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Farmacologia Fármacos para o controle da Dor Prof. Leonel da Costa Carvalho Introdução • “Dor é a miséria perfeita, o pior dos males, e, excessiva, destrói toda a paciência” (Jonh Milton em “Paraíso Perdido”). Figura 1. Exemplos de regiões de dores musculares Analgesia e Analgésicos • Analgesia: estado no qual a dor não é sentida, embora haja a presença de estímulo doloroso normal. • Analgésicos: fármacos que aliviam a dor, sem prejuízo maior das modalidades sensórias. • Três categorias de analgésicos: • Analgésicos opióides • Não opióides • Analgésicos usados para tratar síndromes de dores específicas Analgésicos opióides • Incluem componentes que aliviam dores moderadas e severas, por ações mediadas por uma família específica de receptores de superfície celular. • Morfina : opióide protótipo, sendo um dos dois analgésicos encontrados no ópio (codeína é o outro) • Fonte de obtenção: exudato leitoso da papoula (Papaver somniferum) Papoula e obtenção da morfina Figura 2. Papaver somniferum e exudato leitoso • Embora não sejam peptídios, os alcalóides opióides (p. ex., morfina) produzem analgesia através de ações em regiões do cérebro que contêm peptídios endógenos com propriedades farmacológicas semelhantes às destes fármacos. • O termo atualmente usado para tais substâncias é peptídios opioides endógenos, que substitui o antigo nome, endorfinas. Foram descritas três famílias de peptídios opioides endógenos: encefalinas, dinorfanos e endorfinas. Figura 3. Principais subclasses de agonistas e antagonistas opioides. Opióides: classificação • Naturais: derivados do ópio que não sofreram nenhuma modificação (ex:Ópio, Pó de Ópio, Morfina, Codeína). • Semi-Sintéticos: resultantes de modificações parciais das substâncias naturais (ex:Heroína). • Sintéticos : são fabricados em laboratório (ex:Zipeprol, Metadona). Figura 4. Resumo das classes químicas dos agonistas opióides Receptores opióides • Os efeitos mais importantes dos opióides são mediados por três famílias de receptores, designadas comumente μ (mi), κ (capa) e δ (delta). Cada família de receptores apresenta uma especificidade diferente para os fármacos com os quais ela se liga. • A propriedade analgésica dos opioides é mediada primariamente pelos receptores μ, que modulam respostas nociceptivas térmicas, mecânicas e químicas. • Os receptores κ no corno dorsal também contribuem para a analgesia modulando a resposta à nocicepção química e térmica. As encefalinas interagem mais seletivamente com os receptores δ na periferia. • Os três receptores opioides são membros da família de receptores acoplados à proteína G e inibem a adenililciclase. • Eles também estão associados a canais iônicos, aumentando o efluxo pós-sináptico de K+ (hiperpolarização) ou reduzindo o influxo pré-sináptico de Ca2+, impedindo, assim, o disparo neuronal e a liberação do transmissor. Figura 4. Mecanismo de ação do agonista do receptor μ de opióide na medula espinal. Eficácia agonista dos opióides Figura 5. Comparação da eficácia agonista dos opióides Ações dos opióides • Analgesia: A morfina e outros opióides causam analgesia (alívio da dor sem perda de consciência) e aliviam a dor, aumentando o seu limiar no nível da medula espinal e, de forma mais importante, alterando a percepção da dor no cérebro. • Euforia: A morfina produz uma forte sensação de contentamento e bem-estar. A euforia pode ser causada pela desinibição dos neurônios que contêm dopamina da área tegmento ventral. • Respiração: A morfina causa depressão respiratória pela dessensibilização ao dióxido de carbono dos neurônios do centro respiratório. Esse efeito pode ocorrer com doses normais de morfina em pacientes virgens para esse fármaco e acentuar-se à medida que a dose aumenta até que, por fim, a respiração cessa. A depressão respiratória é a causa mais comum de morte nos casos de superdose aguda de opióides. • Depressão do reflexo da tosse: Morfina e codeína possuem propriedades antitussígenas. Em geral, a supressão da tosse não se correlaciona bem com as propriedades analgésicas e de depressão respiratória dos opióides. Os receptores envolvi- dos na ação antitussígena