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DIREITO EMPRESARIAL 1 DIREITO EMPRESARIAL Graduação DIREITO EMPRESARIAL 63 U N ID A D E 3 ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL A atuação dos empresários no cenário econômico e na disputa por clientes gera, naturalmente, ampla competição, denominada concorrência. Admita- se (ou não) a concorrência, por mais justa que seja, visa restringir a área de atuação do oponente e até mesmo, retirá-lo do competitivo mercado. Mas, graças à concorrência, há criação constante de novos produtos e melhora nos já existentes, além de seus preços sofrerem constantes reduções. Por esta razão, a Constituição Federal estimula a livre concorrência entre os empresários, porém impondo limites nesta competição para se evitar prejuízos ao consumidor, à economia nacional e aos próprios concorrentes. OBJETIVOS DA UNIDADE: • Demonstrar a finalidade positiva advinda da livre concorrência entre os empresários do mesmo setor de atuação. • Apresentar aos alunos os órgãos de proteção da concorrência e sua área de atuação. • Distinguir as práticas consideradas lícitas e as ilícitas. • Especificar as atitudes incorretas e as conseqüências da atuação ilícita do empresário. PLANO DA UNIDADE: • Princípios constitucionais da livre iniciativa. • Concorrência desleal. • Infração da ordem econômica. • Licitações. Bons estudos! 64 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA O desenvolvimento da atividade econômica, como fora demonstrado nas duas unidades já estudadas, vem sendo regulamentado desde 1850, com a entrada em vigor do Código Comercial. A criação de normas para se disciplinar os empreendimentos empresariais não se limita apenas a regulamentar a relação dos sócios entre si ou para com a sociedade empresária da qual participa, mas também demonstra grande preocupação em impedir a prática de atos lesivos à população em geral. Aqui no Brasil, já em 1946, foi utilizada a expressão “abuso de poder econômico”, evidenciando a política de desenvolvimento econômico planejada por Getúlio Vargas com vistas à preservação dos interesses coletivos. Outra conquista importante ocorreu em 1962 com a criação de órgão da Administração Pública Federal até hoje existente e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, costumeiramente apresentado ao público através da imprensa por sua sigla, CADE. Seu surgimento é considerado marco histórico para o Direito Concorrencial, pois, até então, todas as discussões, ligadas ao assunto em que não se chegava a acordo, teriam que ser resolvidas pelo Poder Judiciário. Com o passar dos anos e a constituição de diversas sociedades empresárias, a concorrência entre estas tornou-se crescente, sendo desleal em muitos casos e, com certa freqüência, trazendo consigo prejuízos aos consumidores em geral. Por esta razão, o Governo Federal, atento ao crescimento de lesões aos princípios constitucionais da concorrência, fez surgir a Lei nº 8.884"94, ditando as principais regras acerca do Direito Concorrencial, além de criar a estrutura adequada para monitorar o desrespeito a estas normas bem como punir os infratores. Foi assim que se edificou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE). Atualmente, compete ao CADE analisar e, se necessário, punir, a prática de atos atentatórios à legislação concorrencial, cuja decisão decorre de Processo Administrativo. Deve-se, no entanto, se esclarecer que existe a possibilidade da parte interessada e insatisfeita com a decisão do CADE acionar o Poder Judiciário para nova análise da situação, como já ocorrerá em diversos casos envolvendo grandes sociedades empresárias e que foram noticiados pela imprensa. Outra área de atuação do CADE consiste no julgamento das fusões ou incorporações que possam desrespeitar as regras mínimas de concorrência, trazendo prejuízo ao consumidor final do produto ou serviço. O procedimento administrativo utilizado nestes casos é denominado de Ato de Concentração. 65 DIREITO EMPRESARIAL Agora que já visualizou os órgãos existentes, criados para se proteger o Direito Concorrencial, deve-se conhecer os seus PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, dispostos no artigo 170 da Constituição Federal. 1º. Soberania nacional Para compreender este princípio, se faz necessário relembrar as afirmações contidas no capítulo I da unidade I, quando foi dito se tratar o Estado de regulador e fiscalizador da conduta das pessoas que se encontram em seu território. Sabe-se que somente o Estado dispõe de meios legais para obrigar aqueles que descumpriram certa regra a ressarcirem o dano causado, através da imposição de penas. Esta condição de criar regras, julgar seu eventual descumprimento e penalizar o sujeito que deixou de cumpri-la, torna o Estado soberano. A soberania nacional permite ao Estado impor regras cuja finalidade primordial é a proteção da coletividade, ainda que alguns particulares sejam diretamente prejudicados. No caso do Direito Concorrencial, que cuida da acirrada competição das sociedades empresárias pela constante ampliação de seus mercados e a conseqüência gerada por esta disputa em relação aos consumidores, a presença e influência do Estado em toda esta complexa cadeia de relacionamento se torna essencial, e o respaldo para sua atuação vem exatamente da aplicação prática do princípio da soberania nacional. Assim sendo, à medida que certa empresa desrespeita qualquer regra de concorrência desencadeadora de prejuízos para suas concorrentes e/ou para os consumidores ou até mesmo para a economia nacional, haverá intervenção estatal, visando recompor a situação de mercado anteriormente existente, independentemente da relevância patrimonial e econômica que possua a empresa causadora do desequilíbrio do mercado. 2º. Propriedade privada A Constituição Federal inseriu em seu artigo 5º a propriedade privada, trazendo ao seu proprietário maior segurança jurídica no tangente à sua proteção. Já em relação a sua definição e principais regras, o diploma legal disciplinador do assunto é Código Civil. Para fins didáticos, deve-se destacar que o Direito de PROPRIEDADE permite ao proprietário usar, gozar e dispor livremente de seus bens, autorizando-lhe a utilizar-se dos meios necessários para reaver a propriedade de quem a deter de forma injusta. Quando a legislação diz que o proprietário pode usar, gozar e dispor livremente de seus bens, à primeira vista, parece ser o direito de propriedade ABSOLUTO, ou seja, o proprietário faz o que bem quiser com o bem. 66 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL No entanto, esta regra comporta diversas exceções. O proprietário de um imóvel urbano, por exemplo, deve respeitar a vizinhança, não excedendo o limite de som estabelecido em lei; não o destinando a fins ilícitos; etc. Para se ter idéia do quanto há