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Teoria e prática da . _ J.t Juan Carlos Vezzulla Com a colaboração de: Angelo Volpi Neto . José Ribamar G. Ferreira Af" Augusta de O. Volpi Prólogo de: Zulenta Wilde • 0 ri INSTO DE MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO A Mediação é a mais bem sucedida técnica de solução de conflitos, pois corn ela as pessoas mantêm todo o controle do . processo, não dependendo de laudos ou sentenças que nem sempre satisfazem os interesses de ambas as partes. mediador é um profissional com uma atuação muito especial, pois sem decidir, deve ajudar as partes a inter-relacionarem-se e acharem o melhor caminho para resolverem seus conflitos satisfatoriantente. Este livro traz o susténto teórico das técnicas de mediação, assim como sua aplicação prática, e funda- mentalmente ensina do mediador como descobrir os verdadeiros interesses dos clientes envolvidos no litígio. H • • MISTMITO DE MEDIAÇÂO INSTITUTO DE MEDIAÇÃO Instituto de Mediação, associação sem fins lucrativos, pretende com a impressão deste livro continu- ar cum o cumpatenta dos seus objetivos: divulgar a Mediação e formar 116diadores no Brasil. Nascido em•'t'uritiba, Paraná, o Instituto de Mediação, na sua tarefa de difusão nacional da Mediação, vem promovendo seminários, palestras, cursos e agora, com esta publicação, seguramente enriquecerá o conhe- cimento desta técnica usada no mundo todo. Instituto de Mediação forma parte da Interamerican Mediation Association. • 0 0 0 0 0 1 ® 6 0 0 • 0 0 0 0 • • Índice Prólogo - Zulema Wilde 7 Prefácio - Angelo Volpi Neto 11 Introdução 14 Capitulo 1: Das Noções Gerais do Conflito 17 Conflito Inter/Pessoal 17 Os Conflitos Intrapsiquicos 20 fr"? . Conflitos reefs e falsos 24 A Comunicação 24 Escutar, sempre escutar 26 Capítulo 2: Do Cliente 29 A posição, encobrindo os interesses 31 Luta entre pessoas ou discussões sobre problemas 35 Qual é o cliente da Mediação 38 As emoções dos clientes 39 Capítulo 3: 0 Mediador 43 0 que é ser Mediador 43 As técnicas do Mediador 45 Que profissional é o Mediador? 49 Capitulo 4: A inter-relação entre Mediador e cliente 57 Capítulo 5: A Mediação 65 O inicio. Alguém quer tentar solucionar seu problema corn a Mediação 66 A, Etapa Primeira. A -apresentação do Mediador a das regras de Mediação 68 Etapa Segunda. Os clientes expõem o problema 72 (1--) - Etapa Terceira. 0 resumo e o primeiro ordenamento dos problemas 74 Etapa Quarta. A descoberta dos interesses ainda ocultos 75 Etapa Quinta. Gerar idéias para resolver os problemas. Os acordos parciais 78 Etapa Sexta. Acordo Final 80 A Mediação e o •Notariado - Angelo Volpi Neto 83 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 5 4? e e e e • • • e PRÓLOGO ZULEMA WILDE No quisiera que este libro emprendiera au primer viaje por el mundo, sin conteneren su comienzo una expresión de aliento para sus autores. Los conflictos son inevitables en esta vida y admitir que los métodos usuales de resolución han sido en general inadecuados, costosos y hasta algunas veces destructivos -, ya representa un avance. Pensar en el Conflict° con un espíritu distinto, sin poner la decisión en manos de °tit, tomando el podersobre la propia vida, es decir sobre su curso, utilizando nuestra capacidad para eito. Ser "arquitecto del propio destino", como decla Amado Nervo. Asimismo, es ejercer el derecho de reconocerse diferentes, lo que constituye otro valor importante en el mundo que nos rodea. El fruto del esfurzo comienza a degustarse, no s6lo por la enorme satisfacción personal de haber sido la sembradora de inquietudes en estos espíritus perrneables que son el autor y sus colaboradores, -semillas que han germinado rápida y robustamente, prueba de eito, este libro-, sino por el ímpetu dado al estudio y difusián del proceso de la mediación que se hace a través de esta obra. Ella ayuda a que la mediación se constituya en un instru- mento eficaz de paz para todos los que la comiencen a utilizar, alentados por su lectura. Buenosería que posteriormente los lectores la incorporaran como bagaje de experiencia, para aplicaria ante otro contratiempo futuro. • • • • Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 7 • PRÓLOGO • e ZULEMA WILDE Não gostaria que este livro empreendesse sua primeira viagem pelo mundo, sem conter no seu início uma expressão de estímulo [Sara seus autores. Os conflitos são inevitáveis nesta vida e admitir que os métodos usuais de resolução têm sido em geral inadequados, de alto custo e até, muitas vezes, destrutivos, representa já um avanço. Pensar no conflito com espírito diferente, sem botar a decisão nas mãos de outro, tomando o poder sobre a própria vida, é decidir seu curso, usando nossa capacidade para isso. Ser "arquiteto do próprio destino", como dizia Amado Nervo. Ao mesmo tempo é exercer o direito de se reconhecer diferente, o que constitui outro valor importante no mundo que nos rod eia. O fruto do esforço começa a ser degustado, não só pela enorme satisfação pessoal de haversido a semeadora de inquietudes nestes espíritos permeáveis que são o autor e seus colaboradores, - sementés que têm germinado rápida e robustamente prova disso, este livro senão pelo ímpeto dado ao estudo e difusão do processo da mediação que se faz através desta obra. Ela ajuda que a mediação se constitua num instrumento eficiente de paz para todos os que comecem a utilizá-la, alentados por sua leitura. Seria bom que posteriormente os leitores a incorporassem como bagagem de experiência, para aplicá-la num outro contratem- po futuro. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 9 ZULEMA WILDE Amagazin Finalmente, es mi deseo que este esfuerzo también ayude al cambio del estilo de vida de esta comunidad en esta materia. 8 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO o o e e o o o o o e o o e e • o e • • e • • • Finalmente, é meu desejo que este esforço ajude também 11/ mudança do estilo de vida desta comunidade, nesta matéria. PREFÁCIO ANGELO VOLPI NETO • À medida que comecei a tomar contato com a mediação e entendê-la, não pude acreditar que tal técnica fosse tão desconhe- cida no Brasil, aí me incluindo. No começo, demorei a entender o que era, e hoje por experiência, sei da dificuldade de explicar sobre esse tema a qualquer pessoa. 0 motivo, a meu ver, decorre do fato de tratar-se de algo realmente desconhecido da nossa cultura, somando -se a um natural bloqueio ou preconceito. Invariavelmente, quando falamos de mediação temos que desfazer confusões com a arbitragem, pois poucos entendem como Harvard. • Há ainda os céticos que acham que a mediação é "ficção • científica, ou coisa do outro mundo e que não funciona no Brasil. • 411 Pois bem, este livro têm a intenção de esclarecer e ensinar a mediação, Aqueles que se dispuserem a lê-lo e interessar aos que tenham a mente aberta para seu valor. Foi o que aconteceu comigo quando .a conheci, vislumbrei um horizonte inexplorado, uma atividade nobre e gratificante, um • • 10. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 11 pode um conflito ser resolvido por uma terceira pessoa, sem que essa • dê sua sentença. Junto ao notariado, sinto que muitos estão acostu- mados a paziguar conflitos em seus ofícios e por isso acham que não • há novidade alguma. Na verdade há uma distância bem grande entre •"conciliação" e um conjunto de técnicas de mediação, desenvolvidas • cientificamente durante anos, notadamente na Universidade de • poderoso instrumento de paz social. Uma resposta à crescente . agressividade em nossa sociedade, aos métodos tradicionais e carcomidos de solução de conflitos; uma saída honrosa para os notários; uma luz para os advogados, e a única solução para a justiça. Quanto à justiça, por mais que a agilizemos, por mais esforço que possamos fazer, aumentando o número de magistrados, informatizando-a, jamais daremos resposta aos anseios cia popula- ção, enquanto tivermos que resolver todos nossos conflitos de forma judicial. Para os advogados que, perante a opinião pública levam parte da culpa da morosidade da justiça, quando eles mesmos são os mais prejudicados, na mediação encontra-se a possibilidade imedia- ta de, em muitos casos, oferecer uma resposta rápida aos problemas de seus clientes. Ao notário, notadamente em nosso país que vem sofrendo continuamente um desprestígio profissional, uma diminuição de seu rol de atividades, pode ser o início da curva ascendente, justo no momento importante em que tem sua atividade, finalmente, regula- mentada por lei federal. As experiências vividas em vários países comprovam a eficiência dessa técnica. A mediação é tão antiga quanto o próprio conflito. Na cultura oriental é desde muitos séculos o método preferido para resolver controvérsias. O Japão é um dos países que possui o menor número de juízes por habitante, e a China possui mais de um milhão de pessoas treinadas como mediadores. Nos E.U.A., nos idos dos anos setenta, como um esforço Inovador para aliviar o sistema de Cortes, o Departamento de Justiça implantou pianos pilotos de mediação em três cidades americanas: Atlanta, Kansas e Los Angeles. Em 1980 o Congresso desse país sentenciou textualmente: "que a inadequação dos mecanismos de solução de controvérsias nos Estados Unidos era contrária ao bem estar geral de seu povo". E comprovando o êxito da experiência, a estendeu a todo o país. Em conseqüência, seu estudo desenvolveu-se em várias universidades, com novas técnicas, sendo hoje parte do curso de Direito das mais renomadas, tais como Harvard, Oxford e Yale. Hoje, nos EUA a mediação é vista como uma filosofia de vida. Nas escolas primárias, os alunos são treinados para que resolvam seus conflitos entre sí mesmos. Acredita-se que dessa forma a sociedade tornar-se- á menos violenta e mais interativa. 