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A EVOLUÇÃO DA POLIS E DA EDUCAÇÃO COMO CONSEQÜÊNCIA DA EVOLUÇÃO DA ÉTICA GREGA, DA FASE ARCAICA À CLÁSSICA. Roberto Ramalho Tavares∗ Resumo: Este artigo procura demonstrar que o processo evolutivo da ética grega, da fase arcaica à fase clássica, desempenhou um papel fundamental na evolução e consolidação do pensamento grego, como também da polis e da educação, da qual remonta nosso sistema de educação. Abstract: This article attempts to demonstrate that the evolutive process of the greek ethics, from the archaic fase to the classic fase, played a fundamental role in the evolution and consolidation of the greek thought, as well as in the polis and education, of which retraces our education system**. Palavras chave: ética grega, polis, educação Key words: greek ethics, polis, education Introdução Pretendemos neste trabalho, de forma bastante sucinta, analisar a evolução da polis e da educação, como conseqüência da evolução da ética grega, da Grécia Arcaica até a Grécia Clássica, que correspondem, na Filosofia, aos períodos pré-socrático e socrático, entre os séculos VII e IV a.C. Para tanto, parece-nos interessante, e até mesmo fundamental, iniciarmos procurando uma melhor definição do que seja a ética enfocada neste trabalho. Valls (1994) afirma que “tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas”, enquanto que Moore (1980) emprega a palavra para “definir uma investigação para a qual em todo caso não existe outra palavra, ou seja, a investigação geral sobre aquilo que é bom”. Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e Especialista em Educação pela AEI-Organização Superior de Ensino de Itapetininga. O autor agradece os comentários da Prof.ª Dra. Marilene Nunes e do Prof. Dr. Ricardo Musse. ** Versão elaborada pela Prof.ª Esp. Janaína Corrêa, Professora de Língua Inglesa na Microcamp e CNA de Ribeirão Preto, Psicóloga e Especialista em Gestão Organizacional e em Recursos Humanos. De outra forma, Frankena (1969) afirma que a ética é um ramo da filosofia (Filosofia Moral) e sua primeira preocupação é o esboço das linhas gerais de uma teoria normativa que nos auxilie a solucionar problemas sobre o que é certo e como se deve agir. Nas palavras desse autor (Frankena, 1969), a “ética é a parte da Filosofia que se preocupa com a moralidade, seus problemas e juízos, ou com os problemas e juízos morais”. Destaca ainda, que, freqüentemente, as expressões “moral” e “ético” são usadas para se referir ao que é “certo” ou “bom”. Marilena Chaui (1999), verificando a origem da palavra “costume”, informa-nos que ela se origina tanto do grego ethos, como também do latim mores, das quais surgiram, respectivamente, os termos “ética” e “moral”. Afirma, também, que há duas formas de grafia, em grego, para a nossa vogal “e”: a vogal breve, chamada epsilon e, a vogal longa, chamada eta. Escrita com a vogal longa, ethos significa “costume”, mas com a vogal breve, significa “caráter, índole natural, temperamento, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa”. Ensina, então, a autora (Chaui, 1999) que “ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros”. Atribui-se a Sócrates o início da filosofia moral e, de acordo com Chaui (1999), “devemos a Aristóteles a distinção entre saber teorético e saber prático”. A autora define o saber teorético como o “conhecimento de seres e fatos que existem e agem independentemente de nós e sem nossa intervenção ou interferência” e o saber prático como o “conhecimento daquilo que só existe como conseqüência de nossa ação e, portanto, depende de nós”. Neste sentido, de acordo com Chaui (1999), a ética é um saber prático que, por sua vez, distingue-se como práxis ou como técnica. Na práxis o agente ou a ação e a finalidade são inseparáveis; já a técnica tem como finalidade a fabricação de alguma coisa diferente do agente e da ação fabricadora. A ética, conclui a autora (Chaui, 1999), refere-se à práxis e, ao contrário da técnica, “na práxis ética somos aquilo que fazemos e o que fazemos é a finalidade boa ou virtuosa”. Aspectos Históricos Macintyre (1970) justifica a importância da História da ética afirmando que os conceitos morais não “podem ser examinados e compreendidos com independência