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AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 1 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL – DIREITO AULA 2 DIREITO, CULTURA E COMUNICAÇÃO 01 – As funções da Linguagem Na aula anterior estudamos a comunicação e analisamos cada um dos elementos que a constituem. Verificamos que, por vezes, não obtemos sucesso ao partilharmos algumas informações, dada a ocorrência de ruídos que podem interferir no fluxo dessa troca. Agora partiremos para o estudo das funções da linguagem. Será que utilizamos a linguagem apenas de uma maneira? Ou nós a adequamos conforme nossas necessidades? Obviamente ela irá variar de acordo com a situação comunicativa. O linguista russo Roman Jakobson, em seu livro “Linguística e Comunicação” classificou as Funções da Linguagem da seguinte forma: AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 2 Função Emotiva Por meio dessa função, o emissor suscita a impressão de certa emoção, verdadeira ou simulada, em seu discurso. É marcado pela sua atitude pessoal: emoções, opiniões, preconceitos, avaliações, etc. Ex: Autobiografias, memórias, crônicas, poesias, etc. Função Referencial ou Denotativa A mensagem é centrada no referente (contexto relacionado a emissor e a receptor) e oferece informações sobre a realidade, mas sem fazer uso de sua opinião pessoal. O texto é escrito de forma objetiva, direta, dando ênfase ao que tem à informar. Ex: textos jornalísticos, acadêmicos, etc. Função Apelativa ou Conotativa A mensagem é centrada no receptor e se organiza de modo à influenciá- lo. O objetivo desta função é persuadir, manipular, seduzir, convencer AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 3 aquele que recebe a mensagem. Nas mensagens em que predomina essa função, busca-se envolver o leitor com o conteúdo transmitido, levando-o a adotar este ou aquele comportamento. Ex: discursos, sermões, textos de publicidade e propaganda. Função Fática O objetivo dessa função é focar no canal de comunicação (meio pelo qual o emissor envia a mensagem). No dicionário Houaiss encontramos que “fático” é um termo “centrado no próprio canal de comunicação e cujo objetivo é estabelecer, ou manter aberta, sem interrupções, a comunicação entre o locutor e o destinatário, mas sem transmissão de nenhuma mensagem importante”. Enfim, nesta função, o interesse do emissor é simplesmente testar ou chamar a atenção para o canal de comunicação, com objetivo de verificar e fortalecer sua eficiência. Ex: alô, pronto, oi, tudo bem?, sente-se, etc (Obs: Na propaganda escrita, essa função é utilizada na forma, nos tipos e tamanhos dos caracteres. Nos textos profissionais, utilizam-se as variações de letra maiúscula/minúscula, negritos, sublinhados, etc). AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 4 Função Poética ou Estética Essa função é aquela elaborada de forma inovadora e imprevista. É aquela que coloca em evidência a forma da mensagem, ou seja, até certo ponto ela está mais preocupada em “como dizer” do que com “o que dizer” (mas isso pode ser facilmente contestado por alguns poetas). Desta forma, a mensagem fica em destaque e chama a atenção para a maneira como foi organizada/colocada. É uma linguagem efetiva, metafórica, que explora bem a polissemia*. Essa função é capaz de surpreender o leitor e despertar o prazer estético. Ex: obras literárias, letras de música, propaganda, discursos da área jurídica. *Polissemia: multiplicidade de sentidos de uma palavra ou locução (ex: Prato: vasilha, comida, iguaria, instrumento musical (bateria)). Polissemia é um fenômeno comum nas línguas naturais e são raras as palavras que não a apresentam (Dicionário Houaiss). Função Metalinguística É quando o próprio código (a língua, os sinais) estão em evidência. Desta forma, utiliza-se o código para falar dele mesmo. AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 5 O teatro inglês nos traz um grande exemplo de metalinguagem. Trata-se de “Hamlet”, talvez o trabalho mais importante de Willian Shakespeare. Nele, o personagem do atormentado príncipe dinamarquês encena uma peça a alguns seletos convidados para provocar reações de espanto e tentar descobrir quem é o assassino de seu pai. Desta forma, Hamlet, um personagem de teatro, faz uso da própria linguagem do teatro para