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Capítulo 09 A maneira de pensar na primeira infância

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9
A Maneira de Pensar na Primeira Infância: Ilhas de Competência
O RELATO DE PIAGET SOBRE O DESENVOLVIMENTO MENTAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA
Egocentrismo
Confusão entre aparência e realidade
Raciocínio pré-causal
O ESTUDO DO PENSAMENTO DE CRIANÇAS PEQUENAS DEPOIS DE PIAGET
O problema de níveis desiguais de desempenho
Explicações pós-piagetianas do desenvolvimento na primeira infância
Teorias neopiagetianas do desenvolvimento cognitivo
Abordagens do processamento de informação
Um relato da aprendizagem ambiental: quantidade de experiência
Relatos biológicos do desenvolvimento mental na
primeira infância
Cultura e desenvolvimento mental na primeira infância
O DESENVOLVIMENTO DO DESENHO: APLICAÇÃO DAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS
Construção das etapas do desenho
Um relato sobre o processamento de informação do
desenho
O desenho como um módulo mental
Uma consideração sobre o desenvolvimento do desenho
do ponto de vista do culturalismo
RECONCILIANDO PERSPECTIVAS ALTERNATIVAS
352
Em toda sentença, ... em todo ato infantil [dos dois aos cinco anos de idade] é revelada uma completa ignorância das coisas mais simples. É claro que eu não cito estas expressões para desprezar os absurdos infantis. Ao contrário, eles me inspiram respeito, porque são a evidência do trabalho gigantesco que acontece na mente da criança que, aos sete anos de idade, resulta na conquista deste caos mental.
Kornei Chukovsky, From Two to Five
Um grupo de crianças de cinco anos de idade estava ouvindo "A sopa de pedras", uma história do folclore recontada por Mareia Brown. "A sopa de pedras" é a história de três soldados famintos que fizeram alguns camponeses lhes dar comida, fingindo fazer sopa de pedras. "As pedras derretem?" pergunta Rose, uma das crianças? A professora Vivian Paley relata a conversa que seguiu a essa pergunta:
"Você acha que elas derretem, Rose?"
"Acho."
"Alguém concorda com Rose?"
"Elas derretem se a gente cozinhar elas", disse Lisa.
"Se a gente ferver elas", acrescentou Eddie.
Ninguém duvidava que as pedras da história haviam-se derretido e que as nossas também derretiam.
"Podemos cozinhá-las e descobrir", disse eu. "Como vamos poder dizer que elas derreteram?"
"Elas vão ficar menores", disse Deana.
As pedras foram colocadas na água fervendo durante uma hora e, depois, colocadas, na mesa para serem inspecionadas.
Ellen: Elas estão muito menores.
Fred: Muito, muito. Quase derretidas.
Rose: Eu não consigo comer pedras derretidas.
Professora: Não se preocupe, Rose. Você não vai comê-las. Mas eu não estou convencida de que elas derreteram. Podemos provar isso?
A Sra. Paley sugere pesar as pedras para ver se elas vão perder peso enquanto fervem. As crianças descobrem que elas pesam um quilo no início. Depois de terem fervido
novamente, acontece a seguinte conversa:
Eddie: Ainda pesam um quilo. Mas estão menores.
Wally: Muito menores.
Professora: Elas têm o mesmo peso. Um quilo antes e um quilo agora. Isso significa que elas não perderam peso.
Eddie: Elas só ficaram um pouquinho menores.
Wally: A balança não consegue ver as pedras. Ei, uma vez em Michigan havia três pedras emuma fogueira e elas derreteram. Desapareceram. Nós vimos.
Deana: Talvez as pedras da história sejam mágicas.
Wally: Mas estas não são.
(Adaptada por Paley, 1981, p. 16-18.)
Podemos ver que, quando a Sra. Paley provoca as crianças a ajustar o mundo da história e o mundo dos seus sentidos, as crianças exibem um padrão de pensamento que é típico durante os anos de pré-escola - uma mistura de lógica profunda e pensamento mágico. As crianças acreditam, corretamente, que, quando as pedras são "cozidas", elas ficam menores e que as pequenas devem ser mais leves do que as grandes. Ao mesmo tempo, estão dispostas a acreditar que, realmente, existem pedras mágicas que derretem e, por isso, não entendem a mensagem de "A sopa de pedras". Sua maneira de pensar parece oscilar de um lado para o outro, entre a lógica e a mágica, a ponderação e a ignorância, o racional e o irracional.
Ler para crianças pequenas transmite a idéia de que ler é uma atividade agradável; também serve para revelar uma riqueza de conhecimentos culturais amplamente arraigados.
353
Uma colcha de retalhos similar, composta de competência e incompetência, pode ser encontrada na capacidade de lembrar dos pré-escolares. É muito comum as crianças pequenas lembrarem os nomes e as descrições de seus dinossauros favoritos, detalhes das idas ao consultório do médico, ou a localização do seu brinquedo preferido com uma precisão que pode surpreender seus pais (Baker-Ward et ai., 1993; De Loache et ai., 1985). Ao mesmo tempo, elas têm dificuldade para se lembrar de um conjunto de palavras ou de brinquedos imediatamente depois de serem solicitadas a se lembrar eles, tarefa que seria fácil para crianças mais velhas e adultos (Schneider e Bjorklund, 1998).
A qualidade dos desempenhos intelectuais das crianças pequenas suscita, de uma nova maneira, as questões básicas do desenvolvimento. Será que a primeira infância deve ser considerada um estágio distinto do desenvolvimento? Mas, se trata de um estágio, como vamos considerar a desigualdade do pensamento das crianças pequenas? Será que as crianças pequenas são simplesmente inconsistentes? Ou, se seus processos de pensamento variam de uma tarefa para a próxima, porque estão mais familiarizadas com algumas tarefas do que com outras? Ou quem sabe suas habilidades variam, porque as partes do seu cérebro que governam essas habilidades amadurecem em velocidades diferentes? Na tentativa de responder essas perguntas, os estudiosos do desenvolvimento devem ser sensíveis à possibilidade de que os pré-escolares possam, às vezes, parecer ilógicos ou incapazes de se lembrar de eventos apenas porque suas habilidades de linguagem, ainda frágeis impedem-nos de entender completamente o que lhes é dito ou de comunicar adequadamente seus pensamentos às outras pessoas.
Começamos nossa discussão sobre essas questões esboçando o relato de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo na primeira infância, um relato que dominou o estudo do desenvolvimento mental na segunda metade do século XX. Como no caso da fase de bebê, as observações empíricas de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças têm sido amplamente repetidas, mesmo quando explicações teóricas de suas causas tenham sido desafiadas. Sua influência tem sido tão grande que muitos especialistas que discordam das teorias de Piaget usam o trabalho dele como ponto de partida para o seu próprio trabalho.
