterais os que são de um só deles – uterinos, se apenas da mesma mãe, e consangüíneos, se apenas do mesmo pai). b) Afim: aquele que se estabelece por determinação legal (art. 1.595, CC), unindo os parentes consangüíneos ou civis de um cônjuge ou companheiro ao outro (se origina apenas em virtude de casamento válido ou união estável). O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge ou companheiro (art. 1.595, §1º, CC). A afinidade é um vínculo pessoal, ou seja, os afins de um cônjuge ou convivente não o são entre si, de forma que não estão unidos por afinidade os parentes de um cônjuge ou convivente aos parentes do outro. Em nosso direito, como já estudamos, constitui impedimento matrimonial a afinidade em linha reta (art. 1.521, II, CC), que não deixa de existir mesmo depois da dissolução, por morte ou por divórcio, do 9 casamento ou da união estável que deu origem a este parentesco (art. 1.595, §2º, CC), sendo, portanto, vedado o casamento de genro e sogra, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e enteado. O mesmo não se aplica à linha colateral, cujo parentesco cessa com o óbito do cônjuge ou companheiro, não sendo, pois, vedado o casamento entre cunhados. c) Civil (art. 1.593, in fine, CC): é o que se refere à adoção, estabelecendo um vínculo entre adotante e adotado, que se estende aos parentes de um e de outro. A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo para efeito de impedimento matrimonial. Pai e filho adotivo, portanto, são parentes civis em virtude de lei (art. 41, ECA). O parentesco civil abrange o socioafetivo (arts. 1593, in fine, e 1.597, V, CC), alusivo ao liame entre pai institucional e filho advindo de inseminação artificial heteróloga (aquela em que o pai não contribui com material fecundante), gerando relação paterno-filial, mesmo não havendo vínculo biológico entre o filho e o marido de sua mãe, que anuiu na reprodução assistida. Trata-se de relação baseada no afeto, gerado pela convivência entre ambos. 2.2 CONTAGEM DE GRAUS DE PARENTESCO CONSANGÜÍNEO O parentesco consangüíneo divide-se em linha reta e em linha colateral ou transversal. A linha é a vinculação de alguém a um tronco ancestral comum. Assim, são parentes em linha reta as pessoas que estão ligadas umas às outras por um vínculo de ascendência e descendência (art. 1.591, CC). São parentes na linha ascendente o pai, o avô, o bisavô e etc, e na linha descendente o filho, o neto, o bisneto e etc. Tal parentesco é infinito, ou seja, pois mais afastadas que estejam as gerações, serão sempre parentes entre si pessoas que descendem umas das outras. Serão parentes em linha colateral aquelas pessoas que, provindas de um tronco comum, não descendem umas das outras (art. 1.592, CC), como p.ex., irmãos, tios, sobrinhos e primos. Este parentesco não é infinito, ou seja, não vai, em nosso direito, além do 4º grau, pois há a presunção de que após esse limite o afastamento é tão grande que não mais serve de base para relações de direito. O parentesco se conta por graus, que constituem a distância que cai de uma geração a outra. 10 Na linha reta, o parentesco é contado pelo número de gerações (art. 1594, 1ª parte, CC). Cada geração representa um grau. A linha reta se subdivide, ainda, em paterna e materna. Na linha colateral também se contam os graus pelo número de gerações, subindo, porém, de um parentes até o ascendente comum, e descendo, depois, até encontrar o outro parente (art. 1.594, 2ª parte, CC). Nesta linha não há parentesco em 1º grau, porque a contagem se inicia sempre em linha ascendente (há sempre no mínimo três pessoas e dois graus na contagem colateral). Dessa forma, irmãos são parentes colaterais em 2º grau; tio e sobrinho são parentes colaterais em 3º grau; primos são parentes colaterais em 4º grau; e tio-avô e sobrinho-neto também são colaterais em 4º grau. A linha colateral será, ainda, dúplice, se dois irmãos casarem-se com duas irmãs, uma vez que seus filhos serão duplamente primos. 2.3 CONTAGEM DE GRAUS NO PARENTESCO POR AFINIDADE No que diz respeito ao parentesco por afinidade, as regras de contagem de graus são iguais as do parentesco consangüíneo. Na linha reta, tem-se afinidade entre sogro e nora, sogra e genro, padrasto e enteada, madrasta e enteado. São, portanto, afins em 1º grau. Em 2º grau, na linha reta, o cônjuge será afim dos avós do outro, e assim sucessivamente, não havendo limite de graus (art. 1.595, §§1º e 2º, CC). Já na linha colateral, o parentesco por afinidade não ultrapassa o 2º grau, existindo apenas afinidade de um cônjuge ou convivente com os irmãos do outro. Os cunhados são, portanto, parentes por afinidade em 2º grau (art. 1.595, §1º, 2ª parte, CC), não havendo afinidade em 3º ou 4º graus. 3 – DO CASAMENTO 3.1 CONCEITO E FINS DO MATRIMÔNIO Casamento, segundo a conceituação clássica, é a união legal entre um homem e uma mulher, com o objetivo de constituírem família legítima. União legal é aquela celebrada com observância das formalidades exigidas na lei. E entre um homem e uma mulher, porque o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não seria permitido expressamente pela lei, embora também não fosse expressamente proibido. O casamento celebrado sem as solenidades previstas na lei, bem como o é aquele em que os nubentes não manifestam o consentimento. O casamento cria a família legítima (CC, art. 229). 11 Para MARIA HELENA DINIZ, o casamento é “o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família”. Para SÍLVIO RODRIGUES o casamento é “o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”. CLÓVIS BEVILÁQUA assim conceitua o casamento: “é o contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulherse unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer”. Pelas definições acima expostas, nota-se que o casamento é muito mais do que a simples “legalização” da união ou das relações sexuais entre homem e mulher, como entendia KANT, mas sim uma relação dinâmica e progressiva entre marido e mulher, onde há comunhão de matéria e espírito entre eles e cada cônjuge reconhece e pratica a necessidade da vida em comum, para ajudar-se e socorrer-se mutuamente, compartilhar o mesmo destino e perpetuar a espécie. Afora isso, nota-se também a manutenção da diversidade de sexos para a maioria dos doutrinadores, como requisito essencial para o casamento. Ocorre que após a decisão proferida pelo STF, em 05/05/2011, no julgamento conjunto da ADPF 132-RJ e da ADI 4.277-DF, em que se reconheceu a possibilidade da instituição de famílias por casais homoafetivos, naquela ocasião por meio apenas