conseguir o que quer. Ex: Dicionários, gramáticas, textos que analisam textos. É evidente que estas funções organizadas por Jakobson não acorrem apenas de maneira isolada, afinal elas podem muito bem mesclarem-se e alternarem-se ao longo do texto/discurso. Isso fica bastante evidente no Direito. Por exemplo, um acusado, em seu depoimento, utiliza uma linguagem marcadamente subjetiva (que pertence ao sujeito pensante e ao seu íntimo), portanto ela estará carregada de pronomes com eu, mim, meu, minha, ou seja, haverá ênfase no emissor, caracterizando-se, assim, a Função Emotiva. Hamlet e Horácio, por Eugène Delacroix AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 6 Já a informação jurídica, que documentará o caso do acusado citado, surgirá de forma precisa, objetiva, pois há interesse em registrar e esclarecer os fatos de forma neutra (mas segundo determinado ponto de vista). Assim, temos duas possibilidades: Função Referencial, se de fato o texto é completamente neutro (será que isso é realmente possível?), ou Função Conotativa, se os interesses do emissor tornam-se evidentes ao longo da exposição. Contudo, este texto/discurso jurídico não está impedido de emprestar sonoridade e ritmo às palavras, com objetivo de tornar mais evidente o cuidado com a elaboração e com a forma daquilo que está sendo comunicado. Temos, portanto, a Função Poética. E se, durante elaboração deste texto precisássemos do auxílio de dicionários e vocabulários jurídicos? Então estaríamos fazendo uso da Função Metalinguística. Há grande variação dessas funções, mas sabemos que o texto jurídico possui um caráter eminentemente persuasório. Ele tem por objetivo aproximar- se do receptor pra fazê-lo mudar de ideia, de comportamento, provocar novos estímulos e novas condutas. Sendo assim, fica evidente a ampla presença da Função Conotativa, marcada pelo forte interesse em persuadir (http://www.youtube.com/watch?v=DHcjcgwn8Sc). Para que o discurso seja persuasivo é necessário que ele seja convincente, mas nem sempre isso ocorre. Vejamos um exemplo: no ano passado três graves acidentes de trânsito repercutiram em Curitiba e em todo o país. No primeiro acidente estava envolvido um ex-deputado, no segundo um AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 7 filho do diretor geral da Assembleia Legislativa e no terceiro um torcedor do Coritiba. Após serem presos, a defesa imediatamente solicitou que eles fossem soltos. Vejamos os argumentos em resposta usados pelos juízes e desembargadores para os dois último casos: Sobre o torcedor: “Em que pese o requerente ter demonstrado possuir residência fixa e ocupação definida, bem como que é portador de bons antecedentes segundo se depreende dos autos..., havendo prova da existência do crime e indíciossuficientes de autoria a recair sobre o requerente, a manutenção de sua prisão se justifica, como garantia da ordem pública, haja vista que, tendo o ato sido formal e legalmente praticado pela autoridade policial (bem constituída e que goza de fé pública) a revogação do ato importará, na verdade, em pleno descrédito às instituições, fazendo crer mais pela impunidade e impotência do que pela efetiva garantia de segurança que deve ser proporcionada aos cidadãos. “A prisão se justifica para garantia da ordem pública em razão da periculosidade concreta evidenciada pelo modo e pelo contexto de execução do delito”. “No que diz respeito ao modo de execução do delito, a periculosidade concreta decorre da atitude do paciente de ter acelerado o veículo no local em que transitavam diversos pedestres evidenciando-se o menosprezo pela vida e pelo outro”. “Não pode ser negligenciado que a proximidade entre o atropelamento e os novos surtos de violência de torcidas de futebol na cidade, reforça a percepção de intranquilidade social a que poderia se somar agora uma eventual concessão do direito à liberdade ao paciente”. “Um último aspecto a considerar é o de que está assentado na jurisprudência que a situação de pessoas primária, com residência fixa, ocupação lícita e família constituída, de per si considerada, não é suficiente para assegurar o direito à liberdade”. AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 8 “Não se trata obviamente de negligenciar o princípio constitucional de presunção de inocência (art. 5.