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Capítulo 10 o Desenvolvimento social na primeira infância

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O Desenvolvimento social na Primeira Infância
ADQUIRINDO UMA IDENTIDADE SOCIAL E PESSOAL
Identidade com o papel sexual
Identidade étnica e racial
Identidade pessoal
DESENVOLVENDO A CAPACIDADE DE AUTOCONTROLE
Aprendendo sobre o bem e o mal
Autocontrole
Internalização
AGRESSÃO E COMPORTAMENTO PRÓ-SOCIAL
Desenvolvimento da agressão
O que causa a agressão?
Diferenças individuais no comportamento agressivo
Controlando a agressão humana
Desenvolvimento do comportamento pró-social
DESENVOLVIMENTO E CONTROLE DAS EMOÇÕES
Conhecendo as emoções dos outros
Controlando as próprias emoções
Aprendendo a exibir adequadamente as emoções
Controle das emoções e competência social
ASSUMINDO O SEU LUGAR NO GRUPO SOCIAL COMO UM
INDIVÍDUO DISTINTO
391
A integração numa comunidade humana, ou a adaptação a ela, aparece como uma condição dificilmente evitável, que tem de ser preenchida antes que esse objetivo de felicidade possa ser alcançado (...). Em outras palavras, o desenvolvimento do indivíduo nos parece ser um produto da interação entre duas premências, a premência no sentido da felicidade, que geralmente chamamos de "egoísta", e a premência no sentido da união com os outros da comunidade, que chamamos de "altruísta".
Sigmund Freud, O mal-estar na civilização
Na citação acima, Sigmund Freud está descrevendo o desenvolvimento social, um processo bilateral em que as crianças, ao mesmo tempo, tornam-se integradas na comunidade social mais ampla e diferenciadas como indivíduos distintos. Um aspecto do desenvolvimento social é a socialização, processo pelo qual as crianças adquirem os padrões, valores e conhecimento da sua sociedade. Outro aspecto do desenvolvimento social é a formação da personalidade, o processo através do qual as crianças desenvolvem seus próprios padrões singulares de sentimento, pensamento e comportamento em uma grande variedade de circunstâncias.
Como veremos neste e nos capítulos posteriores, as sociedades espalhadas pelo mundo diferem muito nas maneiras como seus membros concebem o relacionamento entre os indivíduos e a suas comunidades. Tem sido de especial interesse a extensão em que os valores dominantes de uma sociedade colocam ênfase maior na independência dos indivíduos ou na sua interdependência com outros membros do seu grupo social (Greenfield e Cocking, 1994; Kagitçabasi, 1997). Como o verdadeiro significado do termo "desenvolvimento social" depende do relacionamento entre o indivíduo e a comunidade, não deve surpreender que as variações culturais no desenvolvimento social sejam uma área especialmente ativa da pesquisa contemporânea (Rubin et ai., 1998; Turiel, 1998).
O processo de socialização começa assim que a criança nasce e sua mãe diz, por exemplo, "Ela nunca vai ser uma jogadora de rugby" ou seu pai comenta "Eu vou morrer de preocupação, quando ela tiver 18 anos" (ver o Capítulo 3). Essas previsões não são apenas uma conversa à toa. As crenças que dão origem a essas afirmações levam os pais a moldar a experiência de seu filho da maneira que eles julgam apropriado. A socialização continua como um aspecto de todo contato que as crianças têm com outros membros da sua sociedade, quando elas aprendem a comer e a dormir em determinado horário, a preferir roupas apropriadas ao seu gênero, a ser educadas com os mais velhos, a tomar suas vitaminas e a amar seu irmão.
Tanto os adultos quanto as crianças desempenham papéis ativos no desenvolvimento social. Os adultos comunicam às crianças como elas devem comportar-se, exibem prazer ou desaprovação pela maneira como se comportam e, em conformidade com isso, irão recompensá-las, ignorá-las ou puni-las. Os adultos também escolhem o lugar onde seus filhos vivem, as creches ou pré-escolas que eles freqüentam e outros contextos em que eles se tornam familiarizados com os cabedais de conhecimento e as regras de comportamento da sua cultura. Mas as crianças não absorvem automática ou passivamente as lições que os adultos planejam para elas. Elas têm objetivos próprios. Em conseqüência disso, o conflito é tanto uma parte da socialização, quanto da educação e dos cuidados.
O que as crianças aprendem depende, também, de como elas interpretam suas experiências e o que selecionam das muitas mensagens que recebem. Por exemplo, se Mark, de quatro anos de idade, admira seu primo mais velho, Eric, e quer ser como ele, ele imitará o estilo de vestir socialmente adequado, seu uso de gírias socialmente inadequado ou ambos?
Para adquirir um entendimento das categorias sociais que se aplicam a elas, as crianças devem, de algum modo, descobrir o que as pessoas querem dizer quando falam, por exemplo,"Você é meu filho" e "Aja como uma dama". Esses termos representam papéis sociais, que refletem as expectativas do adulto sobre os direitos os deveres, e as obrigações da criança, assim como as formas adequadas de comportamento. Não basta as crianças simplesmente aprenderem o que os adultos pretendem com palavras como "filho" e "dama"; elas também precisam aprender a representar esses papéis sociais de maneiras que correspondam às expectativas e aos valores dos adultos. Não surpreende que os adultos assumam tacitamente a necessidade de socializar seus filhos. O impressionante é que a maior parte das crianças passa a aceitar os papéis e as regras socialmente prescritos como razoáveis e até mesmo necessários.
O segundo lado do desenvolvimento social, a personalidade, é o padrão singular de temperamento, emoções, interesses e habilidades intelectuais que uma criança desenvolve, bem como as tendências e capacidades inatas da criança que são moldadas por suas interações com a família e com a comunidade. Como não há caso de duas pessoas terem precisamente as mesmas experiências, não há caso de duas pessoas terem exatamente a mesma personalidade, nem mesmo gêmeos idênticos.
As origens da personalidade não são menos visíveis no nascimento do que a presença de influências socializantes. Como vimos no Capítulo 4, os neonatos exibem diferenças individuais nos níveis de atividade característicos, respostas à frustração e presteza para se engajar em experiências novas. Nós nos referimos a esses padrões de resposta e estados emocionais associados como traços de temperamento e observamos que o temperamento é moderadamente estável com o passar do tempo: por exemplo, as crianças que se retraem diante de experiências novas na fase de bebê têm uma maior probabilidade de se comportar timidamente quando entram na pré-escola.
Embora os traços de temperamento proporcionem uma base para a personalidade, quando as crianças atingem os três ou quatro anos de idade há mais do que temperamento para suas personalidades (Caspi, 1998; Thomas e Chess, 1989). Não podemos dizer que uma criança é honesta ou compulsiva quando nasce, porque não há característica temperamental correspondente à honestidade ou a compulsividade ou a uma série de outras características da personalidade, como mesquinhez, submissão ou um desejo de agradar outras pessoas. Essas características são pouco a pouco adquiridas, quando os estilos iniciais de temperamento da criança na interação com seus ambientes são integrados com seu desenvolvimento da inteligência cognitiva, suas reações emocionais e seus hábitos.
Um aspecto importante da personalidade é a maneira como as crianças passam a conceber a si mesmas em relação a outras pessoas - seu autoconceito. O auto-conceito proporciona um elo bilateral entre a personalidade e o desenvolvimento social que foi descrito na virada do século por um dos fundadores da psicologia desenvolvimental, James Mark Baldwin (1902):
O desenvolvimento da personalidade da criança não poderia de modo
algum prosseguir sem a constante modificação da sua percepção de si
mesmo por sugestões de outras pessoas. De modo que ela própria, em
todo estágio, é, na verdade, em parte outra pessoa, até mesmo na sua
própria consideração de si mesmo. (p. 23)
A formação da personalidadee a socialização estão em constante tensão a partir do momento em que as crianças descobrem o dilema sobre o qual Freud escreveu - o fato de que seus desejos e idéias individuais freqüentemente estão em conflito com as normas da sua cultura e os desejos das outras pessoas. Um menino de cinco anos de idade que chupa seu polegar pode ser desencorajado a fazê-lo por seus pais e alvo de caçoada de seus pares. Uma criança que tem ciúme da atenção que seu irmão bebê recebe deve aprender que não pode conseguir o que quer beliscando-o e que precisa encontrar alguma maneira socialmente aceitável de obter a atenção de sua mãe e de lidar com seus sentimentos socialmente inaceitáveis.
Descrição da gravura:
Estas pequenas damas-de-honra estão, ao mesmo tempo, representando um papel tradicional em um casamento e aprendendo sobre muitos aspectos importantes dos papéis sociais e dos comportamentos esperados delas quando crescerem. 
393
Durante a primeira infância, as crianças aprendem muito sobre os papéis que se espera que elas desempenhem, como se comportar segundo os padrões sociais, como controlar os sentimentos agressivos e como respeitar os direitos das outras pessoas. Mas essas são lições difíceis e nem toda criança é capaz de - ou se importa em - satisfazer as expectativas do adulto. À medida que vão crescendo, as crianças aprendem não apenas a serem "boas", mas também como manipular as situações para perturbar aqueles que as cercam (Turiel, 1998).
À medida que adquirem experiência em interagir com várias pessoas, as crianças pequenas desenvolvem uma percepção mais explícita delas próprias, de suas habilidades e das maneiras como podem usar as regras e as ferramentas que a sociedade está tentando impor-lhes para seu próprio proveito. Evidentemente, as modificações resultantes no desenvolvimento social não ocorrem independentemente das modificações biológicas e cognitivas discutidas no Capítulo 9. A socialização, a formação da personalidade, o amadurecimento biológico e o desenvolvimento cognitivo
ocorrem simultaneamente.