parecem ser diferentes daqueles envolvidos na analgesia. • Miose: A pupila puntiforme característica do uso da morfina, resulta do estímulo dos receptores μ e κ. Há pouca tolerância ao efeito, e todos os viciados em morfina apresentam pupilas puntiformes. • Êmese: A morfina estimula diretamente a zona quimiorreceptora disparadora na área postrema que causa êmese. • TGI: A morfina alivia a diarréia ao diminuir a motilidade e aumentar o tônus do músculo liso circular intestinal. Ela também aumenta o tônus do esfincter anal. No geral, a morfina e outros opióides provocam constipação, com pouco desenvolvimento de tolerância. • Sistema cardiovascular: A morfina em dosagens baixas não tem efeito significativo na pressão arterial ou na freqüência cardíaca. Com doses altas pode ocorrer hipotensão e bradicardia. • Liberação de histamina: A morfina libera histamina dos mas- tócitos, causando urticária, sudoração e vasodilatação. Como pode causar broncodilatação, a morfina deve ser usada com cautela em pacientes com asma. • Ações hormonais: A morfina aumenta a liberação de hormônio do crescimento e aumenta a secreção de prolactina. Ela aumenta o hormônio antidiurético, causando retenção urinária. • Parto: A morfina pode prolongar o segundo estágio do trabalho de parto, diminuindo temporariamente a força, a duração e a freqüência das contrações uterinas. • Tolerância e dependência física: O uso repetido da morfina causa tolerância aos seus efeitos depressor respiratório, analgésico, eufórico e sedativo. No entanto, normalmente não se desenvolve tolerância aos efeitos de constrição pupilar e de constipação. • Pode ocorrer dependência física e psicológica com a morfina e alguns dos outros agonistas. • A retirada produz uma série de respostas autônomas, motoras e psicológicas que incapacitam o indivíduo e causam sintomas graves, mas raramente causam morte. • Interações farmacológicas: As interações de fármacos com morfina são raras; contudo, as suas ações depressivas são potenciadas pelos fenotiazínicos, pelos inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) e pelos antidepressivos tricíclicos. Figura 6. Efeitos adversos mais comuns observados em indivíduos tratados com opióides. Antagonistas opióides • Os antagonistas opióides se ligam com alta afinidade aos receptores opióides, mas não ativam a resposta mediada pelo receptor. • A administração de antagonistas opióides não produz efeitos significativos em indivíduos normais. • No entanto, em pacientes dependentes de opióides, os antagonistas revertem rapidamente o efeito dos agonistas, como a morfina e outros agonistas μ totais, e precipitam os sintomas de abstinência de opióides. Síndrome da abstinência de opióides Figura 7. Três estágios da síndrome de abstinência de opióides. Naloxona • A naloxona é utilizada para reverter o coma e a depressão respiratória causados pela dose excessiva de opióides. • Ela rapidamente desloca todas as moléculas opióides ligadas ao receptor e, assim, é capaz de reverter o efeito da dose excessiva de morfina. • Dentro de 30 segundos após a injeção IV de naloxona, a depressão respiratória e o coma característicos da superdose de morfina são revertidos, reanimando o paciente e tornando-o alerta. Figura 8. Cloridrato de naloxona . Analgésicos não opióides Inflamação• A inflamação é uma resposta normal de proteção às lesões teciduais causadas por trauma físico, agentes químicos ou microbiológicos nocivos. • É a tentativa do organismo de inativar ou destruir os organismos invasores, remover os irritantes e preparar o cenário para o reparo tecidual. • Quando a recuperação está completa, normalmente o processo inflamatório cessa. • Entretanto, a inflamação também pode advir da ativação imprópria do sistema imune, resultando em doenças imunomediadas, como a artrite reumatóide (AR). • Normalmente, o sistema imune distingue o que é próprio do que é estranho. Na AR, os leucócitos vêem a sinóvia (tecido que nutre cartilagem e ossos) como estranha e iniciam o ataque inflamatório. A ativação dos leucócitos leva à estimulação dos linfócitos T (a parcela do sistema imune mediada por células), que recrutam e ativam monócitos e macrófagos. Estes secretam citocinas