restrições em relação à propriedade, basta analisar a diferença entre a propriedade urbana e rural. Um investidor pode comprar imóveis urbanos, deixá-lo “parado” e, após a valorização da região, vendê-lo, obtendo lucro. Já nos casos de imóveis rurais, a especulação imobiliária não acontece desta forma, pois, se alguém adquire imóvel rural por mera especulação imobiliária, aguardando a sua valorização, corre o risco de ver a área desapropriada se não cultivá-la. Outra importante diferença está na preservação dos recursos naturais e do meio ambiente. Cada estado brasileiro limita o uso do imóvel a percentuais que visam proteger a natureza, assim sendo, todo proprietário rural deve manter a chamada reserva legal, por imposição legal, visando a preservaçãodo meio ambiente. Portanto, verifica-se que o direito de propriedade no Brasil impõe restrições ao seu uso. O proprietário pode usar, gozar, dispor e proteger seu imóvel, no entanto, deve se ater às regras pertinentes à sua exploração. Como se viu, há muito o Direito de Propriedade deixou de ser absoluto no Brasil, devendo o proprietário restringir o uso do bem na proporção prevista na lei. Outro aspecto merecedor de destaque é o fato de a Constituição Federal ter alargado a abrangência da propriedade aos bens IMATERIAIS, como as marcas e patentes. Por esta razão, o profissional de todo e qualquer ramo empresarial deve sempre se lembrar de que a utilização dos meios de produção tem que se dar de forma a não prejudicar o mercado como um todo e que, em caso de ameaça à propriedade - tanto de bens materiais como imateriais -, seu proprietário encontra todo o respaldo e segurança jurídica que necessita para impedir a efetivação do dano. 3ª. Função social da propriedade O termo função social ganhou destaque no novo Código Civil apesar de já estar contido na Constituição Federal e em outros ordenamentos jurídicos, como o Estatuto da Terra de 1964. O empresariado tem percebido que associar a imagem de sua empresa a projetos sociais destinados à coletividade atrai significativo número de consumidores. Cumprir a função social significa realizar negócios que sejam adequados para ambas as partes contratantes e que, além disso, não sejam prejudiciais para a sociedade como um todo. Reserva legal: área que pre- serva as características da mata nativa no imóvel rural, sendo sua exploração veda- da (proibida) ou permitida com autorização de órgãos ambientais. 67 DIREITO EMPRESARIAL A aplicação desse princípio se traduz em limitar o uso abusivo da propriedade anteriormente estudada, trazendo ao empresário o dever de utilizar seu patrimônio, material ou imaterial, de forma adequada e racional. 4º. Livre concorrência Nos países onde realmente se implementou a democracia e permitiu seu natural desenvolvimento, o crescimento do mercado se fez presente e graças à concorrência entre as empresas houve gradual melhora na qualidade e preço dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores. Pelo princípio da livre concorrência, tem o Estado a obrigação de respeitar o livre desenvolvimento da atividade empresarial, atuando e interferindo somente se houver abuso do poder econômico por parte de qualquer organização atuante neste mercado que possa causar prejuízo à livre concorrência. Ao permitir a livre concorrência entre os fornecedores de produtos e serviços, o Estado contempla diretamente os consumidores, pois estes optam pela aquisição de bens com boa qualidade e bom preço, surgidos exatamente em virtude da disputa de mercado. Desta forma, nos dias atuais, os empresários buscam otimizar todo o sistema de produção, reduzindo custos e melhorando a qualidade dos produtos, visando preservar e ainda, aumentar sua clientela, garantindo assim, o objetivo precípuo da atividade principal, qual seja, a obtenção de lucro. 5º. Defesa do consumidor Dentre os princípios constitucionais de maior relevância para o cenário econômico e concorrencial se destaca a proteção ao CONSUMIDOR. Para os estudantes de Direito Empresarial, conhecer a relação de consumo e suas regras protetivas é de extrema importância e, por tal razão, seu estudo é feito de forma individualizada na próxima unidade. Para efeitos de estudo desta unidade, importa saber que o empresariado deve respeitar e proteger o interesse do consumidor, prestando-lhe as informações necessárias para permitir o consumo adequado do produto ou serviço disponibilizado. A defesa do consumidor como norma constitucional surge como meio de impedir a prática de abusos por parte do consumidor, visto ser este a parte mais fraca na relação de consumo, uma vez que não tem acesso à fase de produção do bem. E para evitar a ocorrência de danos, precisa ter o mínimo de informações necessárias para saber se há no produto substância que lhe são impróprias para o consumo. Recentemente, a imprensa noticiou, em nível nacional, a adulteração do leite feita por laticínio, localizado na cidade de Uberaba, Minas Gerais, cujo intuito fora aumentar a quantidade de leite através da adição de diversas substâncias, dentre as quais, soda cáustica. O engenheiro químico 68 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL desenvolveu fórmula que impedia descobrir a adulteração do leite através de exames e o esquema somente foi descoberto graças à denúncia anônima. A partir da denúncia, o Ministério Público e o órgão de defesa do consumidor daquele município atuaram em prol dos consumidores, acarretando a interdição do estabelecimento. Portanto, a defesa do consumidor foi elevada a princípio constitucional pela importância no cenário econômico e também por visar proteger sua saúde e integridade. 6º. Defesa do meio ambiente A mentalidade devastadora dos colonizadores na história universal deixou um saldo negativo na balança da natureza, visto por alguns estudiosos como irreversível. Mesmo nos últimos anos, lucro e meio ambiente não estão em harmonia. Os empresários cujos ramos de atuação interferem diretamente no meio ambiente pouco faziam para protegê-lo antes do advento da Constituição Federal de 1988. Apesar de existirem normas protetivas do meio ambiente e dos recursos naturais muito antes daquele ano, somente com a criação de normas constitucionais de proteção das riquezas naturais é que se iniciou a mudança da mentalidade do empresariado. Campanhas educativas, atuações radicais de grupos ambientais, multas elevadíssimas, exigência do consumidor por produtos “ecologicamente corretos” são o resultado do princípio protetor do meio ambiente. Esta transformação na consciência do empresário e também do consumidor fez nascer a visualização da lógica: a não-proteção do meio ambiente acarretará a extinção de riquezas naturais e como conseqüência os produtos dela advindos também não mais haverão de existir. O carvão que alimenta as fornalhas da indústria siderúrgica existente no norte de Minas Gerais se tornou produto escasso graças à visão não- preservacionista de décadas atrás, gerando como resultado a extinção completa de matas nativas nas proximidades destas indústrias. A conseqüência desastrosa desta atitude se reflete no bolso do consumidor, pois, atualmente, as indústrias de siderurgia ajudam donos de fazendas a custear a produção de madeira e ainda, pagam alto preço pelo carvão que ela mesma custeou e naturalmente, a elevação deste custo de produção é repassada ao destinatário final, ou seja, o consumidor. Por assim ser, a proteção do meio ambiente não deve ser vista apenas como um ideal dos ambientalistas fanáticos, mas como uma forma de se preservar a cadeia produtiva, a estabilização da economia nacional, a livre concorrência entre as empresas e, por fim, permitir ao consumidor não apenas a continuidade de fornecimento de produtos advindos do meio ambiente, mas também a estabilidade de seu preço. 