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"Modernismo Revisitado" Eduardo Jardim Moraes

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Modernismo Revisitado1: 
• 
2 1 de junho de 1925 o Jor­
nal do Comércio do Recife 
publicou uma entrevista feita 
por Joaquim Inojosa com 
Oswald de Andrade, naquele mo­
mento de passagem pela cidade. Na 
ocasião, tratava O escritor paulista de 
expor sua compreensão dos rumos 
que vinha tomando o movimento mo­
dernista. Oswald de Andrade é apre­
sentado pelo diário pernambucano 
como um "dos que em São Paulo pri­
meiro ergueram a voz em defesa do 
movimento renovador". E acrescenta 
a reportagem: "preocupa-o, apenas, o 
que diga respeito à modernidade, re­
sidindo aí o seu maior empenho". 1 
Em seguida à apresentação, a palavra 
é do entrevistado: 
"Linda cidade, o Recife. Foi uma 
surpresa para mim. E o será para 
quantos o visitarem. Como é que 
no Brasil existe uma cidade de 
aspecto tão encantador, e não na 
conhecem todos os brasileiros, e 
a ignora a maioria dos sulistas? 
Eduardo Jardim de Moraes 
Sinto-me encantado com estas pai­
sagens, o verde destas árvores, as 
palmeiras, os bananais, tudo. Sin­
to-me brasileiro aqui. Aos pernam­
bucanos compete trabalharem pa­
ra que não desapareça, e, antes 
fulgure mais intensamente, o es­
pírito de brasilidade. Veja as co­
res destas casas antigas: excelen­
tes; repare na pintura destas ca� 
sas modernas: horríveis. Horríveis 
para nós, para o nosso ambiente. 
A arquitetura deve refletir a pai­
sagem. A daqui apresenta tonali­
dades diversas, sedutoras, maravi­
lhosas. Por que não aproveitá-Ia 
no cadinho da arte? Por que aban­
doná-Ia pela importação estran­
geira? E não se pense que há in­
coerência nas minhas expressões. 
porque sou modernista. Sou-o so­
bretudo, por ser brasileiro. Quero, 
por isso, a formação de uma arte 
nacional, que se há de extrair, 
sem dúvida, da obra dos antepas­
sados. Podemos muito bem cons­
truir um arranha-céu numa arte 
nossa, sem ser esta arquitetura de 
• Este artigo é o desenvolvimento de uma reflexão já apresentada em meu livro 
A brrlsilidade modernista: sua dimensão filosófica (Rio de Janeiro, Graal. 1978). 
r"UdM lIistórlcos, Rio de Janelro, vaI. 1, n. 2, 1988. p. 22Q.t2J8. 
MODERNISMO REVISITAOO 221 
cartão postal que parece dominar 
o Brasil inteiro."! 
E mais adiante: 
.. Asseguro-lhe que, para a forma­
ção da pintura, da arquitetura e 
da poesia brasileira, tem o artista 
de visitar o Recife, porque aqui 
encontrará fontes emocionais de 
primeira grandeza. Nas classes p0-
pulares, então, devem existir mo­
tivos para uma grande poesia, sem 
ser importada de Heredia ... '" 
Esta declaração de Oswald de An­
drade traz as marcas das preocupa­
ções modernistas daquele momento: 
o modernismo propunha a renovação 
no domínio da produção artística. Ao 
mesmo tempo, e enfaticamente, ela 
faz a defesa da nacionalização das 
fontes de inspiração do artista brasi­
leiro. O que importa não é apenas 
compatibilizar o que é modtrno e o 
que é nacional. Importa m.,s apre­
sentar o moderno como necessaria­
mente nacional. Além destes propósi­
tos, o texto introduz ainda outras duas 
articulações - em primeiro lugar, o 
compromisso do projeto modernista 
com a tradição. As cores das casas 
antigas, brasileiras, são melhores que 
as das casas modernas, importadas, e 
são as que é preciso valorizar. Em 
outros termos: a obra moderna há de 
"se extrair da obra dos antepassa­
dos". E ainda, em segundo lugar, 
tem-se a idéia de que é nas classes 
populares que se deve buscar os mo­
tivos da cultura nacional. Além de 
antigas e de brasileiras, são popula­
res as "fontes emocionais" que de­
vem interessar ao artista m.oderno. 
A proposta de Oswald de Andrade 
• e a mesma que se encontra presente 
nas declarações e nas obras dos par­
ticipantes do movimento modernista 
a partir de 1924. Também é com re­
lação a ela que a intelectualidade bra-
sileira da época, em seu conjunto, 
deverá se posicionar. 
O mesmo Oswald de Andrade fora 
quem, com o Manifesto Pau-Brasil, 
formulara pela primeira vez essa pro­
posta de maneira articulada. Nesse 
texto vem expressa uma concepção 
do que é modernizar a arte brasileira 
de maneira própria, nacional. Para o 
manifesto de 24, como de resto para 
o conjunto do modernismo, a moder­
nização da cultura só se viabiliza se 
estiver assentada em tradições nacio­
nais caracterizadas enquanto popu­
lares. 
E certo que na discussão aberta 
pela publicação do Pau-Brasil, na 
qual se insere o texto transcrito atrás, 
encontram-se maneiras diferenciadas 
de abordar o problema, como por 
exemplo na ótica de Mário da Andra­
de, ou mesmo sua rejeição por com­
pleto, como em Tristão de Athayde. 
No entanto, é nítido que, para aque­
les que adotam a postura moderniza­
dora ou para os que a rejeitam, o que 
está sempre presente na atenção dos 
intelectuais da época é a apreciação 
deste bloco de questões em que se 
imbricavam modernidade, brasilida­
de, tradição e origens populares. 
Ao comentar o manifesto em 1925, 
Mário de Andrade, sem discordar da 
proposta mais ampla que ele contém, 
procura retificar a articulação entre 
sua postura de autor erudito e as fon­
tes de inspiração populares. A res­
salva de Mário de Andrade diz res­
peito a uma distinção de fato consi­
derável entre sua maneira de enten­
der o elemento popular como traço 
definidor da nacionalidade, e aquela 
encontrada em Oswald de Andrade. 
Sublinhada esta diferença, a proposta 
dos dois autores é a mesma:' ao se co­
locar a exigência de modernização, 
esta passa pela discussão de sua ca­
racterização para o ambiente bra.i-
222 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2 
leiro, e daí pela reCerência ao ele­
mento tradicional e ao popular.' 
"Literatura suicida" é o título do 
comentário Ceito por Tristão de Athay­
de sobre o ,mesmo tema. O crítico res­
salta vivamente a importância do mo­
mento por que se passava. Para ele, 
"nenhuma geração . . . teve necessida­
de tamanha de traçar o seu roteiro 
como a nossa" .• O problema enfren­
tado por essa geração era o da mo­
dernidade. Esta só poderia ser con­
cebida se relacionada à questão da 
entidade nacional. De forma que a 
rejeição da problemática do naciona­
lismo trazia consigo a recusa do in­
gresso na ordem moderna. Ao ata­
car a proposta "independentista" de 
Oswald de Andrade, que propunha a 
elaboração de uma "poesia de expor­
tação", ao afirmar ser necessária HCo­
ragem literária suficiente para dizer 
bem alto: ainda não podemos pres­
cindir de certa imitação",6 Tristão de 
Athayde tem, necessariamente, que 
optar por uma via antimodernista 
como é sua "ida ao clássico", 
A argumentação de Tristão de 
Athayde busca inicialmente descarac­
terizar a postura nacionalista defen­
dida pelo maniCesto. Para o crítico, o 
que na verdade Oswald de Andrade 
propunha era trazer para a discussão 
brasileira as contribuições do dadaís­
mo francês e do expressionismo ale­
mão. Estes são caracterizados como 
dois grandes males culturais - o da­
daísmo é Hesse cadáver" francês e o 
expressionismo é Hessa moléstia" ale­
mã.7 O que está importando para 
Tristão de Athayde, entretanto, não é 
a crítica do processo de importação 
de padrões culturais estrangeiros, mas 
a qualidade do que se importa. Sua 
proposta não é a de uma ruptura com 
o processo de importação; ao contrá­
rio, seu maior empenho está em rei­
vindicar a adoção e a importação 
de formas culturais disciplinadoras, 
"clássicas". Estas são localizadas "nas 
Corças de sani'dade a que a Europa 
está lançando um apelo para reagir 
contra a decadência": 8 
"Mas desde logo renunciar, sem 
saudade, a essa Carândola charla­
tanesca de novidades trazidas pelo 
último correio, a essa ânsia do no­
vinho em Colha, da última moda 
francesa, do diferente, do extra­
vagante, do nunca dito. Ir ao clás­
sico é renunciar à desordem. "· 
Assim, é o conjunto das questões 
propostas pelo modernismoque Cun­
ciona como reCerencial para todos. No 
caso, é aquele conjunto que precisa 
ser rejeitado por Tristão de Athayde. 
