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Capítulo 1 Estrutura e função da glândula mamária Introdução O sistema mamário da vaca é um órgão complexo que foi desenvolvido para utilizar os nutrientes absorvidos no trato gastrointestinal ou oriundos das reservas corporais do animal. Esses nutrientes encontram-se disponíveis na corrente sangüínea para a síntese de leite pela glândula mamária. O leite é produzido continuamente e armazenado até sua retirada pela mamada do bezerro ou pela ordenha manual ou mecânica. O sistema mamário está preparado para desempenhar essas funções imediatamente após o parto do primeiro bezerro, quando ocorre o início do período da lactação. Sendo assim, o entendimento básico da estrutura anatômica, da síntese e da retirada do leite da glândula mamária torna-se importante para melhor compreensão da função da glândula mamária. Anatomia do úbere e ligamentos suspensórios Por meio de intensa seleção genética, a vaca leiteira está adaptada para a produção de grandes volumes de leite. As estruturas mamárias que em animal usa para produzir leite estão localizadas no úbere, o qual está localizado na parte posterior do abdome, para que o bezerro tenha fácil acesso ao leite. O úbere é uma glândula secretora composta por quatro quartos funcionalmente separados. A glândula mamária de uma vaca com alto teor de leite pode produzir e armazenar mais de 20 kg de leite entre cada ordenha. Além disso, o tecido da glândula mamária é bastante volumoso e pesado. Por exemplo, em uma vaca adulta o peso total do úbere pode chegar a 50 kg. O sistema de suporte dessa glândula é feito por um conjunto de tecidos que fornecem sustentação à glândula mamária, destacando-se os ligamentos suspensórios (Figura 1). Em cada lado, o ligamento suspensório lateral, que é composto de tecido fibroso, é inserido nos ossos púbicos e formam um suporte muito resistente para o úbere. No centro deste encontra-se o ligamento suspensório medial, o qual fixa o úbere à parede abdominal e à pelve, sendo o sistema suspensório de extrema importância. Quando se observa a porção posterior do úbere, pode-se identificar uma linha média que o divide em duas partes. A elasticidade do ligamento medial permite absorver os impactos resultantes da movimentação do animal; contudo, esse ligamento sofre certo relaxamento com o avançar da idade e com a constante produção de leite. Pode ocorrer rompimento ou distensão excessiva desse conjunto de tecidos, causando a formação do úbere pendular, o que acarreta dificuldade de ordenha, maior predisposição a lesão 1 nos tetos e maior risco de infecções intramamárias. A seleção genética para obtenção de animais com ligamento medial mais resistente pode ser uma ferramenta importante para evitar esses problemas. Na vaca adulta, o tamanho do úbere é um indicador, ainda que de pouco utilidade, da quantidade de leite que será produzida. Em novilhas, entretanto, ocorre rápido crescimento durante a primeira prenhez, sendo, dessa forma, o tamanho do úbere é um indicador limitado da capacidade futura de produção. Embora o úbere da vaca pareça ser uma única unidade, ele é constituído de quatro glândulas mamárias distintas que funcionam independentemente (Figura 1). Normalmente, os quartos anteriores pesam cerca de dois terços dos quartos posteriores, o que se traduz emmaior produção de leite nos quartos posteriores. As duas glândulas do mesmo lado apresentam intercomunicações de vasos sangüíneos e são separadas apenas por um delgado tecido conjuntivo; no entanto, as glândulas do lado esquerdo são completamente separadas daquelas do lado direito peloligamento suspensório medial, apresentando suprimento sangüíneo, nervoso e ligamentos suspensórios totalmente distintos. 2 Figura 1 Anatomia dos ligamentos supensórios da glândula mamária. A forma e a posição dos tetos têm um efeito muito importante na facilidade de ordenha com equipamento; tetos muito grandes ou muito pequenos ou que apresentam um ângulo muito aberto entre si causam dificuldade de colocação e manutenção das teteiras durante a ordenha. Em média, o tamanho dos tetos anteriores é de aproximadamente 6,6 cm de largura e 2,9 cm de diâmetro, enquanto os tetos posteriores apresentam comprimento de 5,2 cm e diâmetro de 2,6 cm. A superfície dos tetos apresenta pele bastante fina e a parede possui uma série de fibras musculares lisas e extenso suprimento sangüíneo e nervoso. A extremidade do teto apresenta um orifício que se comunica com a cisterna deste através de canal. O orifício do teto é mantido fechado entre as ordenhas por meio de um grupo de fibras musculares que formam o esfíncter do teto. A manutenção da integridade dos tecidos do canal e orifício do teto é extremamente importante na proteção do úbere contra a penetração de bactérias que podem causar mastite. Nesse sentido, o equipamento de ordenha desempenha papel fundamental, pois quaisquer problemas associados com níveis inadequados de vácuo, sistema de pulsação deficiente ou sobreordenha podem causar lesões no canal do teto e facilitar a penetração de microrganismos causadores de mastite. 