1 2 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 13 demonstrando, no mundo, sua grande eficiência em todos os confli- tos não criminais, pois, com ela, são as próprias partes que acham as soluções. 0 mediador somente as ajuda a procurá-las, introduzindo, com suas técnicas, os critérios e os raciocínios que lhes permitirão um entendimento melhor. • A mediação é uma técnica de resolução de conflitos, não' adversarial, que sem imposições de sentenças ou de laudos, e, corn um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo/ _ onde as duas partes ganhem. Ao contrário de um judiciário sobrecarregado e demorado, a mediação propõe, em breve tempo, com baixos custos eprocuran- do manter o bom relacionamento entre as partes, construir as soluções que mais as beneficiem. Todas as questões comerciais, . - cíveis, trabalhistas e familiares podem ser submetidas A —rn—ediação. Com o uso da mediação o cidadão recupera sua indepen- dência e o controle de sua vida pessoal, social e produtiva, num convívio mais racional, adulto e pacífico, trazendo a necessária liberdade e paz social que todos merecemos. A mediação respeita o sigilo e a intimidade das partes,_ ajudando-as a solucionar seus conflitos num clima em que se preservam os laços fundamentais. A divulgação das técnicas ciq mediação ajudará a mudar a sociedade que poderá assumir completamente o controle da própria vida, transformando-a numa sociedade capacitada para gerar rique- za e elevar, assim, o nível cultural e sócio econômico de seus membros, pois o homem, conhecedor de seus problemas, é o único capacitado para solucioná-los. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 15 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • INTRODUÇÃO Juan Carlos Vezzulla Assistimos às mudanças político-sociais mais importantes dos últimos tempos. Muitas delas relacionadas ao uso da negociação e da mediação, marcando a importância destas técnicas no desen- volvimento das sociedades modernas. Citemos algumas. A paz, ainda parcial no Oriente Médio alcançada com a negociação direta ou assistida. A organização social do sudeste asiático, baseada na mediação, permitiu-lhe alcançar a eficiência que converteu a região em um novo centro de poder econômico mundial. A união regional dos países que demonstra a negociação poder mais que as guerras por fronteiras. Esses fatos evidenciam que o uso da negociação e da mediação estão conseguindo objetivos, jamais esperados antes. No plano social, os povos não desejam mais governos de quaisquerideologias que regulamentem excessivamente a atividade social e comercial dos habitantes: querem assumir as respon- sabilidades de seus próprios atos, com o direito de, se organizarem segundo suas próprias regras. Nascida da necessidade de obter novos modos de inter- relação, a mediação surge como resposta a essa necessidade de não querermos mais que decidam por nós, pois estamos preparados para sermos criativos e procurarmos as nossas próprias soluções para nossos problemas. A mediação é a técnica de solução de conflitos que vem 14 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO o o 0 o O Instituto de Mediação foi criado como uma organização sem fins lucrativos para divulgar a mediação e formar mediadores. Este livro tem como objetivo cumprir com os fins do Instituto de Mediação e servir como complemento aos interessados em former- se como mediadores, assim como de introdução para aqueles que desejem conhecer os princípios dessa técnica. Está em nossas mãos a mudança da organização social, pois, pare aplicarmos a mediacão, não dependemos de qualquer lei _ - ou regulamentacão oficial, mas tão somente do nosso empenho. Se queremos ser fortes e competitivos devemos ensinar, elevar nosso nível profissional e estar preparados para exercer a liberdade de•nos organizar a fim de resolver nossos próprios conflitos com essas técnicas. 16 Teoria e Prillica da MEDIAÇÃO Capítulo I. DAS NOÇÕES GERAIS DO CONFLITO EIREatmailitIESSIEMEL.am Conflito in Sendo a mediação uma forma de solução de conflitos vamos, inicialmente conceituar e classificar os conflitos, para a partir dai ingressarmos no estudo dos elementos e procedimentos da mediação. Quando se fala de conflito, aparece, de forma geral, em todas as pessoas, uma idéia negativa e assustadora: um claro alerta de perigo próximo, do.qual têm que se defender. O homem, como, todos os seres vivos, procura preservar sua integridade e ela está, de maneira geral, associada ao equilíbrio alcançadd..Esse equilíbrio, 'como se verá mais adiante, está relacio- nado com 'a integridade psicofísica, e inclui todas as "posses" ( os bens materiais possuídos ). Esse "statu quo", ao qual nos aferramos como a uma tabua de salvação, vê-se em perigo quando a proxi- midade de urn Conflito nos . ameaça.. O conflito tem sido estudado por diferentes ciências e técnicas do conhecimentohumano. Toda a estratégia militar está baseada nos conflitos reais e potenciais entre países ou regiões. 0 comércio - internacional baseia-se em interesses confrontados que podem gerar 'conflitos è ditar regras especiais entre mercados diversos. A sociologia, assim como a História, estuda com atenção Teoria ePráticada MEDIAÇÃO 17 o e e • e e e • • • • • • 0• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • os conflitos . sociais; e são muitas as teorias que se baseiam na ,existência dos conflitos de classe, de raça e comerciais para explicar a história e a evolução dos povos. . Kenneth Boulding,ldefine o conflito como "uma situação de concorrência, onde as partes estão conscientes da incompatibilidade de futuras posições potenciais, e na qual cada uma delas deseja ocupar uma posição incompatível com os desejos da outra". Acres- centando que a interrelação que se estabelece entre ambas as partes provoca condutas interativas entrelaçadas, numa- soma de ações dinãmicas que são aplicadas a todas as interrelações humanas. Age- se de determinada maneira para se conseguir o que se quer. Isso provoca naquele que sente esse proceder contrário a seus interesses uma reação a essa atitude. Que, por sua vez, provoca uma nova reação na outra pessoa, e assim até Também podemos deduzir da definição acima: "... ocupar uma posição incompatível com os desejos da outra", outra chave da sensação de ameaça que todo conflito acarreta: um sentimento de invasão. Com resquício animalesco, o homem mantém um conceito de propriedade, que, embora hoje em dia não mais a demarque com sua urina, continua defendendo-a com todas as suas forças. A propriedade não precisa ser material. Pode ser simplesmente um desejo, em oposição ao desejo de outro, referente a uma posição que, parafraseando a lei da física, não admite dois desejos numa mesma posição. Gera-se então a possibilidade de um conflito pelo simples fato de alguém desejar algo e, ao mesmo tempo, pensarque outro está desejando o mesmo que ele. 2 Boulding, K. E. Conflict and Defense: A General Theory. Nova York: Harper and Row, 1962. 2 Esse conflito, que logo veremos como possivelmente falso, é, em muitas ocasiões, origem de conflitos verdadeiros. 18 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Tais considerações nos aproximam do estudo da escalada da violência . que nasce com o medo (com base real ou fantasiada) e, se vai compondo com ações e reações num crescendo de • agressividade. Rummel 3.. amplia o estudo do conflito, considerando-o como "a luta pelo poder que se manifesta na procura de todas as coisas". Esse autor divide o ciclo de vida do conflito em cinco fases: 1. o conflito latente, 2. o início do conflito, 3. a procura do equilíbrio do poder, 4. o e. quilíbrio do poder, 5. a ruptura desse equilíbrio. Tanto na sua definição quanto na divisão do ciclo vital do conflito, Rummel comunga com Kenneth Boulding, acrescentando à definição de conflito, o conceito de poder, e acentuando a interrelação das ações de um, como resposta às ações do outro. O critério de propriedade acima citado, que é definiti- vamente o conceito de poder, se vê refletido inclusive nas cinco etapas propostas por Rummel. Fundamentalmente: nos conflitos • ( entre países. Uma região fronteiriça, que nunca foi muito bem demarcada, constitui um conflito latente. A aparição de certas riquezas na região, pode dar início ao conflito. Ambos os países levarão suas forças armadas à região e juntarão todas as informa- ções que comprovem sua soberania, tentando ter mais peso que o Oponente. Com essas ações o poder se equilibra, recebendo, por exemplo, cada um deles diversos apoios internacionais, etc. Mas esse equilíbrio é frágil demais, e qualquer fato pode levar a alguma ação que produza a sua ruptura, pois o problema original "nunca foi solucionado. 3 Rummel, R. J. Understanding Conflict and War. Nova York, Wiley, 1976. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 19 0 0 •0 0 0 0 0 ',‘ • 0 C O O G • • e A definição de conflito desses autores tem uma visão cíclica de gestação, nascimento, desenvolvimento e eclosão, que envolve uma teoria descritiva evolutiva e que, apontando para sua manifestação, deixa de lado sua estrutura e sua natureza. Para nós mediadores, também é interessante a definição de Deutsch 4 que diz podero conflito se manifestar de duas maneiras: _ o conflito manifesto, que é aberto, ou explícito, e o conflito oculto, que implícito, oculto ou negado. Esse autor introduz o conceito de conflito oculto que necessariamente deverá ser estudado, conside- rando-se as limitações pessoais em conhecer ou perceber o conflito real. Resumindo essas definições, podemos convir que o confli- to consiste em querer assumir posições que entram em oposição aos desejos de outro, que envolve uma luta pelo poder e que sua expressão pode ser explícita ou oculta atrás de uma posição ou discurso encobridor. Essas apreciações se referem, sobretudo, ao estudo de conflitos entre países, regiões ou empresas, deixando de lado o homem singular. 0 nosso cliente. Os conflitos intra-psíquicos. Como 0 trabalho do mediador é com pessoas, estejam elas diretamente envolvidas no conflito ou atuando em representação de organizações, é de grande importância explorar os estudos psico- lógicos que foram realizados sobre os conflitos intrapsíquicoss, a 4 Deutsch, Morton: The Resolution of conflict. New Haven: Yale University Press, 1973. 5 Entre outros Freud Sigmund, Obras Completas, Buenos Aires Ed. Amorrortu, 1976. partir do início do século XX, que possibilitaram um grande avanço 'na compreensão dos conflitos interpessoais e que esclareceram o aparecimento de aspectos e motivações ocultas dentro do conflito manifesto. 0 ideal social de homem racional, equilibrado, dono de sí e de seus atos, que deu origem As leis e regulamentações sociais, inclusive em suas exceções 6 ; se vê frágil e até obsoleto diante da constatação da existência de um psiquismo inconsciente, com desejos e pensamentos que atuam sobre nossa consciência e influenciam nossas percepções, pensamentos e atos. 0 psiquismo inconsciente se manifesta quando uma pessoa expressa seu desejo de obter determinada coisa e, na realidade, faz tudo ao contrário. Essa posição contraditória entre um querer consciente e uma condu- ta contrária, demonstra que, longe de sermos donos de nossos atos, estamos fragmentados e determinados pelo nosso inconsciente em suas contradições com nossos desejos e pensamentos conscientes. Tanto na teoria psicológica economicista, que enfatiza a origem do conflito no acúmulo de energia e sua necessidade de expressão, em contradição aos nossos interesses sociais e afetivos; como na divisão do aparelho psíquico em instâncias opostas (id, ego e super-ego) aos interesses e desejos encontrados, o conceito de conflito intrapsíquico foi sempre o de luta por manter um equilíbrio que assegurasse a ilusão de integridade e de não contradição que, fundamentalmente, liberasse o sujeito da angústia. A luta entre a procura - de satisfação das necessidades; o respeito aos ideais (auto-estima), que podem entrar em contradição 4 Nos menores de idade, nos doentes mentais, permanentes ou temporários, e nos excepecionais, todos eles inimputáveis ou nos atos praticados sob domlnio de violenta emoção, com diminuição na pena. 20 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 21 O • • • • S • • • • • • • com essas necessidades; e o queos outros esperam do sujeito (como .deve ser para ser querido), é a chave do conceito de tensão e conflito na ótica psicológica e de grande importância de ser compreendido pelos mediadores. Estes pianos de querer, dever ser e procurar ser querido serão os que dominarão a comunicação dos problemas e confundirão os clientes, não só na elaboração dos seus discursos, mas, também, o próprio saberdo que desejam realmente, equais são seus interesses. 0 fato de que a cria humana nasce total e absolutamente indefesa e que precisa, para sobreviver, dos cuidados de um adulto . que interprete suas necessidades e as satisfaça, gera uma fragmen- tação originária no ser humano entre suas verdadeiras necessidades e a interpretação delas feita pelo adulto. Toda mãe e todo pai tem uma imagem do que será seu filho, baseado nos seus próprios ideais e desejos inconscientes que determinarão o modelo onde se formará o flexível e fraco aparelho psíquico infantil. Uma criança sabe que sobreviverá se for cuidada e protegida pelos adultos, e que o será (ou seja, terá o carinho deles) se aceitar ser e formar-se nesse molde que seus pais fabricaram para ela, ao menos até à adolescência. Assim, junto com sua bagagem constitucional, a criança deverá incorporar todas as mensagens inconscientes de seus pais, todas as ordens e recomendações conscientes pronunciadas por eles e toda a informa- cão que a sociedade introduz nela (educação) como conhecimentos de uma estrutura do que é esperado dela, no presente e no futuro. Chamamos a esses três níveis de imposições de "ilusó- rios", pois dão normas que criam a ilusão, de serem cumpridas, de assegurara equilíbrio e a ausência de angústia. Esses ilusórios são: Ilusório pessoal, o ilusório familiar e o ilusório social. Ao mesmo 22 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO . tempo, esses ilusórios, cheios de preconceitos, limitam tanto a percepção quanto a ação do ser humano, deixando-o preso e pressionado por eles. 0 querer ou desejar, na linguagem cotidiana, nos repre- senta. ldentificamo-nos com nosso desejo ao ponto de ser com ele um só. Ser profissional, estar casado com alguém, ser pai ou filho de tal, ser funcionário de tal empresa, passa rapidamente a constituir-se em nossa identidade e conseguimos manter o equilíbrio sempre que possamos continuar associados a esse desejo-objeto que nos repre- senta e, ao mesmo tempo, nos identifica. Somos sujeitos, na base de nosso próprio desejo, e estamos sujeitos precisamente a esse desejo que defendemos e pelo qual lutamos. Por isso, o conceito de conflito está associado em todos nós, com coisas negativas, precisamente, pela ameaça de fazer-nos perdera equilíbrio entre todas as forças encontradas em um precário acordo,que nos dá a ilusão de felicidade. Se somamos essas contradições internas às outras gera- das na luta pelo poder, na rivalidade pelos espaços e pela imposição de nossa vontade, teremos nos aproximado do verdadeiro conceito de conflito interpessoal, onde duas individualidades, confundidas pelas próprias limitações intrapsíquicas, se enfrentam por posições incompatíveis, determinadas pelo desejo de poder mais que o outro, estruturadas numa posição defensiva, cheia de preconceitos, que confunde mais do que esclarece os próprios interesses. Na medida em que o mediador possa transMitir a seus clientes os aspectos positivos do conflito,' rumo à importância de aproveitara crescimento e a nova ordem, remarcando o benéfico, e acalmando a angústia, poderá contar com a colaboração deles e, Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 23 assim, ajudá-los a resolver satisfatoriamente seus problernas. Conflitos reais e falsos. Podemos definir, que existe um conflito real se existe uma real oposição entre os desejos e direitos de uma pessoa é ásOésejos e_ direitos de outra pessoa ou grupo. Deixamos o nome de fats° para aqueles conflitos originados por falhe da comunicaçãoque_parce produzir, ate que as coisassejam aclaradas, uma aparente oPosição. É fundamental para um mediador ter absolutamente clara essa diferença, pois, normalmente, a escalada de .violência, a confusão dos reais interesses de cada parte, e a confusão entre os verdadeiros problemas e as pessoas entre as quais esses problemas existem, contêm sempre distorções originadas na falta .de comu- nicação ou por falhas na escassa comunicação existente .entre as partes. Por isso é importante que o mediadordomine os conceitos da teoria da comunicação e saiba da importância da clareza na emissão da mensagem e as dificuldades que o ser humano tem de escutar mensagens tal como foram emitidas. A comunicação. Toda_cornunicação consta de trés partes: • o emissor, o _ _ canal pelo qual a mensagem é transmitida, , e. o • receptor. Falhas podern aparecer em qualquer uma ou em todas elas. É fundamental que o mediador não deixe nada sem escla- recer, nem da nada por conhecido. 0 jogo de "eu sei que você sabe que eu sei"tão próprio da comunicação humana, é a "mãe" de muitos falsos conflitos, que o mediador deve desfazer. 24 Teoria e Prática da MEDiikgÃO Todos os especialistas em comunicação explicam a impor- tância de pensar a quem se dirige a mensagem, para poder elaborá- la segundo a linguagem que sera a mais clara para o receptor. 