próinflamatórias, incluindo o fator de necrose tumoral α (FNTα) e interleucina-1 (IL-1) para a cavidade sinovial. • A liberação das citocinas causa: 1) aumento da infiltração celular para o endotélio, devido à liberação de histaminas, cininas e prostaglandinas (PGs) vasodilatadoras; 2) aumento da produção de proteína C reativa pelos hepatócitos (um marcador de inflamação); 3) aumento da produção e da liberação de enzimas proteolíticas pelos condrócitos (células que mantêm as cartilagens), levando à degradação da cartilagem e ao estreitamento do espaço articular; 4) aumento da atividade osteoclástica (os osteoclastos regulam a lise óssea), resultando em erosão óssea focal e desmineralização ao redor das articulações; 5) manifestações sistêmicas em certos órgãos, como o coração. Obs: Além da ativação dos linfócitos T, os linfócitos B também estão envolvidos e produzem o fator reumatóide (marcador inflamatório) e outros autoanticorpos com o propósito de manter a inflamação. Essa reação defensiva causa lesão tecidual progressiva, resultando em lesão e erosão articular, comprometimento funcional, dor significativa e redução da qualidade de vida. Figura 1. Artrite reumatóide. Figura 2. Descrição do processo inflamatorio na AR e o mecanismo de ação e efeitos adversos do fármaco Tofacitinib. Figura 3. Osteoartrite e Artrite reumatóide. Farmacoterapia na AR • A farmacoterapia no manejo da AR inclui antiinflamatórios e/ou imunossupressores que modulam ou reduzem o processo inflamatório com o objetivo de diminuir a inflamação e a dor, e interromper ou retardar a progressão da doença. • Exemplo de droga imunossupressora: Azatioprina • É uma droga imunossupressora aprovada para o tratamento da AR. É tomada como um comprimido, e exige exames de sangue regularmente para monitorar os efeitos da droga na medula óssea e no fígado. Possivelmente efeitos colaterais adicionais incluem o risco aumentado para infecções e erupções cutâneas. Principais antiinflamatórios Figura 4. Classes de antiinflamatórios. Observação: os fármacos considerados incluem: • os antiinflamatórios não esteróides (AINEs), • o celecoxibe (inibidor da cicloxigenase-2 [COX-2]), • o paracetamol e, • os antirreumáticos modificadores da doença (FARMDs). • Além desses, existem os fármacos usados no tratamento da gota e da enxaqueca. AINEs e inibição das Prostaglandinas (PGs) • Todos os AINEs atuam inibindo a síntese das PGs. • Em geral, elas atuam localmente nos tecidos, onde são sintetizadas, sendo rapidamente metabolizadas em produtos inativos em seus locais de ação. • Portanto, as PGs não circulam em quantidades significativas no sangue. Tromboxanos e leucotrienos são lipídeos relacionados sintetizados a partir dos mesmos precursores que as PGs. Síntese de Prostaglandinas • O ácido araquidônico é o principal precursor das PGs e dos compostos relacionados. • Ele é componente dos fosfolipídeos das membranas celulares. O ácido araquidônico livre é liberado dos fosfolipídeos teciduais pela ação da fosfolipase A2 por um processo controlado por hormônios e outros estímulos. • Existem duas vias principais para a síntese de eicosanóides a partir do ácido araquidônico: a via da cicloxigenase e a da lipoxigenase (figuras 5,6 e 7). Figura 5. Metabolismo do ácido araquidônico. Via da cicloxigenase Figura 6. Via da Cicloxigenase. Via da lipoxigenase Figura 7. Via da lipoxigenase. Figura 8. Efeitos homeostáticos da COX-1 e inflamatórios e COX-2 Anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) • AINEs são um grupo de fármacos quimicamente heterogêneos que se diferenciam na sua atividade antipirética, analgésica e antiinflamatória. • A classe inclui derivados do ácido salicílico (ácido acetilsalicílico [AAS], diflunisal e salsalato), do ácido propiônico (ibuprofeno, fenoprofeno, flurbiprofeno, cetoprofeno, naproxeno e oxaprozina), do ácido acético (diclofenaco, etodo- laco, indometacina, cetorolaco, nabumetona, sulindaco e tolmetina), do ácido enólico (meloxicam e piroxicam), de fenamatos (ácido mefenâmico e meclofenamato) e do inibidor COX-2 seletivo (celecoxibe). • Eles atuam, principalmente, inibindo as enzimas cicloxigenase que catalisam o primeiro estágio da