º inc. LVII da Constituição), mas de, no quadro de preservação da construção da tutela dos direitos fundamentais, observar equilíbrio capaz de assegurar o menor prejuízo possível para os interesses envolvidos na situação em que está em causa a cautelaridade inerente à prisão antes da sentença penal.” Sobre o filho do diretor geral da Assembleia Legislativa: “Dos documentos juntados aos autos, percebe-se que o requerente possui ocupação lícita, residência fixa e é primário, restando portanto, face à aparente ausência de periculosidade do agente nesta fase inquisitorial, que o pedido merece acolhimento”. “No tocante ao acidente restou claro que o air-bag do motorista da pajero foi acionado, sendo público e notório que este equipamento ofende a integridade física do motorista, mas pode preservar-lhe a vida, situação que pode ter gerado a sua aparência de desnorteado, cambaleante e a vermelhidão no rosto e olhos”. “Ora, em que pese todo o contexto trágico do evento, não se pode afirmar – de forma categórica – que o requerente foi o responsável pela causa primária do acidente e que agiu com dolo eventual, sendo que nesse caso, a dúvida é real e nesse aspecto necessário reconhecer-se a presunção de inocência”. (Fonte: Jornal Gazeta do Povo, 28/12/2009) Perceba que a argumentação da defesa, analisada e comentada pelos juízes e desembargadores é praticamente a mesma (o fato de os dois réus possuírem residência fixa e ocupação definida), entretanto o torcedor permaneceu preso “a manutenção de sua prisão se justifica, como garantia da ordem pública” e o filho do diretor geral da Assembleia Legislativa foi solto “restando portanto, face à aparente ausência de periculosidade do agente nesta fase inquisitorial, que o pedido [de soltura] merece acolhimento”. AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 9 Para pensar: Analisando os dois casos, será que é possível afirmar que a argumentação da defesa foi realmente convincente? Há fatores externos ao discurso que devem ser levados em consideração? Como esse problema poderia ser resolvido? Segundo Regina Toledo Damião, licenciada em Letras e doutora em Direito, o discurso persuasório pode apresentar duas vertentes: a exortativa e a autoritária. A vertente exortativa, que procura induzir a fazer ou a pensar determinada coisa, á abundante em texto publicitários. É esse tipo de discurso que nos convence de que certa cerveja desce redondo, que aquele sabão em pó lava mais branco ou que aquele lanche engordurado traz felicidade. Esta vertente é um tanto quanto impactante em nossas vidas (http://www.youtube.com/watch?v=aWQc0e9toys), pois como observou a linguista Helena H. N. Brandão, retomando as palavras de Mikhail Bakhtin, o homem “é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado. É o outro que dá a medida do que sou. A identidade se constrói nessa relação com a alteridade” A outra vertente é a autoritária, também bastante presente no Direito. Para identificá-la basta dar uma olhada no Código Penal, que possui expressões como “afixe-se e cumpra-se”, “revoguem-se as disposições em AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 10 contrário”, “arquive-se”, “justiça imperante”, etc. A própria lei é algo que ordena e não exorta, fazendo com que todos estejamos sujeitos ao seu tom imperativo. Por outro lado, há também outros discursos que procuraram se apoderar deste cunho persuasório. O discurso religioso, por exemplo, que tende a estabelecer diretrizes (julgamento após a morte/céu como recompensa) e punições (Apocalipse/inferno como condenação pelos pecados). No clássico (e polêmico) curta metragem que o cineasta espanhol Luís Buñuel realizou em parceria com o pintor, também catalão, Salvador Dali, “Um Cão Andaluz” (1929), podemos verificar uma ácida crítica a este tipo de discurso. Há uma cena em que, motivado pelo desejo sexual, o protagonista tenta se aproximar de uma mulher, mas não consegue avançar, pois se vê amarrado e tendo que arrastar dois padres católicos deitados no chão. O foco na persuasão coerciva também está bastante presente nos textos jornalísticos. Não raro nos deparamos com jornalistas ou com as próprias redes de TV apropriando-se dos poderes de um juiz no tribunal e, visando sempre o apelo popular/dramático, realizando julgamentos e decretando punições das mais descabidas. AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 