do instituto da União Estável, vários casamentos começaram a ser realizados, a grande maioria por meio do procedimento de conversão de União Estável em Casamento, entre pessoas do mesmo sexo. Em razão disso, a 4º Turma do STJ, ao julgar o REsp nº 1.183.378 – RS, autorizou a realização de casamento direto (não por conversão), entre duas pessoas do mesmo sexo, considerando que não existe qualquer vedação expressa ou mesmo implícita no Código Civil para tanto, interpretando-se tal diploma legal em consonância com os princípios atinentes ao Direito de Família constitucionalmente previstos, conforme ementa abaixo transcrita: DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 12 132⁄RJ E DA ADI N. 4.277⁄DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132⁄RJ e da ADI n. 4.277⁄DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e 13 a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (STJ – REsp nº 1.183.378 – RS – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 01.02.2012) Portanto, independentemente da orientaçãosexual do casal, dentre os fins do matrimônio podemos citar: a) a instituição da família matrimonial (CC, art. 1.513); b) a procriação dos filhos: é conseqüência natural mas não essencial ao casamento. Sua falta não acarreta conseqüência alguma ao casamento, embora seja requisito legal para o matrimônio a aptidão física dos nubentes, tendo em vista que a lei admite a sua anulação se um dos cônjuges for impotente para a prática do ato sexual (CF, art. 226, §7º); c) a prestação do auxílio mútuo: conseqüência do convívio entre os cônjuges; 14 d) o estabelecimento de deveres patrimoniais ou não entre os cônjuges (p.ex.: dever legal dos cônjuges de prover na proporção dos seus rendimentos e de seus bens a manutenção da família (CC, art. 1568); dever de fidelidade recíproca (CC, art. 1.566, I e V); e) a educação da prole: conseqüência da procriação, é a criação da prole (CC, art. 1.634). f) a atribuição de nome ao cônjuge e aos filhos (CC, art. 1565, §1º). 3.2 NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO Polêmica é a questão referente à natureza jurídica do casamento, se se trata de um contrato ou de uma instituição. Pela teoria contratualista, originária do direito canônico em primeiro lugar está o consentimento dos nubentes, ficando a intervenção do sacerdote e do Estado em segundo plano, na formação do vínculo. Para essa corrente, também chamada de individualista, seguida entre nós por CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA e SÍLVIO RODRIGUES dentre outros, o matrimônio é um contrato civil, regido pelas normas comuns a todos os contratos, ultimando-se e aperfeiçoando-se apenas pelo simples consentimento entre os nubentes, que há de ser recíproco e manifesto por sinais exteriores. Tal concepção sofreu algumas variações, pois civilistas há que vislumbram no casamento um contrato especial ou sui generis, pois, em razão de seus efeitos peculiares e das relações específicas que cria, não se lhe aplicam os dispositivos legais dos negócios de direito patrimonial, concernentes à capacidade dos contraentes, aos vícios de consentimento e aos efeitos, embora as normas de interpretação dos contratos de direito privado possam ser aplicados à relação matrimonial.2 Já a teoria institucionalista, adotada por MARIA HELENA DINIZ, vê no matrimônio um estado em que os nubentes ingressam, isto é, uma grande instituição social, refletindo uma situação jurídica que surge da vontade dos contraentes, mas cujas normas, efeitos e forma encontram-se preestabelecidos pela lei. As partes são livres, podendo cada uma escolher o seu cônjuge e decidir se vai casar ou não; uma vez acertada a realização do matrimônio, no entanto, não lhes é permitido discutir o conteúdo de seus direitos e deveres, o modo pelo qual se dará a resolubilidade da sociedade ou do vínculo conjugal ou as condições de legitimidade da prole, porque disciplinadas em lei estão tais relações. O estado matrimonial é, portanto, um estatuto imperativo preestabelecido ao qual os nubentes aderem. Não se trata, no entanto, para os seguidores desta doutrina, de um contrato de adesão, mas sim de simples 2 Esse é o entendimento, por exemplo, de ORLANDO GOMES, PAULO LINS E SILVA e CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. 15 aceitação das normas de um estatuto, tal qual ele é, em liberdade para adotar ou estabelecer outras normas Para tentar solucionar criou-se uma terceira teoria, a teoria eclética, que constitui uma fusão das anteriores, pois considera o casamento um ato complexo: um contrato especial, do direito de família, mediante o qual os nubentes aderem a uma instituição pré-organizada, alcançando o estado matrimonial. 3.3 CARACTERÍSTICAS DO CASAMENTO Dentre as principais características do casamento, temos: a) liberdade na escolha do nubente ; b) solenidade do ato nupcial (não basta a simples união do homem e da mulher, com a intenção de permanecerem juntos e gerarem filhos; é imprescindível que o casamento tenha sido celebrado conforme a lei que o ampara e rege); c) é de ordem pública (as normas que o regem estão acima das convenções dos nubentes); d) é união permanente (quando duas pessoas contraem matrimônio não o fazem por tempo determinado, mas sim por toda a vida; mesmo que venham a se separar e a se casar novamente, sempre há, em regra, um desejo íntimo de perpetuidade, ou seja, de permanência da ordem conjugal e familiar); e) é união exclusiva (pois exige fidelidade conjugal). 3.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO MATRIMONIAL Para ORLANDO GOMES, três são os princípios que regem o casamento: a) Princípio da livre união dos futuros cônjuges: o casamento advém do consentimento dos próprios nubentes, que devem ser capazes para manifestá-lo. Impossível é a substituição do consentimento dos contraentes, bem como a auto-limitação de suas vontades pela condição ou pelo termo. b) Princípio da monogamia: embora alguns povos admitam a poligamia e a poliandria, a grande maioria dos países adota o regime da singularidade, que não permite a existência simultânea de dois ou mais vínculos matrimoniais contraídos pela mesma pessoa (o art. 1.521, VI, CC, estatui que não podem se casar as pessoas casadas, assim como o art. 1.548, II, CC, estabelecer ser nulo o casamento contraído com infringência ao mesmo impedimento e o art. 235 do 16 Código Penal estabelece ser crime alguém, sendo casado, contrair novo casamento). c) Princípio da comunhão indivisa: segundo ele, o matrimônio tem por objetivo criar uma plena comunhão de vida entre os cônjuges, material e espiritual (CC, art. 1511). 