Entretanto, não foi desta forma que 
eclodiu a questão da modernidade em 
nosso ambiente intelectual. A brasili­
dade, com tudo o que ela implica de 
dimensionamento da proposta moder­
nista e até de redefinição daquilo que 
se entende como sendo moderno, só 
constituiu uma indagação para os mo­
dernistas no desdobramento de sua 
discussão sobre a modernidade. Po­
de-se mesmo aCirmar que a vocação 
nacionalista do modernismo que se 
maniCesta grosso modo a partir de 
1924 é o ponto de chegada de uma 
linha de indagações sobre o ingresso 
da produção artística brasileira na 
ordem da modernidade. E que, ao 
ser colocada em toda a sua complexi­
dade, a questão da brasilidade possi­
bilitou, da parte daqueles que deCen­
diam o projeto modernizador, a defi­
nição do próprio conceito de moder­
nidade para o caso brasileiro. Veja­
mos como se fez este percurso. 
1. Modernizar' etuerlur a produçlo cul· 
ture' • um novo tempo 
O ano de 1917 ficou caracteriza­
do na história do modernismo no 
MODERNiSMO REVISITADO 223 
Brasil como um ano inaugural. 10 IÔ 
que nele se manifesta pela primeira 
vez de forma clara a polêmica que 
opõe os modernos aos representantes 
e defensores da velha ordem estélica. 
A polêmica eclodiu a respeito da ex­
posição de Anita Malfatti no final do 
ano. Ao conhecido artigo de Mon­
teiro Lobato denunciando a paranóia 
ou a mistificação da obra da pintora 
respondia o inovador Oswald de An­
drade. O que importa apontar neste 
momento inicial do modernismo, e 
também em todos os outros em que 
se considera este movimento do ponto 
de vista da sua oposição ao que ele 
próprio designou como passadismo, é 
a idéia, sempre afirmada, de que a 
estética moderna deveria ser enten­
dida como alguma coisa de natural 
ou de adequado. 
Vai ser preciso definir o que os 
modernistas entendiam por naturali­
dade ou adequação. Por ora quer-se 
chamar a atenção para o fato de que, 
contra o estranhamento do discurso 
de Labato diante da obra moderna, a 
resposta de Oswald de Andrade su­
blinha a sua propriedade. Com relação 
a Anita Malfatti, o articulista moder­
no diz: 
"Na arte, a realidade na ilusão é 
o que todos procuram. E os natu­
ralistas mais perfeitos são os que 
melhor conseguem iludir. Anita 
Malfatti é um temperamento ner­
voso e uma intelectualidade apu­
rada, a serviço do seu século. A 
ilusão que ela constrói é parti­
cularmente comovida, é individual 
e forte e carrega consigo as pró­
prias virtudes e os próprios de­
feitos da artista." 11 
O texto expressa a opinião de que 
é natural adotar o ponto de vista mo­
derno. IÔ da natureza do nosso século. 
Vale ressaltar esta dimensão clara do 
texto. Também foi natural para os 
antigos terem sido... antigos. Pode­
se mesmo dizer, de um ponto de vista 
artístico, já que os antigos naturalis­
tas eram os que melhor iludiam, que 
Monteiro Lobato saiu em' defesa da 
melhor parte. Mas vamos nos ater aos 
propósitos mais nítidos da critica. 
Eles logo aparecem: não há porque 
protestar, uma vez que até certo pon­
to, enquanto arte ou ilusão, não há 
ruptura entre o passado e o presente. 
No caso, entre os naturalistas e Anita 
Malfatti. O que importa é ver cada 
coisa no seu tempo e portanto relacio­
nar a linguagem mode.rna ao tempo 
presente. Anita Malfatti, diferente­
mente dos naturalistas, manifesta 
com seu temperamento e sua inteli­
gência a época de hoje. Sua obra é 
dotada de uma qualidade que inte­
ressa ao articulista ressaltar - a atua­
lidade. 
Pouco antes da Semana de 22, Má­
rio de And.rade publicou na imprensa 
de São Paulo a série de artigos "Mes­
tres do passado". São sete textos 
onde se pretende acertar as contas 
com o passadismo aqui representado 
pela poesia parnasiana. A argumenta­
ção de Mário de Andrade se ancora 
em um pressuposto que percorre os 
textos do período - na querela dos 
modernos contra os antigos o que im­
porta é descartar o antigo, precisa­
mente por não dizer respeito ao pre­
sente. Na postura parnasiana o criti­
cável é sua persistência em não desa­
parecer. Para o modernismo não se 
trata tanto de desqualificar as ma­
nifestações artísticas passadistas por 
suas propriedades inlrlnsecas, mas de 
rejeitá-Ias enquanto insistem, como 
contemporâneas de uma época passa­
da, em se imjscuir no tempo presen­
te. Não é natural para os novos tem­
pos a métrica e a rima parnasianas 
ou as ronnas "academizantes" na pin­
tura. Donde o ponto de vista da cri­
tica de Mário de Andrade: 
224 ESTUllOS HISTÓRICOS - 1988/2 
"o Mestres do Passado, eu vos 
saúdo! Venho depor a minha co­
roa de gratidões votivas e de entu­
siasmo varonil sobre a tumba onde 
dormis o sono merecido! Sim: 
sobre a vossa tumba, porque vós 
estais mortos! E se, infelizmente 
para a evolução da poesia, a som­
bra fantasma I dalguns de vós, trê­
mula se levanta ainda sobre a 
terra, em noites foscas de sabat, 
é que esses não souberam cum­
prir com magnificência e bizarria 
todo o calvário do seu dever! De­
veriam morrer! Assim o conela­
ma, na marcha fúnebre das mi­
nhas lágrimas, a severa Justiça que 
não vacila e com a qual vos honro 
e dignifico! Deveriam morrer! A 
vida vegetal a que se agarraram, 
não se coaduna com o destino dos 
muezins duma arte do tempo in­
cessante, dos troveiros alados, dos 
cortesãos da beleza fugitiva!. .. " " 
A justiça a que se refere o texto 
é o próprio témpo. E a idéia sempre 
recorrente é a de que os mestres do 
passado devem ceder lugar aos ho­
mens do presente. A perspectiva mo­
dernizadora insiste em caracterizar-se 
como adequada a um novo tempo. 
Este não se encontra propriamente 
em oposição ao velho tempo. Trata­
se antes de compreender o ingresso 
na modernidade como uma passagem 
de um momento a outro. Não como 
ruptura, mas comó evolução. E pas­
sadista é aquilo que vem obstaculizar 
esta evolução. 
Diferentemente do que ocorre em 
outros modernismos, onde a idéia de 
revolução ou de descrédito do passa­
do se situa no centro das indagações, 
no caso brasileiro a modernização 
vem caracterizada como atuaJjzação, 
onde não está afastado o compro­
misso com a tradição. 
A dupla dimensão polêmica e cons· 
trutiva do modernismo indica por um 
lado a preocupação em se acentuar o 
caráter inatual da ordem estética até 
então vigente, e por outro a _necessi­
dade da incorporação da discussão, 
cultural na ordem moderna. A crítica 
modernista, ilustrada aqui pelos arti­
gos de Mário de Andrade, lem seus 
critérios elaborados a partir do reco­
nhecimento da dupla tarefa do movi­
mento. 
Em termos propriamente construti­
vos cabe a elaboração de uma nova 
postura estética adequada à vida mo­
derna. Em outras palavras: é preciso 
produzir linguagens artísticas que 
possam dar conta da reaJjdade pre­
sente. E uma espécie de realismo que 
o modernismo propõe. No sentido 
mesmo da adequação do mundo e da 
sua representação. 
O Manifesto da Poesia Pau-Brasil 
haveria de frisar com justeza o esfor­
ço do primeiro tempo do movimento: 
"O trabalho da geração futurista foi 
ciclópico. Acertar o relógio império 
da literatura nacional." 13 Tudo isto 
indica porlanto que se trata para O 
modernismo de adequar ao lempo da 
vida o lempo da produção intelectual. 