biossíntese de prostanóides. • Isso leva à redução da síntese de PGs, com efeitos desejados e indesejados. Ácido Acetilsalicílico (AAS) • O AAS pode ser considerado um AINE tradicional, mas ele apresenta efeito antiinflamatório apenas em dosagens relativamente altas, rara mente usadas. Ele é mais usado em dosagens baixas para a prevenção de eventos cardiovasculares, como o acidente vascular encefálico (AVE) e o infarto do miocárdio (IM). O AAS é diferenciado dos outros AINEs, frequentemente, por ser um inibidor irreversível da atividade da cicloxigenase. Figura 9. Aspirina comprimidos 500 mg Mecanismo de ação • O AAS é um ácido orgânico fraco que acetila irreversivelmente e, assim, inativa a cicloxigenase. • Todos os outros AINEs são inibidores reversíveis da cicloxigenase. • Os AINEs, inclusive o AAS, realizam três ações terapêuticas principais: reduzem a inflamação (afeito antiinflamatório), a dor (efeito analgésico) e a febre (efeito antipirético). Eventos adversos • Devido aos eventos adversos associados enumerados a seguir, é preferível usar os AINEs na menor dosagem eficaz e pelo menor tempo possível. • Efeitos GI: . Fármacos que inibem a COX1 diminuem os níveis benéficos dessas PGs, resultando em aumento da secreção de ácido gástrico, diminuição da proteção da mucosa e aumento do risco de sangramento GI e ulcerações. • Aumento do risco de sangramentos (efeito antiplaquetário): • O TXA2 aumenta a aglutinação das plaquetas, ao passo que a PGI2 a reduz. O AAS inibe irreversivelmente a formação de TXA2 mediada por COX-1,e outros AINEs a inibem reversivelmente. Como as plaquetas não possuem núcleo, elas não podem sintetizar novas enzimas quando inibidas pelo AAS, e a falta de tromboxano persiste durante toda a vida da plaqueta (3-7 dias). • Como resultado da diminuição de TXA2, a aglutinação plaquetária (o primeiro estágio da formação do trombo) é reduzida, produzindo efeito antiplaquetário com aumento do tempo de sangramento. Figura 10. Ácido acetilsalicílico inibe a COX-1 das plaquetas. • Ação sobre os rins: Os AINEs previnem a síntese de PGE2 e PGI2, PGs responsáveis pela manutenção do fluxo sanguíneo renal. • A diminuição da síntese de PGs pode resultar na retenção de sódio e água e, conseqüentemente, causar edema em alguns pacientes. • Efeitos cardíacos: Fármacoscomo o AAS, com alto grau de seletividade pela COX-1, mostraram efeito protetor cardiovascular provavelmente devido à redução na produção de TXA2. • Fármacos com maior seletividade relativa para a COX2 são associados ao aumento do risco de eventos cardiovasculares, possivelmente por diminuir a produção de PGI2 mediada pela COX-2. • O aumento do risco de eventos cardiovasculares, incluindo IM e AVE, é associado a todos os AINEs, com exceção do AAS. • Para pacientes com doença cardiovascular nos quais o tratamento com AINEs não pode ser evitado, o naproxeno parece ser o menos prejudicial. Toxicidade • A intoxicação por salicilatos pode ser leve ou grave. A forma leve é denominada de salicilismo, sendo caracterizada por náuseas, êmese, hiperventilação acentuada, cefaleia, confusão mental, tontura e zumbidos (zunidos e ruídos auriculares). • Doses elevadas de salicilatos podem causar intoxicação grave. • Podem ocorrer agitação, delírio, alucinação, convulsão, coma, acidose respiratória e metabólica e até morte por insuficiência respiratória. As crianças são particularmente suscetíveis à intoxicação por salicilatos. • A ingestão de apenas 10 g de AAS pode levar crianças a óbito. • Gravidez: O uso do ácido acetilsalicílico é contra-indiciado no último trimestre de gestação, apresentando categoria de risco na gravidez D para tal período. • Durante os dois primeiros trimestres de gestação, o ácido acetilsalicílico deve ser utilizado com cautela, se realmente necessário, apresentando categoria de risco na gravidez C para tal período. Quadro- resumo dos AINEs Figura 11. Bibliografia • PANUS, P.; KATZUNG, B.; JOBST, E.;TINSLEY, S.;MASTERS,S.;TREVOR, A. Farmacologia para fisioterapeutas. São Paulo: McGraw Hill, 2012. • WHALEN, K.; FINKELI,R.;PANAVELIL, T. Farmacologia Ilustrada. 6ª edição. São Paulo: Artmed, 2015.
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