Em seguida, resumiremos a pesquisa que questiona as interpretações de Piaget sobre os dados que ele coletou e indicaremos as diferentes explicações do desenvolvimento cognitivo durante a primeira infância. Mais uma vez, como no caso da fase de bebê, a pesquisa atual sugere que as crianças pequenas são mais competentes do que Piaget acreditava, mas ainda persistem muitos desacordos sobre a natureza das habilidades cognitivas das crianças e os processos de mudança cognitiva que caracterizam a primeira infância.
O RELATO DE PIAGET SOBRE O DESENVOLVIMENTO MENTAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA
Na estrutura teórica de Piaget, a primeira infância é um momento de transição entre o pensamento da fase de bebê, que é baseado em atos claramente físicos (esquemas sensório-motores), como pegar e sugar objeto, e o pensamento da segunda infância, que envolve a manipulação de símbolos, ou ações internalizadas (mentais) (Piaget e Inhelder, 1969). Quando as crianças completam o subestágio sensório-motor final (descrito no Capítulo 6), elas adquirem os rudimentos do pensamento simbólico ou representacional. A partir daí, são capazes de pensar simbolicamente, usando um objeto para representar outro. Essa é a capacidade fundamental na qual se baseia sua capacidade recém-descoberta de usar a linguagem verbal.
Em torno dos sete ou oito anos de idade, acreditavaPiaget, as crianças tornam-se capazes de realizar operações mentais, "ações" mentais em que elas combinam, separam
e transformam as informações de uma maneira lógica, como fazem, por exemplo, quando arrumam sua coleção de selos de acordo com o país de origem e o valor estimado ou montam um brinquedo novo e complexo recém-tirado da caixa. Elas estão mais capacitadas para formular estratégias explícitas porque conseguem pensar através de ações alternativas e modificá-las mentalmente antes de realmente agir. Até as crianças conseguirem envolver-se em operações mentais, seu pensamento está sujeito a limitações do tipo que era evidente quando a classe da Sra. Paley tentou responder às perguntas sobre "A sopa de pedras".
A crença de Piaget de que as crianças pequenas são freqüentemente levadas a cometer erros e a fazer confusão porque ainda são incapazes de se envolver em verdadeiras operações mentais, é captada pelo nome que ele deu ao seu segundo estágio de desenvolvimento, o estágio pré-operatório. Na opinião de Piaget, o pensamento das crianças de três, quatro e cinco anos de idade ainda não é totalmente operatório, e, por isso, o desenvolvimento cognitivo durante a primeira infância pode ser encarado como um processo de superação das limitações que estão no caminho do verdadeiro pensamento operatório.
Piaget acreditava que a característica fundamental do pensamento durante a primeira infância era sua "unilateralidade". As crianças de idade pré-escolar concentram sua atenção (ou "centram-se" como dizia Piaget) em não mais de um aspecto saliente de qualquer evento sobre o qual estejam tentando pensar. Piaget achava que, só depois de superar essa limitação, as crianças faziam a transição para o estágio do pensamento operatório, em que seriam capazes de coordenar duas perspectivas ao mesmo tempo. Dois exemplos clássicos de centração da obra de Piaget influenciaram muito toda pesquisa subseqüente sobre o desenvolvimento cognitivo na primeira infância; diz-se que cada um deles ilustra como o se concentrar em um aspecto isolado de um problema, excluindo todos os outros, limita a capacidade de raciocínio da criança pequena.
O primeiro exemplo talvez seja a mais famosa demonstração de Piaget da diferença entre o pensamento pré-operatório e o pensamento operatório concreto da segunda infância, em que as crianças podem mentalmente combinar e manipular informações sobre objetos e acontecimentos concretos. A criança recebe duas canecas idênticas, cada uma cheia com exatamente a mesma quantidade de água. Enquanto a criança observa, a água de uma das canecas é derramada em uma terceira caneca, mais estreita e mais alta, resultando que o nível da água na nova caneca é mais alto que aquele da água da caneca original. Testemunhando esse evento, as crianças de três e quatro anos de idade, em geral, concluem que a quantidade de água da nova caneca, de alguma maneira, aumentou.
Piaget afirmava que as crianças pequenas cometem esse erro porque se concentram em apenas uma dimensão do problema - nesse caso, a altura da água nas canecas. Elas são incapazes de considerar a altura e a largura das canecas simultaneamente. Entretanto, uma vez que sejam capazes de operações mentais, as crianças negam firmemente que a quantidade de água tenha mudado, presumivelmente porque podem considerar vários aspectos do problema ao mesmo tempo. Essa capacidade permite a elas coordenar mentalmente os efeitos relativos das mudanças na largura e na altura. Também lhes permite imaginar o inverso do processo que testemunharam e, assim, pensar através do que aconteceria se a água fosse despejada de volta em sua caneca original. Retornaremos à pesquisa baseada nesses exemplos no Capítulo 12, porque ela também desempenha um papel fundamental nas discussões sobre a natureza do desenvolvimento mental na segunda infância.)
No segundo exemplo clássico da incapacidade de coordenar duas perspectivas, é mostrado às crianças pequenas um conjunto de contas de madeira, a maioria delas marrons e as restantes brancas. Quando lhes perguntam "o que há mais, contas marrons ou contas de madeira?", elas respondem que há mais contas marrons. Segundo Piaget, os pré-escolares cometem esse erro porque se concentram em apenas um nível de categorização de cada vez. Ou seja, eles conseguem pensar nas contas como divididas em duas subclasses (marrons versus brancas) e conseguem pensar na classe comum unida (contas de madeira), mas não conseguem pensar nos dois níveis simultaneamente. Segundo Piaget, na segunda infância, as crianças podem manter em mente os dois níveis de categorização e, por isso, não são conduzidas a esse tipo de erro.
Piaget considerava a incapacidade das crianças pequenas para manter em mente dois aspectos de um problema como o cerne do que ele considerava as três características mais salientes do pensamento durante a primeira infância: (1) egocentrismo, (2) a confusão entre aparência e realidade, e (3) raciocínio não-lógico.
EGOCENTRISMO
O egocentrismo tem um significado mais estrito na teoria de Piaget do que na fala cotidiana. Não significa egoísmo ou arrogância. Em vez disso, egocentrismo refere-se à tendência para se "concentrar em si mesmo", em considerar o mundo inteiramente em termos do próprio ponto de vista. Segundo Piaget, os pré-escolares não conseguem "descentrar"; eles estão presos no seu próprio ponto de vista, incapazes de enxergar a partir da perspectiva de outra pessoa.
As limitações cognitivas que correspondem ao egocentrismo foram documentadas por Piaget e por muitos pesquisadores posteriores que foram inspirados pelo seu trabalho. As limitações particulares que se vê dependem da tarefa específica que se tem à mão. Vamos examinar três dessas tarefas: considerar a perspectiva, conversar com os colegas e pensar sobre os processos de pensamento das outras pessoas.