69 DIREITO EMPRESARIAL 7º. Redução das desigualdades regionais e sociais Os detentores dos meios de produção devem, segundo este princípio, se conscientizarem da importância que sua empresa exerce no contexto em que estão inseridos, visando, não apenas a geração de riquezas e a produção de empregos, mas também agir de forma a pensar na coletividade. Nos últimos anos, o empresariado em geral vem demonstrando maior preocupação com a comunidade ao redor de suas instalações, através do desenvolvimento de ações educativas, sociais e ambientais, propiciando maior bem-estar aos membros desta coletividade. Em países deextensão territorial como o Brasil, a atuação consciente do empresariado está gradativamente reduzindo as desigualdades regionais e sociais tão latentes em todos os estados brasileiros. A atual missão dos gestores da atividade econômica é compatibilizar a conquista do lucro com o desenvolvimento social da coletividade. A população anseia por empresas que tenham esta consciência e, por outro lado, as organizações estão percebendo que atingir o objetivo deste princípio não significa apenas cumprir a lei, mas também ter retorno financeiro através da prática de boas ações, pois o consumidor está atento e tem preferido adquirir produtos de fornecedores que atuam em prol da coletividade. 8º. Busca do pleno emprego A crescente modernização das máquinas e equipamentos e o constante desenvolvimento e aperfeiçoamento da informática geraram grave preocupação no legislador constituinte, convertendo-se em princípio em prol dos empregados. O exercício da atividade econômica, habitualmente, depende de mão- de-obra para se atingir o fim almejado. Entretanto, em alguns setores, há empregados (e desempregados) em abundância, enquanto em outros há escassez de profissionais, em virtude, principalmente, da exigência de qualificação profissional. O empresário, enquanto empregador, deve pautar suas ações de forma a ampliar constantemente seu quadro de empregados, de forma proporcional ao crescimento de sua empresa. Dentre os princípios até aqui estudados, talvez seja este o que menos desperte esforços do empresariado; não por assim desejar, mas, principalmente, pela conjuntura existente no cenário trabalhista. Vimos acima o princípio da livre concorrência que propicia o desenvolvimento de melhores produtos com preços menores, justamente pela competitividade existente entre empresários do mesmo setor. As grandes empresas chegaram praticamente ao limite da redução de custos 70 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL em suas atividades e, para que isso se tornasse realidade, muitos empregados perderam seu emprego, pois, ante o excesso de profissionais, na disputa por mercado e a conseqüente redução de custo de produção, o empresário não vê outra alternativa senão demitir empregados e contratar outros, pagando-lhes menores salários. Esta é a regra do jogo, infelizmente. Por outro lado, substituir empregado por máquinas ou softwares significa corte nos custos e menos aborrecimentos, afinal, máquinas e computadores não adoecem, não são afastadas pelo INSS, não causam prejuízos ao próprio empresário ou a terceiros, não ajuízam reclamação trabalhista, não fazem greve, enfim, há diversos fatores que podem ser aqui citados. Em certa oportunidade, como consultor jurídico em Direito Agrário, acompanhei a negociação de compra e venda de uma usina de álcool. O adquirente, ao notar o grande número de máquinas no estabelecimento, perguntou quantos empregos foram sacrificados com a aquisição das mesmas e, ao saber que mais de 1"3 dos empregados foram substituídos, disse que a primeira providência seria vender as máquinas e contratar empregados em seu lugar. O vendedor, então, nos mostrou planilhas mostrando o preço de compra das máquinas, a redução do custo com o corte dos empregados e a estatística dos números de ações trabalhistas e acidentes de trabalho, sendo que ambos sofreram drástica redução. Bastaram quinze minutos para o comprador da usina desistir da idéia de aplicar o princípio da busca do pleno emprego. Com esta explanação, não se pretende desestimular a contratação de empregados, mas sim advertir o empresariado para o triste problema advindo da relação de trabalho. Segundo um dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, há mais de 9.000 (nove mil!) leis trabalhistas em vigor, o que dificulta o trabalho dos profissionais da área jurídica e de recursos humanos; por outro lado, a interpretação adotada por juízes e representantes do Ministério do Trabalho é excessivamente favorável aos empregados, gerando pesadas condenações trabalhistas. Assim sendo, faz-se imperiosa uma reforma trabalhista em nosso país que permita ao empresariado realmente ter condições de administrar seu negócio, pensando na geração de novos empregos ou será cada vez mais crescente a substituição de empregados por máquinas, equipamentos e computadores. 9º. Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte Não há dúvida que em nosso país houve significativo crescimento de empresas de pequeno (EPP) e médio porte. Dentre os vários fatores geradores de tal situação, destacam-se a dificuldade em se conseguir emprego (ou se manter nele) e por outro lado, as constantes modificações da legislação para estimular o surgimento de pequenas empresas. 