de sua história”. Os conceitos morais variam na medida em que variam as diversas formas da vida social na qual estão intimamente ligados. Neste mesmo sentido, Chaui (1999) afirma que as condições históricas determinam a modificação dos valores morais. Sob outro enfoque, ao explicar a distinção, ou diferenciação, entre a História da educação e a História da pedagogia, mas querendo justificar, em todo caso, a importância da “história” em si, lembramos, também, das palavras de Cambi (1999), para quem o passado é a infra-estrutura condicionante do presente: “A história é o exercício da memória realizado para compreender o presente e para nele ler as possibilidades do futuro (...)”. Para Cambi (1999), deve-se reconhecer no mundo clássico, ou melhor, na Grécia clássica mais especificamente, a origem de nossa cultura. Partindo dessa premissa, o seu estudo auxilia a descoberta ou a recuperação dos pré-requisitos que constituem a estrutura profunda de toda a cultura (ética, política, social ou cognitiva) ocidental. Nesse sentido, justifica-se a importância do conhecimento da ética grega antiga, cuja origem remonta ao século VIII a.C., encontrando-se o período áureo do pensamento grego entre os anos 500 e 300 a.C., quando, segundo Valls (1994), despontam pensadores, tais como Sócrates, Platão e Aristóteles. Naquele período surgiram muitas idéias, definições e teorias que até hoje nos acompanham e são tidas como paradigmas do humanismo. Deve-se salientar, entretanto, que os gregos, colocados no ápice do desenvolvimento da cultura antiga, na verdade são tidos como os intérpretes mais maduros de um pluralismo de povos, culturas e religiões unificados pelo Mediterrâneo. Nas palavras de Cambi (1999), o mundo grego é devedor “ao mundo mediterrâneo de muitas de suas prerrogativas, ou pelo menos de alguns importantes pré-requisitos dessas prerrogativas: os números e a matemática; a geometria; a idéia de divindade e a de lei etc.”. Os historiadores, conforme Chaui (1999), dividem a História da Grécia em quatro grandes fases ou épocas: a da Grécia Homérica; a da Grécia Arcaica ou dos Sete Sábios, do século VII ao século V antes de Cristo; a da Grécia Clássica, nos séculos V e IV a.C.; e, a Época Helenística, a partir do final do século IV a.C. A Filosofia só aparece em meados da Grécia Arcaica, razão pela qual os períodos da Filosofia não correspondem exatamente aos fixados pelos historiadores. Há quatro grandes períodos: o período pré-socrático ou cosmológico, entre os finais dos séculos VII a V a.C.; o período socrático ou antropológico, entre o final do século V e todo o século IV a.C.; o período sistemático, do final do século IV ao final do século III a.C.; e, o período helenístico ou greco-romano, entre o final do século III a.C. até o século VI depois de Cristo (Chaui, 1999). No que diz respeito à História da Educação grega, Monroe (1969) divide-a em dois grandes períodos: o antigo e o novo, com o “ponto de divisão da Idade de Péricles ou meados do V século a.C.”. O período antigo abrange a época homérica – ou pré-histórica – e a época histórica; o período novo é representado por uma época de transição em que principia o pensamento filosófico e por uma época de decadência na qual florescemas escolas retóricas. A Polis Polis é o termo que designa o Estado grego, compreendendo a cidade e seu território. Mas a polis apenas parcialmente exprime a expressão “cidade-estado”, já que seu significado é extremamente rico (Mossé, 1982). A polis é “um Estado que se autogoverna”, uma cidade com forte unidade espiritual e que é aberta para o exterior, diz Cambi (1999). O surgimento da polis, de acordo com Vernant (1977), ocorre entre os séculos VIII e VII a.C. e se constitui num fato de fundamental importância, decisivo, na História do pensamento grego. As conseqüências do aparecimento da polis, principalmente no plano intelectual, atingirão sua plenitude, entretanto, após ela percorrer diversas etapas e assumir formas variadas. A polis proporcionou uma nova forma para a vida social e para as relações entre os homens. Cambi (1999) acrescenta que as leis e os ritos, que fazem da polis uma comunidade de vida espiritual, “formam a consciência de cidadão e inspiram seus comportamentos por meio de normas que