Ausência de percepção da perspectiva espacial
Uma maneira como a natureza egocêntrica do pensamento das crianças pequenas se expressa é na dificuldade que têm de imaginar a partir da perspectiva visual de outra pessoa. O exemplo clássico dessa forma de egocentrismo é o problema das três montanhas. Piaget e Inhelder (1956) mostraram a crianças pequenas um grande diorama
contendo modelos de três montanhas bastante diferentes em tamanho, forma e marcos de referência (ver a Figura 9.1). Em primeiro lugar, foi dito às crianças que andassem em torno do diorama e ficassem familiarizadas com a paisagem de todos os lados. Depois que as crianças fizeram isso, elas se sentaram diante de um lado do diorama. Em seguida, uma boneca foi colocada no lado oposto do diorama, para que ela tivesse uma "visão diferente" da paisagem. Foram mostradas às crianças gravuras do diorama a partir de várias perspectivas, e elas foram solicitadas a identificar a gravura que correspondia ao ponto de vista da boneca. Mesmo que elas tivessem visto o diorama a partir do local em que a boneca estava, as crianças quase sempre escolheram a gravura correspondente ao seu ponto de vista, não ao da boneca.
Fala egocêntrica
A qualidade egocêntrica do pensamento das crianças também aparece em sua fala. Recorde do Capítulo 8, por exemplo, a tendência das crianças pequenas para se envolverem em "monólogos coletivos", em vez de verdadeiros diálogos, quando brincam juntas. Esse comportamento sugeriu a Piaget que as crianças pequenas, devido à sua incapacidade de descentralizar, nem sequer tentam se comunicar. Essa mesma qualidade torna-se evidente em experimentos em que duas crianças pequenas estão sentadas diante de uma mesa e são solicitadas a se comunicar uma com a outra sobre conjuntos de objetos idênticos dispostos diante delas. Em experiências desse tipo, uma pequena tela é colocada entre as crianças para que elas não consigam ver uma à outra. Uma criança é indicada para falar; a outra é o ouvinte. Aquela que fala deve descrever os objetos que estão do seu lado da tela, um de cada vez e a que escuta deve pegar o objeto correspondente do seu próprioconjunto de objetos. Uma disposição experimental típica está mostrada na Figura 9.2. (Yule [1997] faz uma revisão da literatura sobre esse tópico.)
A maior parte das crianças de quatro e cinco anos de idade, no papel de quem fala, proporcionam muito pouca informação para o ouvinte conseguir escolher o objeto correto. Se os objetos são, por exemplo, cachorros, gatos e elefantes de brinquedo, aquele que fala pode dizer apenas "Este é um cachorro", ou até "Pegue este aqui", não percebendo que o ouvinte não tem informação suficiente para saber exatamente que objeto está sendo indicado. Os ouvintes muito pequenos também têm dificuldade com essa tarefa: quando têm a oportunidade de pedir mais informação, eles não conseguem fazê-lo. Esses problemas de comunicação persistem até o fim da primeira infância, como está evidenciado pelos estudos conduzidos na Inglaterra e na Itália, que descobriram que as crianças de seis anos de idade tinham as mesmas dificuldades. Aos nove anos de idade, as crianças eram tão boas quanto os adultos em buscar informações adicionais, quando a mensagem que estavam recebendo era ambígua (Lloyd et ai., 1995).
Incapacidade para compreender outras mentes
Uma forma relacionada de egocentrismo na primeira infância é a incapacidade de compreender que os outros podem ter pensamentos diferentes do seu (Astington, 1993; Flavell e Miller, 1998). Um dos principais métodos que estão sendo atualmente usados para estudar o desenvolvimento do pensamento das crianças sobre os processos de pensamento de outras pessoas concentram-se na capacidade das crianças para compreender que a outra pessoa pode abrigar uma falsa crença. Dois exemplos indicam os tipos de métodos que os pesquisadores do desenvolvimento usam para determinar a capacidade das crianças pequenas em entender a possibilidade de falsas crenças.
No primeiro método, é apresentado às crianças um breve enredo e depois lhes é solicitado que prevejam como um dos personagens do enredo vai se comportar. O enredo e a pergunta sobre a previsão são planejados para revelar a capacidade da criança de se envolver na percepção da perspectiva mental - pensar sobre o que se passa na mente de outra pessoa. Eis um enredo típico e uma pergunta de acompanhamento:
FIGURA 9.2
Os pré-escolares freqüentemente experimentam dificuldade com a tarefa de manter na mente o que é preciso dizer para a outra pessoa, para que ocorro uma comunicação eficiente. A menina da esquerda precisa descrever os blocos que estão do seu lado da tela, tomando cuidado para mencionar suas características distintas, para que o menino à direita os coloque na mesma ordem que ela. (Extraída de Krauss e Glucksberg, 1969.)
357
ENREDO: Era uma vez um menininho que adorava doces. Um dia, ele colocou uma barra de chocolate dentro de uma caixa, em cima da mesa, e se afastou um pouco. Enquanto ele estava afastado, sua mãe veio, tirou o chocolate da caixa e o colocou na gaveta de cima da cômoda, onde ele guardava suas meias. O menininho voltou. Estava com fome e queria seu chocolate.
PERGUNTA: Onde você acha que o menininho vai procurar seu chocolate?
Quando se faz essa pergunta a crianças de três anos de idade, elas respondem como se o menino que saiu do aposento tivesse a mesma informação que elas têm; dizem que ele vai procurar na gaveta de cima da cômoda. As crianças de cinco anos de idade, provavelmente, vão dizer que o menininho vai procurar o chocolate na caixa que está em cima da mesa; presumivelmente, eles entendem que a criança que saiu do aposento tem uma falsa crença sobre a localização do chocolate.
No segundo método, as crianças são diretamente envolvidas em uma tarefa em que elas próprias experimentam uma falsa crença (Gopnik e Astington, 1988; Perner et ai., 1987). Nessa tarefa, é mostrada às crianças uma caixa coberta de embalagens de balas, como M & Ms, e lhes é perguntado o que acham que tem dentro da caixa. Todos, é claro, respondem "Balas". Então, lhes é mostrado que eles estão errados -a caixa, na verdade, contém outros objetos, como lápis, por exemplo. Em seguida, é perguntado às crianças o que um amigo que ainda não olhou dentro da caixa acharia que ela contém. Mesmo que eles tenham acabado de passar pelo processo de eles próprios terem se enganado, a maioria das crianças de três anos de idade diz que o amigo acharia que a caixa contém um lápis.
Várias evidências baseadas em dados dessas tarefas indicam que a capacidade de pensar sobre os estados mentais de outra pessoa, freqüentemente referida como uma teoria da mente, só aparece quando a criança está com quatro ou cinco anos de idade (Astington, 1993; Flavell e Miller, 1998).
Consideradas juntas, as evidências de que as crianças pequenas têm dificuldade com a percepção da perspectiva espacial do tipo requerido pelo problema das três montanhas, a incapacidade de proporcionar informações adequadas às outras pessoas que participam da conversa, e a não-avaliação de que alguém possa abrigar uma falsa crença corroboram a teoria piagetiana da natureza egocêntrica do pensamento das crianças.