Conceitos:
desenvolvimento social Um processo
bilateral em que as crianças, ao mesmo tempo, tornam-se integradas na comunidade social mais ampla e diferenciadas como indivíduos distintos.
socialização O processo pelo qual as crianças adquirem padrões, valores e conhecimento da sua sociedade.
papéis sociais As categorias sociais como filho, filha e aluno que especificam
as relações de uma pessoa com o grupo social e os direitos, deveres e obrigações
nesse papel.
personalidade O padrão singular de temperamento, emoções, interesses e capacidades intelectuais que uma criança desenvolve, assim como as inclinações e capacidades
inatas da criança que são moldadas por suas interações sociais com a família ecom
a comunidade.
autoconceito A maneira como as crianças vêm a conceber a si mesmas em relação às outras pessoas.
identificação Um processo psicológico em que as crianças tentam aparentar, agir, sentir e ser iguais a pessoas
importantes do seu ambiente social.
ADQUIRINDO UMA IDENTIDADE SOCIAL E PESSOAL
Os psicólogos do desenvolvimento concordam que um fator essencial ao processo da socialização é a identificação, um processo psicológico em que as crianças tentam aparentar, agir, sentir e ser iguais a pessoas importantes do seu ambiente social. No entanto, eles discordam em relação aos mecanismos pelos quais se atinge a identificação.
O desenvolvimento da identificação pode ser estudado com respeito a quase qualquer categoria social - uma família, um grupo religioso, um grupo do bairro ou uma nacionalidade. Entretanto, a esmagadora maioria dos estudos sobre identificação na primeira infância tem-se concentrado nos papéis sexuais. Conseqüentemente, vamos dedicar a maior parte da nossa atenção a essa categoria social antes de passar para a identidade étnica, que é uma categoria social especialmente importante no mundo de hoje e que tem sido o objeto de um número cada vez maior de pesquisas por parte dos estudiosos do desenvolvimento.
IDENTIDADE COM O PAPEL SEXUAL
 
Como a identidade é tão fundamental à experiência do adulto, a questão de como as crianças adquirem uma percepção pessoal da sua identidade com o papel sexual e como o interpretam é de grande interesse para os psicólogos do desenvolvimento. Questões fundamentais na aquisição de uma identidade com o papel sexual durante a primeira infância são observadas nas seguintes conversas:
"Quando eu crescer", disse Jimmy [de quatro anos de idade] à mesa do jantar, "vou me casar com a mamãe."
"O Jimmy está maluco", disse a voz ponderada de Jane, que estava com oito anos. "Você não pode casar com a mamãe. E mesmo que pudesse, o que aconteceria com o papai?"
"Ele vai estar velho", disse Jimmy, com a boca cheia de vagem. "E vai estar morto."
Então, assustado pela barbaridade das suas palavras, Jimmy acrescentou, rapidamente:
"Mas ele pode não estar morto, e aí talvez eu me case com Mareia." (Fraiberg, 1959, p.
202-203)
* Alguns estudiosos recomendam o uso da palavra "gênero" em vez de "sexo" ao se discutir este tópico, porque acreditam que o termo "sexo" implica que todo o comportamento caracterizado como sexual é fundamentalmente determinado pela biologia. Outros se colocam contra o termo "gênero", que acreditam implicar que o comportamento ligado ao sexo é fundamentalmente determinado pelo ambiente (Gentile, 1993; Unger e Crawford, 1993). Usaremos tanto "sexo" quanto "gênero" nos contextos em que parecerem mais adequados, sem sugerir que os papéis do sexo/gênero sejam basicamente biológicos ou basicamente ambientais.
394
A conversa seguinte aconteceu quando nossa filha, Jenny, estava com quatro anos de idade. Ela estava deitada no lado de sua mãe, na cama dos pais, observando a mãe pentear o cabelo:
Jenny: Sabe, mamãe, quando você morrer, vou me casar com o papai.
Sheila: Acho que não.
Jenny: (balançando a cabeça, séria) Vou, sim.
Sheila: Você não pode. É contra as leis de Deus e dos homens.
Jenny: (quase em lágrimas) Mas eu quero.
Sheila: (indo confortá-la) Quando você crescer, vai ter seu próprio marido.
Jenny: Não, eu não quero! Eu quero o papai. Não gosto de você, mamãe.
A maneira de pensar das crianças de quatro anos de idade nessas conversas é fácil de entender. Ambas as crianças tiveram vários anos para observar a vida familiar que as cercava. Jimmy sabe que é um menino e Jenny sabe que é uma menina. Embora nenhum dos dois tenha uma compreensão profunda do que esses rótulos implicam, eles sabem que querem o que os meninos grandes e as meninas grandes têm. A "menina grande" da família de Jenny tem um relacionamento especial com o papai. O "menino grande" da família de Jimmy tem um relacionamento especial com a mamãe. Nesse estágio inicial da identificação com o papel sexual, a melhor maneira que as crianças podem imaginar de conseguir o que querem é, literalmente, assumir o lugar da pessoa com quem mais ela quer se parecer, "ficar na pele da pessoa" (ou dormir no lado da cama daquela pessoa).
Na primeira infância, meninos e meninas tendem a escolher os pais do mesmo sexo como modelo de identificação. Mas os caminhos desenvolvimentais que conduzem os dois sexos às suas respectivas identidades diferem em pelo menos um aspecto. Embora as configurações familiares variem muito, tanto entre elas quanto entre as sociedades, a pessoa que, em geral, tem o papel maior, tanto nas vidas dos meninos quanto nas das meninas nos dois primeiros anos de vida, é a mãe. Ela provavelmente é a maior fonte de conforto físico, alimentação e atenção da criança pequena, seja ela um menino ou uma menina. Ela é, nos termos de Freud, o "primeiro objeto de amor". Mas, enquanto as meninas logo começam a se identificar com suas mães, o mesmo, em geral, não acontece com os meninos.
Quando as crianças entram no seu terceiro ano de vida, suas demonstrações de ligação forte e óbvia com suas mães diminuem (ver oCapítulo 6). Durante esse período da primeira infância, o sentimento de "querer estar perto", que é dominante na fase de bebê, é suplantado pela vontade de "ser igual". (Ver a Figura 10.1.) Para os meninos, tornarem-se iguais a seus pais requer que eles se tornem diferentes das pessoas com quem eles tiveram o relacionamento mais próximo: sua mãe. As meninas, por outro lado, procuram tornar-se iguais à pessoa com quem tiveram o relacionamento mais próximo. As discordâncias sobre as implicações dessa diferença ligada ao sexo nos objetivos desenvolvimentais têm despertado um intenso debate sobre o processo pelo qual as crianças adquirem a identificação com o papel sexual que elas terão quando adultos.
A visão psicodinâmica: identificação através da diferenciação e da afiliação
Até agora, o melhor relato da formação da identidade é aquele de Sigmund Freud (1921/1949, 1933/1964). Embora muitas hipóteses específicas de Freud sobre o desenvolvimento não tenham sido substanciadas, ele permanece um teórico influente. Freud propôs que os meninos e as meninas passam por dois processos totalmente diferentes de formação da identidade.
Identificação através da diferenciação: Freud acreditava que, no início da vida, talvez no final do primeiro ano de existência, os bebês reconhecessem que alguns objetos do mundo externo fossem como eles próprios. Ele chamou esse reconhecimento primitivo de identificação primária. A tendência dos bebês pequenos para imitar as outras pessoas - mas não-dispositivos mecânicos, como foi descrito no Capítulo 6 -, é um exemplo de identificação primária (Meltzoff, 1995). A identificação secundária, que Freud (1921/1949) definiu como "a tentativa de moldar o ego da própria pessoa segundo os moldes daquele que foi tomado como modelo" (p. 63), emerge durante o terceiro ano de vida. Em outras palavras, tendo percebido que um determinado adulto, ou talvez uma criança mais velha, é, de algum modo, similar a elas próprias, as crianças se esforçam para adquirir suas qualidades. Elas "se identificam com" essa pessoa.
Segundo o relato de Freud, quando Jimmy diz que quer "se casar com a mamãe", ele está exibindo o questionamento masculino universal dos meninos, em torno dos três ou quatro anos de idade, o dilema da fase fálica do desenvolvimento, que segue as fases oral e anal em sua teoria do desenvolvimento (ver o Capítulo 6 e o Destaque 10.1). É nesse período, a ocasião da identificação secundária, que as crianças começam a encarar sua própria genitália como uma importante fonte de prazer. Eis como Freud (1940/1964) viu o conflito evocado por esse novo prazer e o novo tipo de identificação:
Em uma palavra, sua masculinidade precocemente despertada procura assumir o lugar do seu pai com sua mãe; até então, seu pai havia sido para o menino um modelo invejado, devido à força física que ele percebe nele e à autoridade da qual ele o vê investido. Seu pai, agora, torna-se um rival que está no seu caminho e do qual ele gostaria de se livrar, (p. 189.)
Esses sentimentos causam muita angústia a Jimmy. Ele já é suficientemente grande para saber que sentimentos como desejar que seu pai morra são ruins, mas é pequeno o bastante para acreditar que seus pais, que são figuras tão poderosas na sua vida, sempre sabem o que ele está pensando. Então, ele vive com medo de ser punido e se sente culpado por seus maus pensamentos.
Freud chamou essa situação difícil de complexo de Édipo, referindo-se à tragédia grega antiga em que Édipo, rei de Tebas, mata seu pai sem saber de quem se trata e casa-se com sua mãe. Evidentemente, os meninos pequenos não repetem literalmente essa tragédia. Em vez disso, segundo Freud, quando saem da fase de bebê e entram na primeira infância, os meninos precisam reorganizar mentalmente suas ligações emocionais, distanciando-se de suas mães e se tornando mais ligados a seus pais. Em outras palavras, precisam diferenciar-se de suas mães e se ligar a seus pais. Esse processo é orientado por emoções sociais complexas, como a culpa e a inveja.