3.5 DOS ESPONSAIS OU PROMESSA DE CASAMENTO Os esponsais, segundo MARIA HELENA DINIZ, consistem num “compromisso de casamento entre duas pessoas desimpedidas, de sexos diferentes, com o escopo de possibilitar que se conheçam melhor, que aquilatem suas afinidades e gostos”. Seria a promessa recíproca de casamento tendente a facilitar a passagem da posição de estranhos à de cônjuges e justificar à sociedade a convivência mais contínua e íntima dos noivos, sendo, simplesmente, um ato preparatório do matrimônio. Dada a liberdade matrimonial dos tempos atuais, a promessa de casamento não gera qualquer conseqüência jurídica, por não ter qualquer obrigatoriedade, podendo ser rompida a qualquer tempo pelos noivos, até mesmo por ocasião da cerimônia nupcial. Em nosso antigo ordenamento jurídico os esponsais tinham natureza contratual, e seu inadimplemento resolvia-se em perdas e danos (Lei de 6-10- 1884). Com o Código Civil de 1916, deixou tal promessa de ser regulamentada, surgindo então dúvidas sobre sua validade, sobre os casos em que se admite a sua ruptura, sobre a questão de saber se o seu rompimento acarreta ou não reparação de danos, o prazo para sua cobrança e etc. A grande maioria dos civilistas entende que no moderno direito civil a promessa esponsalícia não cria nenhum vínculo de parentesco nem de família entre os noivos, nem entre cada um deles e os consangüíneos do outro, nem mesmo faz surgir impedimentos matrimoniais. O arrependimento, no entanto, especialmente quando externado sem motivo justo, pode dar causa a uma ação indenizatória. É sabido que, na iminência de um casamento, os noivos realizam despesas de diversas ordens (adquirem peças de enxoval, alugam ou compram bens imóveis e móveis, adiantam pagamentos de bufês, enfeites de igreja e do salão de festas, etc). Assim, o arrependimento pode causar inúmeros prejuízos, de ordem material, ao outro noivo. Se não houve motivo justo para a mudança de atitude, ter-se-á como ocorrido ato ilícito, surgindo para o lesado o direito deobter a reparação do dano, com base no art. 186 do Código Civil. Além dos prejuízos materiais, relativos às despesas pré-nupciais, é também possível que o rompimento de noivado dê ensejo aos danos morais, 17 caracterizados pela vergonha, pela frustração de uma expectativa, pelo desgosto, enfim, pelo sofrimento gerado à vítima (ex: abandono na igreja, antes ou durante a celebração). WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO assim enumera os três requisitos essenciais para que haja responsabilidade civil por rompimento de noivado: Que a promessa de casamento tenha emanado, livremente, do próprio arrependido, e não de seus genitores ou qualquer outra pessoa próxima; Que o arrependido não ofereça motivo justo para sua desistência (tal como infidelidade, mudança de religião, ruína econômica, condenação criminal, moléstia grave, etc.); Que o rompimento do noivado tem causado danos materiais ou morais, ou ambos, ao ex-noivo ou ex-noiva. Trata-se, portanto, de espécie de responsabilidade subjetiva, que depende da comprovação de falta de motivo justo para o rompimento, ou seja, de que o ato praticado seja ilícito (art. 186 c/c art. 927, ambos do CC). 3.6 CASAMENTO CIVIL E RELIGIOSO Desde os primórdios do Direito Romano, o matrimônio era matéria de suma importância. Pela convenção do matrimônio a mulher e seu patrimônio passavam para a manus maritalis, mediante três diferentes institutos: a) a confrarreatio, por meio do qual o casamento era religioso e se caracterizava pela oferta aos deuses de um pão de trigo, sendo que somente os filhos havidos desta forma de matrimônio é que podiam ocupar certos cargos sacertodais; b) a coemptio, reservada à plebe, que consistia numa espécie de casamento civil celebrado pela venda fictícia, do pai para o marido, do poder sobre a mulher; c) o usus, espécie de usucapião, em que o marido adquiria sua mulher pela posse, consistente na vida em comum durante um ano. Apenas após longa evolução, surgiu em Roma a justae nuptiae, que era o matrimônio livre, assemelhado ao casamento do atual direito civil brasileiro, cujos requisitos eram a capacidade e consentimento dos cônjuges e a ausência de impedimentos. Conforme relaciona WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, a legislação universal sobre o matrimônio atualmente divide-se em quatro grupos: a) países em que só o casamento civil é válido, ressalvado aos contraentes a celebração do matrimônio religioso (Brasil, quase todos os países sul-americanos, Alemanha e Suíça, p. ex.); b) países que concedem aos nubentes 18 liberdade na opção entre o matrimônio civil e o religioso, em ambos reconhecendo o mesmo valor legal (EUA e Inglaterra, p. ex.); c) países em que se mantém a preeminência do casamento religioso, sendo o civil permitido apenas às pessoas de outra religião que não a oficial (Espanha, p. ex.); d) países em que subsiste apenas o casamento religioso (Líbano e Grécia, p. ex.). No Brasil, por muito tempo se reconheceu apenas o casamento religioso feito em Igrejas católicas, o qual era regido pelos princípios de direito canônico. Apenas em 1861, em virtude da crescente imigração, é que foi aprovada a Lei nº 1.144, regulamentada pelo Decreto de 17/04/1863, permitindo que casamentos entre pessoas não católicas fossem realizados de acordo com as suas respectivas religiões (o que acabou criando três espécies de casamentos, todos religiosos, a saber: católicos, mistos ou acatólicos). Com o advento da República, o poder temporal foi separado do poder espiritual, e o casamento começou a perder o seu caráter apenas religioso. O Decreto nº 181, de 24/01/1890, instituiu o casamento civil no Brasil, não mais se atribuindo qualquer valor jurídico ao casamento apenas religioso. A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 firmou tal entendimento, em seu art. 72, §4º, estabelecendo que o só se reconhecia legalmente o casamento civil, sendo o religioso mero “interesse da consciência individual de cada um”. Deu- se então a generalização do casamento civil, celebrado paralelamente ao religioso, hábito social que permanece até hoje. O Código Civil de 1916 consolidou e regulamentou o casamento civil, sem fazer qualquer menção ao religioso, que do ponto de vista do direito civil era considerado como juridicamente inexistente, sendo as relações oriundas de tal vínculo um mero concubinato. A partir da Constituição de 1934 possibilitou-se a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso (art. 146), o que foi mantido nas Constituições seguintes e adotado no atual Código Civil. A Constituição Federal de 1988, no seu art. 226, §1º, estatui que o casamento é civil e gratuita a celebração, acrescentando, no §2º, que o religioso pode ter efeito civil, nos termos da lei. Da mesma forma o Código Civil de 2002, revogando o que dispunha a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73, arts. 71 a 75), disciplina em seus arts. 1.515 e 1.516 a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso. Em suma, embora o direito brasileiro reconheça apenas a instituição do casamento civil, autoriza seja o casamento religioso, quando celebrado nos termos da lei civil, a ser registrado como tal, produzindo seus efeitos a partir da data de sua celebração. 