358
CONFUSÃO ENTRE APARÊNCIA E REALIDADE
Como acabamos de observar, uma importante manifestação das limitações do pensamento na primeira infância é a tendência das crianças a se concentrar exclusivamente nos aspectos mais evidentes de um objeto - ou seja, em sua aparência superficial (Figura 9.3). Piaget acreditava que essa tendência perceptual dificulta para a criança pequena distinguir entre a maneira como as coisas parecem ser e a maneira como elas são. Como as crianças de dois anos e meio de idade têm dificuldade para distinguir entre aparência e realidade, elas podem ficar amedrontadas quando uma criança mais velha coloca uma máscara no Halloween, como se a máscara tivesse, na verdade, transformado aquele que a usou em uma bruxa ou em um dragão (Flavell et ai., 1993).
Rheta de Vries (1969) estudou o desenvolvimento da distinção entre aparência e realidade com a ajuda de Maynard, um gato preto incomumente bem-comportado. Depois de brincarem com Maynard durante um curto espaço de tempo, de Vries escondeu a metade da frente de Maynard atrás de uma tela, enquanto prendeu uma máscara realística de um cachorro feroz à sua cabeça (ver Figura 9.4a). Enquanto removia a tela, De Vries fez várias perguntas para avaliar a capacidade das crianças para distinguir entre a identidade real do animal e sua aparência: "Que tipo de animal ele é agora?" "Ele é realmente um cachorro?" "Ele consegue latir?" O ponto forte da capacidade das crianças para distinguir entre aparência e realidade foi avaliada em uma escala de 11 pontos. As crianças que disseram que o gato havia se transformado em um cachorro receberam um ponto, enquanto as crianças que disseram que o gato só parecia ter-se transformado em um cachorro, mas, na verdade, nunca poderia se tornar um, receberam onze pontos.
De um modo geral, as crianças de três anos de idade concentraram-se quase inteiramente na aparência de Maynard (ver a Figura 9.4b). Elas disseram que ele havia realmente se transformado em um cachorro feroz e, algumas delas, temiam que ele as mordesse. A maioria das crianças de seis anos de idade zombou dessa idéia, percebendo que o gato só parecia um cachorro. As crianças de quatro e cinco anos mostraram considerável confusão. Elas não acreditavam que um gato pudesse se transformar em um cachorro, mas nem sempre responderam corretamente às perguntas de De Vries.
Confusões similares entre aparência e realidade foram relatadas por John Flavell e seus colegas, que mostraram a crianças pequenas vários objetos que pareciam ser uma coisa, mas, na verdade, eram outra: uma esponja que parecia ser uma rocha, uma pedra que parecia ser um ovo e um pequeno pedaço de papel branco colocado atrás de um pedaço de plástico rosa, de tal modo que o papel parecia ser rosa. Os objetos foram mostrados às crianças e lhes foi perguntado "O que isso parece?" (a pergunta da aparência) e "O que é isso na verdade?" (a perguntada realidade) (Flavell et ai., 1986; Melot e Houde, 1998).
Consistente com as declarações de Piaget sobre as dificuldades que as crianças pequenas experimentam ao distinguir a realidade da aparência, Flavell e outros pesquisadores descobriram que as crianças de três anos de idade podem responder incorretamente a perguntas sobre aparência e realidade. Por exemplo, deve ser esperado que as crianças inicialmente pensassem que a esponja "rocha" fosse uma rocha, porque era realística o suficiente para "enganar o observador mais perspicaz". Mas quando descobriram pelo toque que a "rocha" era realmente uma esponja, começaram a insistir que ela não apenas dava a sensação de ser uma esponja, mas também parecia uma esponja! As crianças de quatro anos de idade parecem estar em um estado de transição; às vezes respondem corretamente, outras vezes, incorretamente. As crianças de cinco anos têm uma percepção muito mais firme da distinção entre aparência e realidade nessas circunstâncias e, em geral, respondem corretamente às perguntas do experimentador.
Flavell (1990, p. 14-15) apresenta três linhas de evidência para declarar que as dificuldades das crianças pequenas com a distinção entre aparência e realidade "não são triviais, profundamente assimiladas [e] genuinamente intelectuais":
FIGURA 9.3
Um fenômeno que requer que a pessoa que vê distinga entre a aparência e a realidade é a inclinação da luz que ocorre quando um canudo reto é parcialmente submergido na água: o canudo parece quebrado, mas sabemos que essa aparência não é a realidade, e uma ilusão. As crianças pequenas, no entanto, podem acreditar que o canudo realmente mudou.
FIGURA 9.4
(a)Maynard, o gato, com e sem urna máscara de cachorro, (b) Um gráfico mostrando o aumento da capacidade de entendimento das crianças, em relação à idade, de que Maynard permanecia um gato, mesmo que sua aparência fosse modificada para que ele parecesse um cachorro. (Adaptada de De Vries, 1969).
359
1. Crianças chinesas, japonesas e britânicas de três anos de idade experimentam dificuldades similares (Flavell et ai., 1983; Harris e Gross, 1988).
2. Várias tentativas para simplificar a tarefa não ajudam as crianças pequenas a superar suas dificuldades (Flavell, et ai., 1987).
3. As tentativas de treinar as crianças pequenas para fazer as distinções adequadas falharam (Melot e Houde, 1998; Taylor e Hort, 1990).
RACIOCÍNIO PRÉ-CAUSAL
Nada é mais característico dos pré-escolares do que sua paixão por fazer perguntas. "Por que o céu é azul?" "O que produz as nuvens?" "De onde vêm os bebês?". Evidentemente, as crianças estão interessadas nas causas dos eventos.
Apesar desse interesse, Piaget acreditava que, pelo fato de as crianças pequenas ainda não serem capazes de realizar operações mentais de verdade, elas não poderiam envolver-se no raciocínio de causa e efeito como as crianças mais velhas e como os adultos. Ele declarou que, em vez de raciocinar a partir de premissas gerais para os casos particulares (dedução) ou de casos específicos para casos gerais (indução), as crianças pequenas pensam transdutivamente, de um particular para outro. Como exemplo, ele descreveu como sua filha caçula perdeu seu costumeiro cochilo certa tarde, e observou, "Eu não dormi, então não é de tarde". Como conseqüência desse raciocínio, é provável que as crianças pequenas confundam causa e efeito. Como ele acreditava que o raciocínio transdutivo precede o raciocínio causal verdadeiro, Piaget referiu-se a esse aspecto do pensamento das crianças pequenas como pensamento pré-causal (Piaget, 1930).