fixam ações e proibições”. A vida na polis significava para os gregos, conforme Arendt (1981), “uma forma de organização política muito especial e livremente escolhida, bem mais que mera forma de ação necessária para manter os homens unidos e ordeiros”. Com o surgimento da cidade-estado o homem recebe uma espécie de segunda vida – o seu bios politikos –, além de sua vida privada. Dessa forma, o cidadão pertence a duas ordens de existência: aquela que lhe é própria (idion), e o que é comum (koinon). De acordo com essa autora (Arendt, 1981), a polis era a “garantia contra a futilidade da vida individual, o espaço protegido contra esta futilidade (...)”. Despojando-se do caráter privado, o Estado já aparece como questão de todos e, parecendo querer refletir essa concepção, a cidade passa a ser centralizada na ágora e não mais em torno do palácio real, tornando-se por isso, “no sentido pleno do termo, uma polis” (Vernant, 1977). A ágora, antes um local de mercado em torno do qual se instalavam as lojas, passa a ser uma praça pública, um espaço comum, espaço cívico, um lugar de reunião em que são debatidos os problemas de interesse geral. Hipódamos de Mileto, que viveu no século V a.C., segundo Ferrari (1979), é um dos primeiros urbanistas conhecidos, atribuindo-se a ele e seus discípulos os planos das cidades de Alexandria, Mileto e outras. Para Hipódamos, a cidade deve subdividir-se em três partes principais: a dos deuses, a do Estado e a dos indivíduos. Em seus projetos posicionava a ágora no centro geométrico da cidade, próxima aos edifícios públicos. Nesse sentido, a cidade grega é considerada orgânica, já que cada órgão está posicionado no lugar em que deve cumprir sua função específica. A cidade contemporânea, por sua forma e arquitetura, tem suas raízes na Grécia. Dentre as cidades gregas mais conhecidas, e que exercia um influxo sobre todas as demais, Cambi (1999), desponta Atenas, que, nas palavras de Mossé (1982), é aquela “cuja vida nos parece bastante próxima e familiar”. Ferrari (1979) informa que, no século V a.C., dos 300.000 habitantes de Atenas, 115.000 eram escravos. Aristóteles e Platão (apud Ferrari, 1979), que viveram naquele século, achavam Atenas demasiadamente grande, já que, para eles, “a população ideal de uma cidade seria de 10.000 ‘cidadãos’, no que concordavam com Hipódamos”. Arendt (1981) acrescenta que os gregos tinham consciência de que a polis só sobreviveria se o número de “cidadãos” permanecesse limitado. Tanto Ferrari (1979) quanto Chaui (1999) esclarecem que, nesse contexto, deve-se entender por “cidadãos” os homens livres, pelo que estavam excluídos da cidadania as mulheres, escravos, crianças, velhos e os estrangeiros. Incluindo-os, conforme Ferrari, a população ideal não deveria ultrapassar 100.000 habitantes. De acordo com Cambi (1999), a polis grega foi uma das responsáveis pelo que diversos estudiosos denominam de “milagre grego”, referindo-se à evolução que se processa na Grécia, em contraponto com o mundo mediterrâneo em geral, na direção da laicização, à racionalização e à universalização. A polis, mesmo alimentada de conflitos e tensões, propicia abertura para mudanças dos equilíbrios sociais. Segundo Vegetti (apud Cambi, 1999), Tucídides, historiador e contemporâneo de Eurípedes, referindo-se a Atenas, principalmente, afirmava que “a cidade é uma empresa educativa”, pois tende a garantir os requisitos essenciais (a integração, a coesão e a homogeneidade de base) para a sobrevivência e segurança da cidade. Atendendo esse objetivo, a atividade educativa é total e permanente, o que faz da polis, de acordo com este autor, uma “comunidade pedagógica”. O teatro e a tragédia, espelhos da comunidade, estão entre os instrumentos fundamentais dessa educação comunitária. Arendt (1981) acrescenta que “as artes da guerra e do discurso (rethorike) emergiram como os dois principais tópicos da educação”, apesar de, com a evolução da polis, “separarem-se e tornarem-se cada vez mais independentes”. As características mais marcantes da polis, de acordo com Vernant (1977), são a utilização da palavra, que sobrepujava todos os outros instrumentos de poder, e a publicidade que se dava às manifestações mais importantes da vida social. As questões mais importantes