19 3.7 CONDIÇÕES NECESSÁRIAS À EXISTÊNCIA, VALIDADE E REGULARIDADE DO MATRIMÔNIO Para que o ao nupcial seja considerado válido e eficaz, é necessário que certas condições para sua existência jurídica, validade e regularidade sejam observadas. Embora o Código Civil não trate expressamente das condições indispensáveis à existência jurídica do casamento, estas são evidentes. Por tais razões tem tomado corpo a teoria do casamento inexistente, por meio do qual não seria possível anular ou mesmo declarar nulo casamento que nunca existiu. Esta doutrina, formada em torno do Código de Napoleão (Código Civil francês), apontava três requisitos essenciais ao casamento, sem os quais casamento não se tem: diversidade de sexo, celebração e consentimento. O primeiro pilar do casamento era justamente a diversidade de sexo dos nubentes, o que, como já dito anteriormente, não condiz com a atual orientação do STF e do STJ, principais tribunais brasileiros, que reconheceram expressamente (o primeiro com repercussão geral – efeitos erga omnes), a existência de família entre casais homoafetivos. Lembre-se, mais uma vez que o STJ não só reconheceu a existência de família como autorizou expressamente o casamento, de forma que, ao que nos parece, não mais se justifica a manutenção, no direito brasileiro, ainda que para fins didáticos, da diversidade de sexos como requisito de existência do casamento. Por outro lado, será inexistente o casamento que não for celebrado na forma prevista em lei (art. 1.533 a 1.535, CC). Se duas pessoas redigem documento particular se declarando casadas, ou se se casam apenas em cerimônia religiosa, casamento não haverá. Como um dos princípios do matrimônio repousa exatamente no mútuo consentimento dos interessados, se houver ausência total de consentimento ter- se-á um ato inexistente. Exemplificativamente, se um dos nubentes encontra-se em estado de demência que o priva de sua razão, mesmo não interditado, ou se estiver embriagado a ponto de perder a consciência, ou mesmo se a celebração prossegue sem manifestação alguma ou com manifestação contrária de algum dos nubentes, não se trata apenas de declaração de vontade defeituosa, mas sim de ausência de manifestação de vontade, o não levaria à constituição do casamento. Portanto, casamento sem celebração ou sem consentimento, não é matrimônio; trata-se de um nada, um ato inexistente. Não é casamento nulo,nem anulável, pois nem chega a ser casamento. Não é, pois, necessário que sua ineficácia seja judicialmente declarada, porque este juridicamente nunca existiu (não se pode desfazer o que nunca foi feito). 20 Tal teoria, no entanto, do casamento inexistente, não é aceita por toda a doutrina brasileira, pois alguns autores, como SÍLVIO RODRIGUES, proclamam que basta a teoria das nulidades para a solução de todas as questões possíveis, assim como adotar a tese da inexistência poderia facilitar a bigamia, que não neste caso não se configuraria. As condições necessárias à validade do ato nupcial, cuja inobservância pode levar à nulidade ou anulabilidade do casamento são as seguintes: a) Condições naturais de aptidão física e intelectual: a.1) Puberdade: a lei estabelece um limite de idade, no qual se presume que todos estão aptos a procriar; assim se proíbe o casamento das mulheres e homens menores de 16 anos, sob pena de anulação (art. 1.550, I, CC), salvo se desse casamento resultar gravidez (art. 1.551,CC). Permite-se, no entanto, que se contraia matrimônio antes da idade legal para evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal, ou em caso de gravidez (art. 1.520, CC). a.2) Potência: os nubentes devem ser capazes de efetivar a conjunção carnal, admitindo-se a hipótese de anulação do casamento nos casos de impotentia couendi, desde que interesse ao cônjuge que antes do casamento ignorava esse defeito físico irremediável (art. 1.557, CC). Já a impotentia generandi ou esterelidade não autoriza a anulação do casamento, pois não se exige a aptidão para procriar como condição essencial à validade do casamento. a.3) Sanidade física: a existência de doença contagiosa ou transmissível, anterior ao matrimônio, constitui erro essencial (art. 1.557, III, CC), desde que desconhecida pelo outro nubente, possibilitando a anulação do casamento. a.4) Grau de maturidade intelectual e sanidade mental dos nubentes: que faça os nubentes compreenderem o grande significado do casamento, permitindo que tragam para um ato consentimento livre e refletido (art. 1.548, I e 1.557, IV, CC), sendo causa de anulação do casamento. a.5) Consentimento íntegro, isento de vícios: o erro e a coação são causas de anulação do casamento (arts. 1.550, III; 1.556, 1.558 e 21 1.559, CC), desde que incidam sobre um fato que repercuta na convivência conjugal, tornando insuportável a vida em comum, por se tratar de qualidades substanciais, morais ou pessoais, e da identidade civil ou social do nubente, que se conhecidas previamente evitariam o casamento. b) Condições de ordem moral e social: b.1) Repressão à bigamia: é nulo o casamento de pessoa já casada (art. 1.521, VI e 1.548, II), pois do princípio da monogamia, de que falamos anteriormente, decorre a proibição de segundo casamento, enquanto o primeiro não se dissolver. b.2) Prazo de viuvez (art. 1.523, I e II, CC). b.3) Tutela e curatela enquanto não cessadas e não saladas as contas (art. 1.523, IV, CC). b.4) Proibição em virtude de parentesco ou de afinidade: tem fundamento em questões fisiológicas, já que o matrimônio entre parentes próximos é desfavorável à melhoria da raça, e de ordem moral, já que produz graves inconvenientes o casamento entre pessoas que vivem constantemente juntas. É nulo o casamento contraído por parentes de linha reta ou colateral até determinado grau e por pessoas vinculadas pela adoção (art. 1.521, I a V, CC). b.5) Proibição do matrimônio pro homicídio ou tentativa de homicídio: é nulo o casamento do cônjuge com o condenado por homicídio ou tentativa contra o consorte (arts. 1.521, VII e 1.548, II, CC). b.6) Ausência do consentimento dos ascendentes ou representantes legais, quando necessário (arts. 1.517 e 1.550, II, CC). c) Condições necessárias à regularidade do matrimônio: são aquelas condizentes à celebração do matrimônio, que é ato solene. Dessa forma, são condições de regularidade: a celebração por autoridade competente e através das formalidades legais, sob pena de nulidade do ato nupcial (art. 1.554, CC). 