Nossa própria filha deu uma esplêndida demonstração de como o raciocínio transdutivo pode levar uma criança pequena a confundir causa e efeito. Quando estava com três anos e meio, Jenny estava caminhando conosco por um antigo cemitério. Ouvindo-nos ler as inscrições nas lápides, ela percebeu que, de alguma maneira, as velhas pedras cobertas de musgo representavam pessoas. "Onde ela está agora?" perguntou ela, quando acabamos de ler a inscrição em uma lápide.
"Ela está morta", dissemos.
"Mas onde ela está?"
Tentamos explicar que, quando as pessoas morrem, elas são enterradas em cemitérios. Depois disso, Jenny passou a se recusar terminantemente a ir a cemitérios conosco e ficava perturbada quando nos aproximávamos de um. Toda noite, ao se deitar, perguntava-nos repetidamente sobre morte, enterro e cemitérios. Nós respondemos suas perguntas da melhor maneira que podíamos, mas ela continuava repetindo as mesmas perguntas e estava claramente perturbada com aquele assunto. A razão do seu medo ficou clara quando nos mudamos para a cidade de Nova York. "Há cemitérios na cidade de Nova York?" perguntou ela, ansiosa. Estávamos exaustos das suas perguntas insistentes e a nossa crença de que deveríamos ser francos e honestos estava desmoronando.
"Não", mentimos. "Não há cemitérios na cidade de Nova York." Diante dessa resposta, Jenny ficou visivelmente relaxada.
"Então as pessoas não morrem em Nova York", acrescentou ela alguns minutos depois.
Jenny havia raciocinado que, como os cemitérios são lugares onde ficam as pessoas mortas, os cemitérios deviam ser a causa da morte. Esse raciocínio a conduziu à conclusão confortante, porém incorreta, de que, se ficássemos afastados dos cemitérios, não correríamos o risco de morrer.
360
O ESTUDO DO PENSAMENTO DE CRIANÇAS PEQUENAS DEPOIS DE PIAGET
Os exemplos que proporcionamos até agora (resumidos na Tabela 9.1) são apenas uma amostra dos fenômenos que corroboram a idéia de que há um modo de pensamento distinto associado com a primeira infância. Mas eles são suficientes para dar uma idéia dos tipos de evidência coletados por Piaget e outros, para defender a idéia de um estágio pré-operatório. Nessa idade, o pensamento das crianças é dominado pela incapacidade de "descentrar", o que as impede de considerar os pontos de vista e as crenças dos outros, manter a aparência e a realidade separadas e raciocinar de maneira lógica.
Nas últimas décadas, no entanto, as evidências coletadas usando-se vários novos métodos inspiraram um amplo reexame da idéia de que o pensamento pré-operatório seja, em geral, característico do pensamento da primeira infância (Case, 1998; Fischer e Biddel, 1998; Gelman e Williams, 1998; Wellman e Gelman, 1998).
TABELA 9.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PIAGET:
PRÉ-OPERATÓRIO
	Idade (anos) 
	Estágio
	 Descrição
	Características e exemplos
	Nascimento aos 2 anos 
	Sensório-motor 
	As realizações dos bebês consistem, em grande parte, em coordenar suas percepções sensoriais e os comportamentos motores simples. Á medida que se movem através dos seis subestágios desse período, os bebês passam a reconhecer a existência de um mundo fora deles e começam a interagir com ele de maneiras deliberadas.
	Centralização, a tendência de se concentrar (centralizar) no aspecto mais saliente de quala coisa sobre a qual se esteja tentando pensar, l manifestação importante
disso é o egocentrismo ou considerar o mundo inteiramente em termos próprio ponto de vista.
As crianças envolvem-se em monólogos coletivos, em vez de diálogos, em compoi de outras pessoas.
	2 a 6 
	Pré-operatório 
	As crianças pequenas podem representar a realidade para si mesmas através do uso de símbolos, incluindo imagens mentais, palavras e gestos. Os objetos e os eventos não têm mais que estar presentes para serem considerados, mas as crianças freqüentemente falham em distinguir seu ponto de vista de outros, em perceber facilmente as aparências superficiais e freqüentemente ficam confusas com as relações causais.
	As crianças têm dificuldade de levar em o conhecimento do ouvinte para se comi eficientemente.
As crianças não conseguem considerar to altura quanto a largura dos recipientes p comparar seus volumes.
As crianças confundem classes com subcbs Elasnão conseguem confiável mente dizer se há mais contas de madeira ou mais contas marrons em um conjunto composto
apenas de contas de madeira.
	6 a 12 
	Operatório concreto
	Quando entram na segunda infância, as crianças tornam-se capazes de operações mentais, ações internalizadas que se ajustam a um sistema lógico. O pensamento operatório permite às crianças combinar mentalmente, separar, ordenar e transformar objetos e ações. Essas operações são consideradas concretas porque são realizadas na presença dos objetos e eventos que estão sendo considerados.
	
Confusão entre aparência e realidade.
As crianças agem como se uma máscara de Halloween realmente mudasse a identidade da pessoa que a usa.
As crianças podem acreditar que um canií parcialmente submergido na água realmente se torna inclinado.
Raciocínio pré-causal, caracterizado pelo pensamento ilógico e por uma indiferença às relações de: causa e efeito.
	12 a 19 
	Operatório formal
	Na adolescência, a pessoa em desenvolvimento adquire a capacidade de pensar sistematicamente sobre todas as relações lógicas existentes em um problema. Os adolescentes exibem um vivo interesse em ideais abstratos e no processo do pensamento em si.
	Uma criança pode pensar que um cemitério é uma causa de morte, porque as pessoas mortas são enterradas ali.
Uma forma de raciocínio moral que vê a moralidade como sendo imposta de fora e que não leva em consideração as intenções.
361
O PROBLEMA DE NÍVEIS DESIGUAIS DE DESEMPENHO
Grande parte das novas evidências com relação à teoria de Piaget indica que o desenvolvimento cognitivo é bem mais irregular do que a descrição de Piaget parecia sugerir, e que, em algumas circunstâncias, as crianças mostram sinais de possuir algumas habilidades cognitivas em um período anterior do que Piaget imaginava. O próprio Piaget estava bem consciente de que o desempenho de uma criança poderia variar um pouco de uma versão para outra de um problema, mesmo que os problemas parecessem requerer as mesmas operações lógicas. Ele se referia a esses casos como exemplos de décalage horizontal (literalmente, desalinhamento horizontal). Ele, acreditava que diferenças sutis nas exigências lógicas das diferentes versões de uma tarefa fossem uma importante fonte de variações no desempenho das crianças naquilo que parecia ser tarefas cognitivas logicamente idênticas. Ele também estava consciente de que a técnica de entrevista, a partir da qual grande parte de seus dados derivaram, podia em si obscurecer o processo de pensamento que estava sendo estudado, produzindo uma aparente desigualdade no desempenho, especialmente em crianças pequenas que ainda eram novatas no uso da linguagem verbal (Piaget, 1929/1979). Entretanto, sua própria obra o convenceu de que ele havia superado os problemas de entrevistar crianças pequenas e que a sua pesquisa demonstrava com precisão que as crianças pré-operatórias falham consistentemente em distinguir seu ponto de vista do de outra pessoa, que são facilmente enganadas pelas aparências superficiais e que ficam, freqüentemente confusas com as relações causais.