são submetidas à arte da oratória, cujo teatro é a ágora, e resolvidas na conclusão de um debate, o qual constitui a essência do jogo intelectual e político. Mas, além da relevância da palavra e das práticas públicas, Vernant (1977) afirma que havia um outro aspecto que caracterizava e determinava o universo da polis: a isonomia. Substituíram as relações de submissão e domínio pela relação de reciprocidade reversível. Apesar da realidade social, no plano político os cidadãos se concebem como iguais. Entre o fim do século VII a.C. e durante o século VI a.C., os gregos vivem um período de crise e de conflitos internos, de origem fundamentalmente econômica, com uma discussão de todo o seu sistema de valores, redundando, no campo do direito e da vida social, nas reformas associadas à Epimênides, Sólon, Pítaco ou Periandro (Vernant, 1977). Falando sobre os atenienses de forma específica, Mossé (1982) afirma que o povo começava a adquirir uma importância cada vez maior na vida da cidade. Para acabar com os litígios sangrentos entre as famílias aristocráticas e instituir um direito comum a todos, limitado aos casos de assassinatos, é elaborado o código de Drácon, nos últimos anos do século VII a.C. Mas, apesar de prejudicar os privilégios judiciários das antigas gene (as grandes famílias aristocráticas), as Leis de Drácon não conseguiram acabar com o “monopólio político da aristocracia, assim como não ameaçaram sua dominação social”. No domínio intelectual, estruturam-se as noções fundamentais da nova ética grega, associando-se o religioso, o jurídico, o político, o social e o econômico, visando colocar um limite à ambição de poder pelos gene, criando uma regra geral que se aplicasse igualmente a todos, denominada Dike. Assim, a Dike, conforme Vernant (1977), “concilia, harmoniza esses elementos para fazer deles uma só e mesma comunidade, uma cidade unida”. A reforma constitucional de Sólon, segundo este último autor (Vernant, 1977), introduz o princípio de que o “dano causado a um indivíduo particular é na realidade um atentado contra todos”. Cria espaço para a igualdade, mas uma igualdade hierarquizada. Após a queda do tirano Pisistrátidas, Clístenes reestrutura administrativamente a polis, numa base puramente geográfica, abolindo a organização tribal. O ideal igualitário, de isonomia liga-se diretamenteà realidade política. “A Polis apresenta-se como um universo homogêneo, sem hierarquia, sem planos diversos, sem diferenciação” (Vernant, 1977). A Educação Grega De acordo com Marrou (1975), a História da Educação na Antigüidade demonstra as origens da nossa tradição pedagógica e que o essencial de nossa civilização e do nosso sistema de ensino remonta à civilização grega. Na Antigüidade, a existência de um sistema de educação, de forma definitiva e plenamente desenvolvida, pode ser atribuído, de forma efetiva, após “a contribuição decisiva de dois grandes educadores que foram Platão (†348) e Isócrates (†338)”. Marrou (1975) define a educação como “a técnica coletiva pela qual uma sociedade inicia sua geração jovem nos valores e nas técnicas que caracterizam a vida de uma civilização”. Por conseguinte, sendo a educação um reflexo, um fenômeno secundário e subordinado ao desenvolvimento daquela última, na Grécia ela só atinge sua forma plena e madura após a era helenística, quando a civilização atinge sua “própria Forma”. Lembrando da importância da educação no período homérico, no sentido de ser o marco inicial para todo o desenvolvimento posterior, Monroe (1969) afirma que a instituição dominante, a cidade-estado, forneceu a base e os ideais da educação do antigo período. Para esse autor (1969), assim como para Marrou (1975), a Ilíada e a Odisséia, no período homérico, proporcionaram aos gregos orientação moral, inspiração estética e direção prática para todas as necessidades da vida, preenchendo, desta forma, uma função similar àquela realizada pela Bíblia na educação do povo anglo-saxão. No século VI a.C., após a crise da tirania, o problema que exigia uma solução mais urgente era a formação do “homem político”, época em que a gestão dos negócios públicos e o exercício do poder, atividades consideradas nobres, assumem posição fundamental e se constituem objetivo supremo do homem