Segundo Freud, as crianças do sexo masculino atingem essa diferenciação na transição entre a primeira infância e a segunda infância. Ele chamou a fase seguinte do desenvolvimento da personalidade de fase de latência, porque é uma ocasião em que os desejos sexuais das crianças são reprimidos, como uma defesa contra os perigosos sentimentos que eles evocam, e uma ocasião em que as crianças exibem um grande interesse em aprender as habilidades que os adultos possuem.
Identificação através da afiliação: Segundo Freud (1933/1964), o principal evento no desenvolvimento da identidade de uma menina com seu papel sexual é sua descoberta de que ela não tem um pênis: a menina fica "mortificada pela comparação com o equipamento muito superior' dos meninos" (p. 126). Ela responsabiliza sua mãe por essa "deficiência" e transfere seu amor para seu pai. Então, passa a competir com sua mãe pelo afeto de seu pai.
Como acontece com os meninos, o desejo de substituir a mãe resulta em culpa. A menina fica com medo de que sua mãe saiba o que ela está pensando e de ser punida pela perda do amor da sua mãe. Ela supera seu medo e sua culpa reprimindo seus sentimentos por seu pai e intensificando sua identificação com sua mãe. Como resultado dessa seqüência, afirma Freud, a composição psicológica de uma mulher nunca se torna tão independente do seu manancial emocional, quanto um homem se torna do dele, porque o objeto da sua identificação primária e o objeto da sua identificação secundária são a mesma pessoa - sua mãe. Freud acreditava que esse padrão de formação da identidade, em que as mulheres se ligam às suas mães, transforma as mulheres em versões "subdesenvolvidas" dos homens, porque suas tentativas de se diferenciar de suas mães foram frustradas. Ele concluiu que as mulheres mostram menos senso de justiça que os homens, que são menos propensas a se submeter a grandes desafios na vida e que seus julgamentos são mais frequentemente sugestionados por suas emoções (Freud, 1925/1961, p. 257-258).
Não surpreendentemente, o argumento de Freud tem sido muito atacado. Mesmo pessoas que apoiam sua linha geral de interpretação pontuam que suas opiniões basearam-se muito na época histórica em que ele viveu e foram excessivamente influenciadas por seus costumes sexuais rígidos (Dufresne, 1997). Freud foi criticado particularmente por declarar que a falta de um pênis torna as meninas inferiores aos meninos, por supor que a identificação sexual de uma menina só acontece como um mecanismo de defesa e por concluir que o caminho das mulheres para a identidade as torna inferiores aos homens.
Nancy Chodorow (1974), por exemplo, reconheceu a diferença na experiência dos dois sexos da interação social precoce e em seus papéis biológicos diferentes, mas sua conclusão difere da de Freud. Chodorow considerava a identificação um processo de mão dupla, envolvendo tanto o pai/mãe, quanto a criança. Ela declarou que, assim como as filhas se identificam com as mães, essas vêem suas filhas como elas próprias. Em contraste com isso, "as mães vêem seus filhos como um oposto masculino" (p. 166-167). Ao se definirem como masculinos, os meninos reforçam as reações de suas mães a eles e assim facilitam o processo de diferenciação. Ao se definirem como femininas, as filhas evocam outros sentimentos de similaridade em suas mães, concentrando-se no processo de ligação com a experiência da identidade com o papel do sexo. Como as filhas não têm de passar pela experiência alienadora de se diferenciarem de suas mães, elas "emergem desse período com uma base para a empatia construída, a partir da sua definição fundamental do eu*, de uma maneira que os meninos não conseguem" (p. 167). Em outras palavras, como a identidade das meninas é baseada na ligação com suas mães, as meninas têm uma base incorporada para entender as necessidades dos outros.
Em muitos aspectos, a formulação de Chodorow é semelhante à de Freud, mas, como observa Carol Gilligan (1982),a diferença na sua ênfase é importante. Freud supôs que, pelo fato de as meninas experimentarem menos diferenciação de suas mães, elas são menos desenvolvidas do que os meninos da mesma idade que passaram pela separação e reorientação para o pai. Chodorow não iguala diferenciação com desenvolvimento. Em sua opinião, os dois caminhos para a identidade com o papel sexual resulta em dois objetivos desenvolvimentais complementares, cada um com seus próprios pontos fortes e fracos. Os homens adquirem identidade através da separação; em vista disso, eles se vêem ameaçados pela intimidade. As mulheres, por outro lado, adquirem identidade através da ligação. Elas se consideram ameaçadas pela separação.
Enquanto Chodorow reinterpreta a descrição de Freud do desenvolvimento do papel sexual, outros psicólogos do desenvolvimento, até mesmo muitos que em geral apoiam as idéias de Freud, discutem sua descrição básica de como os papéis sexuais são adquiridos (Emde, 1992). Em primeiro lugar, os críticos rejeitam a crença de Freud de que o desenvolvimento das mulheres é, de algum modo, secundário ao desenvolvimento dos homens. Se for para ser dada alguma prioridade a um sexo ou a outro, é mais provável que essa prioridade seja dada às mulheres. Como vimos no Capítulo 3, os órgãos sexuais e o cérebro de todos os embriões humanos, de início, seguem um caminho feminino de desenvolvimento; esses órgãos só se tornam masculinos se forem modificados através da ação de hormônios masculinos. Em segundo lugar, a pesquisa moderna indica que há mais do que a resolução do complexo de Édipo, a aquisição de identidade de papéis sexuais, porque a formação da identidade define-se bem antes da idade a qual Freud presumiu que ocorreria (Ruble e Martin, 1998). Em terceiro lugar, os pesquisadores atualmente acham que são os adultos da família da criança, e não a criança, os primeiros portadores de fantasias sexuais. Atualmente, acredita-se que os distúrbios na formação de identidade resultam de traumas psicológicos causados por pais que são sexualmente abusivos ou sedutores e não da incapacidade das crianças para resolver desejos sexuais infantis (Coates e Wolf, 1997).
Entretanto, as idéias de Freud continuam a influenciar tanto o pensamento popular quanto o pensamento acadêmico sobre a aquisição dos papéis sexuais. O desafio enfrentado por aqueles que disputam suas teorias é proporcionar uma melhor explicação sobre os processos em andamento.
Conceitos:
identificação primária Nos termos
freudianos, o reconhecimento pelos
bebês de que alguns objetos do mundo
etterno são como eles próprios.
identificação secundária Em termos
freudianos, o esforço de uma criança
para adquirir as qualidades e copiar o
comportamento de uma pessoa com
quem ela se identifica.
fase de latência Na teoria freudiana, o
período da segunda infância em que os
desejos sexuais das crianças são
reprimidos como uma defesa contra os
perigosos sentimentos que eles evocam,
e em que as crianças exibem um grande
interesse em aprender as habilidades
que os adultos possuem.
Uma visão da aprendizagem social: identificação através da observação e da imitação
As teorias freudianas da identificação presumem que as crianças pequenas são surpreendidas em conflitos ocultos entre seus medos e seus desejos. A identificação é a sua maneira de resolver esses conflitos.
Os teóricos da aprendizagem social têm uma perspectiva diferente sobre a maneira como as crianças adotam os papéis sexuais dos adultos. Eles presumem que o processo de identificação não é orientado pelo conflito interno, mas, simplesmente, uma questão de observação e imitação de um modelo. Por exemplo, quando estava com quatro anos de idade, nosso filho adorava descer correndo o corredor e escorregar com os pés para a frente até uma almofada. Ele não era impulsionado pelo desejo por sua mãe, que desaprovava extremamente essa sua brincadeira no corredor, temendo que ele incomodasse os vizinhos de baixo e fizesse buracos em suas calças. A desaprovação de seu pai, também, não era suficiente para detê-lo. Sasha estava copiando o comportamento de um astro do baseball muito conhecido. Ele desejava ser como aquela pessoa, "estar na sua pele".
Os teóricos da aprendizagem social acreditam que um comportamento como o de Sasha é adquirido através da observação direta e do reforço (Bandura, 1969, 1986; Mischel, 1966). Segundo sua opinião, as crianças observam que o comportamento masculino e o comportamento feminino são diferentes. A partir dessa observação, desenvolvem hipóteses sobre os comportamentos masculinos e femininos adequados. Além disso, as crianças aprendem que os adultos recompensam os meninos e as meninas por diferentes tipos de comportamento e, por isso, optam por se envolver em comportamentos adequados ao sexo, que conduzirão a recompensas (Perry e Bussey, 1984).
Bandura (1969, 1986) acredita que a capacidade para aprender a partir da observação depende de vários fatores:
1. Disponibilidade. O comportamento a ser aprendido deve estar disponível no ambiente da criança, quer diretamente ou através de um meio de comunicação, como um livro ou um programa de televisão.
2. Atenção. As crianças não conseguem aprender pela observação, a menos que prestem atenção ao modelo (a mãe, o pai, a celebridade ou o personagem ficcional) e percebam as características importantes do comportamento em questão. As crianças, em geral, escolhem imitar as ações de pessoas as quais admiram ou que consideram de algum modo parecidas com elas. Às vezes, também precisam ver mais de uma vez o comportamento em questão para verificar suas características importantes. Um menininho que observa seu pai dirigir o carro da família, por exemplo, precisa observar seu pai várias vezes antes de entender que é preciso mais para dirigir do que colocar as mãos no volante.
3. Memória. A observação não terá efeito duradouro se as crianças esquecerem imediatamente o que observam. Bandura acredita que, quando as crianças dão um nome para os eventos modelados, sua observação torna-se especialmente eficiente e memorável. E importante notar que a primeira infância é a época em que as crianças estão adquirindo tanto a linguagem quanto o conhecimento de categorias sociais básicas - e suas habilidades de memória estão também aumentando.