Não obstante, vários estudos têm parecido mostrar que Piaget interpretou mal as dificuldades especiais causadas por sua confiança nas entrevistas verbais e nas tarefas planejadas como sua principal fonte de dados. Embora as dúvidas permaneçam, há agora um corpo de evidências segundo o qual, dependendo dos métodos de teste utilizados, o desempenho cognitivo das crianças pode variar mais do que Piaget imaginava, e que métodos de avaliação mais sensíveis revelam maior competência cognitiva em crianças pequenas do que ele foi capaz de revelar. (Flavell et ai., [1933], Gelman e Williams [1998] e Wellman e Gelman [1998] reexaminaram as evidências.)
Raciocínio não-egocêntrico sobre perspectivas espaciais
Em um teste freqüentemente citado das idéias de Piaget sobre o egocentrismo espacial, Helen Borke (1975) replicou a experiência das três montanhas (Figura 9.1) de Piaget e Inhelder com crianças entre três e quatro anos de idade. Ela, posteriormente, apresentou às crianças uma forma alternativa do problema, uma cena de fazenda que incluía marcos como um pequeno lago com um barco sobre ele, um cavalo e uma vaca, patos, pessoas, árvores e uma construção (Figura 9.5). Nessa versão alternativa, Grover, um personagem de Vila Sésamo, dirige o seu carro em volta da paisagem. De vez em quando, ele pára e dá uma olhada na paisagem. A tarefa da criança é indicar como se parece essa visão a partir da perspectiva de Grover.
Crianças de três anos de idade tiveram um bom desempenho nesse problema de percepção da perspectiva, enquanto seu desempenho na versão das três montanhas do problema havia sido pobre, como havia previsto o trabalho de Piaget e Inhelder. Esses níveis contrastantes de desempenho levaram Borke a concluir que, quando as tarefas de
percepção da perspectiva envolvem objetos familiares, facilmente diferenciados, e quando se toma o cuidado de torná-la fácil para as crianças pequenas conseguirem expressar seu entendimento, essas crianças pequenas demonstram que são capazes de perceber outras perspectivas espaciais além da sua.
Compreendendo outras mentes
Já vimos que as crianças pequenas, em geral, não têm um bom desempenho nas tarefas experimentais envolvendo um entendimento de falsas crenças dos outros. Não obstante, os pesquisadores reuniram ampla evidência de que, em algumas circunstâncias, as crianças podem apreciar os estados mentais de outras pessoas com muito menos idade do que Piaget imaginava que elas pudessem fazer.
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Mudando o papel da criança nas tarefas de falsa crença, de enganado para de enganador, Kate Sullivan e Ellen Winner descobriram que até mesmo as crianças de três anos de idade exibem alguma apreciação dos processos de pensamento das outras pessoas (Sullivan e Winner, 1993). Usando uma variação da tarefa do lápis-na-caixa-de-balas, Sullivan e Winner criaram uma situação na qual a criança era acompanhada por um adulto, que era, na verdade, um cúmplice na experiência. Nessa versão, o experimentador primeiro aplica o truque-padrão da caixa de balas na criança e no adulto, e depois sai do aposento. Em seguida, a acompanhante adulta sugere que ela e a criança façam um truque para o experimentador, assim como o truque que o experimentador aplicou nelas. Representando muito bem o papel de um conspirador que pretendia fazer o experimentador de tolo, o adulto tira uma caixa de lápis da sua bolsa e ajuda a criança a tirar os lápis e os substitui por algo inesperado. Finalmente, enquanto o experimentador ainda está fora do aposento, o adulto, em um tom baixo e conspirador, pergunta à criança o que o experimentador vai achar que está na caixa de lápis quando voltar. Nesta situação tipo jogo, 75% das crianças de três anos de idade previram que o experimentador iria erroneamente responder lápis, indicando que as crianças foram, pelo menos nessas circunstâncias, capazes de pensar sobre os processos de pensamento de outra pessoa. Em comparação, somente 25% responderam certo na tarefa-padrão da falsa crença, um índice que acompanhava os resultados tipicamente relatados. Os pesquisadores sugerem que sua versão da tarefa engajou as crianças na atividade- modelo de fazer o outro de tolo, o que instruiu as crianças para pensar sobre os estados mentais de outras pessoas.
Distinguindo a aparência da realidade
Segundo os dados que apresentamos anteriormente, as crianças só começam a distinguir consistentemente entre aparência e realidade em algum momento entre as idades de quatro e seis anos. Entretanto, pesquisas adicionais sugerem que as dificuldades experimentadas pelas crianças menores para fazer a distinção dependem, em parte, das características especiais dos procedimentos que estão sendo usados.
Catherine Rice e seus colegas (1997) repetiram e estenderam os estudos da capacidade das crianças de três a quatro anos de idade para julgar arealidade das "rochas" de esponja e outros objetos enganosos, usando um procedimento que engajou as crianças em uma atividade de roteiro de decepção. O experimentador começava classificando as crianças em um esforço para tentar fazer outro adulto de tolo com um objeto, falso como uma rocha de esponja. Embora o segundo adulto estivesse convenientemente fora do aposento, o experimentador e a criança colocaram o objeto do truque sobre a mesa. Enquanto esperava o segundo adulto retornar, o experimentador fez várias perguntas às crianças: Qual é o objeto, na verdade? Qual o seu aspecto? O que o adulto ausente pensaria que ela era? Nesse contexto de conspiração, como uma brincadeira, as crianças foram capazes de dizer que o objeto era uma esponja, mas parecia uma rocha - e o adulto iria pensar que era uma rocha. Assim, foram claramente capazes de distinguir a realidade da aparência. Os pesquisadores sugerem que, ao contrário dos resultados de Flavell anteriormente descritos, as crianças têm uma percepção conceitual da distinção entre realidade e aparência, mas, para serem capazes de usar esse conhecimento, têm de ser instruídas para tornar o conhecimento parte de uma atividade contínua que possam entender. Esses achados ilustram exatamente como os experimentadores devem ser cuidadosos para criar versões adequadas de suas tarefas, para que elas sejam significativas para as crianças pequenas.
FIGURA 9.5
Modificação de Borke da tarefa das três montanhas para percepção da perspectiva idealizada por Piaget. Quando um diorama contém objetos familiares, os pré-escolares têm maior probabilidade de dizer como ele é visto de um outro ponto de vista diferente do seu.