0 exemplo mais vulgar seria o de não falar em português com alguém que só fale inglês. Daí, para qualquer outro exemplo, a chave é tomar em consideração o uso de termos e modos de expressão que serão compreendidos pelo receptor. Por isso, é muito importante analisar os ilusórios de cede cliente, para saber como nossa mensagem atingirá melhor nosso objetivo. Uma segunda regra exige que confirmemos sempre a boa recepção da mensagem. Como veremos nos capítulos posteriores, o mediador deve sempre fazer um resumo do que escutou, para assegurar-se de ter compreendido corretamente e para que os clientes também focalizem sua atenção no essencial do problema. A regra básica da combnicação, fundamental em negocia- cão e mediação, é a de escutar com atenção. As pessoas estão acostumadas a dar por entendida qualquer mensagem, ainda antes de ter sido emitida totalmente: "eu já sei o que você quer, ou vai dizer, e basear-se rios próprios temores para supõr quais são os desejos e quais serão os discursos da outra parte. Em geral tentam interromper, adiantar-se e assim não escutam o que a outra pessoa desejava transmitir. É fundamental que o mediador introduza a regra de respeito aos tempos de expressão de cada parte, enfatizando a importância da escuta atenciosa da outra parte, para que, a sua vez, ter também assegurado o direito de expressar-se com toda tranqüi- lidade, com a certeza de ser escutado. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 25 • • • • Acland' aponta para uma boa comunicação bilateral: que as partes se escutem com atenção; CI que falem com clareza e determinação; que possuam uma atitude aberta â apresentação de informação e de idéias novas; que estejam dispostas a concordar; (eu acrescentaria: a discordar); que aceitem os outros como iguais. mediador, longe de imp& sentenças, impõe regras de comunicação, inclusive com seu exemplo. Dal a importância de que as conheça completamente. Escutar atentamente, inquerir para saber mais, e fazer um resumo do compreendido, são as regras da comunicação mais importantes a serem tomadas em conta pelo mediador. Pois, assim como a responsabilidade dos clientes é a de discutir o problema; a do mediador 6. a de como discuti-lo. de ouvi-lo falar; pois é no falar que o homem se revela." Palavras que têm milhares de anos e que estão esqueci- das. Como. diz o ditado, temos duas orelhas e uma só boca, paraescutar o dobro do que falamos. É no discurso dos clientes que se encontram os verdadeiros desejos, de onde se desprendem os verdadeiros interesses, onde são revelados os medos mais profun- dos. Em mediação, a escuta atenciosa dos clientes é a chave que 1 nol) abrirá as portas para conhecer e reconhecer os reais interesses e os , meios de chegar a acordos onde esses interesses sejam respeitados. O caminho para superar o conflito. Escutar, sempre escutar. "É no falar e no agir que a pessoa humana se revela por aquilo que é. Quando a gente sacode a peneira, ficam nela só os refugos; assim, os defeitos de um homem aparecem no seu falar. Como o form prova os vasos do oleiro, assim o homem é provado em sua conversa. 0 fruto revela como foi cultivada a árvore; assim, a palavra mostra o coração do homem. Não elogies a ninguém ante 7 Acland, Andrew Floyer. Como utilizar la medicadón para resolver conflictos en los organizaciones. Paid6s, Buenos Aires - 1993. 8BIblia: Eclesiástico 27,47 26 Teoria e Preilica da MEDIAÇÃO Tearia'e Pratica da MEDIAÇÃO 27 Capítulo 2. DO CLIENTE • 4• •• • • • • • * • • • • • . • • • • • • • • • • • • :• •• • • • Quando duas pessoas brigam, o crescimento ou escalada da violência confunde de tal maneira a comunicação, que já ninguém sabe com certeza, qual foi a verdadeira causa que deu início à briga. Que interesses opostos a geraram. Basta tomar como exemplo a discussão de um casal, onde a simples reclamação por uma comida fria ou sem tempero, conver- te-se rapidamente em uma longa briga onde todas as mágoas, guardadas há tempo, surgem como de uma torneira plenamente aberta, inundando a conversa e fazendo desaparecer as verdadeiras razões da origem da discussão. E, o que é mais importante, encobrin- do a real causa que motivou a agressão. Além do mais, o que acontece quando um conflito é levado justiça; todas gS necessárias fórmulas legais, incrementam tanto o conflito inicial, que pouco ou nada dele, fica como era originariamente. Quando duas pessoas lutam pelo direito a uma proprieda- de, as razões objetivas que sustentam com clareza tal direito são as que as levam a sentar, negociar e, finalmente, chegar a um acordo: com que parte, ou com que uso da propriedade ficará cada uma delas. Por que, então sentar-se ; e chegar a um acordo, não possível? Tenho apontado as pressões a que é submetido o ser humano desde o nascimento e 'clue fazem com que o aparelho psíquico se estruture em uma unidade fragmentada. Somos pessoas, graças a este constituinte que nos dá a ilusão de ser um e ao mesmo Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 29 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • nn • • tempo muitos, nas contradições. Isso é, precisamente, a chave das falhas `na comunicação com os outros. Se os clientes não podem dar conta de seus próprios desejos, como farão para lutar por eles, sem a contradição própria da irresolução. Sentem-se agredidos pela intromissão ou a invasão do desejo de outra pessoã em seu objeto desejado; mas não conseguem saber com certeza, o que desejam desse objeto ou para que o desejam. Lutam com ideais de justiça pelo que consideram sua propriedade sobre o objeto ou ao menos seu direito sobre ele, mas desconhecem não somente se é esse seu objeto, senão que parte ou porção dele é seu ou a que têm direito realmente. Nesse jogo ilusório de propriedades e direitos, de confu- sões refletidas de seus próprios conflitos internos, surgem os grandes conflitos interpesso a is. Sem me aprofundar aqui, nas identificações que os impul- sionam a agirem de determinada maneira, confundindo o querer com aquele dever querer, para serem como o modelo, ou terem o que ele tem. Esse conjunto de identificações mexe tanto com a conduta e, fundamentalmente, com a personalidade de uma pessoa, que cria uma confusão, no sentido de que ela tem a obrigatoriedade de possuir, ou reagir de uma maneira, quando seu real interesse é outro. Em problemas familiares aparece com freqüência essa confusão: uma mulher deseja a sua independência, mas não aceita deixar seus filhos com seu ex-marido, pois as identificações com a figura de mãe indica que deve ficar cuidando deles, apesar dos interesses próprios e os dos filhos, os quais seriam melhor cuidados por quem realmente deseja. 30 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Repito que é com esse homem, sujeito a todas essas pressões, que o mediador se enfrenta quando o cliente lhe apresenta um conflito, seja da ordem familiar ou comercial. QUe acontece com essas pessoas que não conseguem explicitar seus interesses, nem ouvir os da outra parte? Como fazer para descobrir esses interesses reais e desar- mar um discurso, tão elaborado, quanto 6 de um cliente que briga pelo que ele acha que são seus direitos? A posição, encobrindo os interesses. 0 trabalho de escuta das "posições" dos clientes e da descoberta do latente contido em seu discurso é o mais importante a ser feito pelo mediador no primeiro momento. Sabemos que nenhum conflito é como se apresenta na superfície. Como um iceberg, a parte oculta é muito maior que a visível. Os clientes estão acostumados a não serem frontais na verbalização de. seus interesses. Não estou falando somente do demandar encobridor do desejo 9 , mas sim diretamente, de encobrir a mesma demanda, pois eles pensam que o adversário não deve saber as verdadeiras razões que o assistem na disputa, com o risco de perder a possibilidade de ganhá-la. A sociedade toda está Otruturada na simulação. Social- mente é de mau gosto dizer diretamente o que se quer, e as pessoas ° Lacam, Jacques. Em toda sua doutrina psicanalltica, diferencia a demanda, ou seja o discurso com o qual se pede alguma coisa, do real desejo que não pode ser expressado por ser Inconsciente. A demanda pode ser satisfeita, mas o desejo fica sempre pressionando em sua insatisfação, dcultando-se na demanda. O que produz a busca permanente, o demandar permanente, na irrealizaçao do desejo. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 3 1 numa exposição oral que pouco ou nada terá dos interesses iniciais que a levaram ao litígio. Esse discurso armado e estruturado com base em opiniões de outras pessoas é tão hermético, que sobre ele nada pode ser feito. É uma repetição continua da mesma alegação que só consegue reforçar o discurso do oponente, fechando-o na sua posição, que será tão solidificada quanto a outra. Derrubar essa posição tão estruturada e inútil para deixar fluir o verdadeiro interesse, perdido e disfarçado durante a escalada de violência, é imprescindível no processo de mediação. Não é possível mediar entre duas pessoas que repetem sempre o mesmo discurso e que, frente a cada ataque, têm uma resposta preparada. 0 mediador deve quebrar esse círculo vicioso com perguntas que conduzam à reflexão e à emergência dos interesses reais. Fisher e Ury'°, dizem que não é possível negociar sobre posições, ou seja, sobre aquele discurso estruturado e fechado que uma pessoa apresenta como seu objetivo e as razões que o susten- tam, mas, sobre interesses concretos e reais de cada pessoa. Essa. posição deve ser quebrada pelo mediador, investi- gando e questionando para ajudar a parte a refletir procurando, na ruptura do discurso, - sejam contradições ou outros sinais que chamem nossa atenção, - investigara emergência do outro discur- so, o verdadeiro. Assim se procede na mediaçãocom os clientes, até ajudá-los a descobrir os verdadeiros interesses na causa em discussão. 0 0 4 ). 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 . • • * 0 0 • 0 0 6 0 0 0 0 6 . 