3 Vacas que apresentam tetos com canal relaxado, fraco ou mesmo com diâmetro amplo tendem a apresentar ordenha mais rápida (2 a 3 minutos) e maior predisposição à mastite. Por outro lado, vacas com esfíncter mais resistente e canal do teto com diâmetro reduzido têm, normalmente, ordenha mais lenta (10 minutos ou mais) e são menos propensas a infecções intratamamárias1. 4 Aproximadamente 40%-50% das vacas apresentam tetos extranumerários, principalmente nos quartos posteriores. Esses tetos são normalmente “não-funcionais”, mas podem se tornar infectados por microrganismos que causam mastite. É recomendado fazer a remoção dos tetos extranumerários ainda no animal jovem, pois à medida que este se torna adulto, aumenta a dificuldade de retirada desses tetos. Componentes do tecido secretor A glândula mamária é composta por dois tipos de tecido: o tecido conjuntivo, que pode ser fibroso ou adiposo, e o tecido secretor, que é formado pelas células epiteliais secretoras de leite. Em cada glândula ou quarto, o leite é produzido e armazenado em uma cisterna central (volume de aproximadamente da 100 a 2000 ml), chamada cisterna da glândula, a qual drena o leite para a cisterna do teto (volume de aproximado de 10 a 50 ml) no momento da ordenha. O leite sintetizado continuamente pelas células epiteliais flui para dentro da cisterna da glândula através de milhares de ductos. Os ductos menores são aqueles que recebem o leite produzido nos alvéolos, os quais se comunicam com ductos maiores formando lóbulos. Sendo assim, um lóbulo é constituído por um conjunto de alvéolos circundados por tecido conjuntivo. Grupos de lóbulos formam, posteriormente, um lobo, o qual é drenado por um ducto maior que se comunica com a cisterna da glândula. O tecido secretório básico, também chamado de parênquima da glândula mamária, é representado pelo alvéolo. Cada alvéolo apresenta todas as estruturas necessárias para a síntese e o escoamento de leite para o sistema de ductos. A cavidade central do alvéolo ou lúmen é circundada por uma camada de células secretoras, nas quais o leite é produzido. O alvéolo é circundado por uma camada de células mioepiteliais, que são características da glândula mamária. Nenhuma mudança ocorre no leite que está presente nos ductos (Figura 2). Quando ocorre a contração dessas células sob estímulo do hormônio ocitocina, o leite contido nos alvéolos é expulso para os ductos maiores e, posteriormente, para a cisterna da glândulae do teto. O alvéolo é circundado por um rico suprimento sangüíneo e linfático que fornece os nutrientes necessários para a síntese do leite pelas células secretoras. 5 Com o aumento do número de ordenhas diárias, ocorre aumento na síntese de leite pelas células secretoras alveolares, pois a retirada constante do leite reduz a pressão interna do alvéolo e diminui a taxa de involução do tecido secretor, que ocorre com o avançar da lactação. Para destacar a capacidade de armazenamento da secreção láctea pelos alvéolos, em uma vaca imediatamente antes da ordenha cerca de 60% de todo o leite sintetizado está armazenado no interior dos alvéolos e ductos maiores, e apenas aproximadamente 40% está contido na cisterna da glândula e ductos maiores. Figura 2 - Estrutura da glândula mamária e alvéolo secretor. 1 Suprimento sangüíneo para a glândula mamária A síntese de leite requer uma grande quantidade de nutrientes, os quais têm origem na corrente sangüínea. Para cada litro de leite produzido, estima-se que seja necessário o bombeamento de aproximadamente 500 litros de sangue para a glândula mamária. O suprimento sangüíneo da glândula mamária aumenta rapidamente após o início da lactação, ocorrendo também um aumento de 2-6 vezes no fluxo sangüíneo para a glândula mamária 2-3 dias após o parto. A redução da produção de leite, com o avanço da lactação, não é devido à diminuição do fluxo sangüíneo para a glândula mamária. 