FIGURA 9.6
Estes desenhos mostram como crianças de diferentes idades e habilidades mentais percebem a maneira como uma bicicleta funciona, (a) A criança que tem cinco anos e três meses de idade não tem idéia clara de como as diferentes partes da bicicleta se ajustam, (b) Uma criança de nove anos de idade, deficiente, captou parte do mecanismo na ilustração, mas não conseguiu ligar o pedal à roda dentada e à corrente, (c) uma criança normal de oito anos e três meses de idade consegue representar todos os mecanismos essenciais. traída de Piaget, 1930.)
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Raciocínio causal eficiente
Um dos exemplos mais conhecidos de Piaget do raciocínio pré-causal veio de suas entrevistas com crianças sobre como as bicicletas funcionam. No decorrer da entrevista, ele também pedia às crianças para fazerem um desenho ilustrando suas explicações (ver a Figura 9.6). Durante a entrevista, uma bicicleta foi apoiada em uma cadeira diante da criança. Uma entrevista com Grim, de cinco anos e meio de idade, proporciona o tipo de evidência que levou Piaget a concluir que o raciocínio das crianças pequenas é pré-causal (Piaget, 1930, p. 206):
Piaget: Como a bicicleta se move?
Grim: Com o freio no alto da bicicleta.
Piaget: Para que serve o freio?
Grim: Para fazer ela andar, porque a gente empurra.
Piaget: Com que a gente empurra?
Grim: Com os pés.
Piaget: O que isso faz?
Grim: Faz ela andar.
Piaget: Como?
Grim: Com o freio.
No final da década de 1920, Piaget visitou a Malting Housc School, em Cam-bridge, na Inglaterra, onde Susan Isaacs também estava conduzindo uma pesquisa sobre crianças pequenas. Isaacs foi céptica em relação às idéias de Piaget sobre o pensamento pré-operatório. Quando ela reconheceu um de seus pré-escolares dirigindo um triciclo, colocou a teoria do seu visitante em um teste improvisado:
Naquele momento, Dan [com cinco anos e nove meses de idade] estava sentado em um triciclo no jardim, pedalando para trás. Eu fui até ele e disse: "O velocípede não está andando para frente, não é?" "É claro que não. Eu estou pedalando para trás", disse ele. "Bem", perguntei, "como ele anda para a frente?" "Oh, bem", replicou ele, "meus pés apertam os pedais, que fazem a manivela girar, e as manivelas dão a volta" (apontando para a roda dentada), "e isso faz a corrente rodar, e a corrente gira, e então as rodas giram- e lá vou eu!" (Isaacs, 1966, p. 44)
Isaacs apresentou essa história como evidência contra a teoria de Piaget de que as crianças pequenas são incapazes de raciocínio causal. Antes de aceitar uma ou outra dessas conclusões, a maior parte dos pesquisadores do desenvolvimento requereria mais informações sobre os dois meninos, sua experiência com triciclos e bicicletas e a maneira como as entrevistas foram conduzidas. Será que Dan é apenas um pré-escolar especialmente adiantado? Será que a diferença em seus desempenhos é o resultado de diferenças na maneira como o problema foi colocado para eles? Respostas sistemáticas a essas perguntas requerem experiências que, deliberadamente, variam a maneira como os problemas são apresentados.
Merry Bullock e Rochel Gelman, por exemplo, testaram a capacidade de crianças de três a cinco anos de idade para entender o princípio básico de que as causas vêm antes dos efeitos, usando o aparato mostrado na Figura 9.7 (Bullock, 1984; Bullock e Gelman, 1979). As crianças observaram duas seqüências de eventos. Na primeira, uma bolinha de gude foi colocada em uma das duas aberturas de uma caixa, ambas visíveis através da lateral da caixa. Dois segundos depois de a bolinha desaparecer no fundo da abertura, um Snoopy de papel foi projetado para fora do buraco existente no meio do aparato. Nesse momento, uma segunda bola foi colocada na outra abertura. Ela também desapareceu, sem que nada acontecesse em seguida. As crianças foram, então, solicitadas a dizer qual das bolas fez o Snoopy aparecer e dar uma explicação para isso.
Até mesmo crianças de apenas três anos de idade, em geral, dizem que a primeira bola fez com que Snoopy fosse projetado. As crianças de cinco anos de idade não tiveram nenhuma dificuldade em realizar a tarefa. No entanto, houve uma diferença marcante entre os grupos de idade em sua capacidade para explicar o que aconteceu.
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Muitas crianças de três anos de idade não conseguiram dar nenhuma explicação ou disseram algo completamente irrelevante ("Ele tem dentes grandes"). Quase todas as crianças de cinco anos de idade conseguiram dar pelo menos uma explicação parcial do princípio, segundo o qual a causa precede os efeitos. Esse achado sugere uma razão por que Piaget pode ter subestimado a competência cognitiva de crianças pequenas: suas técnicas de pesquisa baseavam-se muito nos problemas verbalmente apresentados e nas justificações verbais do raciocínio, ambas colocando em desvantagem as crianças menores (ver o Destaque 9.1).
Em geral, o peso da evidência de significativa desigualdade no desenvolvimento cognitivo das crianças menores é hoje amplamente considerado importante demais para ser ignorado. Por isso, vários pesquisadores estão atualmente usando teorias e métodos de pesquisa, tanto da perspectiva piagetiana quanto de outras perspectivas, para entender o fenômeno das ilhas de competência.
EXPLICAÇÕES PÓS-PIAGETIANAS DO DESENVOLVIMENTO
Nas últimas décadas, várias escolas de pensamento se desenvolveram para lidar com as falhas percebidas no relato de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo. Muitos pesquisadores do desenvolvimento continuam a declarar que a teoria de Piaget continua correta em seu quadro geral do desenvolvimento e que as evidências aparentemente contraditórias resultam de experimentação errada ou de um malogro no entendimento da teoria de Piaget. Orlando Lourenço e Armando Machado, por exemplo, declaram que as crianças pequenas podem ser mais competentes do que acreditava Piaget, mas a maior parte dos estudos que têm desafiado seus resultados baseiam-se em "erros metodológicos e confusões conceituais" (Lourenço e Machado, 1996, p. 146).
Outros psicólogos acham que os problemas da teoria de Piaget são mais sérios. Uma característica compartilhada por muitos desses críticos é a sua crença de que a cognição começa como um processo que é específico dos domínios do conhecimento, como a música,o espaço e o número e se modifica diferentemente em cada domínio. Entretanto, esses estudiosos diferem na maneira como concebem os domínios e na extensão do que acreditam que sejam as modificações desenvolvimentais nos processos cognitivos gerais, como a memória e a atenção, que operam entre os domínios (Case, 1998; Goswami, 1999).
estrutura conceitual central
Oequivalente mental do conhecimento
comum a uma ampla extensão de
exemplos em um dado domínio.