grego, principalmente na democrática Atenas (Marrou, 1975). A antiga educação grega atingiu um período brilhante de realizações pessoais e de desenvolvimento no século V a.C., conhecido como século de Péricles, quando a civilização grega atingiu seu mais alto nível. Apesar da antiga educação ter fornecido a base para essas realizações, Monroe (1969) afirma que “ela era insuficiente para satisfazer as exigências da época e inteiramente inadequada para as necessidades futuras”. Nesse período, de acordo com o autor acima, e na mesma obra, ofereciam-se maiores oportunidades e exigiam-se mais dos indivíduos, impondo-se, portanto, uma educação adequada, visando mais “o desenvolvimento individual do que o serviço à cidade- estado, e em que o indivíduo não fosse absorvido pelo cidadão”. A velha moralidade, baseada nas instituições da cidade-estado, da família e do culto dos deuses familiares, é substituída por uma nova moralidade, baseada no interesse próprio ou no esclarecimento racional (Monroe, 1969). A escrita é popularizada através de uma técnica mais precisa, de origem fenícia. De acordo com Monroe (1969), “a leitura e a escrita foram introduzidas nas escolas por volta do ano 600 a.C., mas, muito antes disso, os poemas homéricos eram ensinados oralmente, como continuariam a sê-lo depois”. Cambi (1999, p.86) afirma que a “polis como organismo também educativo entra em crise; a ela se contrapõe o indivíduo, o sujeito, que (...) é levado a buscar uma nova identidade”. De outra forma, podemos dizer que o padrão de educação anterior, das famílias aristocráticas, é, então, alterado, visando à formação de bons oradores, de armá-los para a luta política, fazê-los conduzir bem a própria casa e de gerirem com eficiência os negócios do Estado. Surgem, então, os sofistas, considerados por Chaui (1999) como os primeiros filósofos do período socrático, e cujas atividades desenvolvem-se na segunda metade do século V a.C. (Marrou, 1975). Os sofistas consideravam que o requisito prévio de uma carreira social bem sucedida era o êxito nos foros públicos, nos tribunais e nas assembléias e, para isto, “era necessário convencer e agradar” (Macintyre, 1970). Os sofistas são tidos por Marrou (1975) como inovadores, além de serem os primeiros professores do ensino superior e de terem estimulado uma série de tendências pedagógicas diversas. Neles se destaca “a condição de homens de negócio, para os quais o ensino é uma profissão cujo êxito comercial lhe atesta o valor intrínseco e a eficácia social”. Protágoras de Abdera é tido como o primeiro a propor ensino desse tipo, de ordem totalmente prática, em que prevalece o caráter utilitário e pragmático. Ensina-se a vencer em toda discussão possível. E, para ter êxito aí, de acordo com Macintyre (1970), deve-se aprender a adaptar-se às convenções dominantes. É nesta época, conforme Cambi (1999), dos sofistas e de Sócrates, que se assinala uma guinada, determinante para a cultura ocidental, que é a passagem de “uma dimensão pragmática da educação para uma dimensão teórica”, da “educação para a pedagogia”. Surge a pedagogia como saber sistemático, autônomo e rigoroso. Após a geração dos sofistas e de Sócrates (considerado o mais importante adversário dos sofistas), sucede outra, no século IV a.C., cujos expoentes são Platão e Isócrates, que consolidam a evolução da educação antiga, conduzindo-a à sua maturidade (Marrou, 1975). De acordo com Cambi (1999), Platão rearticula o modelo de formação em relação às diversas classes sociais, e Isócrates desenvolve um modelo alternativo, complementar ao platônico, e dominante no mundo antigo. Mas a educação somente atinge sua “Forma” clássica e definitiva após a próxima geração, de Aristóteles e Alexandre, o Grande. A partir daí não se notam mudanças radicais, a não ser pequenos ajustes. A educação clássica termina por perder muito do que restava de seu caráter nobre e a cultura física continua a perder valor e importância progressivamente (Marrou, 1975). Até a revolução cultural do cristianismo, segundo Cambi (1999), todo o mundo antigo ficará apoiado num dualismo que se reflete e pode ser resumido na distinção e discriminação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, ou da escola técnica, de caráter