66 0 0 • são formadas para disfarçar seus pedidos. Somos educados na simulação e na desconfiança. Em se tratando de dinheiro e propriedades, a situação se complica ainda mais. Se em organizacões sociais, como as dos anglo-saxões, onde os problemas comerciais e de dinheiro são tratados mais abertamente, é necessário o uso da mediação para descobriras reais interesses em jogo, em sociedades latinas como a nossa, essa necessidade é imperiosa. Vamos ver como seria a escuta simples de um profissional do direito, quando um cliente requer seus serviços. Primeiro: vet - que leis regulam o problema apresentado, segundo: que jurisprudência existe sobre o assunto, e, terceiro: com que incrementar a reivindi- cação para fazê-la mais aceitável, para que o juiz dite uma sentença favorável. Normalmente o cliente é sustentado por esse profissional na sua posição, e seu ódio pelo adversário é incrementado. Recebe instruções sobre o que dizer e como dizer, tomando mais rígido e inescrutável seu verdadeiro interesse original. Obtém informações numa lingua especial, cheia de termos técnicos, dos quais poucos são os realmente compreendidos pelo cliente. Este é um cliente que entrou com um problema e saiu com uma complicação semântica na cabeça e sua litigiosidade incre- mentada. Envolvida num litígio, uma pessoa vai falar tanto dele e escutar tantos conselhos e recomendações de familiares, amigos e profissionais que, dia a dia, esse discurso se verá "enriquecido" com inúmeros argumentos e frases feitas, até conseguir solidificar-se I° Fisher, Rojer and Ury, William. Getting to yes. Peguin Books, Nova York - 1991. 32 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 33 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • As perguntas chaves são: o quê? e por quê?, sem o intuito de'culpabilizar, mas desejando saber, conhecer sempre mais. Toda intervenção do mediador que produza a verbalização de maiores informações, destravando os medos e as limitações dos clientes, produzirão um efeito liberador que ampliará a visão dos problemas e aguçará a criatividade," represada pela cristalização do discurso. Logicamente nós, mediadores, não pretendemos curar ninguém, mas é importante ressaltar o efeito liberador que produz nos clientes a possibilidade de alcançar o conhecimento de seus próprios interesses, livres das pressões que os confundiam e impe- diam de saber exatamente o que queriam obter nesse pleito. Sabemos que um cliente ao falar está expressando um discurso que contém outro. Que no discurso manifesto há um outro oculto, ou latente, contido nele. Com o objetivo de descobrir o latente é que o cliente começa a ser escutado pelo mediador, com a outra orelha que é a de investigar como um detetive, ou melhor dito como um mediador, o verdadeiro discurso do cliente. • Baseado no sigilo, o mediador procura ganhar a confiança do cliente, demonstrando-lhe Clue - ele está ai precisamente para ajudá-lo, e que toda abertura do discurso conduz a obter resultados melhores. Na confusão do litígio, o único espaço onde o cliente pode falar com tranqüilidade e desabafar é na sessão de mediação, frente a frente (face a face) com o mediador. Com perguntas dirigidas a ampliara questão, a depor toda posição fechada a novas possibilidades, incentiva-se a criatividade e se libera o cliente de pressões que pouco ou nada ajudam a satisfazer seus interesses. Muitas vezes escutamos alguém expressar sua vontade para conseguirtal ou qual coisa (por exemplo, separar-se do cônjuge) e ao mesmo tempo percebemos, através desse discurso, que toda sua ação está orientada a conseguir o contrário (tentando acordos que criarão uma dependência onde a separação nunca se concre- tize)." Apontando essa contradição, o mediador derruba a posição estruturada no discurso, provocando a emergência dos reais objeti- vos do cliente. Desarmado, o cliente começa a deixar surgir seu verdadeiro interesse e com isso facilita a solução do conflito interpes- soal que o trouxe à mediação. Luta entre pessoas ou discussões sobre problemas? Quando duas pessoas brigam, sejam quais forem as ra- zões, a real causa da dispute deixa rapidamente seu espaço ao oponente que passa a ser o alvo de todas as agressões. A partir daí, há um conflito direto com essa pessoa: "Essa pessoa quer me roubar, essa pessoa quero que é meu", e finalmente essa pessoa passa a ser a causa de quantas desgraças possam ocorrer. tão arraigada a cultura adversarial nas sociedades, que em algumas justiças se autuam os processos com os nomes dos adversários, com um versus ou urn' contra no meio. Comumente, se presenciamos uma discUssão entre duas pessoas, e, interrompendo-as, perguntamos a razão da discussão, escutaremos delas um grande número de acusações de uma para a 11 É habitual que os clientes expressem apaixonadamente um objetivo e na pratica façam tudo para ilk, consegui-lo. No filme A Guerra dos Roses, ambos esposos expressam seu desejo de separaçao, mas os dois fazem tudo para ficar juntos, até que a morte os separa. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 35 34 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO utra, culpando-se mutuamente: "por não querer compreender, por ue o outro é um cabeça dura, por que o outro diz ou fez tal ou qual oisa". Raramente escutaremos uma síntese do problema que as wou a discutir. Essa e" a base da escalada da violência. Personalizando-se a iscussão cada vez mais, o problema passa a ser "o outro", e não o roblema real, incrementando-se os sentimentos negativos que um entirá pelo outro. Chegando-se a perceber um ao outro tão ameaçador ue, de urn problema em que duas pessoas ou.partes estão envolvidas, assa-se a uma luta entre adversários, a inimigos de morte. Da impossibilidade de separar as pessoas dos problemas ue as confrontam, surge a organização judicial atual, onde é tão npossível falar entre os oponentes do problema sem brigar, que , recisam de um juiz para mantê-los separados que imporá uma entença à qual devem submeter-se, pela incapacidade de negocia- em entre eles a melhor solução. Ao mesmo tempo esta cultura de confundir os problemas .om as pessoas tem criado a meta de ganhar, como numa guerra, na iase da destruição do inimigo. 0 conceito de que se "ele ganha eu lerco", e vice-versa, impediu a possibilidade da negociação direta, lois o interesse de um, de ficar com tudo, deixa sempre o outro na itu ação de perda total. A possibilidade de encaminhar novamente a atenção sobre verdadeiro objeto, sobre a verdadeira causa da disputa, e centrar i isso as discussões, leva as partes a um uso comum das palavras )ara referir-se aos verdadeiros direitos e interesses sobre o objeto do pal se trata, e a reduzir a agressão entre elas. "Centralizaras discussões sobre os objetos e deixarde lado 16 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO os problemas pessoais", é a outra regra a ser respeitada e que o mediador deve impor desde o início, nas sessões de mediação. Devo aquí apontar que somente quando as partes desejam alcançar soluções, é que o mediador conseguira impor a regra de centrar-se nos problemas e deixar de lado as pessoas. Muitas vezes as pessoas simplesmente inventam proble- mas para poderem brigar. Nesse caso a mediação somentelhes servirá para fazer com que vejam a inexistência de problema algum, fora de seu desejo de brigar, pois não se lhes permitirá continuar a luta. Os tribunais, nesse caso, oferecem um ambiente mais propício e lhes proporcionarão maiores satisfações. É fundamental que o mediador tenha bem . claro, para transmitir a seus clientes, que a mediação poderá ajudá-los somente se eles desejam preservar o relacionamento, aprimorá-lo ou ao menos não prejudicá-lo. Se não existe esse interesse, a mediação perde a maior de suas forças e os convénios correm risco de ficar detidos, pela falta do desejo de reconstruir ou preservar o relaciona- mento anterior à briga, ou recriar um novo relacionamento, já que o antigo fracassou. 