6 O sistema vascular arterial que supre a glândula mamária com precursores para a síntese de leite é composto por vasos que saem da cavidade abdominal através do canal inguinal direito e esquerdo. O suprimento sangüíneo arterial tem origem na artéria ilíaca externa, assim como através da artéria abdominal subcutânea e artéria perineal. Um grande número de pequenas veias se junta para formar o sistema venoso que drena a glândula mamária para três troncos principais: a veia subcutânea abdominal, também conhecida como veia do leite ou veia mamária; a veia pudenda externa e a veia perineal. Suprimento arterial e venoso da glôndula mamária 1. Coração 2. Aorta 3. Veia cova posterior 4. Artéria e veia ilíaca externa 5. Artéria e veia pudenta externa 6. Artéria e veia ilíoca interna 7. Artéria e veia perineal 8. Artéria mamária caudal 9. Artéria mamária craniana 10. Ciclo venoso do aspecto craniano 11. Veia abdominal subcutânea 12. Veia cava anterior 7 O sistema linfático apresenta uma função muito importante para a glândula mamária, devido à remoção dos fluidos, sendo assim, quando ocorre dificuldade de circulação linfática, ocorre a formação de edema no úbere, sendo esse quadro bastante comum no início da lactação. Além da função de fornecimento de nutrientes para a glândula mamária, a circulação apresenta importante papel, carreando hormônios e outras substâncias que controlam a atividade da glândula mamária. Inervação do sistema mamário O principal suprimento nervoso para a glândula mamária tem origem em ramos dos nervos lombares que passam através do canal inguinal e atingem o úbere. Essas fibras nervosas são compostas principalmente por nervos sensoriais, ainda que o plexo mesentérico caudal apresente fibras do sistema simpático que controlam o fluxo sangüíneo nas arteríolas e, assim, o suprimento de sangue para os alvéolos. A pele dos tetos apresenta extenso suprimento de nervos sensoriais, no entanto o parênquima glandular possui pouco ou nenhuma inervação e as estruturas alveolares são totalmente desprovidas de inervação. Ivervação do úbero 1. Medula espinhal 2. Gânglio do tronco do nervo simpático 3. 1o nervo lombar 4. 2o nervo lombar 5. 3o nervo lombar 6. 4o nervo lombar 7. nervo inguinal 8. anel inguinal 9. nervo inguinal anterior 8 10. nervo inguinal posterior Células secretoras Cada alvéolo é constituído por uma camada de células que produzem os componentes do leite e os secretam dentro do lúmen alveolar. A quantidade de leite produzido é proporcional ao número de células secretórias presentes na glândula mamária. Essas células são altamente especializadas para a síntese de componentes do leite. Certas características genéticas que são importantes para a produção de leite se expressam nelas. Com a secreção dos componentes sólidos do leite para dentro do lúmen alveolar, ocorre também a entrada de água para manter a pressão osmótica estável. Após a secagem da vaca, as células secretórias sofrem um processo chamado de involução, no qual estas retornam a um estado de dormência até que ocorra um novo estímulo após o parto. Célula mamária em processo de loctoção Proteína do leite no vacúlo Lisossomo Complexo de Galgi Mitocôndria Núcleo Teado conjuntivo Membrana plamática Microtúbulos Retículo endosplasmático liso Ribossomos retículo endoplasmático 9 Citoplasma salúvel Reflexo da ejeção do leite Na natureza, o leite é liberado pela mãe quando o bezerro mama. Já nos rebanhos leiteiros, as vacas devem ser treinadas para responder aos estímulos do ordenhador e do equipamento de ordenha. As células mioepiteliais (músculo liso) que envolvem o alvéolo estão sob controle hormonal. Quando estimuladas, elas,se contraem e causam a expulsão do leite para fora do alvéolo, que pode então ser removido pelo bezerro ou ordenhadeira. Sem a contração das células mioepiteliais, grande parte do leite contido nos alvéolos e pequenos ductos não é ordenhada, o que pode levar a redução na quantidade de leite extraída da glândula mamária. O início da contração das células mioepiteliais é uma combinação de estímulo nervoso e hormonal. A vaca responde ao estímulo do ordenhador ou bezerro por meio de seu sistema nervoso sensorial, quando é feita a preparação da vaca antes da ordenha – estímulo manual do teto, lavagem, ruído da ordenhadeira ou presença do bezerro. O estímulo táctil no teto ativa