11 2 - Língua Oral e Língua Escrita Será que falamos da mesma forma que escrevemos? Ou será que escrevemos da mesma forma que falamos? A resposta é: nem uma coisa, nem outra. Vejamos esse trecho de uma entrevista que o apresentador Jô Soares concedeu à revista Veja em 1990: “Pois é. U purtuguêis é muito fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti discobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im portuguêis, é só prestátenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é parecidu, si iscrevi muito diferenti. Qui bom qui a minha lingua é u purtuguêis. Quem soubé falá, sabi iscrevê.” Até onde se sabe, Jô Soares, um bem sucedido apresentador de TV, é alfabetizado e conhece a norma culta da Língua Portuguesa. Então porque o trecho citado está recheado de “erros” ortográficos? Justamente para demonstrar ironicamente que a Língua falada (independentemente da classe social de quem está se comunicando) é um tanto quanto diferente da língua escrita. É bastante comum, por exemplo, o falante, com ou sem escolaridade, não pronunciar a letra 'i” de palavras como “Caixa” e Peixe”: “Caxa”, “Pexe”. Contudo, na hora de escrever difícilmente a pessoa esquecerádessa letra. Esta diferença é um dos fatores predominantes quando o assunto é preconceito linguístico (o qual nós nos aprofundaremos nas próximas aulas), pois infelizmente é comum vermos pessoas que não estudam cientificamente a língua, julgando e criticando aqueles que, segundo seus critérios subjetivos, AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 12 “falam errado”. É lamentável, pois, como veremos adiante, o próprio conceito de “falar errado” não se sustenta. Cabe ressaltar que, na linguagem escrita, não há contato direto entre quem lê e quem escreve, daí o seu caráter mais abstrato, que exige permanente esforço de elaboração por estar sujeito aos preceitos gramaticais para que possa ser satisfatoriamente compreendido. Já linguagem falada conta com recursos extralinguísticos, como postura, entonação, gestos, expressões faciais, etc. Estes recursos podem ser utilizados para melhor esclarecer aquilo que se quer comunicar, assim como veremos na aula sobre oratória. 3 – Variedade linguística (Níveis de linguagem) As inúmeras situações comunicativas do nosso cotidiano (desde conversar com a família durante o café da manhã, até o ato de expor o seu ponto de vista em uma reunião) exigem níveis de linguagem diferentes, às vezes informais e às vezes bastante formais. A compreensão e a utilização adequada destas variedades linguísticas são imprescindíveis para desempenhar uma boa comunicação. Operários, de Tarsila do Amaral AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 13 O premiado professor e escritor Cristóvão Tezza, em seu livro “Prática de texto para estudantes universitários”, afirma que as a imensa variedade linguística da oralidade pode ser dividida da seguinte forma: A) Diferenças sintáticas: aquelas que decorrem da ordem das palavras na fala (ele me disse x ele disse-me) ou de diferentes modos de realizar a concordância verbal (tu querias x tu queria ou nós estávamos x nós estava); B) Diferenças morfológicas: aquelas que decorrem da forma da palavra, tomada individualmente (vamos x vamo); C) Diferenças lexicais: isto é, diferentes nomes para o mesmo objeto (pandorga x pipa x raia x papagaio); D) Diferenças fonéticas: pronúncia diferentes da mesma unidade sonora sem distinção de significado (poRta, com erre “carioca” x porta, com erre “caipira”). Esta divisão, segundo Tezza, estaria determinada por inúmero fatores, entre eles: AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 14 1. A região do falante: Este aspecto talvez seja o mais facilmente observado no cotidiano, uma vez que cada região possui seu conjunto de características fonéticas (sons) bem estabelecido. É aquilo que chamamos de “sotaque”, que é marca registrada do território de onde viemos. Por exemplo, se ao chegarmos no nordeste falarmos a palavra “leite” (pronunciando Leiti), seremos logo identificados como sendo do sul do país. 2. O nível social do falante, sua escolaridade e sua relação com a escrita: Aqui ficam evidentes as diferenças entre a língua ensinada na escola e língua falada nas ruas, havendo discrepâncias no momento da escrita, como alguns pontos da