0 mediador pode aceitar, e até é bom que fomente, o desabafo emocional, mas nunca pode permitir a agressão, e deve marcar que o objetivo é achar soluções satisfatórias para ambas as partes. Repito, pois é fundamental para o processo da mediação: o mediador deve saber diferenciar quando seus clientes estão confundindo o problema com uma briga pessoal, porcausa da cultura adversarial em vigência; de quando o objetivo de seus clientes simplesmente brigar entre eles, sem outra razão que a de vencer. No Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 37 • • e • e o e • e 00 •0 • • • • • • • • • • • • • • •0 •• • • • • • • • • • • • • • primeiro caso a insistência em que os clientes focalizem as discus- sões nos , problemas e não neles mesmos, sera suficiente para introduzir o respeito nas negociações. No segundo caso, sera melhor suspendera mediação até que eles acalmem seus ânimos e revejam seus objetivos. Oual é o cliente da mediação? • A mediação, repito, é de grande utilidade nos casos em que as partes desejam achar soluções onde os interesses de ambas • sejam respeitados. Onde seja importante preservar e ate aprimorar o relacionamento, mas nunca piorá-lo. Outra virtude da mediação é o sigilo. Muitos problemas comerciais ou familiares requerem um tratamento sem publicidade, sem transcendência. Quando os clientes desejam achar as soluções dentro de parâmetros privados, a mediação pode ajudá-los grandemente. Uma das exigências fundamentais que o mediador deve impor no inicio da mediação, é a de que os participantes tenham representatividade suficiente para expor o problema e decidir as soluções. A importância do interrelacionamento das partes nas sessões de mediação, faz com que sejam elas mesmas as que tomem decisões. A necessidade de consulta com superiores ou representados, enfraquece a mediação no ponto mais importante que é o do relacionamento entre as partes e a escuta de seus interesses e necessidades. Resumindo: o cliente apto para solucionar seus problemas 38 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO através da mediação é aquele que, capacitado para decidir, deseje preservar seu relacionamento com o outro, com o objetivo de tomar decisões que • contemplem a satisfação dos interesses de ambos, num clima cordial, sem difusão e sem demoras. As emoções dos clientes. Temos falado bastante da necessidade do ser humano de preservar um equilíbrio psíquico, e de como esse equilíbrio se sente ameaçado com a emergência de um conflito. Um alerta é disparado, fazendo com que os seres vivos se preparem a enfrentar um perigo, quando alguma informação recebida pela percepção aponta a exis- tência de um elemento fora do normal. A primeira reação dos seres humanos é a de prepararem-se para defender a integridade, seja física ou psíquica, que se sente ameaçada. Esse primeiro alarme, sentido como angústia, faz com que o aparelho psíquico se prepare para defender-se de um perigo, seja ele intrapsíquico ou exterior. Essa angústia deixa o homem com os sentidos mais alertas para• reconhecer a realidade e importância do perigo. Essa angústia, dependendo da comprovação da realidade do perigo, o induzira a fugir ou a atacar. Após uma possível paralisia temporária. Um cliente com um conflito está sempre angustiado, por isso é fundamental que o mediador o ajude a acalmar-se. Essa angústia converte-se logo em medo, pois, se decide atacar, terá medo da devolução defensiva da outra parte, e, se foge, o faz também com medo. Não ha aqui a necessidade de remarcar que o grande sentimento da paralisia é o medo. Quando um cliente grita ou agride é porque sente medo, o Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 39 011 0• 40 0 • • 0 0 0 6 9. G 0 0 mesmo quando para ou foge para não enfrentar o problema. Esse medo, sentimento próprio de quem sente seu equilíbrio em perigo, favorece a escalada de violência, levando as partes a confundirem pessoas com os problemas e a necessidade de construirem o seu discurso da posição, acreditando que ele seja o melhor escudo protetor da fragilidade que está sentindo. 0 cliente deve acreditar no mediador e senti-lo protetor. Ambas as partes devem sentir-se cuidadas pelo mediador. Este deve demonstrar-lhes sua imparcialidade que implica em marcar os momentos de injustiça, assim alertá-los quando uma proposta foge dos critérios de realidade. Deve fazê-los sentir-se à vontade, compreendidos e cuidados por ele. Isso faz com que o medo e a angústia diminuam e, logicamente desapareçam as condutas asso- ciadas a esses sentimentos. Muitos autores que trabalharam as características e dificulda- des dos homens para negociar, apontam o medo como o principal inimigo. 0 medo bloqueia o raciocínio, a afetividade e com isso a criatividade, valores fundamentais que entram em jogo na mediação. Um homem ou mulher que chora ou grita ou treme está pedindo ser socorrido. São sinais que o mediador não deve deixar passar, sem reconhecimento e compreensão, com frases como: "Compreendo o que está passando e o quão difícil 6 para o senhor/ a senhora, esta situação. Eu estou .aqui para ajudá-los e facilitar as coisas ao máximo. Vocês já deram o primeiro passo ao virem até aqui, que demonstra suá fortaleza e o desejo de solucionar pacifica- mente este conflito". Outras vezes a simples pergunta ou sinalização do que percebemos, são suficintes para ajudar o cliente a se acalmar e adotar uma posição mais colaboradora. Certa ,vez teve-se que mediar em uma sociedade com um grande conflito. Dois dos três sócios queriam efetuar um grande aumento de capital o que deixava o terceiro, o mais jovem, fora da igualdade de decisão. Esse jovem ocupava, há seis meses, o lugar do pai, que havia morrido, tendo então ficado como representante dos outros herdeiros, uma irmã mais nova e sua mãe. Os outros dois sócios, um homem e uma mulher, de aproximadamente a mesma idade do falecido, diziam quereraumen- tar o capital para comprar maquinários para eles imprescindíveis. Na realidade, o que queriam era eliminar ou ao menos neutralizar esse "jovem que, sem saber nada do assunto, atrapalhava o funciona- mento da sociedade". Logo após iniciada a mediação, ficou claro que o jovem tinha um excelente preparo para cumprir sua função, e suas idéias pareciam sensatas. A cada oposição de seus sócios, ele rebatia com respeito e com muitos conhecimentos e dados, demons- trando até o desnecessário da compra de tais máquinas. Após muitas idas e vindas sobre o tema, um dos sócios mais velhos, a mulher, deixou de falare começou a batersuavemente com um dedo na tampa da mesa, com um ritmo monótono que parecia o de um relógio, mas ela aparentava estar totalmente calma. 0 media- dor dirigiu sua atenção a ela e lhe disse que achava ela muito ansiosa e se podia expressar o que estava acontecendo. Com raiva disse que o jovem, queria era matá-los, ao ir contratodos os procedimentos que tão bem funcionaram até então. A luta de gerações, aqui, era de "vida ou morte" e o jovem era a clara expressão do envelhecimento e da morte próxima deles. 0 jovem ficou sem jeito pela afirmação de sua sócia e replicou que "eles 6 que queriam matá-lo aumentar o capital 0 . 0 0 0 • 14 06 0 € 04 1 0 . 40 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 41 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • em cifras que ele não poderia acompanhar". Após um silêncio, o jovem confessou que, em seu entusiasmo com a novas técnicas que havia estudado, se esquecia de respeitar a grande experiência de seus sócios. aponto inicial de aumento de capital, que tinha atuado como posição, encobrindo os reais interesses deles, cedeu espaço à discus- são de como podiam organizar-se para aproveitar ao máximo as habilidades de cada um, ouvindo-se e respeitando-se mutuamente. Se este caso não tivesse acudido à mediação, o final teri a . sido bem diferente, pois teria ficado numa discussão sobre aumento de capital, a que um juiz ou um árbitro teria determinado segundo as leis vigentes, e o problema real teria ficado sem solução, pois os temores deles não teriam sido nem ouvidos nem trabalhados. Esse 6 um bom exemplo de posição encobridora dos interesses, pois o aumento de capital simplesmente encobria o real desejo dos sócios mais velhos de frear a atuação do mais novo, e de conseguirem ser respeitados por ele. Também o 6, com respeito à confusão de pessoas com problemas, pois, realmente, o problema não era as pessoas, e, sim, como achar a maneira de respeitarem-se, uns a outros, e fazer o trabalho mais prazeiroso e produtivo. Também exemplifica a importância das emoções dos clientes que devem ser tomadas em consideração pelo mediador para que, explicitadas, possam ser uma grande porta de acesso aos interesses. E, finalmente, um bom exemplo de como, com a media- ção, os interesses de todos são tomados em consideração e o resultado final contempla a satisfação deles, em um "ganha, ganha", de difícil percepção numa primeira visão do problema. • Capítulo 3. O MEDIADOR O que é ser mediador. Aprofundar-se no conhecimento da mediação é, basica- mente, estudar qual deve sero comportamento do mediador, pois, de seu profissionalismo dependerá, em grande proporção, que as partes achem o caminho do acordo. Uma das vias mais efetivas para definir o mediador 6 dizendo o que ele não 6. Vejamos então que o mediador não 6 um juiz porque nem impõe um veredito, nem tem o poder outorgado pela sociedade para decidir pelos demais. Porque não se julga com a sabedoria de conhecer o que 6 justo ou o que 6 melhor para os outros. Mas deve ter do juiz o respeito das partes, ganho com sua atuação e impar- cialidade. Diferentemente do juiz, ele não é indicado para as partes por distribuição ou sorteio das causas, mas escolhido pelas partes. Também não é um negociador que toma parte na negoci- ação, como interessado direto dos resultados. Paca o mediador o importante é que as partes descubram seus verdadeiros interesses e consigam um mínimo de interrelacionamento para discutirem esses interesses. Dependerá das partes a corrOirsão da mediação com um acordo ou não. Também não é um árbitro que emite um laudo ou decisão. Aqui merece uma interrupção para indicar, detalhadamente, as diferenças entre mediação e arbitragem. Na mediação, o mediador, Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 43 42 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO • • 6 0 0 0 6 0 0 0 0 0 0 9 0 0 0 • 0 0 0 ainda que Seja um experto no tema tratado, não pode doutrinar sobre a questão em discussão. Ele cuida especialmente da interrelação entre as partes e a descoberta dos interesses reais de cada uma delas. 