4. Reprodução motora. Para que uma criança imite e aprenda um comportamento observado, o comportamento deve estar dentro, ou quase dentro, da capacidade física da criança. Se um comportamento é complexo demais (como saltar de costas de um trampolim), a criança, normalmente, não tentará realizá-lo.
5. Motivação. Para que ocorram a imitação e a aprendizagem subseqüente, o observador deve perceber alguma recompensa ao comportamento observado. Se o pequeno Ben quer que os adultos tenham uma boa impressão dele e escuta o papai elogiar sua irmã Lisa por ter levado seu copo até a pia quando acabou de tomar seu suco de maçã, ele pode ser motivado a também pegar seu próximo copo vazio e levá-lo até a pia. Se o elogio do pai significa pouco para Ben, ele provavelmente não se sentirá motivado a aprender com essa observação.
Há evidências de que os pais não apenas proporcionam modelos para os filhos imitarem, mas também recompensam o que consideram um comportamento apropriado para o sexo e punem o comportamento que julgam inadequado. Por exemplo, em uma série de estudos em que observou crianças e seus pais em suas casas, Beverly Fagot descobriu que muitos pais recompensavam suas filhas com sorrisos, atenção e elogios por elas se arrumarem, dançarem, brincarem com bonecas, ou simplesmente segui-los pela casa. Ao contrário, os pais recompensavam mais os meninos que as meninas por brincarem com blocos e carrinhos de brinquedo. Os mesmos pais que criticavam suas meninas por manipularem objetos, correrem, pularem e subirem em árvores, criticavam seus meninos por brincarem com meninas, pedirem ajuda ou se oferecerem para ajudar (Fagot,1978a, 1978b). Esses achados têm sido freqüentemente repetidos e corroboram a suposição básica dos teóricos da aprendizagem social de que os comportamentos sexuais adequados são moldados pela distribuição de recompensas e punições (Maccoby, 1998; Ruble e Martin, 1998).
Apesar de muitas características atrativas, a teoria da aprendizagem social tem um sério problema para definir um de seus conceitos fundamentais: a recompensa. Em algum grau, as recompensas, como a beleza, estão no olho do observador. Um menino de dois anos de idade e uma menina de dois anos de idade podem ficar ambos satisfeitos se seus pais lhes dão uma boneca por seu bom comportamento. Mas, dois anos mais tarde, enquanto a menina pode achar outra boneca recompen-sadora, o menino pode virar às costas para ela, com desprezo por "essas coisas de menina". Esses incidentes mostram que as concepções das crianças sobre o que é o comportamento adequado para os meninos e para as meninas moldam suas idéias de recompensas ligadas ao sexo. Em suma, o ambiente não age diretamente sobre a criança - ele age indiretamente. Os efeitos ambientais são mediados pelo entendimento anterior da criança sobre a situação. De onde vêm essas concepções anteriores?
Uma visão cognitiva: formação da identidade como desenvolvimento conceitual
A crença de que as próprias concepções da criança são primordiais para a formação da identidade do papel sexual é a pedra fundamental da abordagem desenvolvimen-tal cognitiva para a aquisição do papel sexual proposta por Lawrence Kohlberg (1966). Em contraste com os teóricos da aprendizagem social, Kohlberg declara que "os conceitos da criança sobre o papel sexual são resultado da estruturação ativa da criança da sua própria experiência; não são produtos passivos do treinamento social" (p. 85). Em contraste com Freud, Kohlberg dizia que o "processo de formação de uma identidade sexual constante depende menos da culpa e do medo do que do processo geral do desenvolvimento conceitual".
Kohlberg acreditava que o desenvolvimento do papel sexual passasse por três estágios:
1. Identidade básica do papel sexual. Quando as crianças estão com três anos de idade, elas são capazes de se rotular como meninos ou meninas. 
2. Estabilidade do papel sexual. Durante a primeira infância, as crianças começam a entender que os papéis sexuais permanecem estáveis com o passar do tempo – os meninos crescem para ser homens e as meninas crescem para ser mulheres.
3. Constância do papel sexual. As crianças pequenas podem acreditar que o seu sexo pode ser mudado, mudando sua aparência externa de alguma maneira. Seu desenvolvimento do papel sexual é concluído quando elas entendem que seu sexo permanece o mesmo, independente da situação. Elas sabem que, mesmo que se vistam como um membro do sexo oposto para o Hal-loween, elas não vão se transformar em um membro do sexo oposto.
Muitos meninos ficam fascinados aos ver seus pais fazerem a barba, assim como muitas meninas ficam fascinadas ao ver suas mães se maquilar. Entretanto, raramente, as crianças ficam fascinadas com os rituais cosméticos do genitor de outro sexo. A razão disso pode ser explicada diferentemente por cada uma das principais perspectivas teóricas.
401
Enquanto os teóricos da aprendizagem social supõem que a seqüência de pensamento dos meninos é "Eu quero recompensas, eu sou recompensado por fazer coisas de menino e, por isso, eu quero ser um menino", Kohlberg (1966) propôs a seguinte seqüência: "Eu sou um menino; por isso, quero fazer coisas de menino; por isso, a oportunidade de fazer coisas de menino (e de obter aprovação por fazê-las) é compensador" (p. 89).
Há muitas evidências de que o desenvolvimento da identidade com o papel sexual passa pela seqüência geral proposta por Kohlberg (Slaby e Frey, 1975; Szkrybalo e Ruble, 1999). Entretanto, os psicólogos permanecem divididos sobre os processos que produzem a seqüência. O próprio Kohlberg acreditava que a identidade do papel sexual só começa a guiar os pensamentos e as ações depois que as crianças atingem a constância do mesmo, porque, só então, elas estão "categoricamente certas" de que o seu sexo é imutável (Kohlberg, 1966, p. 95). Contudo, os dados atuais não corroboram a idéia estrita de Kohlberg da constância do papel como sendo o ponto crítico no desenvolvimento da identidade do papel sexual. Por exemplo, bem antes de atingirem a constância do papel, como ela é definida pelos critérios de Kohlberg, as crianças preferem os mesmos brinquedos que outros membros do seu sexo e imitam predominantemente o comportamento de modelos do mesmo sexo (Figura 10.2) (Bussey e Bandura, 1992; Maccoby, 1998).
FIGURA 10.2
As meninas são freqüentemente recompensadas por um comportamento tradicionalmente feminino, como se arrumar ou ter aulas de dança.
398
DESTAQUE 10.1 SIGMUND FREUD
Especializado em neurologia, Sigmund Freud (1856-1939) procurou, durante toda a sua carreira, criar uma teoria da personalidade humana que lhe permitisse curar os pacientes que chegavam até ele com sintomas como medo extremo, trauma emocional e uma incapacidade para enfrentar a vida cotidiana. Embora muitos desses sintomas parecessem similares às desordens neurológicas, Freud descobriu que ele poderia entender melhor os problemas dos seus pacientes rastreando seus sintomas até experiências traumáticas e não-resolvidas ocorridas na primeira infância.
Tendo seus dados clínicos, Freud construiu uma teoria geral do desenvolvimento que dava primazia à maneira como as crianças satisfazem seus impulsos básicos — os impulsos que atuam para garantir sua sobrevivência. A sobrevivência da criança individual, no entanto, não é suficiente para a sobrevivência da espécie. Influenciado pela teoria da evolução de Charles Darwin, Freud pensou que fosse qual fosse a sua importância para a adaptação individual, todos os impulsos biológicos têm apenas um único objetivo: a sobrevivência e a propagação da espécie. Como a reprodução, a condição necessária para a continuação da espécie, é realizada através da relação sexual, Freud deduziu que, desde os primeiros dias de vida, todos os impulsos biológicos devem servir primordialmente ao impulso sexual fundamental, no qual se baseia o futuro da espécie.
Embora Freud acreditasse que a gratificação permanecesse durante toda a vida sexual em sua natureza, as formas dessa gratificação mudam. A gratificação passa por uma série ordenada de fases, definidas em termos das partes do corpo que as pessoas usam para satisfazer seus impulsos. Os seres humanos esforçam-se para satisfazer os impulsos que dominam a fase em que estão no momento. O primeiro ano de vida é a fase oral, em que a boca é a principal fonte de prazer. A gratificação que a mãe sente pela necessidade de o bebê sugar e obter alimento é fundamentalmente importante. No segundo e no terceiro anos de vida, a fase anal, a criança está preocupada em adquirir o controle dos músculos envolvidos na defecação.
Freud acreditava que, durante o quarto ano de vida, as crianças começam a concentrar sua busca de prazer na área genital. Durante essa fase fálica, o desenvolvimento dos meninos e das meninas divergem. Os meninos tomam consciência de que têm um pênis, Eles desenvolvem sentimentos sexuais em relação a suas mães e passam a sentir ciúme de seus pais. As meninas tomam consciência de que não têm um pênis e começam a se ressentir de suas mães por colocá-las no mundo "mal-equipadas". Freud acreditava que a resolução desses conflitos produzisse a forma mais básica da identificação sexual.
Entre os seis e sete anos de idade, a criança entra na fase de latência que dura até o início da puberdade, cinco ou seis anos mais tarde Durante a fase de latência, os desejos sexuais são suprimidos e não surgem novas áreas de excitação corporal. Em vez disso, a energia sexual é canalizada para a aquisição de habilidades que serão necessárias na vida adulta.
As mudanças fisiológicas da puberdade e o início da maturidadesexual fazem com que os anseios sexuais reapareçam com plena força, marcando o início da fase genital. Agora, os anseios sexuais não estão mais direcionados para os pais, nem são reprimidos. Esse é o início da sexualidade adulta, dirigida para os pares do sexo oposto com o propósito fundamental da reprodução.