22 3.8 IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS E CAUSAS SUSPENSIVAS O Código Civil de 2002 reservou parte das regras relativas ao matrimônio a questões que proíbem quem não se encontra nas condições nelas arroladas de convolar núpcias. O objetivo de tais restrições é evitar uniões que afetem a prole, a ordem moral ou pública. Impedimento matrimonial é a ausência de requisitos para o casamento (CC, arts. 1.521 e 1.522). Impede, portanto, a realização de casamento válido. Se alguém, entretanto, contrair matrimônio sem alguma de suas condições exigidas em lei, a norma o fulminará de nulidade. São também chamados de “impedimentos propriamente ditos”. Nesse passo, não se pode confundir incapacidade para o matrimônio com impedimento matrimonial, pois o impedido de casar não é incapaz de contrair casamento (p.ex.: um irmão é impedido de casar com outro, mas não é por isso incapaz de contrair matrimônio com outra pessoa). Em suma, a incapacidade é geral, o impedimento circunstancial. Já as causas suspensivas da celebração do matrimônio, também chamadas de “impedimento impediente”, “impedimento meramente proibitivo” ou “impedimento suspensivo”, operam-se quando certas pessoas legitimadas para sua oposição a argúem antes de uma cerimônia nupcial, isto é, não proíbem o casamento, apenas advertem os nubentes de que não devem casar-se, sob pena de sofrerem sanção, como, por exemplo, a imposição do regime da separação de bens (CC, arts. 1.641, I e 1.489, I). 3.8.1 Impedimentos Os impedimentos matrimoniais se dividem em três categorias: a) Impedimentos resultantes de parentesco (art. 1.521, I a V, CC): a.1) Impedimento de consangüinidade: se funda em razões de ordem moral (impedir núpcias incestuosas) e biológicas ou eugênicas (para preservar a prole de problemas fisiológicos ou malformações somáticas); a.2) Impedimento de afinidade: parentesco por afinidade é o que se estabelece em virtude do casamento, ou da união estável, entre um dos cônjuges ou companheiros, e os parentes do outro. A afinidade só é impedimento quando em linha reta, isto é, não podem se casar sogra e genro, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e enteado ou qualquer outro descendente do marido (neto, bisneto), mesmo que dissolvido o casamento ou a união estável que originou a afinidade. Tal ocorre porque o art. 1.595, §2º, CC, determina que a 23 afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Este impedimento tem fundamento moral. a.3) Impedimento de adoção: que intenciona velar pela legitimidade das relações familiares e pela moral do lar. Esse impedimento é uma decorrência natural do respeito e da confiança que deve haver na família. b) Impedimento de vínculo (art. 1.521, VI, CC): deriva da proibição de bigamia, proibindo de se casar pessoa vinculada a matrimônio anterior válido. Se alguém ainda ligado a outra pessoa por laço matrimonial quiser contrair outro casamento, deverá apresentar ao oficial de registro incumbido das formalidades preliminares: certidão de óbito do cônjuge falecido, ou certidão de nulidade ou anulação do casamento anterior, ou, ainda, o registro da sentença do divórcio. Não constitui impedimento a existência apenas de casamento religioso, não inscrito no civil (art. 1.515, CC). Obs: o §1º do art. 1.571 do Código Civil de 2002, em inovação legislativa, determina que se dissolve o vínculo do casamento em caso de presunção de óbito do ausente, o que permiteque o outro cônjuge contraia novo matrimônio após tal fato (o que não era possível na dicção do Código Civil de 1916, que dava ao instituto da ausência apenas efeitos sucessórios). c) Impedimento de crime (art. 1.521, VII): não pode o cônjuge sobrevivente casar-se com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Tal impedimento só diz respeito ao homicídio doloso, já que no culposo não há intenção alguma de matar um consorte para casar-se com outro. Requer, ainda, a norma em questão, para que seja aplicada, que o autor do fato tenha sido condenado pelo crime de homicídio ou pela sua tentativa; se foi absolvido ou se o delito prescreveu, extinguindo-se a punibilidade, não há qualquer impedimento matrimonial. Todavia, anistia, graça ou perdão não têm o condão de fazer desaparecer esse impedimento. 3.8.2 Causas Suspensivas A violação das causas suspensivas da celebração do casamento, também chamadas de impedimentos impedientes, suspensivos ou proibitivos, não desfaz o matrimônio, visto que não é nulo, nem anulável, apenas acarreta a aplicação de sanções previstas em lei. 24 Essas causas suspensivas são estabelecidas no interesse da prole de casamento anterior; no intuito de evitar a confusio sanguinis e a confusão de patrimônios, na hipótese de segundas núpcias; ou no interesse do nubente, presumivelmente influenciado pelo outro. Para evitar a confusão de patrimônios, o Código Civil, no art. 1.523, I, estabelece que não deve ser celebrado o casamento de viúvo ou viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer o inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros. Se houver violação deste preceito, poderão ocorrer as seguintes sanções: celebração do segundo casamento sob o regime da separação de bens (art. 1.641, I, CC) e hipoteca legal de imóveis em favor dos filhos (art. 1.489, II, CC). Nesse caso, o objetivo foi evitar que o acervo patrimonial, que interessa aos filhos do primeiro casamento, se confunda com o da nova sociedade conjugal. Realizando-se o inventário e partilha dos bens do primeiro casal antecipadamente, apura-se o que realmente pertence à prole do primeiro casamento e o que não pertence, evitando-se tal confusão. Para que não haja confusão de sangue, gerando conflito de paternidade, o Código Civil, no art. 1.523, II, estabelece que não deve ser contraído o casamento de viúva ou de mulher cujo matrimônio se desfez por ser nulo ou por ter sido anulado, até 10 meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, salvo se antes de findo esse