0 árbitro não se preocupa com interrelacionamento, senão com as informações técnicas apresentadas, na base das quais, com fundamentos em seus conhecimentos específicos, ditará um laudo a que as partes se comprometeram a aceitar. 0 árbitro nem precisa conhecerpessoalmente às partes. É suficiente que elas lhe apresen- tem um relatório de suas posições. Em muitos países do mundo, essa técnica, que apresenta suas vantagens quando o problema é muito técnico e precisa da avaliação de um especialista, tem fracassado porque, ao não contemplar os reais interesses, seu laudo se baseia em dados técnicos e normalmente dá a razão a um, deixando o outro descontente. Por isso muitos laudos não são acatados pelo perdedor, que recorre a justiça, perdendo-se o tempo investido na arbitragem. É importante ressaltarque igual ao mediador, o árbitro é escolhido de comum acordo, pelas partes. Resumindo, o mediador é um terceiro neutral. Conduz, sem decidir. É neutral em Judo o que seja esperado dele como intervenção na decisão. E ele como neutral, deve fazer com que as partes envolvidas participem ativamente, na busca das soluções que serão as que melhor se ajustem a seus interesses, pois ninguém melhor do que as próprias partes para decidir sobre si. Ficar no meio, entre duas pessoas que brigam, sabemos pelo conhecimento popular, é ficar como o marisco entre a rocha e o mar, na piordas posições. Mas essa é a posição do mediador, como atividade profissional, adotada e exercida. Na mediação tudo deve acontecer entre as partes. 0 mediador é tão somente a parteira, que ajuda a dar à luz os reais interesses que possibilitarão o acordo final. 0 tempo é marcado pelas partes e o Mediador não pode urgi-las, nem demorá-las. As técnicas do mediador. Vejarrios então quais serão as técnicas que o mediador deverá dominar para agir eficientemente nesse difícil equilíbrio de ser neutral, e, ao mesmo tempo, ajudar a dar vida. Ja temos visto os três aspectos que o mediador não deve _- nunca deixar de lado, 1) centralizar as discussões nos problemas e não nas pessoas; 2) investigar os interesses desarmando o discurso infértil da posição; e 3) prestar muita atenção às emoções dos clientes para que, apontadas, sejam usadas positivamente na procu- ra dos reais interesses e não atrapalhem no processo de mediação. Os mesmos mecanismos psíquicos que levam as pessoas a deslocarem a atenção do objeto da discussão para os sujeitos que discutem, e, a armar sobre os reais interesses, posições, que pouco ou nada conservam deles, são precisamente os mesmos que as levam a fantasiar valores e situações fora da realidade que sempre dificultam a posibilidade de acordos satisfatórios. Por isso é importante que os valores e critérios objetivos entrem nas discussões, pois, considerados, vão pesar sobre qual- quer petição descabida e recolocarão as partes em um enqua- dramento realista. 'Esse procedimento facilitará o encontro de acor- dos satisfatórios para ambas as partes. É este o 40 aspecto a ser tomado em conta pelo mediador. Entre esses valores e critérios objetivos, que os advogados e outros profissionais de cada parte informam a seus clientes, se 44 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 45 incluiriam os possíveis resultados de uma sentença judicial, no caso de que recorram à justiça. 0 mediador não pode comunicar esses valores e critérios objetivos, pois seria uma ingerência fora de lugar, mas deve questio- nar as partes para dirigí-las a fazerem aparecer esse conhecimento nas sessões de mediação. Perguntas como, "o senhor/ a senhora sabe quais são os valores das propriedades na vizinhança?", ou, "seu advogado o informou qual poderia ser a opinião de um juiz neste caso?" trazem os critériosde realidade que tanto precisamos, sem comprometer a• posição do mediador. É importante que o mediador saiba que todas as pressões a que estão submetidos os clientes, distorcem a realidade gerando não uma irrealidade, mas uma realidade psíquica que, muitas vezes, tem mais força do que a realidade mesma. Não é tão simples como parece, que com a aparição de critérios de realidade, ou seja valores reais, o cliente modificasse sua posição. Não esqueçamos qué tbda avaliação está cheia de outros valores, psíquicos e sentimentais, que pesam, e que a sua vez tem, por si, peso dificilmente quantificável objetivamente. Uma 'casa ou empresa ou participação societária, pode ter um valor, para o vendedor, que 6 fundamental investigar, pois pode haver outros interesses que ele está traduzindo em dinheiro mas que podem ser compensados de outrojeito, porque o comprador não lhes dá a mesma importância quali ficada em valores monetários que o vendedor. Jardins, até murais em paredes, ou marcas que, em muitas mediações, constituem uma grande parte da diferença de valores, podem ser deixados fora da operação, convencionando-se 46 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO pelo resto, um preço conveniente para ambas as partes. Dois clientes não podiam chegar a um acordo sobre o valor de uma propriedade rural, pois o preço de mercado, que o comprador oferecia era muito inferior ao pedido pelo vendedor. Ambos estavam interessados em concluir a negociação, mas a diferença era enorme e não podiam continuar barganhando sobre valores sem conseguir resultado algum. Consultado, pedi para cada urn deles para decom- por a propriedade em diferentes aspectos ou partes que para eles tivessem valores significativos. Assim, a lista dos dois constou da quantidade de campo, de cabeças de gado, de objetos dentro do campo para a exploração leiteira, a casa para os trabalhadores, etc, que coincidiam quase totalmente nos valores. A grande diferença constava do valor da casa principal, e do nome da propriedade, que o vendedor avaliava e o comprador nem tomava em consideração. Questionados sobre esses dois pontos, apareceu que a diferença com respeito A casa estava na avaliação de um mural pintado por um grande pintor mexicano que, hospedado nessa casa, muitos anos atrás, tinha deixado como presente a lembrança de sua estada nessa propriedade. Essa pintura, de altíssima quotação no mercado de arte, nada significava para o comprador, alheio As artes e que nem pensava em morar nessa casa. S6 essa consideração da pintura constituía os trinta por cento do preço total, pedido pelo vendedor. A outra grande diferença era o nome da propriedade que dava também nome a uma marca de leite de pouca produção, porém muito prestigiada na região. Esse nome significava uns vinte por cento da avaliação total do vendedor. Finalmente, o comprador se ofereceu a retirar o muro com a pintura, com todo cuidado, assegurando todos os meios, para Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 47 • e e • e e e a o e e o o • eg) o e e trasladá-la a um museu que a compraria do vendedor. Também a marca (nome da propriedade) ficou fora da operação, pois o compra- dor nem pensava usá-la e o vendedor tinha um vizinho interessado nela. Assim os valores se equipararam e a venda se concretizou. Nem sempre esses valores são tão facilmente comprova- dos como no exemplo, mas, se numa mediação o mediador aceita que se continue sempre discutindo sobre o mesmo ponto, sem abrir a analisaros "porquês" de cada posição, nunca se concluirá o acordo. Os negociadores chamam a este processo de "ampliação do bolo", pois se abre, em análise parcial de cada parte, o objeto da negociação, ampliando-se o todo em partes que nem sempre são contempladas. Ao decomporem-se em partes, os interesses parciais aparecem mais claramente e é mais fácil satisfazê-los. Quando as fantasias dos clientes super-estimam valor, sem razões objetivas que o sustentem, com essa análise, a fantasia normalmente se desfaz ou encontra sua compensação em outros valores. Por exemplo, numa divisão societária, com diferentes apreciações sobre o valor da empresa, foi compensado, acrescen- tando-se ao empreendimento o nome do sócio que vendia sua participação. Com isso ele se assegurava ficar na memória da sociedade como o iniciador do projeto. Sejam realidades psicológicas, ou realidades avaliadas em forma diferente, o importante é abrir à análise, acrescentar os elementos em discussão, e não permanecer com o pacote fechado numa discussão estéril. A grande importância que os afetos e a personalidade dos clientes têm nos resultados da mediação, fez com que muitos autores tentassem classificá-los. 48 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Muitos negociadores norte-americanos apontam uma série de características de personalidade e a forma de agir com cada uma delas para obter resultados positivos. Esses esquemas, criados pela psicologia fenoménica, não fazem mais do que colocar preconceitos onde deveriam existir dúvidas, interrogações e preocupações em conhecer como é real- mente e o que deseja esse cliente que nos consulta. Encerrar um cliente dentro de um estereótipo psicológico ignorá-lo como pessoa única e exclusiva. One profissional é o mediador? 0 mediador inaugura, com seu agir, um novo tipo de profissional. Para delinear seu perfil temos que recorrer, mais uma vez, ao que o mediador não é. O mediador não pode agir como o advogado, que escuta o cliente pensando pas leis que enquadram o caso apresentado, e na jurisprudência existente. Ainda a lei seja o limite de todos, ela é fria demais para conter todas as particularidades dos clientes ; e sua letra é para ser interpretada segundo a ocasião. 