71 DIREITO EMPRESARIAL Compete, pois, ao governo estimular o desenvolvimento de novas atividades econômicas, permitindo às pequenas empresas o pagamento de tributos de forma diferenciada, ou seja, reduzindo-lhes custos com impostos e encargos sociais, de tal forma que o produto final possa ser competitivo com o desenvolvido por outra grande empresa do mesmo setor. À medida que pequenas empresas nascem e se desenvolvem graças aos benefícios fiscais e conseguem lançar no mercado produtos com qualidade e baixo preço, o princípio da livre iniciativa se aplica, pois as empresas concorrentes terão de agir rapidamente para não perder sua clientela. Portanto, favorecer o desenvolvimento de pequenas empresas é meta a ser diuturnamente perseguida pelo Estado, vez que ocasionará automaticamente a aplicação de todos os outros princípios até então estudados. Por fim, antes de passarmos para o próximo tópico, nunca é demais lembrar que para se atingir o objetivo de todos estes princípios estudados deve haver participação direta dos empresários na execução de suas atividades pautadas exatamente na essência que se extrai da análise conjunta de todos os princípios, porém o Estado exerce função primordial no sentido de, ora auxiliar o empresário, ora criar limites e lhe impor severas penas em caso de descumprimento de tais normas. Os princípios constitucionais da livre concorrência são, portanto, regras de conduta tanto para particulares como para o próprio Estado. Estudados tais princípios, passemos a conhecer as regras em que se insere a concorrência desleal. CONCORRÊNCIA DESLEAL Vimos que a Constituição Federal, em seu artigo 170 e seguintes, disciplinou os Princípios Gerais da Atividade Econômica, norteando assegurar a proteção do meio ambiente e dos consumidores, pretendendo também incentivar o desenvolvimento dos empresários ao mesmo tempo em que lhes impõe restrições. Dentre os princípios estudados consta o da Livre Concorrência, pelo qual os empresários concorrem entre si, ofertando aos consumidores maior variedade de produtos com preços cada vez mais acessíveis, resultando esta disputa de mercado em investimento tecnológico e na criação de novos produtos. Mas o Estado deve estar sempre atento a esta competição, fiscalizando cada organização e sua prática de mercado para que, se houver necessidade, intervenha e puna aquela que abuse de seu poderio econômico, objetivando eliminar a concorrência, dominar o mercado e aumentar arbitrariamente os lucros. Ora, a concorrência gera produtos abundantes, de qualidade e com preços acessíveis; à medida que há eliminação dos concorrentes, todo este ciclo se desfaz e o empresário dominante, ao monopolizar a produção, poderá retê- 72 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL la ou diminuí-la, gerando grande procura por parte dos consumidores, e como conseqüência, o aumento do preço do produto ante sua proposital escassez. Esta prática norteia exclusivamente o aumento significativodos lucros do empresário dominante. Foi, então, com base nos princípios constitucionais e ante a possibilidade de ocorrência de abuso do poder econômico que surgiu a Lei 8.884"94, denominada Lei de Defesa da Concorrência. Com o advento desta lei (e de suas alterações feitas pela Lei nº 9.021, de 30 de março de 1995 e pela Lei 10.149, de 21 de dezembro de 2000), o Brasil organizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), através de órgãos de defesa da concorrência, divididos por área de competência administrativa e atuação. Há três órgãos: 1. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)1 Este é o órgão mais antigo dos três, sendo que sua criação remonta a 1962, oportunidade em que era um órgão do Ministério da Justiça. Com a entrada em vigor da Lei 8.884, em 1994, foi transformado em autarquia federal, também vinculada Ministério da Justiça. Em sua área de atuação, ao CADE compete orientar, fiscalizar e apurar abusos de poder econômico, podendo, para tanto, analisar e julgar empresários com poder de mercado denunciados pela possível prática de condutas ilegais. Vê-se, portanto, que o CADE é órgão julgador, possuindo por determinação legal, poder para aplicar às empresas enquadradas na prática de condutas ilícitas penalidades como multas (tanto à empresa quanto aos seus administradores); impedir a realização de contratos com instituições financeiras oficiais; proibir a empresa de participar de licitações públicas; alterar a composição societária do empresário, principalmente através de sua CISÃO; determinar a mudança no comando da sociedade enfim, ao CADE é permitido punir da forma que melhor lhe convier para manter estável a política de concorrência no Brasil. O resultado do julgamento e a conseqüente punição (quando houver) são apresentados em sessão solene, aberta ao público e realizada em Brasília, sede do órgão. Das decisões do CADE, a parte interessada poderá recorrer ao Poder Judiciário solicitando revisão do entendimento demonstrado pelo referido órgão. Nos últimos anos, alguns casos (citados nos capítulos finais) envolvendo empresas chamadas de “gigantes do setor” levaram aos salões do CADE dezenas de jornalistas, visto que o resultado era aguardado ansiosamente por toda a comunidade. Mas, o papel do órgão não se restringe aos julgamentos de denúncias. Compete-lhe atuar de forma preventiva, repressiva e até mesmo, educativa. Nestes termos, deve o CADE estar atento às negociações realizadas entre empresários, visando se unir para dominar (ou não) o mercado, AUTARQUIA FEDERAL: pessoa jurídica de direito público, criada por lei e per- tencente à União. Poder de mercado: a referi- da expressão simboliza a capacidade de certo empre- sário manter sua clientela ainda cobrando por seus produtos preço superior ao dos concorrentes. 73 DIREITO EMPRESARIAL utilizando-se de instrumentos legais como a fusão, incorporação, aquisição e joint-venture. Geralmente, quando grandes empresas do mesmo segmento e concorrentes entre si anunciam oficialmente sua união, o CADE analisa as possíveis conseqüências para o mercado, a economia e também para os consumidores. Ante a possibilidade de conduta anticoncorrencial, o CADE tem poder até para VETAR a realização do negócio. 2. Secretaria de Direito Econômico (SDE) Este órgão é vinculado e pertencente ao Mi-nistério da Justiça2, tendo como principais atribuições criar as regras pertinentes à proteção e defesa da ordem econômica, objetivando, principalmente, proteger os interesses dos consumidores. Atualmente, compete ao SDE planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de Defesa do Consumidor. A efetivação de sua atuação dá-se através da apuração de casos de condutas anticoncorrenciais, bem como emitir parecer acerca dos atos de concentração a serem aprovados pelo CADE. Importante esclarecer que qualquer pessoa pode provocar a SDE para apurar possível prática de ato considerado anticoncorrencial, competindo aos seus membros investigar a veracidade da denúncia realizada, sendo que, configurado o ato ilícito, será feito parecer, no prazo de 30 dias, e enviado ao CADE para julgamento. Note, portanto, que ao SDE NÃO compete julgar e punir, mas sim instaurar o procedimento administrativo, com a juntada da denúncia, documentos relativos ao caso e do seu parecer. 3. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) Existente desde 1995 e componente do Ministério da Fazenda3, este órgão promove e defende a concorrência; regula a economia e acompanha o cenário do mercado empresarial como um todo. Ante a multiplicidade de ações executadas e a complexidade da realização de suas tarefas, a SEAE é composta por 8 coordena-ções-gerais: Coordenação-Geral de Análise Econômica – COGAE; Coordenação-Geral de Análise de Mercados – COGAM; Coordenação-Geral de Comunicação e Mídia – COGCM; Coordenação-Geral de Defesa da Concorrência – COGDC; Coordenação-Geral de Economia da Saúde – COGSA; Coordenação-Geral de Energia e Saneamento – COGEN; Coordenação-Geral de Produtos Agrícolas e Agroindustriais – COGPA; Coordenação-Geral de Transportes e Logística – COGTL Fusão: união de dois ou mais empresários que dei- xam de existir, pois forma- ram um novo agente eco- nômico. Incorporação: decorre da incorporação de certo em- presário feita por um ou mais empresários, aumen- tando a pessoa jurídica já existente, deixando o incor- porado de existir. Aquisição: ocorre quando um agente econômico ad- quire o controle ou parcela substancial da participação acionária de outro agente econômico. Joint-venture: consiste na união entre dois ou mais empresários para a criação de um novo agente econô- mico, porém distingue-se da fusão, pois não há extinção dos agen-tes que se uni- ram. Atos de concentração: todo tipo de ato ou negócio jurí- dico realizado entre empre- sas que pode ter como con- seqüência um maior poder ou concentração de merca- do do que o que havia por parte das empresas, sepa- radamente consideradas, antes de sua realização. 74 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL O papel desenvolvido pelos profissionais da SEAE é de auxiliar as ações desenvolvidas pela SDE, ou seja, atua também na área investigativa, apurando denúncias de práticas anticoncorrenciais, manifestando sua opinião através de parecer elaborado no prazo de 30 dias e encaminhado ao SDE. A partir do ano 2000, a legislação vigente ampliou os poderes deste órgão, sendo-lhe possível, inclusive, multar a organização investigada que dificulte o acesso às informações necessárias para a análise do caso concreto. Pois bem. Viu-se anteriormente os órgãos da administração pública responsáveis pela análise da atuação dos empresários em relação à conduta concorrencial, restando, portanto, compreender as práticas contrárias às regras da livre concorrência. A atuação do empresário e até mesmo sua intenção de fraudar tais regras podem ser suficientes para a intervenção dos órgãos estudados, além da possibilidade de processos judiciais em âmbito criminal e civil iniciados por outro empresário prejudicado pela ação do concorrente fraudador. Já se destacou, de forma até exaustiva, a adoção do princípio da livre concorrência em nosso país como forma de estímulo ao desenvolvimento social e do empresariado, trazendo como benefícios diretos fartura de produtos no mercado, com qualidade e preço acessível. No entanto, ainda não foi citado que a atuação das empresas de forma concorrente traz, sem dúvida alguma, o crescimento de uns em detrimento de outros. A concorrência, por si só, é vista como forma de competição acirrada entre os empresáriosdo mesmo setor e, para o desenvolvimento de um, é necessário o enfraquecimento de outros, ou seja, em nome da livre concorrência o empresário se utilizará dos meios adequados para superar seus concorrentes, desejando-lhes, até mesmo, o seu fracasso. Isto significa que a concorrência, ainda quando LEAL, traz em seu propósito a vontade de ver destruída a pretensão dos concorrentes na busca da expansão de sua clientela. O empresário, ao lançar novo produto no mercado ou produto com significativa melhoria, pretende retirar parcela dos clientes de seu concorrente, sendo seu intuito final conquistar todos os seus clientes. Esta disputa constante pelo mercado consumidor é tamanha a ponto de, na corrida pelo primeiro lugar na preferência da população, empresas acabam, por falta de estudo e planejamento, lançando novo produto que concorre com outro produto de sua propriedade. Caso recente ocorreu com a Pepsi Cia. ao lançar no mercado refrigerante de “cola” com adoção de suco de limão. A idéia deu certo, caindo no gosto dos consumidores, porém o tiro saiu pela culatra: a Pepsi Cia. pretendia angariar consumidores de sua histórica rival, mas o público consumidor do novo refrigerante com limão já era parte de sua clientela, que ingeria a pepsi-cola, ou seja, o faturamento com a venda de sua principal bebida se 75 DIREITO EMPRESARIAL viu reduzido! Houve um simples “deslocamento” de sua própria clientela que antes consumia a pepsi-cola e passou a tomar pepsi–twist. Assim sendo, o lançamento de produtos e ou campanhas publicitárias devem ser amplamente estudados para evitar investimento inócuo. Mas o importante para o Direito Concorrencial não são os erros na gestão do negócio, e sim os meios utilizados pelo empresário ao competir no mercado. Há duas formas consideradas predatórias em relação ao exercício da atividade econômica com vistas à livre iniciativa: concorrência desleal e infração da ordem econômica, sendo esta última estudada no próximo capítulo. Ambas as formas estão contidas na Lei 8.884"94, chamada por alguns de lei antitruste. De seu contexto, se extraem os motivos qualificadores da CONCORRÊNCIA DESLEAL, a saber: i) atuação do Estado ao impor regras contrárias ao conteúdo da Constituição Federal, sendo, portanto, ilegais; ii) prática de atitudes dos empresários consideradas ilícitas em termos concorrenciais, cuja análise e estudo seguem abaixo. Parte-se do princípio que a concorrência LEAL é prejudicial ao concorrente diretamente afetado, mas isto é regra de mercado; já a concorrência DESLEAL decorre do uso de mecanismos desonestos e ilícitos empregados pelo empresário para a conquista de consumidores. Na ânsia de reduzir o custo de produção, melhorar a qualidade dos seus produtos e ampliar sua clientela, muitas vezes o empresário adota meios ilegais para atingir tais fins. Em relação à melhora da qualidade dos produtos é considerada concorrência desleal a prática da violação do segredo de empresa, através da espionagem econômica, do acesso não-autorizado ao banco de dados do concorrente ou da compra de informações privilegiadas. Por esta explanação é fácil perceber que a concretização de tais atos somente é possível, geralmente, com a participação de empregados, consultores, auditores, prestadores de serviços e até mesmo por sócios das empresas prejudicadas. Outro aspecto se refere ao fato de haver dano ao próprio empresário cujo segredo de empresa fora violado, cabendo-lhe tomar as atitudes necessárias, podendo promover ações civis de ressarcimento do prejuízo bem como ações na esfera penal para punir o concorrente desleal, com base nos crimes