A percepção da vida moderna é a 
que vem expressa na apresentaçao de 
KlaxonJ a primeira revista do movi­
mento. A modernidade nesle momen­
lO de busca de definições é a vida nos 
centros urbanos. Klaxon está do lado 
do atual, do progresso, da ciência. da 
racionalidade, da técnica, do enge­
nheiro. Por oulto lado, e com cer­
teza, os redatores da revista estavam 
alentos à questão da sua relação com 
a Iradição. E o que vem dilo a uma 
certa altura de "Estética", segundaparle da apresentação. 
"Klaxon sabe que o progresso 
existe. Por isso sem renegar o pas­
sado, caminha para diante, sem-
MODERNISMO REVISITADO 225 
pre, sempre. O campanile de São 
Marcos era uma obra-prima. De­
via ser conservado. Caiu. Recons­
truI-lo foi uma erronia sentimen­
tal e dispendiosa - o que berra 
diante das necessidades contem· 
porâneas," U 
Ao mesmo tempo em que toma 
estes cuidados, o que a revista trans­
mite é a exigência de incorporação 
à ordem moderna entendida como ur­
bana e suficientemente industrializa­
da. O acesso à vida moderna é o 
acesso à racionalidade. Dal a neces­
sária crítica do romantismo entendi­
do como estágio pré-moderno da civi­
lização. O romântico, sendo senti­
mental, é pré-racional. Sendo pré-ra­
cional, é pré-moderno. Donde a ne­
cessária "extirpação das glândulas la­
crimais", 
Entendida como realidade em mo­
vimento, a vida moderna encontra 
sua melhor forma de expressão no 
cinema. Os modernistas opinam: "t 
preciso observar-lhe a lição." 15 Já no 
momento da Semana de Arte Moder­
na, no início de 1922, a conferência 
de Menotti deI Picchia no Teatro Mu­
nicipal exprimia o mesmo ponto de 
vista: 
"Hoje que, em Rio Preto, o 'cow­
boy' nacional reproduz, no seu 
cavalo chita, a epopéia eqüestre 
dos Rolandos furibundos; que o 
industrial de visão aquilina amon­
toa milhões mais vistosos do que 
os de Creso; que Edu Chaves re­
produz com audácia paulista o 
sonho de tcaro, por que não atua­
lizamos nossa arte, cantando essas 
l!íadas brasileiras? Por que prefe­
rimos uma Atenas cujos destroços 
de Acrópole já estão pontilhados 
de balas de metralhadoras? 
• 
Não! Paremos diante da tragédia 
hodierna. A cidade tentacular ra-
dica seus gânglios numa área ter­
ritorial que abriga 600.000 almas. 
Há na angústia e na glória da sua 
luta odisséias mais formidáveis 
que as que cantou o aedo cego: 
a do operário reivindicando seus 
direitos; a do burguês deCendendo 
sua arca; a dos Cuncionários des­
lizando nos trilhos dos regula­
mentos; a do industrial comba­
tendo o combate da concorrência; 
a do aristocrata exibindo o seu 
fausto; a do político assegurando 
a sua escalada; a da mulher que­
brando as algemas da sua escra­
vidão secular nos gineceus even­
Irados pelas idéias libertá rias pos­
bellum ... Tudo isso - e o auto­
móvel, os fios elétricos, as usinas, 
os aeroplanos, a arte - tudo isso 
Corma os nossos elementos da es­
tética moderna .. . " 16 
Na ótica do modernismo deste mo­
mento, como se vê, o que vale é cap­
tar a modernidade enquanto vida em 
movimento, marcada de forma im­
pressionista peJo ritmo da cidade onde 
se abrigam desordenamente os mais 
variados elementos. Velocidade e va­
riedade são atributos da vida urbana 
e moderna e como tal positivamente 
qualificadas. Não está importando ne­
nenhuma precisão na definição. Está­
se querendo chamar a atenção para o 
fato de que à "riqueza" da realidade 
deve corresponder uma nova expres­
são. Também não bá uma definição 
precisa das formas adequadas para 
exprimir a realidade. O que se quer 
é propor o afastamento das Cormas 
consagradas, consideradas inatuais, e 
apelar para a adesão às formas mo­
dernas adequadas à representação da 
vida presente. 
A mesma linha de preocupações 
que se percebe na conferência de Me­
notti deI Picchia está presente tam­
bém no texto de Mário de Andrade. 
• 
226 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2 
A escrava que não é Isaura, redigido 
em 1922. A nova poética é vista então 
como o "resultado inevitável da épo­
ca". Ela é "conseqüência da eletri· 
cidade, telégrafo, cabo submarino, 
T.S.F., caminho de ferro, transatlân· 
tico, automóvel, aeroplano". Estes in­
gredientes da vida moderna sensibi­
lizando o poeta são transformados em 
representação estética do mundo. J! o 
que está expresso no início do ensaio: 
"Explico: o homem pelos sentidos 
recebe a sensação. Conforme o 
grau de receptividade e de sensi­
bilidade produtiva sente sem qu� 
nisso entre a mínima parcela de 
inteligência a Necessidade de Ex­
pressar a sensação recebida por 
meio de gesto." 17 
J! portanto sempre tendo por base 
a argumentação em moldes realistas 
que se deve prOduzir uma estética 
adequada 11 vida, e que se desquali­
fica a pretensão das velhas formas 
artísticas em sua função expressiva. 
2. Modemlur. no C.IO bralllelro, nlo 
.Ignlflca lOiliper com o p .... do 
Ao mesmo tempo, a adesão à esté­
tica moderna, que se faz pelo rec0-
nhecimento da necessidade de adaptar 
a representação 11 nova realidade, não 
contém, seja na conferência de Me­
notti deI Picchia, seja no ensaio de 
Mário de Andrade, propósitos de rup­
tura com a tradição. O texto de Me­
notti deI Picchia chega mesmo a ex­
plicitar o sentido do compromisso que 
marca a opção do modernismo. 
Trata-se de estahelecer uma com­
paração entre o modernismo no Brasil 
e aquele presente em outros países. 
Para Menotti deI Picchia, diferente­
mente do que ocorre em outras cir­
cunstâncias, a modernidade que se 
pretendia instaurar no país não con­
tradiz a perspectiva da tradição: 
"Não somos, nunca fomos futuris­
tas. Eu, pessoalmente, abomino o 
dogmatismo e a literatura da es­
cola de Marinetti. Seu chefe é. 
para nós, um precursor ilumina­
do, que veneramos como um ge­
neral da grande batalha da Refor­
ma, que alarga seu 'front' em todo 
o mundo. No Brasil não há, p0-
rém, razão lógica e social para o 
futurismo ortodoxo, porque o pres­
tígio do seu passado não é de mol­
de a tolher a liberdade da sua ma­
neira de ser futura." 18 
O Brasil, no que concerne ao in­
gresso na modernidade, seria portanto 
"heterodoxo", já que a instauração do 
novo não se confronta com a ordem 
ulógica e sodal" até então vigente. 
Ao responder ao crítico passadista 
de O Mundo Literário que rejeitara 
o ponto de vista moderno de Klaxon, 
Mário de Andrade, no terceiro nú­
mero da revista, segue a mesma linha 
de raciocínio do texto de Menotti deI 
Picchia. Mais uma vez o que está em 
jogo é a comparação entre o moder­
nismo brasileiro c o futurismo italia­
no. Aqui Mário de Andrade tem o 
cuidado de examinar ponto por pon­
to os princípios do manifesto de Ma­
rinetti, comparando-os aos que foram 
expressos na revista brasileira. São 
sobretudo os aspectos que enfatizam 
o movimento de ruptura com o pas­
sado que são rejeitados no futurismo. 
A idéia de se montar a modernidade 
sobre a evolução se expressa c1ar.­
mente na passagem que afirma a ne­
cessidade de se respeitar "o passado 
sem o qual Klaxon não seria Kla­
xon".19 
Esta visão da modernidade no 
Brasil, feita pelos modernistas já nes­
te primeiro tempo do movimento, vai 
MODERNISMO REVISITADO 227 
adquirir um contorno amadurecido 
pouco mais tarde, quando, a partir 
de 24, o modernismo passa a trilhar 
o caminho da brasilidade. Por en­
quanto, na instabilidade de sua bus­
ca de rumos, o modernismo vai ado­
tar, mesmo reconhecendo seu compa­
recimento atrasado no cenário mun­
dial ou na modernidade, lima feição 
mais marcadamente imediatista. 