Freud (1920/1955) afirmava que a maneira como as crianças experimentam os conflitos, que encontram em cada uma das primeiras fases do seu desenvolvimento, determina sua personalidade posterior. Ele também acreditava que, da primeira infância em diante, a personalidade é composta de três estruturas mentais. O id, que está presente no nascimento, é a principal fonte de energia psicológica; ele é inconsciente, busca o prazer e exige que os impulsos do corpo sejam imediatamente satisfeitos (Freud, 1933/1964). O ego é o intermediário entre as exigências do id e aquelas do mundo social. O ego desenvolve-se a partir do id, quando o bebê é obrigado pela realidade a enfrentar o fato de que seus desejos estão freqüentemente em desacordo com as exigências do mundo social. A principal tarefa do ego é a autopreservação, que ele realiza através de movimentos voluntários, percepção, pensamento lógico, adaptação e resolução de problemas. O ego realiza suas tarefas mantendo as exigências instintivas do id sob controle e decidindo onde, quando e como serão satisfeitas.
O superego, que é equivalente a uma consciência, começa a se compor durante a primeira infância e se torna uma força importante da personalidade durante a segunda infância. Ele representa a autoridade do grupo social, incorporada na imagem do pai. Na verdade, o superego se considera no direito de julgar severamente os esforços do ego para manter o id sob controle.
As três estruturas que compõem a personalidade humana raramente estão - se é que já o estiveram um dia - em perfeito equilíbrio. Ao contrário, o predomínio se desloca enquanto o superego e o id lutam pelo controle do ego. Essa constante batalha é o motor da mudança desenvolvimental, à qual Freud se referiu como desenvolvimento do ego. Os padrões do comportamento individual que surgem nesse processo constituem a personalidade.
Resumida dessa maneira breve, a teoria de Freud pode parecer estranha. Sua teoria da sexualidade infantil provocou insultos quando ele a propôs e permanece controvertida até hoje. O método psicanalítico de Freud tem sido criticado como ineficaz e não-científico. Deve também ser notado que todas as declarações de Freud sobre a fase de bebê e a primeira infância são baseadas em suas observações de adultos perturbados. Freud é certamente vulnerável à crítica, tanto no campo metodológico quanto no campo teórico, mas permanece uma das forças mais influentes na teorização desenvolvimental contemporânea. 
Robert Emde (1992) aponta várias contribuições duradouras de Freud para a psicologia do desenvolvimento. Em primeiro lugar, Freud estava entre os defensores mais influentes da visão de que o entendimento da personalidade do adulto deve basear-se em uma análise desenvolvimental. Por isso, ele colocou a abordagem desenvolvimental no centro de qualquer teoria da personalidade. Em segundo lugar, ele enfatizou a necessidade de se chegar a uma generalização científica através de um estudo intensivo dos seres humanos individuais. Em terceiro lugar, ele estava entre os primeiros psicólogos a apontar e estudar a complexa dinâmica entre os motivos inconscientes e o entendimento consciente, entre a fantasia e a realidade. Finalmente, ele insistiu que um ser humano é uma criatura complexa e dinâmica que só pode ser entendida pelo estudo da pessoa como um todo.
Conceitos:
id Na teoria freudiana, a estrutura
mental presente no nascimento, queéa
principal fonte de energia psicológica.
Ele é inconsciente e busca o prazer,e
exige que os impulsos do corpo sejam
satisfeitos.
ego Na teoria freudiana, esta é a
estrutura mental que se desenvolve a
partir do id, quando o bebê é obrigado
pela realidade a enfrentar o mundo
social. A principal tarefa do ego é a
autopreservação, que é realizada através
do movimento voluntário da percepção.
superego Em termos freudianos, a consciência. Ele representa a autoridade do grupo social e se considera no direito de julgar severamente os esforços do ego para manter o id sob controle. Na segunda infância, ele se torna uma força importante na sua personalidade.
esquema de gênero Um modelo mental contendo informações sobre homens e mulheres e que é usado para processar informações importantes sobre o gênero.
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Uma abordagem combinada: teoria do esquema dos gêneros
Para muitos psicólogos, parece que uma explicação adequada de como a identidade do papel sexual se desenvolve deve incluir aspectos tanto da teoria da aprendizagem social quanto da teoria do desenvolvimento cognitivo. Uma dessas abordagens é a teoria do esquema dos gêneros.
A teoria do esquema dos gêneros é, em muitos aspectos, similar à teoria desenvolvimental cognitiva de Kohlberg. Os partidários de ambas as abordagens acreditam que o ambiente afeta o entendimento da criança, indiretamente, através de um
esquema ou estrutura cognitiva. Uma vez formado, esse esquema orienta a maneira como a criança seleciona e recorda as informações obtidas do ambiente. Também proporciona um modelo para a ação. Assim sendo, um esquema de gênero pode ser considerado um modelo mental contendo informações sobre homens e mulheres, que é usado para processar informações relevantes sobre os gêneros.
402
Gary Levy e Robin Fivush (1993) comentam que as crianças formam esquemas de gênero não apenas para objetos e pessoas, mas também para eventos familiares. Em conformidade com isso, ao mesmo tempo em que estão descobrindo como classificar as pessoas e os objetos em termos do seu gênero, as informações sobre os gêneros tornam-se uma parte dos roteiros na qual se espera que os meninos e meninas se baseiem e apliquem em diferentes circunstâncias (um roteiro de um churrasco ou um roteiro de compras na mercearia, por exemplo) (ver a Figura 10.3).
A teoria do esquema do gênero origina-se da teoria desenvolvimental cognitiva de Kohlberg de duas maneiras:
1. Os teóricos do esquema do gênero acreditam que, mesmo nos primeiros estágios do desenvolvimento do gênero, o conhecimento esquemático do desenvolvimento das crianças motiva e guia seus interesses e comportamento ligado ao gênero.
2. Os teóricos do esquema do gênero, freqüentemente, usam a abordagem do processamento de informação para descrever como os elementos cognitivos e da aprendizagem do sistema operam juntos.
Carol Martin e Charles Halverson (1987) concebem a teoria do esquema do gênero em termos do diagrama mostrado na Figura 10.4. Quatro objetos para brincar são apresentados a uma menininha que consegue dizer que ela é uma menina e que seu irmão é um menino. Dois dos objetos são neutros em relação ao gênero - uma laranja e uma alcachofra - e dois são estereotipicamente masculinos ou femininos - um caminhão e uma boneca. Quando a boneca é apresentada à menina, ela precisa, primeiro, decidir se ela é especificamente importante para ela. Decide que as "bonecas são para meninas" e que "eu sou uma menina", e portanto "as bonecas são importantes para mim". Em conseqüência dessa decisão, escrevem Martin e Halverson (1981), "ela vai abordar a boneca, explorá-la, fazer perguntas sobre ela e brincar com ela para obter outras informações a respeito dela" (p. 1121). Essa seqüência é descrita pela linha verde no diagrama.
Em compensação, quando o caminhão é apresentado à menina, ela vai pensar "os caminhões são para os meninos" e "eu sou uma menina". Esse raciocínio vai levá-la a decidir que "os caminhões não são importantes para mim". Em vista disso, ela vai evitar o caminhão e não estará interessada em saber mais nada sobre ele. Inquirida mais tarde sobre esses brinquedos, ela vai se lembrar mais da boneca do que do caminhão.
Emseus esforços para avaliar os méritos da teoria do esquema do gênero e seus concorrentes, os psicólogos tentam demonstrar que os relacionamentos entre a compreensão do papel sexual e seus comportamentos em relação a ele são cada vez mais complexos.
FIGURA 10.3
O encorajamento do pai é uma razão por que os meninos assumem papéis masculinos tradicionais, como aquele vaqueiro.
FIGURA 10.4
Um exemplo de uma seqüência de processamento de informações associada à formação do esquema do gênero. Neste caso, a criança é uma menina a quem foram oferecidos quatro objetos para ela brincar. (Adaptado Martin e Halverson, 1981).
403
Conhecimento do papel sexual e comportamento do papel sexual
É claro que muito antes de terem qualquer conhecimento conceitual dos papéis dos sexos, os meninos e as meninas comportam-se de maneiras diferentes. Os bebês do sexo masculino são mais ativos que os bebês do sexo feminino (Eaton e Yu, 1989). Esse nível de atividade mais elevado pode explicar o fato de os menininhos se envolverem em brincadeiras mais violentas que as meninas (Humphreys e Smith, 1987). Carol Jacklin e Eleanor Maccoby (1978) descobriram que quando os bebês do sexo masculino brincam juntos e se envolvem em uma briga pela posse de um brinquedo, por exemplo, a briga pode tornar-se parte do jogo. Mas, quando uma menina e um menino entram no mesmo tipo de disputa, é provável que a menina recue e simplesmente fique observando o menino brincar. O mesmo padrão é observado na primeira infância, como ilustrado por um estudo de observação de crianças irlandesas de cinco a sete anos de idade dirigindo veículos de rodas no playground: os meninos brincavam de "jogos de colisão", encantados em rumar um em direção ao outro de propósito, enquanto as meninas dirigiam em volta, com cuidado, procurando evitar as colisões (Dunn e Morgan, 1987).
Essas diferenças nos estilos preferidos de brincadeiras parecem subjacentes às observações repetidas de que, mesmo na primeira infância, os meninos e as meninas tendem a se auto-segregar quando não estão sendo supervisionados de perto por adultos. Os meninos passam mais tempo brincando com meninos; as meninas com meninas (Maccoby, 1998). A conexão precoce entre os estilos de brincar e as preferências por interações com o mesmo sexo têm sido confirmadas em várias culturas (Leaper, 1994; Whiting e Edwards, 1998). Esses achados levaram Eleanor Maccoby (1998) a concluir que "as proposições genéticas estão provavelmente envolvidas, em algum grau, na segregação do gênero na infância" (p. 292).