previstos na Lei de Propriedade Industrial, mais especificamente em seu artigo 195. Merece destacar a possibilidade de se punir tanto a empresa adquirente das informações como as pessoas participantes de sua ocorrência, ou seja, em se tratando de empregado, segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, há possibilidade de ser demitido por justa causa; no caso de sócio, poderá ser expulso da sociedade por falta grave ou por descumprimento de suas obrigações (vide unidade II), já sendo praticado pelas outras pessoas citadas, poderão ser punidas nos termos do contrato mantido com a empresa 76 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL prejudicada e com base nas normas da responsabilidade civil previstas no Código Civil, que incluem reparação dos danos materiais e morais causados. De outro norte, pratica ato tipificado como concorrência desleal o empresário que no afã de angariar novos clientes adota meios que induzem o consumidor em erro, via veiculação de publicidade enganosa e lesiva ao consumidor. Na unidade IV, é feito minucioso estudo sobre publicidade e defesa do consumidor, sendo relevante no momento compreender que o engodo pode decorrer de falsas informações quanto à origem do produto ou serviço. Vimos na unidade I o caso do posto de combustível em cuja fachada está inserida a expressão I3R fazendo crer o consumidor que está adentrando o posto da renomada e confiável BR. (Vide unidade I, capítulo relativo a título do estabelecimento). A prática de tal empresário configura concorrência desleal por induzir o consumidor em erro quanto à origem do combustível bem como à qualidade de serviço prestado. Tal qual no caso de violação de segredo de empresa, a empresa prejudicada poderá processar civil e criminalmente a concorrente desleal, objetivando cessar a publicidade enganosa e ainda, ver-se ressarcida pelos prejuízos advindos do uso indevido de sua marca, nome empresarial ou título do estabelecimento. Finalmente ao reduzir ao máximo seus custos de forma ilícita, pratica ato considerado de concorrência desleal o empresário que usa material de qualidade inferior em seus produtos e, ainda, aquele que sonega tributos. Nestas duas últimas situações citadas, a legislação autoriza a intervenção direta do Estado visto que, nestes casos, há interferência direta nas leis do mercado, traduzindo-se em conseqüências devastadoras como, por exemplo, a falência de empresas honestas e cumpridoras de seus deveres. Assim sendo, diferentemente dos dois primeiros casos citados (violação de segredo de empresa e indução do consumidor em erro), em havendo a prática de uso de produtos ou substâncias indevidas na constituição do produto final ou ocorrendo a sonegação fiscal, pode o Estado intervir diretamente, independentemente da manifestação dos concorrentes prejudicados. Lembre-se do já citado caso da adulteração de leite ocorrida em laticínio de Uberaba, Minas Gerais. Não houve denúncia das empresas concorrentes; bastou o Estado ter conhecimento do assunto para interditar as instalações e proibir a continuidade da atividade outrora desenvolvida. O prejuízo advindo destas duas modalidades de concorrência desleal afeta diretamente um elevado percentual de consumidores que deixaram de consumir o produto do concorrente leal, reduzindo-lhe o faturamento. 77 DIREITO EMPRESARIAL INFRAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA No capítulo anterior, definiu-se a concorrência, demonstrando sua ocorrência existir a partir da prática da concorrência desleal ou da infração da ordem econômica, sendo aquela já estudada. A infração da ordem econômica possui uma característica interessante: o empresário a comete mesmo sem ter CULPA na conduta adotada. O legislador brasileiro optou em punir o infrator cujos atos visem dominação dos mercados, eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. A finalidade da lei com esta conceituação é impedir a formação de monopólios ou a união de empresários com intuito de prejudicar a livre concorrência, pois a infração da ordem econômica manifesta-se através da atuação de umúnico agente econômico ou através de acordos realizados entre dois ou mais agentes. Antes de estudar caso a caso, é mister conhecer alguns conceitos importantes. A primeira expressão a ser estudada interfere diretamente na compreensão de todas as infrações que serão abordadas. Trata-se do MERCADO RELEVANTE, que significa um produto em um campo de observância específico do mercado, em que é possível se analisar a interferência direta de cada agente econômico. O estudo do mercado relevante permite visualizar a influência direta que o consumo de certo produto pode causar em certa região. Na composição do mercado relevante, observa-se o produto em si, assim como determinada localização geográfica, objetivando estabelecer uma região onde não seja possível a substituição do produto por outro, tanto pelo fato de não haver produto substituto ou por não ser possível obtê-lo. Para melhor compreender, em 1999, os proprietários das cervejarias brasileiras Antarctica e Brahma solicitaram ao CADE a análise da legalidade da constituição de uma sociedade anônima denominada Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV, formada pelas duas fabricantes de cerveja. O CADE analisou os prováveis impactos da união das cervejarias no mercado relevante de produtos (água, refrigerante e cerveja) e no mercado relevante geográfico, divido em cinco mercados regionais, compostos pelos seguintes estados brasileiros: Mercado 1 – RS, SC e PR. Mercado 2 – SP, RJ, MG e ES. Mercado 3 – MT, MS, GO, DF, TO e RO. Mercado 4 – BA, AL, SE, PE, CE, PB, RN, PI, MA, PA e AP. Mercado 5 – AC, AM e RR. A primeira conclusão obtida se refere ao fato de a junção das empresas não causar qualquer interferência nos mercados relevantes de água e Agente econômico: toda e qualquer pessoa física ou ju- rídica atuante, isolada ou coletivamente, no exercício da atividade econômica. 