prazo der à luz algum filho ou provar inexistência de gravidez (parágrafo único, art. 1.523). A lei aconselha que a viúva ou a mulher nas condições acima mencionadas, sob pena de ter de se casar no regime da separação de bens (art. 1.641, I, CC), aguarde a expiação de tal prazo antes de contrair novo casamento, pois incerta seria a paternidade de filho nascido no sétimo mês do segundo casamento, realizado três meses após a morte do primeiro marido, pois o recém-nascido poderia tanto ser filho do primeiro como do segundo cônjuge (art. 1.598, CC). Também para evitar a confusão de patrimônio da antiga com o da nova sociedade conjugal, não deve se casar o divorciado enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha de bens do casal (art. 1.523, II, CC), sob pena de ter de adotar o regime obrigatório de separação de bens (art. 1.641, I, CC). Com o escopo de desaconselhar matrimônio de pessoas que se acham em poder de outrem, pois este poderia conseguir um consentimento não espontâneo, preceitua o art. 1.523, IV, que não devem casar “o tutor e o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela e a curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas”. A violação deste preceito acarreta a obrigatoriedade 25 do regime de separação de bens (art. 1.641, I, CC), salvo se se provar a inexistência de prejuízo para o tutelado ou curatelado (art. 1.523, parágrafo único, CC). 3.8.3 Oposição dos impedimentos matrimoniais e das causas suspensivas Oposição é o ato praticado por pessoa legitimada que, até o momento da realização do casamento, leva ao conhecimento do oficial, perante quem se processa a habilitação, ou do juiz que celebra a solenidade, a existência de um dos impedimentos, ou causas suspensivas, previstos nos arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil, entre as pessoas que pretendem contrair núpcias. O direito de oposição possui algumas restrições, a fim de se evitar abusos e acusações levianas, quais sejam: a) Limitações pessoais: os impedimentos matrimoniais, como interessam à coletividade devem ser opostos, obrigatoriamente, ex officio, pelo oficial de registro civil; pelo juiz ou por quem presidir a celebração do casamento, se tiverem conhecimento de algum impedimento (art. 1.522, parágrafo único, CC); ou por qualquer pessoa capaz, até o momento da celebração do casamento, mediante declaração escrita, com sua assinatura, instruída com as provas do fato que alegar (arts. 1.522 e 1.529, CC). Quanto às causas suspensivas, como interessam apenas à família, só poderão ser argüidas pelos parentes em linha reta (ascendentes ou descendentes), de um dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins; pelos colaterais, em segundo grau, sejam consangüíneos ou afins. b) Limitações formais: b.1) quanto à oportunidade → os impedimentos podem ser argüidos até a celebração do casamento, e as causas suspensivas dentro do prazo de 15 (quinze) dias da publicação dos proclamas. b.2) quanto ao oponente → não poderá ficar no anonimato; deverá ser capaz (art. 1.522, CC); deverá provar o impedimento por escrito, provando-o, com observância do art. 1.529, CC; em caso de oposição de causa suspensiva, deverá provar o seu grau de parentesco com um dos nubentes. b.3) quanto ao Oficial do Registro Civil → deverá receber a declaração, verificando se apresenta os requisitos legais; deverá dar ciência aos nubentes (art. 1.530, CC); remeterá os autos a juízo (Lei 6.015/73, art. 67, §5º). 26 Se pendente a oposição, esta tem por efeito adiar o casamento, impossibilitando os nubentes de obter o certificado de habilitação. Se improcedente, levanta-se a suspensão, e o ato nupcial realiza-se; se provado o impedimento, não se poderá celebrar o casamento, enquanto subsistir a razão impeditiva. Se, contudo, durante o processo que examina a oposição, foi realizado o casamento, este será válido, se depois disso for ela julgada improcedente. A decisão, no entanto, do processo de habilitação não faz coisa julgada, sendo possível, pois a propositura de ação de nulidade baseada no mesmo impedimento argüido. Se o oponente agir de má-fé, nos termos do art. 1.530 do Código Civil, poderá sofrer sanções civis ou criminais, devendo reparar os danos morais ou patrimoniais que causou com seu comportamento abusivo, se doloso ou culposo, ex vi do art. 186 do diploma civilista. 3.9 FORMALIDADES PRELIMINARES À CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO Diante da grande importância social do instituto do matrimônio e de seus efeitos, prevê o legislador brasileiro certas formalidades que o devem preceder, com a finalidade de verificar a inexistência de impedimentos, de causas suspensivas e de demonstrar que os nubentes estão em condições de contrair núpcias, evitando-se a realização de um casamento com infração às normas jurídicas vigentes. Por isso, diz-se que o casamento é um ato eminentemente formal. No período preparatório do casamento é que ocorreo chamado processo de habilitação para o casamento (arts. 67 a 69, Lei 6.015/73), no qual os nubentes deverão demonstrar que estão legalmente habilitados para o ato nupcial, por meio de um verdadeiro processo, que corre perante o Oficial de Registro Civil do domicílio dos noivos; se domiciliados em distritos diferentes, processar-se-á no Cartório de Registro Civil de qualquer deles, sob pena de nulidade relativa do ato (arts. 1525, 1.550, IV, 1.560, II e 1.554, CC). Para tanto, ambos deverão apresentar um requerimento (feito por meio eletrônico ou mecânico) subscrito por eles ou por procurador (art. 1.525, CC). Se um deles, ou ambos, for analfabeto, será assinado a rogo, com duas testemunhas. Esse requerimento deverá estar acompanhado dos seguintes documentos: a) Certidão de nascimento ou documento equivalente (além de identificar os nubentes, comprova a existência ou não de parentesco entre os nubentes; se têm idade suficiente para o ato nupcial ou se estão sujeitos ao poder familiar, tutela ou curatela, ou se devem sofrem 27 as limitações legais existentes para os maiores de 70 anos (idade estabelecida pela Lei n. 12.344/2010); são admitidos como prova de idade, na falta da certidão de nascimento, todos os documentos oficialmente reconhecidos, como carteira de identidade, carteira profissional, título de eleitor, etc); b) Autorização das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra (arts. 1.517, 1.519, 1.550, II e 1.537, CC – obtido o suprimento judicial, que é medida cautelar e preparatória ao processo de habilitação matrimonial, celebrar-se-á o casamento no regime de separação de bens – art. 