Não somente os meninos e as meninas brincam de maneira diferente desde tenra idade; eles também, freqüentemente, preferem brincar com brinquedos diferentes. Quando crianças de um a três anos de idade foram observadas em suas próprias casas, os pesquisadores descobriram que os meninos tinham muito maior probabilidade de brincar com caminhões e carros, enquanto as meninas escolhiam bonecas e brinquedos macios (Caldera et ai., 1989; O'Brien e Huston, 1985a, b). As crianças passavam muito mais tempo brincando com brinquedos que se adequavam aos estereótipos do papel sexual da cultura do que com brinquedos igualmente disponíveis que não eram característicos do seu sexo. Esse achado indica que as crianças já tinham desenvolvido preferências características do seu sexo muito antes de terem desenvolvido uma identidade firme com o papel sexual.
Entre os dois e meio e três anos de idade, mais ou menos, a mesma época em que as crianças entram no primeiro estágio da formação do esquema do gênero, sua conversa mostra os primórdios de uma captação conceitual dos atributos mais óbvios dos papéis dos sexos em sua cultura. Judy Dunn, que observou crianças pequenas em seus lares, registrou a seguinte conversa envolvendo uma menina de três anos de idade, seu irmão mais velho e sua mãe. As crianças estavam discutindo sobre quem pode brincar com um aspirador de pó de brinquedo que pertence à menina, mas que acabou de ser consertado pelo seu irmão. Enquanto o menino brinca com ele, sua irmã tenta obtê-lo de volta: 
Menino: (para a mãe) Eu queria brincar, porque fui eu que consertei ele. E fiz ele
funcionar.
Mãe: (para o menino) Bem, você tem de esperar sua vez.
Mãe: (para a menina) Você vai deixar o David ter a vez dele?
Menina: Eu tenho de deixar. As damas fazem isso.
(Dunn, 1988, p. 57)
Mesmo que as crianças pequenas possam dizer que as damas fazem algumas coisas e os homens outras, suas noções sobre os papéis dos sexos são ainda fragmentárias, como revela o seguinte diálogo entre meninas de três anos de idade da classe de Vivian Paley:
Mollie: Você é uma irmã, Margaret?
Margaret: Sou irmã de um irmão.
Molhe: Às vezes, chamam ele de irmão e, outras vezes, de menino.
Margaret: Os irmãos são meninos, as meninas são meninas.
Mollie: Você é uma menina, Margaret.
Margaret: Você também, Mollie. Uma ME-NI-NA!
(Paley, 1986, p. 35)
Quando os esquemas de identidade do gênero começam a tomar forma, há mudanças correspondentes em seu comportamento (Fagot et ai., 1986). Beverly Fagot e seus colegas demonstraram isso, pedindo às crianças para olhar fotos de crianças e adultos e identificar seu sexo. Eles descobriram que havia pouca probabilidade de crianças com menos de 26 meses de idade identificarem corretamente as gravuras, enquanto aquelas de 36 meses e mais velhas em geral conseguiam. Mais importante, uma vez que crianças de qualquer idade conseguiam identificar corretamente as pessoas nas fotos pelo sexo, era maior a probabilidade de escolherem crianças do mesmo sexo para brincar. Essa seletividade é evidência de que seu esquema de gênero emergente está começando a influenciar seu comportamento. A teoria do esquema do gênero é, também, corroborada pelo fato de que as meninas que identificaram corretamente as fotografias (e, conseqüentemente, adquiriram o esquema de gênero correspondente) exibiam menos agressão manifesta do que aquelas que não o fizeram.
Esses achados não significam que as crianças de três anos de idade tivessem um entendimento profundo das bases que diferenciam os meninos e as meninas (ver o Destaque 10.2). Muito poucas crianças de dois e três anos de idade que foram capazes de identificar corretamente gravuras de meninos e meninas conseguiram também identificar que tipos de objetos são normalmente associados às meninas (como flores e borboletas) e quais são, em geral, associados aos meninos (como carros de bombeiros e automóveis). Além disso, as crianças que conseguiram identificar corretamente as gravuras, segundo a categoria de gênero, nem sempre escolheram brinquedos estereotipados do sexo, quando lhes foi permitido brincar à vontade
(Fagot et ai., 1986).
Entretanto, uma vez adquirida a identidade básica do gênero, aumenta a variedade de maneiras como as crianças usam o conhecimento do papel sexual para interpretar, categorizar e lembrar o mundo, assim como sua tendência para se engajar no mundo de maneira adequada ao papel sexual. Um fator que promove esse desenvolvimento é o interesse crescente das crianças nos objetos e nas atividades que se ajustam a seu esquema de identidade do gênero. Para demonstrar esse interesse crescente, Mary Bradbard e seus colegas (Bradbard et ai., 1986) convidaram um grupo de crianças para explorar vários conjuntos de objetos, nenhum deles claramente estereotipado segundo o sexo: um alarme contra ladrões, uma fôrma de sapato e um quebra-cabeça de números, por exemplo. Embora os objetos fossem neutros em relação ao gênero, os experimentadores rotularam um conjunto de objetos como "coisas para meninas", outro conjunto como "coisas para meninos e meninas" e um terceiro conjunto como "coisas para meninos". As crianças receberam algumas informações sobre cada objeto e foram instruídas a tentar memorizá-los porque seriam solicitadas a se lembrar deles daí a uma semana. Como poderia prever a teoria do esquema do gênero, os meninos exploraram mais que as meninas as "coisas de meninos",e as meninas passaram mais tempo observando as "coisas de meninas". Os resultados para as coisas neutras, de "meninos e meninas" ficaram entre os dois extremos. Uma semana depois, quando as crianças foram solicitadas a se lembrar de tudo o que conseguissem sobre cada um dos objetos, o mesmo padrão se repetiu: elas se lembraram melhor dos objetos que se adequavam à sua própria identidade de gênero. Mais recentemente, Melissa Welch-Ross e Constance Schmidt (1996) descobriram que as crianças entre quatro e seis anos de idade se recordam melhor dos elementos da história quando eles se ajustam com um comportamento de gênero estereotipado.
Atualmente, nenhuma teoria isolada parece conseguir abranger todos os dados relacionados à aquisição pelas crianças da identidade do papel sexual (ver a Tabela 10.1). As abordagens cognitivas recentes confirmaram a importância de marcos como a capacidade de identificar seu próprio sexo e a percepção de que o sexo de uma pessoa permanece constante com o passar do tempo e em diferentes contextos. Entretanto, a teoria cognitiva não explica o fato de que as preferências de brinquedos e os comportamentos das crianças tornem-se adequados ao gênero antes mesmo de eles conseguirem identificar seu próprio sexo. Parece plausível que esse conhecimento intuitivo venha do fato de que todos, em torno delas as estão tratando como menininhos ou menininhas e elogiando-as ou criticando-as segundo sua categorização do papel sexual. Ou seja, desde o início, a aprendizagem social é uma parte do processo. Os fatores biológicos, como as diferenças entre os sexos nos níveis de atividade e estilo de brincar, são também importantes. O desafio que os pesquisadores que estudam o gênero e a formação da personalidade continuam a enfrentar continua sendo o de tentar documentar o complexo interjogo entre as percepções cognitivas em desenvolvimento e o comportamento no processo geral do desenvolvimento social.
406
TABELA 10.1: CAMINHOS PARA A IDENTIDADE COM O PAPEL SEXUAL
	Processo
	Teóricos influentes
	Hipóteses/variações
	Diferenciação e
integração
	Freud
	Os meninos diferenciam-se de suas mães e se identificam com seus pais através da
resolução do complexo de Edipo; as meninas identifica-se com suas mães depois
de resolver sua raiva por não possuírem um pênis.
	
	Chodorow
	O caminho de uma menina para a formação da identidade é através da filiação,
proporcionando, assim, uma base para o desenvolvimento da intimidade. O caminl
de um menino é através da diferenciação; em conseqüência disso, os meninos
tendem a rejeitar a intimidade.
	Observação
e imitação
	Bandura
	Os meninos observam e imitam o comportamento masculino porque são
recompensados por fazê-lo, enquanto as meninas são recompensadas por exibirem
um comportamento feminino. Isso produz as diferenças observadas entre
os gêneros.
	Cognição
	Kohlberg
	Primeiro, as crianças formam um esquema permanente do seu gênero e, depois,
definem o que é compensador em termos desse esquema.
	Mecanismos
associados
	Teoria do esquema do
gênero (Martin e
Halverson)
	A identidade sexual emerge de uma combinação de observação, imitação e
formação de esquema. O desenvolvimento do conhecimento do gênero tonto
depende quanto é modificado pelo desenvolvimento de esquemas de gênero
mais sofisticados.
Uma falha compartilhada por todas essas abordagens é que elas não explicam o papel de emoções como a culpa, o medo e a inveja na modelagem da formação da identidade com o papel sexual. Em conseqüência disso, muitos fenômenos emocionais que inspiraram as explicações de Freud e de seus seguidores permanecem incorporadas de forma abrangente sobre como são formadas as identidades com os papéis sexuais.