3. O ImedlaUamo no acellO l ordem 
moderna no primeiro tempo mod.r� 
nl.ta - o reconhecimento do untve,­
... moderno 
o que se chama aqui de imedia­
tismo do primeiro tempo modernista, 
até 1924, pode ser percebido na cor­
respondência de Mário de Andrade 
em 1922. A 6 de fevereiro deste ano, 
ao escrever a Manuel Bandeira, afir­
ma o escritor de São Paulo: 
"Sei que dizem de mim que imito 
Cocteau e Papini. Será já um mé­
rito ligar estes dois homens dife­
rentíssimos como grácil lagoa de 
impetuoso mar. Il. verdade que 
movo com eles as mesmas águas 
da modernidade. Isso não é imi­
tar: é segtlir o espírito duma épo­
ca." 20 
o que garante a possibilidade do 
contato do escritor brasileiro com os 
modernos europeus é a existência de 
uma ordem universal queé a própria 
modernidade. No caso, o ingresso do 
brasileiro Mário de Andrade na ordem 
moderna se faz de forma imediata 
pelo reconhecimento de um solo c0-
mum - a modernidade - entendida 
aqui como "espírito duma época". 
A discussão sobre o universalismo 
no modernismo brasileiro percorre 
toda a sua história. Nem poderia ser 
de outra forma, já que tal como se 
procura pensar o ingresso na moder­
nidade. este se identifica com o in-
gresso na universalidade. Até mesmo 
nos momentos em que o modernismo 
radicalizou sua dimensão nacionalis­
ta, o que está sempre em jogo é uma 
forma de se entender o movimento 
da relação entre o particular e o uni­
versal. Há que se perguntar então, 
não importa que momento do moder­
nismo se estiver analisando, de que 
forma está sendo entendida a parti­
cipação ou o ingresso da produção 
cultural local em uma ordem mais 
ampla. Este ingresso' é pensado de 
uma forma imediatista, como no pri­
meiro tempo? De que forma são ela­
boradas as mediações dentro do na­
cionalismo do segundo tempo? Não 
se colocar esta questão impede que 
se compreenda a proposta bás.ica do 
• • movunento� que tem sempre em mira 
de forma conjugada o ideal moderni­
zador e o que se costumou chamar de 
participação no concerto das nações. 
O primeiro tempo modernista ma­
nifesta em seu conjunto um esforço 
de contrapor-se ao passadismo enten­
dido como inatual e de produzir uma 
linguagem adequada ao tempo e à vi­
da presentes. Para viabilizar o pro­
cesso de adequação da representação 
à realidade nova, os modernistas dos 
primeiros anos vão buscar nas ten­
dências inovadoras européias os ins­
trumentos que lhes possibilitam efe­
tuar a atualização da produção na­
cional. Neste período em que o pano­
rama da vida urbana é aquilo que 
deve passar na estética nova, e em 
que freqüentemente São Paulo é apre­
sentada como a "Londres de nebli­
nas frias, sem beleza natural, onde 
tudo foi feito pelo homem, a vida é 
intensa. mas fabrica-se e pensa-se", 21 
a incorporação na modernidade, inte­
gração do país no plano mundial, se 
faz pela absorção dos meios expres­
sivos novos, importados, e pelo seu 
uso intensivo e polêmico na disputa 
com o passadismo. 
228 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2 
Com certeza, a produção de cultu­
ra no Brasil está defasada com rela­
ção aos países europeus. Isto não 
quer dizer - e a realidade moderna 
paulistana está aí a exigir esta defi­
nição - que não possamos chegar 
ao nível de atingimento da ordem 
moderna já conseguido pelos países 
mais adiantados. Crítico de música 
que era, entre os versos escritos em 
francês por Sérgio Milliet e a cola­
boração de autores italianos, Mário 
de Andrade não se cansa de compa­
rar e de lamentar a posição atrasada 
de São Paulo no processo de absor­
ção dos ingTedientes inovadores. A 
boa referência é sempre a moderni­
dade pensada a partir de padrões eu­
ropeus para os quais o consternado 
cronista acredita serem "Debussy e 
Ravel - músicos que já representam 
um passado na Europa e que inda 
mal são percebidos pela nossa ignara 
gente". t2 
A observação de Mário de Andra­
de não faz com que nosso ingresso 
na modernidade deixe de ser "natu­
ral" e "necessário", Naturalidade e 
necessidade são atributos da arte mo­
derna definida por Rubens Borba de 
Moraes em Klaxon. Natural também 
é a postura pretendida pela corres­
pondência de Mário de Andrade nes­
tes anos ao comentar com seus ami· 
gos as novidades de Paris. Para Sér­
gio MilIiet, O esclHor paulista comen­
ta Cocteau e Ivan Golf. E observa o 
que convém agora ressaltar: 
"Os poemas chegaram-me justa­
mente após ter eu escrito uma 
crônica para a Revista do Brasil, 
em que dizia este anseio de uni­
versalidade que anima os moder­
nistas de quase todo mundo."" 
A mesma perspectiva, qualificada 
como internacionalista, já se manifes­
tava na apresentação de Klaxon em 
22. Ou ainda no terceim número da 
revista, no artigo-resposta de Mário 
de Andrade, na comparação com o 
futurismo. Apresentadas as diferenças 
entre o manifesto italiano e os ideais 
de Klaxon, mantém-se a visão da pro­
blemática comum que percorre os 
dois movimentos: 
fi E se em outras coisas aceitamos 
o manifesto futurista, não é para 
segui-lo, mas por compreender o 
espírito de modernidade univer· 
sal." �4 
Também as cartas de Mário de An­
drade para Tarsila do Amaral tradu­
zem a opinião de quem pretende a 
modernização e a integração na ordem 
universal. 
Isto tudo faz com que a conferên­
cia feita por Oswald de Andrade na 
Sorbonne, em 1923, seja comemorada 
pelos nossos modernistas com orgu­
lho de vencedor. Para Rubens Borba 
de Moraes, o reconhecimento da ma­
turidade da proposta moderna brasi­
leira pelos centros avançados produ­
tores de cultura é comunicada em 
carta a Joaquim Inojosa: 
"Sabes que o Oswald fez na Sor­
bonne uma conferência sobre 
nós? O Sérgio escreveu-me con­
tando que em Paris o nosso mo­
vimento tem despertado o mais 
vivo interesse. Ivan GoIl, que pu­
blicou o ano passado uma anto­
logia mundial onde todos os mo­
dernos dos "Cinco Continentes" 
(é o título do vaI.) estão reunidos. 
vai acrescentar um apêndice con­
sagrado à poesia brasileira mo­
derna." t5 
O Brasil participa assim, como 
apêndice atrasado de uma antologia 
mundial, do concetto das nações cul­
tas. Naquele momento era esta a for-
MODERNISMO REVISITADO 229 
ma que se percebia de garantir 
tegração. Precariamente. 
4. A redeflnlçlo do untv.,...lIlmo no con· 
lexto da dlKuello sobre a br •• llldade 
Aos poucos, entretanto, o sentido 
da impropriedade de um acesso ime­
diato do pais à vida moderna começa 
a se esboçar. Na situação em que se 
encontrava, atrasado com relação ao 
progresso das nações mais ricas e sem 
conseguir diferenciar-se na ordem in­
ternacional, procurando pensar a mo­
dernização como repetição de um 
processo já realizado pelos países 
centrais, o Brasil só podia compare­
cer no cenário internacional como um 
participante pobre e indefinido. 
A partir de 1924, sem que seja, é 
claro, colocada em questão a ordem 
mundial, ou, o que é a mesma coisa, 
sem abrir mão de seu ideal univer­
salista, o modernismo brasileiro vi-, 
v�ndo um momento que se poderia 
dIzer de crise de participação, passa 
a. se tnteressar pelos problemas que dIzem respeito à sua identidade e à 
determinação da entidade nacional. 
Se�á este o momento a partir do qual 
o mgresso na modernidade não será 
mais buscado dentro de uma verten­
te imediata, mas. ao contrário, serão 
discutidas as mediações que irão ao 
mesmo tempo constituir o seu cami­
nho e sua garantia. 
ll, portanto, como exigência do 
• 
• 
comparecimento na ordem universal 
que se instaura no modernismo a 
q�estão da brasilidade. Isto significa 
dIzer que é no próprio cerne da de­
finição do acesso à modernidade que 
ela vem se instalar. 