1.641, III, CC); c) Declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecer os nubentes e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar (art. 1.525, III, CC e art. 42 da Lei 6.015/73); d) Declaração de estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos (trata-se de memorial que é apresentado por escrito e assinado, conjunta ou separadamente, pelos noivos; por ele se verificam se ambos são solteiros ou viúvos e se residem ou não em diferentes circunscrições do registro civil, pois, neste caso, é obrigatória a publicação dos editais de casamento numa e noutra – art. 1.527, CC); e) Certidão de óbito do cônjuge falecido, da sentença declaratória de nulidade ou de anulação do casamento anterior, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio (art. 1.525, V, CC); f) Certificado do exame pré-nupcial (se se tratar de casamento de colaterais do 3º grau, ou seja, de tio com sobrinha e de tia com sobrinho, nos termos do Decreto-lei nº 3.200/41, pois tais parentes deverão requerer ao juiz competente para a habilitação, sob pena de nulidade do casamento, a nomeação de dois médicos, isentos de suspeição, para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando que a realização do ato nupcial não será prejudicial a eles e à eventual prole). Apresentados os documentos em questão, o oficial do Registro Civil verificará se estão em ordem e lavrará os proclamas do casamento, mediante edital que ficará afixado, durante 15 dias, nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e se publicará na imprensa local, onde houver (art. 1.527, CC e art. 68 da Lei nº 6.105/73), os quais têm por fim anunciar ao público a intenção dos nubentes, propiciando-se, a partir de sua publicação, a oposição 28 dos impedimentos matrimoniais. Essa publicação é feita no Diário Oficial do Estado e, facultativamente, num jornal de grande circulação. Todavia, se se comprovar a urgência (grave enfermidade, parto iminente, viagem inadiável) para a celebração do casamento, o Juiz de Direito da Comarca onde tramita a habilitação poderá, após ouvir o Ministério Público, desde que se apresentem os documentos anteriormente mencionados, dispensar a publicação do edital (art. 1.527, parágrafo único, CC; art. 70, Lei 6.015/73). Se houver alguma oposição de impedimento ou causa suspensiva, como já dito, o Oficial do Registro deverá dar aos nubentes, ou a seus representantes, nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome da pessoa que a ofereceu, para que possam requerer um prazo razoável para comprovação da inveracidade dos fatos alegados e promover as ações cíveis e criminais contra o oponente de má-fé (art. 1.530, CC). Se decorrido o prazo de 15 dias não houver qualquer oposição de impedimentos ou causas suspensivas, e se o Oficial não constatar nos documentos que lhe foram apresentados qualquer impedimento que lhe caiba declarar de ofício, deverá, cumpridas as formalidades dos arts. 1.526 e 1.527, passar uma certidão declarando que os pretendentes estão habilitados para casar dentro de 90 (noventa) dias contados da data em que tal certidão foi extraída (arts. 1.531 e 1.532, CC). Se os nubentes não se casarem nesse período, terão de renovar o processo de habilitação, com a publicação de novos proclamas e nova certidão, por se tratar de prazo de decadência, já que pode ocorrer fato novo que modifique a situação dos noivos no que diz respeito à sua capacidade nupcial ou a algum impedimento matrimonial. Para que se conserve a prova dos proclamas, considerando-se o interesse social envolvido, exigem os arts. 1.527 e 1.531 do Código Civil que se complete o processo de habilitação com o registro dos editais no cartório do Oficial que os publicou, fornecendo-se certidão deles a quem os pedir. Este registro deve acontecer, sob pena de decadência, no mesmo prazo de 90 dias da validade da certidão de habilitação acima referida, em sendo o casamento realizado apenas no civil, ou nos 90 dias seguintes à realização do casamento religioso com efeito civil (art. 1.516, §1º, CC). Se houver qualquer irregularidade no processo de habilitação, nem por isso será nulo o casamento. Pelo art. 28 da Lei. 6.015/73, o Oficial do Registro que não cumprir suas obrigações funcionais e legais, deixando, p. ex., de esclarecer os nubentes a respeito de fatos ou dos impedimentos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre o regime de bens apontando seus efeitos jurídicos para que os nubentes possam fazer, conscientemente, sua opção, deverá sofrer, além da responsabilidade penal 29 imposição de sanção de natureza civil por eventuais prejuízos causados aos nubentes (art. 186, CC). Resta ressaltar, por fim, que a habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sujeitando-as, na hipótese de falsa declaração, às penalidades legais (art. 1.512, parágrafo único, CC). 3.10 CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO a) Formalidades essenciais da cerimônia nupcial Preenchidos todos os requisitos do processo de habilitação, os contraentes, de posse da certidão passada pelo Registro Civil, anteriormente mencionada, requererão mediante petição endereçada à autoridade competente a designação de dia, hora e local para a celebração do casamento (art. 1.533, CC). Costumeiramente, entretanto, a data e o horário não são marcados pelo juiz, pois os nubentes declaram de pronto o dia e a hora em que pretendem casar, limitando-se o juiz a deferir-lhes o requerimento (embora não esteja obrigado a acatar a sugestão de data e hora). A celebração do ato nupcial é da competência do juiz do lugar em que se processou a habilitação e é gratuita (art. 1.512, CC). O casamento pode celebrar- se em qualquer dia da semana, inclusive domingos e feriados, na sede do cartório, com toda publicidade, a portasabertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante, em qualquer edifício público ou particular (art. 1.534, CC). Serão quatro as testemunhas se for celebrado em edifício particular, que deverá ficar de portas abertas durante o ato, e se algum dos contraentes não souber, em razão de analfabetismo, ou não puder, em virtude de enfermidade ou lesão, escrever (art. 1.534, §§ 1º e 2º). Presentes os nubentes, em pessoa ou por procurador especial (art. 1.535, CC), as testemunhas e o Oficial de Registro (que funciona como escrivão), o presidente do ato ou juiz perguntará, sucessivamente, ao futuro marido e à futura mulher, se pretendem se casar por livre e espontânea vontade. Tal manifestação deve apenas ser feita de forma clara e espontânea, não se exigindo qualquer solenidade