aplicativo, pragmática, de um lado, pela desinteressada, de caráter contemplativo, teórico e cultural, de outro. Considerações Finais Parece inegável e indiscutível a contribuição da civilização grega para a humanidade, o que se percebe pelos aspectos de proximidade e familiaridade que a análise histórica nos proporciona, principalmente com relação aos atenienses, como bem asseverou Mossé (1982), e, de forma mais específica, de acordo com Cambi (1999), com relação à pedagogia e a educação, dos quais herdamos suas estruturas mais profundas. São fenômenos que transcenderam um território e venceram a barreira do tempo. Baseado no entendimento de Charon (1999) acerca da cultura, como sendo uma perspectiva comum do mundo, um conjunto de verdades, de valores, de objetivos e de normas; que a cultura é aprendida, que é uma herança social, e também que é fundamental para o indivíduo e para a organização, fica evidente, também, a importância que a educação desempenhou na disseminação e propagação da cultura grega. Neste sentido, tanto Cambi (1999) quanto Marrou (1975) demonstram que não só nosso sistema de educação, como também o essencial de nossa civilização remontam à civilização grega. Este último chega a afirmar que somos “greco-latinos”, o que comprova, de acordo com Macintyre (1970) e Cambi (1999), a importância do estudo da história da ética, especialmente a ética grega. Percebe-se, também, que há unanimidade entreos autores sobre a importância que a polis representou na formação do pensamento grego, como também na educação, em que, de acordo com Monroe (1969), ela forneceu a bases e os ideais para sua evolução. Vernant (1977), por sua vez, afirma que a polis propiciou uma nova forma para a vida social, como também para as relações entre os homens. Cambi (1999), de outro lado, acrescenta que a polis foi uma das responsáveis pela evolução grega (“milagre grego”) em direção da laicização, da racionalização e da universalização. Para Vernant (1977), o surgimento da polis, conforme dissemos, é um acontecimento decisivo na história do pensamento grego. Na verdade, o aparecimento do pensamento racional está vinculado, ou solidário, com as estruturas mentais e sociais que são próprias da cidade grega. Esta importância fica ainda mais evidente, quando Vernant (1977) afirma que “a razão grega (...) é filha da cidade”. Fundamental, entretanto, para a evolução do pensamento grego e da polis, inclusive como organismo educativo, é o surgimento da moralidade baseada na esfera pública (tida como o coroamento da atividade humana) em substituição gradativa à moralidade baseada na esfera privada. Essa passagem é possível graças a um esforço de renovação propiciado pela associação do religioso, do social e do jurídico. De fato, conforme Arendt (1981), a cidade-estado possibilitou ao “cidadão” que convivesse, também, numa outra esfera, que é a pública. Viver na polis significava que as decisões, mediante as palavras e a persuasão, sobrepujavam a força; o discurso se sobrepõe à ação; ou, de acordo com Vernant (1977), a utilização da palavra sobrepujava qualquer outro instrumento de poder. Esse processo impôs, por conseguinte, uma educação adequada, em que o discurso (rethorike) emerge como um de seus principais tópicos. Para tanto a polis, como “empresa educativa” ou “comunidade pedagógica”, no entendimento de Tucídides, deve se adequar para atender às demandas requeridas pela sociedade. Referências ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense, 1981. CAMBI, Franco. História da pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999. CHARON, Joel M. Sociologia. Tradução de Laura Teixeira Motta; revisão técnica de Paulo Sérgio Nakazone. São Paulo: Saraiva, 1999. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 11.ed. São Paulo: Ática, 1999. FERRARI, Célson. Curso de planejamento municipal integrado. 2.ed. São Paulo, Pioneira, 1979. FRANKENA, Willian K. Ética. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. MACINTYRE, Alasdair. Historia de la ética. Buenos Aires: Paidos, 1970. MARROU, Henri Irénee. História da educação na antigüidade. Tradução de Mário Leônidas Casanova. São Paulo: EPU/INL, 1975. MONROE, Paul. História da educação. 8.ed. 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