De certa forma, 1923 já prenuncia 
a mudança de rumos. A conFerência 
de Oswald de Andrade em Paris, "O 
esforço intelectual do Brasil contem­
porâneo", e a correspondência de Má­
rio de Andrade, em particular para 
Tarsila. dão bem a medida do que 
• ocorria. 
Certamente não é por acaso que no 
exato momento em que se estabele­
cem relações de maior proximidade 
entre os autores nacionais e a produ­
ção intelectual não-nacional se opera 
uma reorientação do movimento mo­
dernista em direção à proposta nacio­
nalista. A questão da brasilidade sur­
ge dentro do movimento no interior 
de um quadro de preocupações rela­
tivo à caracterização do papel que o 
Brasi! deve ocupar no cenário inter­
nacional. Ela só pode então ser com­
preendida no espaço de uma relação 
que tem como elementos a ordem 
mundial, por um lado, em uma p0-
sição legisladora, e por outro lado o 
Brasil postulando o seu lugar. 
Paulo Prado, prefaciando em 1924 
olivro de Oswald de Andrade, Poe­
sia Pau-Brasil, deixa clara a presença 
desta relação: 
"A poesia 'pau-brasi!' é o ovo de 
Colombo - esse ovo, como dizia 
• 
• um Inventor meu am1go, em que 
ninguém acreditava e acabou en­
riquecendo o genovês. Oswald de 
Andrade, numa viagem a Paris, 
do alto de um ateUer da Place 
CUchy - umbigo do mundo -
descobriu, deslumbrado, a sua 
própria terra. A volta à pátria 
confirmou, no encantamento das 
descobertas manueUnas, a revela­
ção surpreendente de que o Brasil 
existia. Esse fato, de que alguns 
já desconfiavam, abriu seus olhos 
à visão radiosa de um mundo 
novo, inexplorado e misterioso. 
Estava criada a poesia 'pau-bra­
sU'," t6 
A fundação de uma arte e de uma 
cultura nacionais se faz, neste mo­
mento, a partir da experiência do 
contato com os centros avançados eu-
230 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2 
ropeus. Seu movimento é descrito do 
ponto de vista da ótica do descobri· 
dor (trata·se do "encantamento das 
descobertas manuelinas"), e é nesta 
perspectiva que se vai explorar o 
mundo Ifnovo" e Hmisterioso", 
Já não se está propondo nesta altu· 
ra a entrada do país de forma ime· 
diata no circuito da modernidade. 
Certamente é ainda esta participação 
do Brasil que se pretende alcançar. 
No entanto, diferentemente do que 
vinha ocorrendo no ideá rio do pri· 
meiro tempo do movimento, interessa 
agora a tematização das mediações 
que asseguram a viabilização do in· 
gresso na ordem moderna. 
O modernismo da Semana de 22, 
de Klaxon, de Pau/icéia Desvairada 
pretendia dispor como instrumento do 
processo modernizador a absorção 
das fórmulas da modernidade presen· 
tes DOS centros mais avançados pro­
dutores de cultura. Paris, basicamen· 
te, funcionava como o referencial pa· 
ra o movimento. A maneira como na­
quele tempo se manifestava a crença 
na modernidade entendida como um 
universal possibilitava aos modernis· 
tas dispensar a consit:eração do pro­
blema nacional. A ordem moderna, 
se dizia, pode implantar·se de forma 
indistinta em todos os lugares. Con· 
siderava·se apenas que a sua implan· 
tação podia fazer·se de forma mais 
rápida ou mais lenta de acordo com 
a posição que se ocupava no cenário 
internacional. Pensado assim, linear· 
mente, o ingresso do Brasil no muno 
do moderno consistia na repetição do 
percurso já feito por outras nações. 
Ao situar de forma imediatista o pro­
cesso de incorporação na ordem da 
modernidade, aos modernistas resta· 
va lamentar a precariedade da posi· 
ção em que se encontravam. Cada 
vez mais lhes parecia que a eficácia 
da ótica imediatista fracassara e que 
seria necessário investir nos disposi· 
tivos mediadores para garantir 
corporação pretendida. 
• 8 10-
5. A br •• llidlde •• Introduz no movi­
mento pari! ... agu ... r • partlclpeçlo 
do pai. no concerto Internacional 
A problemática da brasilidade, que 
expressa o esforço de determinação 
dos predicados particulares da nação 
brasileira, constitui dentro do modero 
nismo uma resposta mais satisfatória 
para a viabilização da incorporação 
ao país na modernidade. 
Sintomática da mudança de rumos 
é a carta enviada por Mário de An· 
drade para Tarsila: 
"Cuidado! Fortifiquem·se bem de 
teorias e desculpas e coisas vistas 
em Paris. Quando vocês aqui 
chegarem, temos briga, na certa. 
Desde já, desafio vocês todos jun· 
tos, Tarsila, Oswald, Sérgio para 
uma discussão formidável. Vocês 
foram a Paris como burgueses. 
Estão épatés. E se fizeram futu· 
ristas! hil hi! hi! Choro de inveja. 
Mas é verdade que considero vo­
cês todos uns caipiras em Paris. 
Vocês se parisianizaram na epi­
derme. Isso é horrível! Tarsila, 
Tarsila, volta para dentro de ti 
mesma. Abandona o Gris e o 
Lhote, empresários de criticismos 
decrépitos e de estesias decaden· 
tes! Abandona Paris! Tarsilal' 
Tarsila! Vem para a mata virgem, 
onde não há arte negra, onde não 
há também �rroios gentis. Há 
MATA VIRGEM. Criei o mata· 
virgismo. Sou matavirgista. Disso 
é que o mundo, a arte, o Brasil 
e a minha queridíssima Tarsila 
precisam." 27 
A preocupação de Mário de An· 
drade, chamando com urgência a 
atenção para a solução encontrada 
MOOERNISMO REVISITADQ 231 
("ovo de Colombo", haveria de dizer 
Paulo Prado), traduz a necessidade 
de situar a produção da pintora com 
relação aos autores europeus. Aban· 
donar o Gris e o Lhote não significa 
abrir mão da exigência moderniza· 
dora. Significa, antes, optar por con· 
ceber a modernização a partir das 
particularidades da realidade da na· 
ção. 
Il sempre tendo em vista a relação 
existente entre a ordem internacio­
nal moderna e a realidade nacional 
que se pensa a criação de uma arte 
própria. Sendo assim, a constituição 
do ideário nacionalista dentro do mo­
dernismo do segundo tempo se apre­
senta como uma proposta que se fun­
damenta no reconhecimento da legis­
lação da ordem mundial e na consi­
deração do lugar do Brasil em sua 
pretensão de ser um de seus partici­
pantes. Ao mesmo tempo e exata­
mente no movimento da sua instau­
ração, a discussão sobre a brasilida­
de intervém no projeto modernista 
moldando de forma definitiva a con­
cepção mesma de modernidade do 
movimento. 
A partir de 1924, a proposta mo­
dernista passa nitidamente a enfatizar 
mais e mais a necessidade de se con­
siderar os compromissos que se de­
vem estabelecer entre a cultura atual 
e a tradição na caracterização de um 
projeto em que esteja expressa a na­
cionalidade. Il como se o ingresso na 
ordem mundial, portanto na vida mo­
derna, ao exigir da produção cultu­
ral feita no Brasil uma contribuição 
própria, nacional, exigisse ao mesmo 
tempo que esta explicitasse na sua vi­
são do passado relações de cumplici­
dade que viessem definir para O caso 
brasileiro uma forma específica de 
modernidade. . 
A conceituação da modernidade no 
Brasil no tempo do modernismo que 
se inicia em 1924 e que constitui a 
marca mais importante de todo o mo­
vimento é resultado de um esforço 
de compatibilização do antigo e do 
novo. Só desta forma, através da ado­
ção desta solução que busca fundar a 
cultura nacional nova em um registro 
da temporalidade próprio, nacional, 
onde também se abriga o passado, é 
que se poderá pensar o ingresso da 
produção cultural do país no concer­
lO das nações cultas. 
O Manifesto da Poesia Pau-Brasil 
publicado por Oswald de Andrade, 
centro da polêmica que se travou nos 
anos de 1924 e 1925, tenta uma ex­
posição da solução modernista. A 
perspicácia do texto oswaldiano per­
cebe inicialmente a distância e o dé­
bito com relação ao modernismo dos 
primeiros anos. Sabe também situar 
o caso brasileiro no contexto mais 
amplo em que a produção nacional 
deveria se inscrever. Com relação ao 
modernismo inicial o texto é claro: 
"O trabalho da geração futurista 
foi ciclópico. Acertar o relógio 
império da literatura nacional. 