0 cliente da mediação deve ser ciente dela e de suas interpretações, com o .assessoramento de seu advogado. Outra diferença importante é que o advogado está acostu- mado a apoiar e sustentar a posição de seu cliente, parcializando a visão do problema. Sabemos muito bem que todo cliente parcializa seu discurso, apoiado nas suas razões. Se ficamos nisso e apoiamos uma parte só do problema, perderemos a outra parte da verdade. 0 mediador não pode confundir, nisso, sua função com a do advogado Teoria e Prática da MEDIAÇÃO • 49 • • • 11• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 0• • e deve sempre ser imparcial e tomar em consideração a totalidade da situação. Também não pode agir como o psicólogo que escuta com objetivo terapêutico. Ainda que muitas técnicas psicológicas do mediador sejam tomadas da psicologia, sua aplicação é muito diferente. O psicólogo investiga para conhecera passado e liberar o paciente da sua repetição. 0 mediador investiga para conhecer os reais interesses e não pretende exercer nenhum procedimento terapêutico, senão didático, ao ensinar com sua intervenção, urn modo de interrelactonar-se com a outra parte, mais benéfico _e inteligente. Também se diferencia do atuar do medico, que escuta os sintomas para construir um diagnóstico. Porque, ainda que o media- dor com sua escuta especial vá construindo um diagnóstico dos aspectos "doentes" da negociação, não age com fins terapêuticos, nem isola do "corpo" do problema os "órgãos" que perturbam o todo. Devo marcar que muitas vezes, sim, é como a do médico a função do mediador de decompor o problema em partes, para que os clientes possam ir resolvendo-as numa ordem de _crescente complexidade. Nesse sentido a atuação do mediador se assemelha- ria mais à do médico chinês que toma o organismo como um todo e descobre a origemda perda do equilíbrio desse todo, numa parte dele, e age para restaurar esse equilíbrio. Mas, é muito importante diferenciar que o mediador não introduz nem terapêutica, nem • medicina. Somente questiona para que um novo equilíbrio seja instaurado no relacionamento das partes, num planejamento de aproximação ao problema. Equilíbrio que só os clientes conhecem e que com total liberdade instauram se assim o desejam. 50 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Mais uma vez, o mediador está situado numa posição incômoda que não corresponde a nenhuma das profissões já existen- tes, e, sim, nesta nova no Brasil, a de mediador. O mediadordeve falar para conseguir que o cliente fale, e, sobretudo, para que o cliente se questione. É esse outro ponto _ _ importante que o diferencia: o pensamento de que só o cliente sabe o que é melhor para ele. Não adianta ser profissional de grande experiência, se isso não nos conduz a investigar para chegar ao verdadeiro conhecimento de nossos clientes. Temos descrito como o ser humano é um ser cindido, e que a presença do inconsciente no consciente se manifesta no próprio discurso do cliente. 0 cliente se expressa com suas palavras e gestos. Compreendê-lo é ouvi-lo. Ele apresenta problemas pessoais que não devemos transportar a outros clientes. Devemos diferenciá-lo em sua característica pessoal e única. 0 homem de que trata a mediação, não é o homem seguro de si, coerente, senão um homem fragmentado, cheio de contradi- . ções e de dificuldades no reconhecimento de seus desejos. E não estou falando só do cliente que recorre à mediação por problemas familiares, senão também dos clientes que consultam por problemas comerciais e de qualquer outra espécie. O homenise envolve com seus afetos, suas contradições, enfim, corn todas suas característi- cas, em qualquer uma das suas atividades. Pensemos num clientelue nos consulta pela dissolução de uma sociedade. Sente seus direitos em perigo, seu sócio como seu adversário e teme que o resultado não seja benéfico para ele. Já discutiu o bastante com seu sócio e chegou à conclusão que a Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 51 sociedade não é mais possível, embora o capital, tempo e esforço investidos não possam serjogados pela janela. Esse homem está tão envolvido emocionalmente quanto um homem que tem problemas familiares. Eis aqui o grande trabalho do mediador: perceber estrutural - mente cada homem ou mulher como únicos e exclusivos, sendo seu - _ discurso o único que pode dar conta dele, servindo os esquemas da psicopatologia exclusivamente como artifícios úteis ao estudo do aparelho psíquico e não A sua aplicação direta ao cliente porque o reduziria a esse mesmo esquema, impedindo uma verdadeira escuta de sua individualidade. A escalada de violência que acompanha todo litígio com- promete o homem na sua totalidade. E os problemas que se apresentam A mediação não são problemas simples, porque senão já teriam sido resolvidos em negociação direta entre as partes, ou entre os advogados que as assistem. Se chegam A mediação é porque precisam de um profissional que saiba atuar frente ao complexo da situação. Esses homems e mulheres estão tão compro- metidos com o problema, que precisam proteger-se dele, armando estruturas defensivas e gerando estratégias onde sua personalidade e todos seus preconceitos, ilusões e temores entram em jogo. 0 homem para defender sua integridade, elabora sintomas que aparentemente o o protegem da angústia, mas na realidade o confundem ainda mais. 0 discurso do cliente estará tão cheio de todos esses pre- - _ . .colLceitos, ideais, ilusões e temores que o devemos desarticulqr para . desativar os bloqueios que impedem a emergência dos reais interesses. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 52 É só no discurso do cliente que surge a informação, e nosso trabalho como mediadores, é o de descobrir as possíveis vias de 'acesso aos seus reais interesses, eliminando as pedras que o próprio :mecanismo defensivo do cliente irá botando no caminho. Essa escuta especial apontará as portas de acesso, nas partes do discurso onde apareçam contradições, negações desne- cessárias, lapsus e outros equívocos ou esquecimentos que indi- quem uma fresta por onde se possa investigar o oculto. 0 cliente está comunicando algo sem dizê-lo. Com toda a profissionalidade o registramos para discretamente questionar sobre esse ponto, fazendo de conta que não compreendemos totalmente. Remarcamos essa fresta para que o cliente fale dela e deixe surgir o oculto. É uma informação, que mediador e cliente precisam escutar, para reconhecerem melhor quais são os desejos e inte- resses verdadeiros que o cliente comunica ocultando. Todo homem que sente emoções fortes, onde socialmente se indica que não deve senti-las, é um homem armado. Armado e protegido. Sabemos que a melhor proteção que um cliente tem é o discurso estruturado da posição. E, lamentavelmente, também sabe- mos que o pior para resolver problemas é enfrentarmo-nos com clientes fechados em suas posições. Por isso o mediador deve gerar confiança e respeito, para elo que se acredite nele e assim conseguir que o cliente se abra com 0 franqueza, sem medo de sertraido, expondo suas fraquezas, seguro e de que elas não serão usadas contra si mesmo. 40 0 cliente só confia quando se sente ouvido e compreen- dido. 0 compreendemos, quando reconhecemos os fracassos dos c) mecanismos defensivos que ele usa para se proteger e podemos ir Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 53 410 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • desarmando-os para obter o surgimento de um discurso mais ligado ao queréalmente lhe acontece. Enumerar-a série de mecanismos defensivos estudados pela Psicologia sei -ia criar mais uma armadilha para o mediador, pois, de que nos serve•conhecer esses mecanismos e deixar de escutar o cliente para reconhecê-los no seu discurso? Estaríamos novamente errando o caminho. t:Jrridio_p -CM marcará o ponto onde é necessária a nossa intervenção: sinais que o cliente vai dando; contradições entre o discurso e os gestos; interrup_ções no discurso; inflexões de voz; negação que afirma, etc. Com nossa atuação o _ liberaremos dessas pressões e ele p6derá começar a falar, mais livremente, do que lhe está acontecendo. Essa é a razão do uso das entrevistas a sós com cada uma das partes (caucus)), com o compromisso de absoluto sigilo, pois, uma vez colbcado o problema, o que queremos é investigar a fundo com cada uma delas o verdadeiro interesse. A sós com o mediador, o cliente poderá expressar-se mais à vontade. Porque o mediador deve ter bem claro que a mulher ou o homem que o consulta está envolvido numa série de compromissos consigo e com o seu ideal, pelos quais o.conflito.que o traz tem para ele um significado muito mais amplo. Significa sua autoestima, o . . _ carinho e respeito de sua família e de seus colegas de seus . _ superiores. e o_reçonhe5imento de que esta agindo A altura das _ circunstancias. Tudo isto deixa-o confuso e incapacitado para com- .. preender o que realmente deseja e que resultado será o melhor. Todas estas dificuldades para decidir contribuíram para que a sociedade, durante tanto tempo, precisasse depositar num terceiro a responsabilidade de decidirsobre seus próprios problemas, pois, deixarque um terceiro decide por nós, nos libera da responsabili-, :•-
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