específica, não se tolerando mero silêncio. O matrimônio não se realizará, sendo sua celebração suspensa, se um dos nubentes recusar a solene afirmação de sua vontade, se declarar que esta não é livre e espontânea ou se se manifestar arrependido (art. 1.538, I, II e III, CC). O nubente que der causa à suspensão do ato ao poderá retratar-se no mesmo dia; a cerimônia só poderá ser celebrada nas próximas 24 horas (art. 1.538, parágrafo único, CC). A autoridade celebrante deverá designar nova data para as núpcias, 30 desde que o nubente que levou à suspensão da cerimônia assim requeira, sem necessidade de renovar os atos anterior e validamente praticados. Igualmente se suspenderá a cerimônia se houver oposição séria de impedimento ou retratação do consentimento dos pais, tutor ou curador, cuja autorização seja necessária, caso em que o juiz decretará o suprimento de consentimento e a cerimônia se renovará. Obtendo resposta afirmativa, pura e simples, sem qualquer condição ou termo, o celebrante deve declarar contraído o matrimônio pronunciando as seguintes palavras: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados” (art. 1.535, parte final, CC). Após tal declaração considera-se o casamento efetivamente realizado, de forma que o arrependimento manifestado após a mesma não produz efeito algum (art. 1.514, CC - efeito constitutivo). Para completar o ciclo formal do casamento, que se inicia com a habilitação e prossegue com a cerimônia solene, dever-se-á lavar no livro de registro, para perpetuar o ato e servir de prova, o assento do matrimônio, assinado pelo presidente do ato, pelos cônjuges, testemunhas e oficial, contendo os requisitos estabelecidos no art. 1.536, I a VII, do Código Civil. A falta de lavratura do assento não macula a validade do casamento nem pesa como falha na celebração, mesmo quando houver dolo ou culpa do Oficial, caso em que se provará o matrimônio por outros meios (art. 1.543, parágrafo único, CC). b) Casamento por procuração Mesmo sendo imprescindível a presença real e simultânea dos contraentes para que se realize o casamento, permite a lei civil que, se um deles ou ambos não puder estar presente ao ato nupcial, se celebre o matrimônio por procuração cuja eficácia não ultrapassará 90 dias (art. 1.542, §3º, CC). É imprescindível que o instrumento de mandato especialmente outorgue poderes especiais ao mandatário para receber em casamento, em nome do outorgante, contraente certo e determinado, bem como que o instrumento seja na forma pública. No caso de a procuração ser redigida em língua estrangeira, somente será admitida se houver permissivo a este respeito na legislação pátria do mandante, devendo nela constar expressamente a palavra casamento ou expressão equivalente, traduzida a procuração por tradutor juramentado. 31 Não é pacífica a idéia de que ambos os contraentes possam casar-se por procuração, mas se for este o entendimento, é certo que devem ser dois os mandatários. Deve a procuração especificar o regime de bens que será adotado no casamento; não constando expressamente, vigorará o regime legal. Não há exigência de demonstração da impossibilidade de comparecimento do nubente para que seja permitido o uso do mandato, podendo o instrumento ser usado para o requerimento da habilitação (art. 1.525), para o ato solene ou para ambos, dependendo dos específicos poderes inclusos expressamente no instrumento. Em se tratando de procuração, com o requisito essencial de serem expressos os poderes especiais e determinados, não há previsão da possibilidade de substabelecimento, ou de que o mandatário possa contratar consigo mesmo em nome de seu noivo, não sendo aplicável a regra geral do direito das obrigações. Convém apontar que, se houver falecimento do mandante e realizado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tenha notícia do fato, o ato será considerado insubsistente. De toda sorte, não há dispensa da cerimônia pública e solene quando um dos nubentes estiver representado por procuração. Assim realizar- se-á o ato na forma determinada na Lei, presente um contraente, o procurador do outro, o oficial do registro, o celebrante e as testemunhas, na forma do art.1.535. No momento da celebração, o procurador declara sua vontade em nome do representado. Sem embargo de alguma divergência, o casamento por procuração não constitui exceção ao princípio da atualidade da manifestação de vontade dos cônjuges, segundo o qual o assentimento é prestado no momento da celebração. Também na hipótese do casamento por procuração, o consentimento guarda acento de atualidade, não sendo expressão de uma vontade consumada no momento da outorga da procuração. Tal concepção é reforçada pela posição doutrinária segundo a qual o procurador pode recusar o assentimento em virtude de fato desconhecido pelo mandante (por exemplo, causa de invalidade do casamento, doença física e psíquica do nubente ou gravidez da noiva) sempre que for presumível que o mandante, se tivesse conhecimento do fato, não se casaria. § 1º A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário; mas, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o 32 outro contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos. A revogação do mandato é livre, independente de qualquer outro requisito, salvo a previsão do § 4º. Se houver casamento sem que o mandatário saiba da revogação, será tido por inexistente porque ausente o requisito do consentimento, respondendo o mandante pelas perdas e danos provocadas ao outro contraente de boa-fé que ignorasse o fato impeditivo da realização do matrimônio. Em regra, a revogação de procuração se dá por meio de uma declaração receptícia de vontade, ou seja, somente produz efeitos a partir do momento em que ingressa na esfera de conhecimento do destinatário. Em se tratando de procuração ad nuptias, contudo, a regra geral não encontra acolhida, em razão da natureza personalíssima do casamento. A revogação da procuração ad nuptias opera efeitos no momento do ato, independentemente da notificação ao procurador ou do seu conhecimento ou do outro nubente. A incapacidade superveniente do representado e a revogação da procuração acarretam a inexistência do casamento posteriormente celebrado pelo procurador, sendo imperioso preservar íntegra a liberdade nupcial do contraente. Se um dos nubentes estiver em iminente risco de vida, pode o outro nubente se fazer representar por procuração no casamento in articulo mortis. Esta é uma forma excepcional de celebração de enlace. O prazo de validade da procuração é determinado,
Compartilhar