Realizada essa etapa, o problema 
é outro. Ser regional e puro em 
sua época. H 18 
Reconhecendo os méritos do mo­
dernismo inicial, na medida em que 
dá continuidade ao esforço de moder­
nização iniciado anteriormente, Os­
wald de Andrade percebe que já 
agora a perspectiva modernizadora há 
que ser colocada dentro dos parâme­
tros do nacionalismo. A categoria re­
gional comparece então oposta ao ex­
presso internacionalismo do primeiro 
tempo. Já a idéia de integração do 
elemento nacional na ordem mundial 
vem destacada da seguinte forma: 
"O Brasil profiteur. O Brasil dou­
tor. E a coincidência da primeira 
construção brasileira no movi-
232 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2 
mento de reconstrução gera\. Poe­
sia Pau-Brasil." 29 
Aqui, o projeto de elaboração de 
uma arte própria, a poesia pau-bra­
sil, deve ser compreendido como pro­
posta de participação na ordem am­
pla da modernidade. O que coincide 
coma reconstrução geral não é um 
movimento de identificação imediata. 
IÔ, antes, a busca de uma definição 
própria de reconstrução para o Brasil 
que possibilita o comparecimento do 
modernismo brasileiro no cenário in­
ternacional moderno. 
Para isso Oswald de Andrade pro­
põe inicialmente que se estabeleça 
uma ruptura no processo de impor­
tação de padrões cullurais e que se 
adote a perspectiva da produção de 
modelos culturais próprios e adequa­
dos à exportação. 
"Dividamos. Poesia de importa­
ção. E a Poesia Pau-Brasil, de ex­
portação. Jt 30 
Esta postura, que pretende a pro­
dução cultural própria, é ao mesmo 
tempo a única que assegura a possi­
bilidade da inserção na ordem da mo­
dernidade. Nos termos do manifesto 
é ela que assegura a exportação, isto 
é, o reconhecimento do plano inter­
nacional. 
Esta opinião torna-se ainda mais 
nítida quando o manifesto contextua­
Iiza o sentido da sua proposta. A poé­
tica pau-brasil insere-se dentro do de­
senvolvimento mais amplo da cultura 
universal. IÔ nele que ela adquire um 
lugar e um sentido. O texto refere-se 
à problemática artística do início do 
século caracterizando-o como um pe­
ríodo revolucionário que apresenta 
dois momentos: no primeiro. "a de­
formação através do impressionismo, 
a fragmentação, o caos voluntário. 
De Cézanne e Malarmé, Rodin e De-
bussy até agora".3l No segundo, a 
que corresponde um projeto constru­
tivo, inscreve-se a poética pau-brasi\. 
Ela participa, na sua "inocência", ,da 
"inocência construtiva" ampla. Esta 
participação, fazendo coincidir o es­
forço nacional com o esforço geral. 
não perde de vista, ao contrário, exi­
ge o ideal de elaboração de uma cul­
tura nacional. 
No contexto da polêmica suscitada 
pela pubUcação do Manifesto Pau­
Brasil, Mário de Andrade se dirige, 
em carta, a Joaquim Inojosa, em no­
vembro de 1924: 
"A minha 'Escrava', derivada du­
ma explícação oral que fiz da 
poética modernista universal, re­
flete necessariamente e demasia­
damente ideais europeus. Ora jsso 
me desgosta no livro porque é 
lógico que a realidade contempo­
rânea do Brasil, se pode ter pon­
tos de contacto com a realidade 
contemporânea da esfaUada civi­
lização do Velho Mundo, não po­
de ter o mesmo ideal porque as 
nossas necessidades são inteira­
mente outras. Nós temos que criar 
uma arle brasileira. Esse é o úni­
co meio de sermos artisticamente 
civilizados. Quem dentre nós re­
fletir ideais ou apenas sentimento 
alemão, português ou mesmo ame· 
rica no do norte é um selvagem, 
não está no perlodo civilizado de 
criação. Está no período da imi­
tação, do mimetismo a que o sel­
vagem é levado pela dependência, 
pela ignorâhcia e pela fraqueza 
que engendra a covardia e o me­
do. Se é certo que nas conseqüên­
cias espirituais que a minha 'Es­
crava' dita, esse abrasileiramento 
do brasileiro está implicitamente 
promulgado, é também certo que 
a grande maioria se esquecerá de 
tirar a ilação e verá mais certa-
MOOERN ISMO REVISITADO 233 
mente do livro certos ditames prá­
ticos mais fáceis de apreender. 
Veja bem: abrasileiramento do 
brasileiro não quer dizer regiona­
lismo nem mesmo nacionalismo 
= o Brasil pros brasileiros. Não 
é isso. Significa só que o Brasil 
pra ser civilizado artisticamente, 
entrar no concerto das nações que 
hoje em dia dirigem a civilização 
da Terra, tem que concorrer pra 
esse concerto com a sua parte pes­
soal, com o que o singulariza e 
individualiza, parte essa única que 
poderá enriquecer e alargar a Ci­
vilização. Da mesma forma que 
do lado prático. Se nós quisésse­
mos concorrer pra organização 
econô..,ica da Terra, com o trigo 
próprio da Rússia ou o vinho pró­
prio da França ou da Itália, a 
nossa colaboração seria inferior, 
secundária, subversiva e inútil 
porque nem o trigo nem o vinho 
são específicos da nossa terra. 
Mas com a borracha, o açúcar e 
o café e a carne nós podemos alar­
gar, engrandecer a economia hu­
mana. Da mesma forma nós tere­
mos nosso lugar na civilização 
artística h�.nana no dia em que 
concorrermos com o contingente 
brasileiro, derivado das nossas 
necessidades, da nossa formação 
por meio da nossa mistura racial 
transformada e recriada pela ter­
ra e clima, pro concerto dos ho-
mens terrestres." S! . 
Certamente é uma reorientação do 
modernismo que se está pretendendo. 
Mais uma vez está em pauta a distân­
cia entre a problemática do modernis­
mo inicial e a postura nacionalista do 
segundo tempo. Neste sentido, atento 
para o estabelecimento das distin­
ções, Mário de Andrade faz a relei­
tura de A escrava que não é ' /saura, 
texto de 1922. 
o ideal universalista que se mani­
festa a partir de 1924 na idéia de in­
gresso no concerto das nações está 
presente nos dois tempos do movi­
mento. Ocorre que agora, no segundo 
tempo, este ingresso, via da moderni­
zação, exige a definição da vocação 
nacionalista do movimento. Ser mo­
derno significa sempre comparecer 
no cenário internacional. A moderni­
dade é exigência que se faz sentir no 
processo de incorporação. J á agora, 
este só é bem-sucedido ao se dispen­
sar a visão imediatista e se adotar a 
mediação da questão nacional. 
O paralelo estabelecido por Mário 
de Andrade entre o processo de co­
mercialização das matérias-primas bra­
sileiras no mercado internacional e a 
produção da cultura vem enfatizar o 
ponto de vista de Oswald de Andrade 
no manifesto de 1924. Nos dois auto­
res a exportação é o caminho da in­
corporação na vida moderna. O que 
define a qualidade daquilo que se 
deve exportar é a ordem ampla em 
que o país se insere e segundo a qual 
ele é regido. 
Considerada em seus traços mais 
expressivos, a década de 20 se apre­
senta como o campo de um debate 
que tem sempre por horizonte aquele 
feixe de questões. No que concerne 
ao movimento modernista, um dos 
seus participantes, é possível perce­
ber que seus eixos principais se apro­
ximam ou se afastam até o estabele­
cimento de uma ruptura, na Antropo­
fagia, conforme o modo como se dá 
o enfrentamento da questão da bra­
silidade. 
e . A .rgument.içlo de Mário de Andra­
de - o fuga, do 8ralll no concerto 
Internacional , definido a partir de 
uma r.laçlo 
Ao longo de sua obra Mário de 
Andrade deixará claro, a cada mo­
mento, que a ênfase dada à proble-
234 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2 
mática do nacionalismo deve ser 
encarada dentro de um movimento 
mais amplo de direção universalista. 
Assim, ao discutir a definição da 
"fala brasileira", em crônica de 1929, 
sua argumentação se desdobra percor­
rendo todas as dimensões da questão: 
. . Porque o Brasil é uma nação 
possuidora duma língua s6. Essa 
língua não lhe é imposta. � uma 
lfngua firmada gradativa e incons­
cientemente no homem nacional. 