Até que ponto é modificável o processo de formação de uma identidade com o papel sexual? As incertezas sobre o processo da identidade com o papel sexual tornam difícil saber a extensão em que os adultos podem moldar o resultado final do desenvolvimento
do papel sexual de uma criança. Por razões um pouco diferentes, os teóricos freudianos e cognitivistas acreditam ser pouco provável que a identificação da criança com o papel sexual e seu subseqüente comportamento em conformidade com esse papel seja afetado, até mesmo, pelas mudanças mais drásticas nas circunstâncias ambientais. Segundo a famosa máxima de Freud - "biologia é destino" - os homens e as mulheres são formas biologicamente diferentes do Homo sapiens que nenhum condicionamento cultural pode mudar. Na versão de Kohlberg da visão desenvolvimental-cognitiva, a identidade de papel sexual se desenvolve a partir de formas universais de experiência e leis do desenvolvimento cognitivo, com a influência cultural desempenhando um papel secundário. Os teóricos do esquema do gênero atribuem mais importância aos fatores ambientais, mas ainda dão grande ênfase aos mecanismos universais do processamento de informação e da formação de esquemas de gênero. Finalmente, a visão da aprendizagem social implica um papel maior para a cultura na modelagem da identificação com o papel sexual e do comportamento em relação a ele, sugerindo, assim que as mudanças na cultura possam produzir mudanças importantes no comportamento relacionado a esse papel. Dessa perspectiva, a exigência fundamental para a mudança do comportamento é uma mudança nos modelos e nas recompensas.
Vários estudos mostram que os indivíduos adultos podem exercer alguma influência sobre os conceitos em desenvolvimento das crianças sobre os papéis sexuais e os comportamentos a eles associados. Beverly Fagot e seus colegas (Fagot et ai., 1986) estudaram as crianças em seu laboratório sediado na universidade. Descobriram que as crianças que aprendem cedo a identificar pelo sexo as pessoas nas gravuras tinham maior probabilidade de ter mães que iniciavam o brinquedo com seus filhos dando-lhes um brinquedo que se ajustasse ao estereótipo para o seu sexo. Essas mães também expressavam crenças mais tradicionais sobre os papéis sexuais. Evidências de que os comportamentos característicos do gênero são influenciados pelas atitudes e comportamentos dos pais foram, também, obtidas em um amplo estudo realizado com crianças de quatro anos de idade na Inglaterra e na Hungria (Turner e Gervai, 1995).
Entretanto, essa influência, freqüentemente, parece ser limitada. Thomas Weisner e Jane Wilson-Mitchell (1990) conduziram um estudo para determinar se as famílias que procuravam promover a igualdade sexual em seus filhos eram bem-sucedidas na modificação dos estereótipos e dos comportamentos de seus filhos em relação aos papéis sexuais. Quando compararam as preferências caracterizadas pelo sexo por amigos, brinquedos e modos de vestir das crianças criadas nessas famílias com aquelas de crianças cujas famílias seguiam as normas culturais existentes, descobriram apenas diferenças esparsas. Uma conclusão semelhante é sugerida por Vivian Paley (1986), que dedicou um ano letivo à minimização do desenvolvimento de padrões de brincadeiras estereotipadas pelo sexo entre seus pré-escolares. Embora tenha descoberto que podia provocar mudanças enquanto permanecia diretamente no controle das ações das crianças, essas "retornavam ao estereótipo" assim que ela relaxava o seu controle.
Esses resultados não significam que a aquisição do papel sexual não seja afetada pela pressão social. As comparações de diferentes grupos culturais mostraram que muitos atributos, incluindo tipos de gestos, padrões de fala, vestuário, atividades, interesses e ocupações que são consideradas masculinas em uma sociedade podem ser consideradas femininas em outra (Rosaldo e Lamphere, 1974). Evidentemente, esses comportamentos são aprendidos com a experiência. Em vários países e em vários momentos da história, os homens usaram vestidos como traje habitual; nos Estados Unidos, essa forma de vestir seria considerada decididamente feminina. Esses contrastes revelamque, seja qual for a contribuição da biologia para a modelagem dos papéis sexuais, pelo menos parte da nossa concepção dos papéis e das nossas atitudes em relação a eles tem uma base cultural. Na verdade, a conclusão a que Paley, Weisner e Wilson-Mitchel chegaram é que a cultura prevalecente proporciona tantas lições sobre como se comportar segundo seus roteiros característicos de cada sexo, que a família e a pré-escola não são suficientemente poderosos para modificar isso.
O cuidado com os outros é um componente importante da socialização. Aqui, uma menininha querendo aprender como cuidar de um bebê, imitando sua mãe.
DESTAQUE 10.2 COMO DIFERENCIAR UMA MENINA DE UM MENINO
Sandra Bem (1989, p. 662) relata os tipos de dificuldades que as crianças pequenas podem encontrar quando seu conhecimento sobre a base das categorias do papel sexual é mais (ou menos) sofisticado do que o de seus amigos. Seu irmão menor, Jeremy, decidiu um dia ir de tiara no cabelo para a creche. Outro menino insistiu repetidamente que Jeremy tinha que ser uma menina, porque "só as meninas usam tiaras". Embora Jeremy declarasse que era um menino, porque tinha pênis e testículos, o outro menino insistia em chamá-lo de menina. Exasperado, Jeremy baixou suas calças para provar sua identidade sexual. O outro menino não ficou impressionado: "Todo mundo tem pênis, mas só as meninas usam tiaras."
IDENTIDADE ÉTNICA E RACIAL
Em uma sociedade povoada por muitos grupos e raças étnicas, a percepção das crianças da sua própria identidade étnica ou racial é uma questão social importante. Em conseqüência disso, os pesquisadores têm estudado como as crianças adquirem as categorias raciais e étnicas prevalentes na sua comunidade como identificam sua própria raça ou grupo étnico e como formam atitudes estáveis com relação a seu próprio grupo e a outros grupos (Cross e Phagen-Smith, 1996; Jackson et ai., 1997).
Jean Phinney (1996) define a identidade étnica como "um aspecto duradouro e fundamental do eu que inclui uma sensação de ser membro de um grupo étnico e de possuir as atitudes e os sentimentos associados a essa qualidade de membro" (p. 922). Talvez a mais famosa pesquisa sobre o desenvolvimento da identidade étnica e racial tivesse sido realizada por Kenneth e Mamie Clark (1939,1950), que pediram às crianças afro-americanas e às crianças euro-americanas para fazerem escolhas preferenciais entre pares de bonecas. Foram apresentadas às crianças, que tinham de três anos de idade para cima, pares de bonecas representando os dois grupos raciais e lhes foi solicitado que escolhessem "com que menino [boneco] você gostaria de brincar" ou "com que menina você não gostaria". Os Clarks relataram que a maioria das crianças menores conseguia distinguir entre as categorias de bonecas e, mais importante, que as crianças afro-americanas de todas as idades pareciam preferir as bonecas brancas. Baseados nessa pesquisa, muitos psicólogos concluíram que as crianças afro-americanas definem-se inteiramente nos termos do grupo da maioria, negando, assim, a importância das suas próprias famílias e comunidades na modelagem de suas identidades (Jackson et ai., 1997). No caso de Brown vs. Conselho de Educação de Topeka (1954) foi usada a evidência dos Clarks em seu argumento de que a segregação racial nas escolas conduz a uma percepção negativa do eu entre as crianças afro-americanas. Baseada nessa e em outras evidências, a Suprema Corte dos Estados Unidos decretou que a segregação racial nas escolas públicas é inconstitucional.
Os estudos conduzidos desde a década de 1950 confirmaram os achados de Clark (McAdoo, 1985; Spencer e Markstom-Adams, 1990) e os estenderam a outros grupos, incluindo os nativos americanos (Annis e Corenblum, 1987) e as crianças bantu na África do Sul (Gregor e McPherson, 1966). Entretanto, esses estudos também lançaram dúvidas sobre a noção de que as crianças do grupo minoritário adquirem um autoconceito étnico ou racial negativo generalizado. Margaret Spencer (1988), por exemplo, mostrou que, embora muitas das crianças afro-americanas entre quatro e seis anos de idade por ela entrevistadas tenham dito preferir brincar com uma boneca branca, 80% dessas crianças exibiam auto-estima positiva. Ann Beuf (1977) relatou incidente após incidente em que crianças nativas americanas escolheram bonecas brancas tornando evidente sua percepção das circunstâncias econômicas e sociais que fazem suas vidas difíceis, em comparação com as vidas das pessoas brancas. Em um estudo, foram oferecidas a Dom, de cinco anos de idade, várias bonecas representando brancos e nativos americanos (cujas peles eram descritas como marrons) para colocar numa sala de brinquedos:
Dom: (segurando uma boneca branca) As crianças estão todas aqui e agora a professora está chegando.
Entrevistador: Essa é a professora?
Dom: É.
Entrevistador: (erguendo uma boneca marrom) Ela pode ser a professora?
Dom: De jeito nenhum! Pode ser apenas uma auxiliar.
(Beuf, 1977, p. 80)
Na opinião de Beuf, as escolhas das crianças são menos um reflexo da sua percepção de autovalorização pessoal do que do seu desejo pelo poder e riqueza das pessoas brancas, com quem elas entraram em contato. Suas opiniões são confirmadas por James Jackson e seus colegas, cuja revisão dos dados existentes proporcionou pouco apoio à idéia de que o reconhecimento por parte das crianças do grupo minoritário de que elas são membros de um grupo relativamente sem poder se traduza em uma percepção pessoal negativa de si mesmas (Jackson et ai., 1997).
Outros estudos mostraram que as preferências étnicas ou raciais expressadas pelas crianças pequenas variam segundo as circunstâncias. Concentrando-se na própria situação da entrevista, um estudo relatou que as crianças nativas americanas exibem uma preferência maior por bonecas que representam seu próprio grupo quando são testadas em sua língua nativa (Annis e Corenblum, 1987). Harriette McAdoo (1985) relata que a preferência exibida pelos pré-escolares afro-americanos por bonecas brancas declinou desde a década de 1950. Ela não especula as razões para essa tendência, mas o fim da segregação racial e várias décadas de ativismo político e cultural na comunidade afro-americana são algumas razões prováveis. Essa conclusão é apoiada pelo achado de Beuf (1977), de que os filhos pequenos de pais que foram ativos na promoção da consciência cultural e dos direitos sociais dos nativos americanos mais freqüentemente escolhem bonecas que representam nativos americanos do que as crianças cujos pais têm pouco interesse nas questões dos nativos americanos.