78 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL refrigerante. Já em relação ao mercado relevante de cerveja, o estudo concluiu que, em virtude das duas cervejarias dominarem o referido mercado em praticamente todos os mercados relevantes geográficos, haveria limitação da concorrência e, por assim ser, o negócio não deveria se concretizar. No entanto, optou o CADE em permitir a criação da AMBEV mediante a assinatura de Termo de Compromisso de Desempenho, estabelecendo como regras condicionantes: a venda da marca Bavá-ria (à época pertencente aos proprietários da Antarctica); a alienação de 5 (cinco) fábricas e o compartilhamento da sua rede de distribuição em cada um dos cinco mercados geográficos relevantes definidos; desativar as demais fábricas apenas mediante oferta pública; manter o nível de emprego, sendo que eventuais dispensas associadas à reestruturação empresarial deveriam ser acompanhadas de programas de retreinamento e recolocação; não impor exclusividade aos pontos de venda e adotar todas as me-didas, visando alcançar as eficiências pertinentes à fusão. Como é de conhecimento de todos, o negócio foi realizado e como fora previsto pelo CADE, com as medidas anteriormente impostas, aumentou a concorrência entre as cervejarias nacionais e estrangeiras atuantes em território nacional. Demonstrado e exemplificado o conceito de mercado relevante, surge a necessidade de se compreender a definição de POSIÇÃO DOMINANTE. Segundo a lei antitruste, todo e qualquer empresário controlador de 20% (ou mais) do mercado relevante analisado que for capaz de alterar unilateralmente as condições de mercado é considerado detentor de POSIÇÃO DOMINANTE em relação aos seus rivais, seja atuando como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. Feitas estas colocações, passemos a analisar as atitudes individuais ou coletivas que configuram prática de infração da ordem econômica, a começar pelo estudo do monopólio. O monopólio decorre de ato praticado por agente econômico único, detentor EXCLUSIVO de determinado bem ou serviço e, em virtude de não possui concorrentes, tem condições de ditar os rumos de seu mercado, ofertando ao consumidor apenas a quantidade de produtos capaz de manter constante procura, permitindo, assim, a cobrança de valor excessivo pelo produto ou serviço fornecidos. Outra conseqüência do monopólio é a quebra da constante busca por inovação tecnológica e melhora da qualidade do produto, finalidade almejada pelo princípio da livre concorrência. Enquanto o monopolista atua e detém sozinho o mercado, não vê necessidade de melhorar ou inovar seus produtos; por outro lado, empresários atuantes no mesmo ramo dificilmente arriscam investir significativa quantia em pesquisa e desenvolvimento de produto apto a desafiar o monopolista, pois corre o risco de não atingir seu objetivo, perdendo tempo e dinheiro. 79 DIREITO EMPRESARIAL O outro modo de configuração de infração da ordem econômica decorre da união de dois ou mais agentes econômicos, objetivando restringir a livre concorrência. Esta junção clandestina e ilegal pode ser realizada por empresários atuantes no mesmo ramo de atividade, sendo denominada CONCENTRAÇÃO HORIZONTAL, como ocorre, por exemplo, quando proprietários de postos de gasolina combinam estabelecer valor “tabelado” para o combustível ofertado aos consumidores. Agindo desta forma, praticam infração da ordem econômica, na modalidade “eliminar a concorrência”. Por CONCENTRAÇÃO VERTICAL, entende-se a associação de dois ou mais empresários atuantes em níveis distintos da mesma cadeia produtiva, tendo por objetivo dominar mercado ou eliminar a concorrência ou aumentar arbitrariamente os lucros. Nesta hipótese, tomando ainda os empresários do setor de venda de combustíveis e derivados de petróleo (postos de combustíveis) como exemplo, a conduta lesiva ocorreria se um ou mais destes empresários se unissem à distribuidora de combustíveis para “tabelar” o preço de venda, fazendo com que a maioria dos postos de combustíveis abastecidos por aquela distribuidora ofertassem o produto por preço praticamente igualitário. A união destes agentes econômicos para a prática do ato ilícito é denominado de Cartel, interpretado como o acordo que culmina com a concentração horizontal ou vertical, contrário ao desenvolvimento da livre iniciativa e da livre concorrência. A formação do cartel, como é sabido, ocorre sorrateiramente, em reuniões secretas em que são estabelecidas as formas de se atingir o objetivo ilícito, como, por exemplo, tabelar preços. Por se tratar de atitude criminosa, o participante do cartel não cumpridor do acordo, costumeiramente é ameaçado e até mesmo sofre “penas” mais severas... Dentre os inúmeros casos de formação de cartel no Brasil, ganhou repercussão nacional a união das companhias aéreas Varig, TAM e Transbrasil ao limitarem os descontos do valor das passagens ao máximo de 30% nas viagens da ponte aérea Rio – São Paulo. A Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR) denunciou a possível formação de cartel à SDE, que, após investigar a conduta das três empresas, elaborou parecer favorável às alegações da EMBRATUR. Enviado ao CADE, as companhias foram proibidas de limitar o desconto de suas passagens aéreas e ainda condenadas ao pagamento de multa de 1%, calculada sobre o faturamento bruto das vendas de passagens aéreas do respectivo trecho, relativo ao período denunciado, ou seja, no ano de 1999. Outra conduta caracterizadora de infração da ordem econômica ocorre quando o agente econômico disponibiliza aos consumidores produtos ou serviços com preços abaixo do custo variável médio, neutralizando a ação dos concorrentes impossibilitados de praticar valores similares. Tal prática é chamada de PREÇO PREDATÓRIO. 80UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL Deve-se, entretanto, ser esclarecido que, ao ofertar produtos ou serviços nestas condições, o empresário obterá PREJUÍZO no exercício de sua atividade econômica, norteando, com isso, eliminar seus concorrentes e, posteriormente, ao monopolizar o mercado, irá praticar valores exacerbados para recuperar o prejuízo acumulado. No entanto, o fornecimento de produto ou serviço com preço abaixo do custo variável médio, por si só, não necessariamente caracteriza a prática de infração da ordem econômica. Os agentes econômicos atuantes no setor supermercadista costumeiramente fazem promoções “relâmpagos” para atrair maior clientela, praticando preços abaixo do seu valor de custo, mas, neste caso, NÃO há ilegalidade, pois a duração daquele valor é apenas momentânea. Em outros casos, às vésperas do vencimento de certo produto perecível, o supermercadista opta em vendê-lo a preço bem abaixo do seu custo a ver perdida toda a mercadoria. Em ambos os casos citados, a intenção do empresário é conquistar clientes de forma justa e legal, não visando prejudicar seus concorrentes a ponto de exterminá-los. A próxima conduta ilegal é a chamada FIXAÇÃO DE PREÇOS DE REVENDA. Dentre os vários atuantes na cadeia produtiva de qualquer produto, somente o PRODUTOR e seus distribuidores e revendedores podem praticá-la, pois a caracterização do delito decorre do estabelecimento de preço de venda do produto pelo revendedor ou distribuidor estabelecido pelo produtor. Recordando-se da matéria já estudada, o aluno deve ter percebido ser tal prática lesiva ao princípio da livre concorrência, pois ao estabelecer preço de venda, o produtor e distribuidor ou revendedor dificultam a competição comercial. A configuração de tal prática somente ocorrerá a depender do poder de atuação das partes envolvidas no mercado, pois, não havendo limitação à concorrência, tal conduta, por si só, não caracteriza qualquer crime. Os mesmos agentes econômicos citados (produtor, distribuidor ou revendedor) podem praticar outra ação delituosa, através de RESTRIÇÕES TERRITORIAIS E DE BASE DE CLIENTES. No caso anterior, o problema advém do estabelecimento de preço pelo produtor a ser praticado pelo distribuidor ou revendedor. Neste, as partes negociam a restrição da venda do produto em certas regiões do país, facilitando a formação de cartéis. Tal qual na infração anteriormente analisada, a negociação entre produtor e distribui-dor ou revendedor deverá trazer prejuízo à livre concorrência, que, via de regra, somente acontecerá se as partes envolvidas tiverem significativa participação no mercado. 