� a língua de que todos os social­
mente brasileiros têm de se ser­
vir, se quiserem ser compreendi­
dos pela nação inteira. I? a língua 
que representa intelectualmente o 
Brasil na comunhão universal ." " 
o raciocínio sublinha a importân­
cia de se tematizar o problema da 
língua nacional. Imediatamente este 
é contextualizado na discussão mais 
ampla onde seu sentido se revela no 
âmbito da comunhão universal. 
Em 1928, no Ensaio sobre música 
brasileira, o que está importando para 
Mário de Andrade é a definição do 
"critério de música brasileira pra 
atualídade" . .. Naquele momento isto 
significa propor "aferradamente . . . 
nacionalizar a nossa manifestação". 
Enfrentar a problemática da atualida­
de, proposta básica do modernismo, 
consiste em defender a solução nacio­
nalista. A redefinição do conceito de 
atualidade para o movimento exige 
então que se recoloque mais uma vez 
a questão da sua vocação universa­
lista: 
"E arara. Porque, imaginemos com 
sens()-CQmum: se um artista bra­
sileiro sente em si a força do gê­
nio, quenem Beethoven e Dante 
sentiram, está claro que deve fa­
zer música nacional. Porque como 
gênio saberá fatalmente encontrar 
os elemen tos essenciais de nacicr 
nulidade (Rameau Weber Wag­
ner Mussorgsk.i). Terá pois um va­
lor social enorme. Sem perder em 
nada o valor artfstico porque não 
tem gênio por mais nacional (Ra­
belais Goya Wbitman Ocussai) 
que não seja do patrimônio uni­
versal." 55 
Valor social (compromisso com a 
tese nacionalista) e valor artístico é o 
que se procura, no texto, fazer coin­
cidir. A mesma idéia poderia ser ex· 
pressa de outra forma afirmando que 
a dimensão universal da obra de arte, 
seu reconhecimento no plano mun­
dial, advém do maior grau de nacio­
nalidade que ela puder manifestar. 
A perspectiva generalizante pre­
sente nesta passagem do texto, de ca­
ráter eminentemente polêmico, não 
deve entretanto encobrir uma dimen­
são do raciocínio de Mário de Andra­
de que visa exatamente circunstan­
ciar a proposta nacionalista. Embora 
não explicitada neste texto, a preo­
cupação de Mário de Andrade com 
sua proposta nacionalista diz respeito 
à problemática cultural dos países 
emergentes, países novos, e não às si­
tuações culturais já sedimentadas co­
mo nos palses mais adiantados. 
O modernismo do segundo tempo 
preocupa-se em manter o ideal uni­
versalista. O que está em pauta é 
sempre o movimento da incorporação 
na ordem moderna. Ocorre que agora 
esta incorporação se faz levando em 
conta as determinações de cada situa­
ção cultural em sua especificidade. Se 
para os países mais avançados o in­
gresso na modernidade se faz de for­
ma imediata (eles são de fato a pró­
pria ordem moderna), para os países 
novos, emergentes, a participação no 
concerto das nações deve fazer-se pe­
)a afirmação dos caracteres nacionais. 
Na organização do cenário cultural no 
MODERNISMO REVISITADO 235 
plano mundial o modernismo procura 
diferenciar o papel que cada partici­
pante do concerto das nações deve 
desempenhar. 
A questão do nacionalismo surge, 
desta forma, como manifestação no 
plano da cultura do esforço de incor­
poração dos países novos na ordem 
moderna . Em sua Pequena história da 
música, Mário de Andrade retoma 
esta idéia de forma clara: 
"A pesquisa do caráter nacional 
s6 é justificável nos países novos, 
que-nem o nosso, ainda não pos­
suindo na tradição de séculos, de 
feitos, de heróis, uma constância 
psicológica inata." " 
Tendo por base estas preocupações, 
o modernismo da década de 20 ela­
bora uma série de "retratos" que pro­
curam dar conta daquilo que consti­
tui a verdadeira realidade brasileira. 
Estes "retratos-do-brasil " apresentam­
se com uma dupla função. Em pri­
meiro lugar, cabe ressaltar sua dimen­
são crítica, que pretende invalidar 
como inadequadas as representações 
da realidade hrasileira feitas ao longo 
da nossa história cultural. A inade­
quação, argumenta-se, deriva do fato 
de estas representações terem suas raí­
zes presas em contextos culturais alie­
nígenas descompromissados com a 
pesquisa da brasilidade. Em alguns 
momentos, sobrepondo-se à idéia de 
inadequação, o modernismo acredita 
que as representações tradicionalmen­
te feitas a respeito da realidade da 
nação constituem um obstáculo para 
a apreensão da verdadeira entidade 
nacional. 
Enquanto crítico e historiador da 
música, Mário de Andrade, em seu 
Ensaio sobre música brasileira, insis­
te na denúncia de um divórcio 'entre 
a música artística brasileira e a "nos� 
sa entidade racial". ·7 " propósito ge-
ral do ensaio chamar a atenção para 
a falta de cultura nacional e para o 
fato correlato de os homens de cul­
tura no Brasil estarem embebedados 
pela cultura européia. O cultivo de 
valores culturais estrangeiros é o que 
impede, para o autor, o florescimento 
da música nacional. " certo também 
que a ausência de uma música de ca­
racterísticas marcadamente nacionais 
seria causa da impossibilidade do 
acesso da nação ao plano internacio­
nal. As obras de Luciano Gallet, de 
Lourenço Feroandez e de Villa-Lobos 
aparecem então, dada a "orientação 
brasileira" que apresentam, como um 
padrão que deve ser aconselhado. 
O modernismo já não se apresenta 
nestes anos como um movimento que 
propunha a renovação restrita do do­
mínio artístico. Está antes empenhado 
em se afirmar como elemento chave 
no processo de constituição da enti­
dade nacional. A 1 .0 de novembro de 
1929, em sua crÔnica para o Diário 
Nacional, Mário de Andrade observa: 
• 
"Me parece incontestável que nós 
estamos atravessando um momen­
to muito importante da nacionali­
dade, principalmente pelas possi­
bilidades que ele tem de despertar 
no povo brasileiro uma consciên­
cia social de raça, coisa que ele 
nunca teve." 88 
E mais adiante, após ter transcrito 
11mB passagem de Mar/in Fierro, 
acrescenta: 
"Eu acho que também temos que 
cantar opinando agora, pra nin­
guém chegar atrasado no tragicô­
mico festim. Há muito mais no­
bre civilidade em se ser conscien­
temente besta que grande poeta 
de arte pu.ra." " 
O modernismo tem de si mesmo a 
crença de constituir o momento de 
236 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2 
fundação da vida cultural no pais. 
Cabe a ele a tarefa de desvendar os 
próprios fundamentos da nacionali­
dade. 
Se o que se denuncia é lima situa­
ção de crise, crise de identidade, da 
consciência nacional, que se manifes­
ta na existência do divórcio entre cul­
tura e realidade, a superação deste 
estado de coisas exige o esforço para 
se chegar ao conhecimento da verda­
deira entidade nacional. 
A busca do que é próprio da na­
ção brasileira, daquilo que a singula­
riza e a distingue no concerto inter­
nacional é o traço mais característico 
do segundo tempo do modernismo. 
Os "retratos-do-brasil" vão procurar, 
em sua dimensão positiva, ressaltar 
estes aspectos especificas, singulares 
- a própria brasilidade. 
Traços distintivos na nacionalida­
de, por um lado, na medida em que 
nos destacam no conjunto das nações 
que participam do concerto interna­
cional, os elementos que constituem 
a brasilidade são por outro lado o 
que possibilita referir-se à nação bra­
sileira como uma realidade una e in­
divisa. 
O modernismo crê poder atingir 
por trás do Brasil das aparências, de 
superfície, onde se expressa a diver­
sidade, uma realidade nacional mais 
profunda, essencial, em que o paIs se 
dá como uma totalidade. Conflitos, 
diferenças, contradições são apenas a 
face externa e menos verdadeira de 
um ser nacional substrato que é pre­
ciso trazer à luz. 
Os "retratos-do-brasil" apresentam­
se assim, durante toda a década, de­
sempenhando um duplo papel. Por 
um lado, exercendo a função de crí­
tica da cultura, pretendem denunciar 
a inadequação dos saberes vigentes 
na medida em que se enraízam no 
processo de importação de represen­
tações. Por outro lado, mesmo pagan-
do o preço de pessimisticamente cons­
tatar, por um momento, a nossa in­
consistência de caráter, visam identi­
ficar positivamente a identidade subs­
tancial da nação. 