receptores nervosos da pele, os quais enviam esse estímulo até a medula espinhal e de lá até o hipotálamo, causando a liberação de ocitocina pela hipófise na corrente sangüínea. Após o estímulo da liberação da ocitocina pela hipófise, esse hormônio é carregado pela corrente sangüínea até a glândula mamária em aproximadamente 19 a 22 segundos e se liga a receptores nas células mioepiteliais, estimulando sua contração e, assim, a expulsão do leite para grandes ductos e cisterna da glândula. Deve ser enfatizado o fato de que o principal estímulo para o reflexo de ejeção do leite é o contato manual nos tetos antes do início da ordenha. Isso ocorre devido à ação de inibição do estímulo simpático, o que causa relaxamento não apenas do esfíncter do canal do teto, mas também dos ductos maiores que drenam o leite para a cisterna da glândula mamária. Esse efeito 10 aumenta também a irrigação sangüínea para o alvéolo com o relaxamento de arteríolas, o que, aumenta desta forma, a quantidade de ocitocina que chega às células mioepiteliais para o estímulo ao reflexo de ejeção do leite. Sendo assim, é de suma importância que as unidades de ordenha sejam colocadas nas vacas durante a ordenha em no máximo 30-60 segundos após o início da estimulação dos tetos, com o objetivo de obter a extração mais completa do leite, uma vez que a ocitocina tem uma meia-vida de aproximadamente 3,5 minutos, desaparecendo rapidamente da corrente sangüínea através da eliminação pelo fígado e rins. Mesmo com um excelente manejo de ordenha, uma parte do leite presente na glândulamamária não é removida na ordenha, que é conhecida como leite residual. O volume de leite residual pode variar de 10%-25% do volume total de leite antes da ordenha. Quando ocorre algum distúrbio que cause desconforto para a vaca antes ou durante a ordenha, o volume de leite residual pode aumentar consideravelmente. De forma similar, o leite residual pode aumentar também se ocorrer grande demora entre o início da estimulação dos tetos e a colocação das unidades de ordenha. Quando a unidade de ordenha é colocada após 1 minuto do início da estimulação dos tetos, ocorre a formação de 11,2% de leite residual, enquanto quando a unidade de ordenha é colocada 5 minutos após o início da estimulação, o volume de leite residual aumenta para 24,8%. Esse reflexo neuro-hormonal pode ser um bom exemplo de adaptação evolutiva, pois quando o bezerro não estava mamando na vaca não haveria necessidade da descida do leite. Alguns estímulos nervosos negativos, como dor ou estresse, causam inibição do reflexo da descida do leite. A inibição do reflexo da ejeção do leite ocorre por meio de três mecanismos principais: 1. bloqueio total ou parcial da liberação da ocitocina pela hipófise inibindo a adrenalina; 2. adicionalmente a adrenalina tem efeito na vasoconstrição de arteríolas e capilares da glândula mamária, impedindo que quantidades suficientes de ocitocina cheguem às células mioepiteliais; e 3. finalmente, a adrenalina atua bloqueando os receptores específicos na superfície das células mioepiteliais, os quais deveriam ser ocupados pela ocitocina para estímulo à contração. Este efeito é mediado por outro hormônio, a adrenalina. Desta forma, o local da ordenha deve ser um lugar calmo e silencioso para que não haja inibição da descida do leite. Barulho excessivo e agressividade com as vacas antes da ordenha causam redução da descida do leite e consequentemente, diminuição da produção e aumento do leite residual. Raças leiteiras especializadas na produção de leite, de origem européia (Holandesa, Jérsei e Pardo-Suiço) apresentam boa resposta ao estímulo artificial (contato manual do ordenhador nos 11 tetos) para a ativação do reflexo de ejeção do leite. Entretanto, vacas de raças zebuínas têm este reflexo de ejeção completo apenas com a presença ou contato do bezerro, o que pode gerar dificuldades da ordenha mecânica destes animais. Figura 1.3 - Reflexo neurohormonal da ejeção do leite 1.8 Referências bibliográficas 1. NICKERSON, S.C. Bovine mammary gland: structure and function; relationship to milk production and immunity. Agri-Practice. v. 15, n.6, p.8-18, 1994. 2. NICKERSON, S.C. Milk production: factors affecting milk composition. In: HARDING, F. (Ed.). Milk Quality. Chapman & Hall, London, p. 3-23, 1995. 3. LARSON, B.L. (Ed) Lactation. The Iowa State University Press, Ames, Iowa, 267 p. 1985. 12
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