81 DIREITO EMPRESARIAL Outra infração da ordem econômica advém da realização de ACORDOS DE EXCLUSIVIDADE, firmados entre vendedores e compradores de produtos, que se comprometem a não comercializar produtos de empresas concorrentes. Ao adotarem tal conduta, impedem a atuação de empresas rivais, impedindo-as de comercializar seus produtos de forma concorrente, cerceando o princípio da livre concorrência, trazendo assim, conseqüências diretas aos consumidores. Aqueles que atuam na área comercial, acostumados a firmarem acordos de exclusividade, podem, à primeira vista e com a leitura do contido anteriormente, acreditar que todos os contratos de exclusividade são lesivos; no entanto, tal prática somente se configura se realmente houver lesão ao princípio da livre concorrência. Sabe-se que a venda de produtos, em inúmeros casos, decorre de acordo de exclusividade entre comprador e vendedor, sem causar qualquer prejuízo aos consumidores, aos concorrentes ou à economia nacional, mas, ao contrário, inserirá o produto no mercado e gradativamente, competir diretamente com seu concorrente, ou seja, ao invés de configurar a infração da ordem econômica, incentivará a concorrência leal. Outra conduta lesiva à ordem econômica, relativamente usual nos dias atuais, é a conhecida VENDA CASADA. Por esta, compreende-se a venda de um produto associada a outro, não restando outra alternativa ao consumidor ou adquirente senão adquirir ambos, ainda que não queira. Vê-se que o maior prejudicado com tal infração é o destinatário final do produto. Caso típico de venda casada é a comercialização de computador com programa operacional já instalado. Ora, o consumidor tem o direito de adquirir somente o computador, sem programa operacional instalado, seja por já possuir o programa e sua devida licença ou por pretender utilizar outro programa. Ao consumidor, podem ser oferecidos ambos os produtos (computador + sistema operacional), mas não pode o vendedor condicionar a venda de ambos. No entanto, nada há de errado em se oferecer ao mercado produtos em conjunto para atrair clientela através da prática de preços promocionais. Pode o fornecedor, por exemplo, ofertar três DVDs de música de diferentes artistas por preço atrativo, mas, ao fazê-lo, não poderá impedir o consumidor de comprar apenas um dos DVDs. Finalmente, a derradeira conduta caracterizadora de infração da ordem econômica é a DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS. A ação aqui é praticada pelo produtor que manipula o preço do produto, vendendo-o por preços diferentes aos seus compradores, priorizando uns e discriminando outros. 82 UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL Observe bem que deve haver discriminação na venda, ou seja, o agente econômico propositalmente seleciona para quem, como e por quanto venderá seus produtos, preferindo uns em detrimento de outros, visando, essencialmente limitar a atuação de concorrentes, dominar o mercado ou obter o aumento arbitrário dos seus lucros. Por assim ser, o empresário poderá vender seus produtos, dando preferência para certo cliente que lhe paga pontualmente ou lhe compra em grande quantidade que não incorrerá na prática da infração, já que seu intento não é trazer prejuízo nem à economia, aos consumidores ou aos concorrentes. LICITAÇÕES A legislação brasileira obriga a administração pública adquirir produtos ou contratar serviços através de licitações públicas. Por estas, municípios, estados, a União, autarquias e outros entes administrativos adquirem produtos com qualidade e bom preço. A administração pública demonstra sua intenção em adquirir certo bem ou serviço através de edital, contendo a discriminação do produto ou serviço, sua quantidade e qualidade desejadas, que é publicado para convidar os interessados. Os empresários interessados em participar apresentam suas propostas contendo a descrição dos produtos que possuem, qualidade e preço a ser cobrado em envelope lacrado. Em tese, nenhum empresário conhece as condições de seus concorrentes e, portanto, se realmente deseja sair vencedor, deverá limitar sua margem de lucro, cobrando o mínimo possível para não ser surpreendido por melhor proposta. Se todos os concorrentes seguirem esta fórmula, prevista na lei, a administração pública atinge seu objetivo ao adquirir produto ou tomar serviço. Mas, como se sabe, há diversas maneiras de se fraudar licitações e por esta razão, a legislação estabeleceu como infração a realização de negociações entre os concorrentes para lesar o ente público adquirente do produto ou serviço. Assim, se dois ou mais concorrentes combinam o preço mínimo que irão cobrar por seus produtos para que o “vencedor” venda-os à adquirente por alto preço e posteriormente compartilhe seus ganhos com o comparsa, ambos incorrem em prática delituosa, sendo, portanto, vedada por lei. É HORA DE SE AVALIAR! Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá- lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processode ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija 83 DIREITO EMPRESARIAL as respostas no caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA) ou pelo correio (em formulário próprio). Interaja conosco! À medida que aprofundamos nosso conhecimento em Direito Empresarial, torna-se latente a dificuldade do empresário em se estabelecer e se manter no mercado. A disputa por clientes e a constante busca do lucro são fatores ensejadores de disputas acirradas entre os empresários. O Estado deve, ao mesmo tempo, estimular e limitar esta concorrência, visando proteger o consumidor, a economia e, ainda, impedir o desaparecimento de diversos empresários. Agora que compreendemos a limitação existente na livre concorrência, temos condições de seguir nossos estudos, enfatizando na próxima unidade os aspectos relevantes da RELAÇÃO DE CONSUMO. Siga em frente! NOTAS 1 Disponível em: www.cade.gov.br. Acesso em: 13/02/2008. 2 Disponível em: www.mj.gov.br/sde. Acesso em: 13/02/2008. 3 Disponível em: www.seae.fazenda.gov.br. Acesso em: 13/02/2008.
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