O caminho que procuramos percor­
rer no modernismo apresenta dois 
momentos diferentes . No primeiro, 
chamado de primeiro tempo moder­
nista, pôde-se pe.rceber que o acesso 
à ordem da modernidade era pensa­
do a partir de uma perspectiva ime­
diatista. Esta sustentava-se na crença 
de que a modernidade constituía uma 
ordem universal em um sentido espe­
cifico: aqui, ao menos em termos qua­
litativos, não eram consideradas par­
ticularidades regionais que condicio­
nassem a sua implantação de forma 
particularizada em contextos diferen­
tes. Ao contrário, imaginava-se que 
a adesão dos processos modernos de 
expressão cultural conduziria, de for­
ma imediata, à incorporação da cul­
tura feita no Brasil ao contexto inter­
nacional. Era esta a crença que apa­
recianas afirmações de Mário de An­
drade referindo-se às "mesmas águas 
da modernidade" onde estariam imer­
sos ele próprio, Cocteau e Papini. 
A opção manifestada no primeiro 
tempo do modernismo, entretanto, a 
partir de 1924, começou a parecer 
para os participantes do movimento 
como uma solução não eficiente. Ela 
desconhecia o fato de que era a afir­
mação da mediação do nacional que 
viabilizava o ingresso na ordem mo­
derna. 
O segundo tempo modernista intro­
duz no ideá rio modernista uma ver­
são nova do universalismo: ela acre­
dita que a ordem moderna , associada 
sempre à idéia de concerto interna­
cional, determina para a situação bra­
sileira a necessidade de propor, para 
viabilizar a incorporação, uma produ­
ção marcada de "caráter" nacional. 
MOOERNISMO REVISITAOO 237 
A exigêocia da tematização da me­
diação do nacional nesta visão uni­
versalista conduz ao propósito de 
constituição dos "retratos-do-brasil"_ 
A elaboração deste "retratos" está 
inserida, desde o início, no movimen· 
to de uma relação entre a parte, na­
cional, e o todo, concerto internacio­
nal. A existência desta relação vai de­
terminar, no plano categorial, a esco­
lha das vias utilizadas na elaboração 
destes "retratos-do-brasil"_ 
Ao mesmo tempo pôde-se observar 
que o modernismo manifestava des­
de os seus primórdios uma preocupa­
ção relativa ao ri/mo em que se pro­
cessava a nossa modernização_ O pri­
meiro tempo modernista considerava 
a problemática da nossa moderniza­
ção a partir do ponto de vista da 
ótica - universalista que lhe era pró­
prio. O "relógio" nacional poderia 
estar atrasado. Isto não significava 
que ele fosse regido por mecanismos 
que o singularizassem. Ao contrário, 
supunha-se que o "relógio" nacional 
pudesse ser acelerado no sentido de 
poder bater no compasso do ritmo in­
ternacional marcado por um relógio 
que por natureza não se distinguia do 
nosso. 
O segundo tempo modernista en­
cara a situação de "atraso" do tem· 
po nacional como constituindo a nos­
sa temporalidade. Com isso ele não 
se destaca dos compromissos da ótica 
do primeiro tempo no q�e ela tem 
de fundamental : seu universalismo. 
Ocorre que agora, no segundo tempo, 
este universalismo determina a cons­
tituição de uma compreensão da tem­
poralidade para o caso brasileiro. 
A constituição de uma teoria da 
temporaJidade da vida nacional vai 
possibilitar a reavaliação da situação 
de "atraso" do contexto nacional. Ela 
vai também fornecer as bases da de­
finição de um tempo da moderniza­
ção próprio da nacionalidade. 
No'" 
1 . Joaquim I nojosa, O movimento mo­
dernista em Pernambuco, Rio de Janeiro, 
Tupy, 1968, p. 142. 
2 . Ibid., p. 142-143. 
3 . Ibid., p. 144. 
4 . Mário de Andrade, "Oswald de An­
drade: Pau-Brasil Sam Pareil. Pa.ris, 1925", 
transcrito em Marta Rossetti Batista, Telê 
Ancona Lopez e Yone Soares de Lima 
(org.) . Brasil: t ,- tempo modernista -
1917/29; documentação, São Paulo, IED, 
1972, p. 225-232. 
5 . Gilberto Mendonça Teles (seI. e apre­
sent.), Tristüo de Athayde: teoria. crftica e 
hist6r;a literdria. Rio de Janeiro, Livros Téc· 
nicos e Cientificos e INL, 1980. p. 346. 
6 . Ibid., p. 355. 
7. Ibid., p. 354. 
8 . Ibid., p. 356. 
9 . 1bid., p. 358. 
10. Esta opinião é partilhada por parti­
cipantes e intérpretes do movimento ma­
dernista. Ver a conCeréncia "O movimento 
modernista'" de 1942, de Mário de Andra­
de, incluída em Aspecto� da fitemtllra bra­
sileira, 5." ed., São Paulo. �arlins, 1974. 
Ver os comentários de Mário da Silva Brito 
em sua Hisldria do modernismo brasileiro: 
antecedentes da Semana de Arte Moderna, 
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 197 1 . 
1 1 . "A exposição Anita Malfatti", trans­
crito em Mário da Silva Brito. op. cit .. 
p. 61-62. 
12. "Mestres do passado", transcrito em 
Mário da Silva Brito. op. cit.. p. 257. . 1 3 . Oswald de Andrade, Obras comple­
tas VI - Do pau-brasil à antropolagia e 
às utopias, Rio de Janeiro, Civilização Bra­
sileira, 1972. 
14. Klaxon, n.- 1. p. 2. 
1 5 . Ibid. 
16. "Arte moderna", em O curupira f! 
o carõo, São Paulo. Hélios, 1927, 
t 7 . li A escrava que não é haura ", em 
Obra imatura, 3." ed., São Paulo. Martins: 
Belo Horizonte. Itatiaia. 1980. 
1 8 . O curupira e o carõo, op. cit. 
19 . Klaxon, n.- 3, p. 10. 
20. Cartas a Manuel Bandeira, Rio de 
Janeiro, Simões. 1967, p. 24, 
2 1 . Carta de Rubens Borba de Moraes 
em Joaquim Inojosa. op. di .. p. 365·366, 
22, Klaxon, n," I , p, 3. 
23 . Paulo Duarte, M6rio de Andrade por 
ele mesmo, São Paulo. EDART. 1 97 1 . 
p. 289. 
24. Klaxon, n.' 3, p. 10. 
25 . Joaquim lnojosa, op. cit . • p. 368. 
238 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1 988/2 
26. Oswald de Andrade, Poesias reuni· 
das de Oswold de Andrade, São Paulo, 
Difel, 1966, 
21. Aracy Amaral, TarsUa, sua obra e 
seu tempo, p. 369. 
28. Oswald de Andrade, Obras comple-
tas VI, op. cit., p. 9. 
29. Ibid., p. 1. 
30. Ibid., p. 7. 
3 1 . Ibid. 
32. Joaquim Inojosa, op. cit., p. 340-34-1. 
33. "Fala brasileira - I", crônica de 
25/5/1929 inc1ufda em Telê Ancona Lopez 
(arg.) . Táxi e crônicas no Diário Nacional. 
São Paulo, Duas Cidades·Secretaria de Cul. 
tura, 1976. 
34. Ensaio sobre música brasileira, São 
Paulo, Chiarotto, 1928, p. 6. 
35. Ibid. 
36. Pequena IJistdria da mfÍsica. 9," ed .. 
São Paulo, Martins, 1980, p. 195. 
37. Op. cit., p. 3. 
38. Telê Ancona Lopez (arg.) . Táxi e 
crônicas . . . . op. cit., p. 155. 
39. Ibid. 
. 
Eduardo Jardim de Moraes é doutor em 
filosofia pela UFRJ e professor do Depar­
tamento de Filosofia da PUC-R J. Em 1987 
esteve na Universidade de Erlangen-Nüren­
berg, Alemanha, como bolsista da Funda· 
ção Humboldt. PubHcou o livro A brasili. 
dade modernista: sua dimensão filos6fica 
(Rio de Janeiro, Graa1, 1978) e diversos 
artigos sobre filosofia e pensamento bra· 
sileiro. 
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