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Em resumo, os resultados desses estudos sobre identidade étnica e racial indicam que, aos quatro anos de idade, as crianças têm consciência do grupo étnico e das diferenças raciais. Ao mesmo tempo, ou logo depois, também tomam consciência da sua própria etnia e formam julgamentos sobre ela. Suas atitudes para com sua própria etnia e das outras pessoas depende tanto das atitudes de seus cuidadores adultos quanto de suas percepções do poder e da riqueza do seu próprio grupo em relação aos outros.
IDENTIDADE PESSOAL
Desenvolver um papel sexual e uma identidade étnica são apenas dois aspectos da percepção cada vez mais complexa das crianças do eu que se desenvolve durante a primeira infância. Tradicionalmente, psicólogos como James Mark Baldwin, encaram o eu como sendo bilateral (Baldwin, 1902; James, 1890). Um lado, o lado subjetivo, ou o "eu", é a pessoa olhando para o mundo. Esse lado inclui a percepção de si como uma pessoa que existe no correr do tempo e que age e experimenta o mundo de uma maneira particular. O outro lado do eu é o lado objetivo, o lado que olha de fora para dentro, ou o "mim". Esse lado inclui as características que os outros vêem, como nossa aparência física, habilidades e traços de personalidade. O "eu" e o "mim" são dois lados da mesma moeda; eles são moldados e moldam um ao outro continuamente durante o desenvolvimento. Vemos esseprocesso bilateral em ação com a emergência da percepção distinta do eu e o advento dos usos coloquiais da linguagem no final da fase de bebê - as crianças que exibem uma necessidade de corresponder aos padrões do adulto têm probabilidade de dizer "eu quero fazer isso sozinho", quando confrontadas com uma tarefa nova e desafiadora.
O processo contínuo de desenvolvimento das percepções do "eu" e do "mim" é muito influenciado na primeira infância pelo uso por parte das crianças de uma linguagem cada vez mais sofisticada. Já foi dito no Capítulo 8 que a linguagem é adquirida em atividades rotineiras, em que as crianças pequenas interagem com seus cuidadores. As mesmas atividades rotineiras nos ambientes familiares são contextos fundamentais para um desenvolvimento adicional do eu. Não apenas os cuidadores dizem às crianças que elas são boas ou ruins, meninos ou meninas, negros ou brancos, japoneses ou judeus, mas também as ajudam a adquirir uma percepção de si mesmas, auxiliando-as na criação de uma narrativa pessoal sobre si mesmas. Essa narrativa pessoal é referida como memória autobiográfica.
A memória autobiográfica é, em geral, criada em situações em que os adultos ajudam as crianças a lembrar e a interpretar eventos em que elas participaram (Fivush, 1998; Fivush et ai., 1996). Um pai pode perguntar a seu filho pequeno, "você se lembra de quando paramos no sinal e o homem vestido de macaco acenou?" A criança balança sua cabeça, em silêncio, ou diz, "eu fiquei com medo". No início, o pai se encarrega de lembrar e de estruturar a conversa. Pouco a pouco, à medida que o filho cresce e aumenta a sua facilidade de expressão, a criança assume um papel mais ativo, como fez nossa filha Jenny, quando tinha cerca de dois anos e meio de idade. "Pergunte o que a Jenny fez.", ela nos dizia toda noite na hora de dormir, e nós a fazíamos contar os eventos do dia de uma maneira esquemática, que destacava os eventos que foram particularmente interessantes ou preocupantes para ela. Essas conversas eram mais ou menos assim: "Você se lembra dessa manhã, quando fomos pegar Michael, e Mandy (a cachorra) veio correndo?", e Jenny dizia, "sai, cachorrinho, xô, xô, xô." "E o que Mandy fez?", perguntávamos. "Abanou o seu rabo", respondia Jenny. "E o que mais ela fez?", perguntávamos, e ela ria, lembrando-se, "ela me beijou!". Embora continuássemos a guiar a narrativa, à medida que ia ficando mais velha, ela cada vez mais nos corrigia e acrescentava detalhes próprios, até que parou de nos pedir para lhe dizer o que acontecia e começou a nos contar os acontecimentos do seu dia (ou se recusava a contá-los, como freqüentemente acontecia).
Como todos os pais nesse tipo de interações, nós não éramos simplesmente espelhos refletindo as experiências de Jenny. Como participantes da criação das histórias que vieram a fazer parte da sua memória autobiográfica, influenciamos muito os eventos que ela se lembrava e como ela se lembrava deles, e, assim fazendo, éramos influenciados pela cultura mais ampla e por nossas histórias, valores e interesses pessoais, Além disso, ao contar a Jenny essas histórias sobre ela própria, não tentávamos ser objetivos. Ao contrário, gostávamos de embelezar e exagerar para chamar a atenção para as histórias e torná-las mais excitantes. Tendíamos a reduzir a incompetência e alguns medos de Jenny e a exagerar suas habilidades e coragem. Outros pais podiam ficar mais próximos dos fatos objetivos ao contar os eventos das vidas de seus filhos, ou podiam estruturar as histórias dos eventos passados para ensinar lições morais. Há grandes variações entre os indivíduos nos eventos que se lembram e como essas narrativas pessoais são estruturadas (Bretherton, 1993; Nelson, 1993, 1996). Apesar dessa variação, quando a maioria das crianças chega aos quatro anos de idade, elas já internalizaram as estruturas narrativas adequadas à sua cultura e podem, elas próprias, contar suas experiências pessoais.
Quando as crianças já estão bastante crescidas, os psicólogos do desenvolvimento freqüentemente avaliam seu autoconhecimento pedindo-lhes para descreverem a si mesmas, quer em entrevistas face a face ou através de questionários. Essa pesquisa encontrou um padrão de desenvolvimento previsível na maneira como as crianças se descrevem. Na primeira infância, a autodescrição das crianças concentra-se nas suas características físicas ("Eu sou uma garota e tenho cabelos castanhos"), no que elas podem fazer ("Eu posso realmente correr depressa" ou "Eu sei o alfabeto"), nas suas possessões ("Eu tenho um gato"), nas relações sociais ("Sou a irmã mais velha") e nas preferências ("Minha cor preferida é o vermelho"). As crianças tendem a se concentrar em características específicas, concretas, em vez de combiná-las em traços generalizados como "ser inteligente" ou "ser um bom atleta". Isso torna suas descrições um pouco incoerentes. Embora as crianças pequenas possam dizer que estão infelizes ou que estão apavoradas, a maioria delas é incapaz de avaliar que podem estar ao mesmo tempo triste e feliz, ou curiosa e temerosa.
As auto-avaliações das crianças pequenas tendem a ser irrealisticamente positivas porque elas têm dificuldade para distinguir entre o que elas querem fazer e o que elas podem fazer. Por exemplo, uma criança dirá, "eu sei todas as letras do meu nome" ou "consigo nadar até o outro lado da piscina", sem conseguir fazer nenhuma das duas proezas. Quando as crianças estão com quatro ou cinco anos, conseguem agrupar alguns de seus atributos em categorias. Uma criança pode dizer, por exemplo, "sou bom em corrida, saltos e escaladas". Embora as crianças saibam que "bom" é o oposto de "ruim", suas limitações cognitivas tipicamente evitam que reconheçam suas características negativas. Em vista disso, continuam a se descrever apenas em termos positivos (Harter, 1999).
DESENVOLVENDO A CAPACIDADE DE AUTOCONTROLE
No processo da aprendizagem dos papéis sociais básicos, seu nicho na sociedade e sua percepção da identidade, as crianças também estão aprendendo que comportamentos a sociedade considera bons e ruins. Seus pais esperam não somente que eles aprendam as regras do comportamento adequado a seus papéis, mas que sigam essas regras de boa vontade, sem supervisão constante. Em suma, espera-se que as crianças adotem os padrões de conduta adequada da sua cultura e os aceite tão completamente a ponto de "se comportar bem".
APRENDENDO SOBRE O BEM E O MAL
As crianças desenvolvem suas primeiras e primitivas idéias sobre o que é bom e ruim pelo modo como as pessoas importantes das suas vidas reagem diante de seus comportamentos. A discussão que se segue, com várias crianças de cinco anos de idade, mostra que as avaliações sobre o certo e o errado dos adultos são mais que um fato externo; são a base para as auto-avaliações das crianças:
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Eddie: Às vezes, eu me odeio. , .
Professora: Quando?
Eddie: Quando eu sou malvado.
Professora: O que você faz quando é malvado?
Eddie: Você sabe, digo palavras feias, como "merda". Isso aí.
Professora: Isso faz com que você se odeie?
Eddie: É, quando meu pai lava a minha boca com sabão.
Professora: E se ele não ouvir você falar?
Eddie: Então eu escapo disso. Aí eu não me odeio.
Walfy: Se eu sou ruim, como quando faço coisas como pegar a comida antes da hora de comer e a minha mãe me manda sair da cozinha, eu me odeio, porque quero ficar com ela na cozinha.
Eddie: Essa é outra razão de eu não gostar de mim. É uma boa razão. Às vezes, tento pegar os biscoitos em cima da geladeira. 
Professora: Qual a razão de você não gostar de você?
Eddie: É por que a minha mãe conta até dez depressa e aí me dá uma surra e a vovó fica furiosa com ela.
Deana: Olhem quando eu gosto de mim: quando estou colorindo e a minha mãe diz, "Pare de colorir. Nós temos que sair.". E eu lhe digo que estou colorindo e ela diz, "Está bem, vou lhe dar mais dez minutos".
Professora: O que acontece se você tem de

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