concordância verbal (nós voltamos x nóis vortemo), emprego de alguns termos repudiados pela sociedade (menos pessoas x menas pessoas), uso de vocabulário literário, etc 3. A situação da fala: Como já vimos, o uso da língua exige adequação às circunstâncias que cercam o momento da comunicação. A mesma pessoa empregará variedades linguísticas diferentes ao longo do dia, dependendo de onde estiver: no escritório, no jogo, no bar, etc; da pessoa com quem está falando: chefe, professor, amigo, esposa, AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 15 etc; da sua intenção ao falar: dar uma ordem, chamar a atenção do filho, pedir um emprego, etc; da situação específica: um incêndio, uma peça de teatro, no tribunal. Os manuais de língua portuguesa costumam tradicionalmente a abordar os Níveis de Linguagem segundo três aspectos: Linguagem familiar: Utilizada quando não obrigatoriedade formal. Bastante presente no cotidiano, é a linguagem que normalmente vemos na televisão e nos jornais. Há preocupação relativa com a obediência às regras gramaticais. Linguagem Popular: Há pouca preocupação com as formalidade gramaticais, até porque elas não são necessárias neste ambientes. É linguagem corrente, carregada de gírias e falares regionais. Em termos de criatividade, esta é o tipo de linguagem mais rico em variações. Linguagem culta: Utilizada pela classes intelectuais da sociedade (muito mais na escrita do que na fala), é nível de linguagem presente nos meios diplomáticos, burocráticos e científicos; nos discursos e nos sermões; nos tratados jurídicos e nas sessões do tribunal. Fica evidente o uso pleno das normas gramaticais. AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 16 Contudo, muitas vezes há certo exagero na utilização deste recurso linguístico, como bem observa o professor paulista Walter Cevenita (Jornal Folha de S. Paulo, 02/05/93): “O Direito é uma disciplina cultural, cuja prática se resolve em palavras, direito e linguagem se entrelaçam e se confundem. Algumas vezes – infelizmente, mais do que o necessário – os profissionais da área jurídica ficam tão empolgados com os fogos de artifício da linguagem que se esquecem do justo e, outras vezes, até da lei. Nas acrobacias da escrita jurídica, chega-se a encontrar formas brilhantes nas quais a substância pode ser medida em conta-gotas. O defeito – também com desafortunada frequência – surge mesmo em decisões judiciais que atingem a liberdade e o patrimônio das pessoas” O uso exagerado de termos de difícil compreensão tem até nome, chama-se “juridiquês”, ou seja, uma “nova” língua que só iniciados (e olha lá! talvez nem eles) conseguem compreender. Vejamos um exemplo de tradução “do juridiquês para o português”: *Texto: “Com espia no referido precedente, plenamente afincado, de modo consuetudinário, por entendimento turmário iterativo e remansoso, e com amplo supedâneo na Carta Política, que não preceitua garantia ao contencioso nem absoluta nem ilimitada, padecendo ao revés dos temperamentos contritores limados pela dicção do legislador infraconstitucional, resulta de meridiana clareza, tornando despicienda maior peroração, que o apelo a este Pretório se compadece do imperioso prequestionamento da matéria abojada na insurgência, tal entendido AULA 02 PORTUGUÊS INSTRUMENTAL 17 como expressamente abordada no Acórdão guerreado, sem que estéril se mostrará a irresignação, inviabilizada ab ovo por carecer de pressuposto essencial ao desabrochar da operação cognitiva” *Tradução: “Um recurso, para ser recebido pelos tribunais superiores, deve abordar matéria explicitamente tocada pelo tribunal inferior ao julgar a causa. Isso não ocorrendo, será pura e simplesmente rejeitado, sem exame do mérito da questão” (Revista Língua Portuguesa, novembro 2005) É interessante verificarmos que a pessoa que escreveu o texto citado preocupou-se tanto em deixar o texto “bonito”, “estética e gramaticalmenteperfeito”, que acabou deixando de lado um item imprescindível para a comunicação: a clareza. De nada adianta eu escrever um texto cheio de firulas linguísticas se as pessoas depois não compreenderão o que eu quero dizer. Já pensou se essa apostila fosse toda escrita em Juridiquês? Provavelmente ela ficaria muito “bonita”, mas não serviria para muita coisa.
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