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TEORIAS NEOPIAGETIANAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
O termo neopiagetiano refere-se aos psicólogos do desenvolvimento que concordam com características importantes da abordagem de Piaget, mas que buscam modificar alguns aspectos da sua teoria em resposta a críticas modernas. Os neopiagetianos conservam a idéia de que a aquisição de conhecimento ocorre através de mudanças que se processam por meio de estágios, mas acreditam que a passagem dos indivíduos pelos estágios ocorre em velocidades diferentes em domínios diferentes. Uma criança pode ser um incrível jogador de xadrez ou um musicista precoce, mas, no desempenho das tarefas piagetianas, não se comporta melhor do que os companheiros da sua idade (Feldman, 1999).
Entretanto, ao mesmo tempo em que enfatizam o desenvolvimento específico de domínio, os neopiagetianos enfatizam que há também limites gerais relacionados à idade nas habilidades cognitivas das crianças, particularmente limitações da memória, que se aplicam a todas as formas de pensamento. Por isso, o problema enfrentado pelos neopiagetianos é reconciliar as transformações específicas do domínio e as transformações desenvolvimentais gerais. Para isso, Robbie Case e seus colegas concentram-se no que Case chamou de estruturas conceituais centrais (Case, 1992; Case e Okamoto, 1996). Uma estrutura conceitual central é uma rede de conceitos e de relações conceituais que permite às crianças pensar da mesma maneira sobre uma ampla extensão de problemas em um dado domínio, como jogar damas, seguir mapas e desenhar - todos exemplos de tarefas do domínio espacial. Segundo Case, quando os pesquisadores se certificam de que tarefas diferentes do mesmo domínio são familiares, envolvem um conteúdo igualmente exigente e têm as mesmas exigências de memória, as crianças vão passar pelas mesmas modificações desenvolvimentais em cada tarefa, aproximadamente na mesma idade, refletindo uma mudança coordenada com as estruturas conceituais centrais.
Em uma demonstração da possibilidade de identificar o desenvolvimento coordenado em duas tarefas diferentes que são parte da mesma estrutura conceitual central, Case e seus colegas construíram dois conjuntos de problemas numéricos que diferiam em seu conteúdo específico mas que compartilhavam de estruturas lógicas idênticas. O primeiro requeria que as crianças julgassem a "qualidade" de uma bebida feita de diferentes misturas de suco de laranja e água. Será que uma mistura de cinco partes de suco e três partes de água, por exemplo, teria tanto sabor quanto uma mistura composta de quatro partes de suco e uma parte de água? O segundo, um problema logicamente equivalente, dizia respeito a dois meninos, cada um deles tendo uma festa de aniversário e cada um deles querendo pedras polidas de presente de aniversário (na escola onde os investigadores estavam conduzindo sua pesquisa, as pedras polidas eram extremamente valorizadas). Foi mostrado às crianças quantas pedras cada menino queria e quantas ele realmente recebeu. Então, foi-lhes perguntado: "Que criança ficaria mais feliz?".
Os pesquisadores questionaram crianças de diferentes idades e descobriram que seus níveis de desempenho passavam por uma série de mudanças processadas por meio de estágios para cada um dos dois tipos de problemas, confirmando assim a noção de mudança por estágio. Além disso, para 89% das crianças testadas, o nível de desenvolvimento por cognitivo foi o mesmo para os dois tipos de problemas ou apenas levemente diferente (Case et ai., 1986). O fato de as crianças terem alcançado virtualmente os mesmos níveis de raciocínio nas duas tarefas que pertencem ao domínio dos números, mas que tinham conteúdos diferentes, corroboram a idéia neopiagetiana de que o momento das mudanças para diferentes problemas em um mesmo domínio pode ser o mesmo. Mas a desigualdade será a regra em domínios diferentes, a menos que se tome cuidado para garantir que as tarefas sejam equivalentes em todos os aspectos, incluindo a estrutura conceitual central na qual eles se baseiam. Case deixa em aberto a possibilidade de poder haver formas gerais de entendimento conceitual que se apliquem a todos os domínios que as crianças experimentam, como sugeriu Piaget, mas até agora, escreve Case, ele foi incapaz de identificar alguma (Case e Okamoto, 1996, p. 288).
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DESTAQUE 9.1 AS CRIANÇAS PEQUENAS COMO TESTEMUNHAS
A natureza dos processos de pensamento das crianças pequenas torna-se uma questão social importante quando elas são chamadas para dar testemunho em uma corte legal, seja como testemunhas de um crime ou como possíveis vítimas de um crime. Os adultos
têm relutado bastante em acreditar na palavra de uma criança pequena. Os psicólogos têm tradicionalmente encarado as crianças como sugestionáveis (Stern, 1910); incapazes de distinguir a fantasia da realidade (Piaget, 1926, 1928; Werner, 1948); e propensas a fantasiar os eventos sexuais (Freud, 1905/1953a). Juizes, advogados e promotores têm também expressado reservas sobre a confiabilidade das crianças como testemunhas (Goodman et ai., 1998). As regras legais sobre a admissibilidade do testemunho das crianças continuam a refletir essas dúvidas há muito estabelecidas. Em muitos Estados, por exemplo, o juiz determina se uma criança abaixo de uma determinada idade (que varia de Estado para Estado) é competente para testemunhar.
Devido a uma preocupação crescente com relação à prevalência de abuso sexual e físico das crianças nos últimos anos, a comunidade legal tem reexaminado a confiabilidade do testemunho das crianças. Ao mesmo tempo, psicólogos estão tentando determinar quando e sob que condições as crianças pequenas podem testemunhar de maneira confiável sobre eventos passados (Ceei e Bruck, 1998; Wright e Loftus, 1998). Duas questões estão no cerne dadiscussão atual do testemunho infantil: Até que ponto são confiáveis as lembranças de crianças de várias idades? Até que ponto as crianças pequenas são suscetíveis a sugestões que podem mudar suas lembranças?
A razão dessa preocupação é proporcionada pelo comportamento das crianças, tanto nos julgamentos criminais reais quanto em estudos experimentais conduzidos por psicólogos. Quando os pesquisadores fazem perguntas a crianças pequenas sobre eventos que tiveram importância pessoal para elas, como se elas tomaram ou não injeção quando foram ao consultório do médico, é provável que elas proporcionem respostas corretas (Goodman et ai., 1990). Entretanto, uma série de estudos em que crianças cujas idades variavam entre três e sete anos foram entrevistadas imediatamente depois de uma visita ao médico e, depois, novamente em intervalos de um a 12 meses mais tarde, descobriu-se que, à medida que o tempo passava, a probabilidade de as crianças menores se tornarem imprecisas em suas respostas (Ornstein et ai., 1997). Esse achado é importante para os procedimentos legais em que é provável que as crianças sejam entrevistadas repetidas vezes, sobre o mesmo evento, durante um período de meses, se não anos.
Um problema adicional destacado nesses estudos é que as crianças pequenas geralmente proporcionam poucas informações em resposta à pergunta aberta "Você pode me dizer o que aconteceu quando você foi ao médico?" (Ornstein et ai., 1997). Em suas tentativas para testar mais amplamente a sua memória e a probabilidade de darem informações erradas, os entrevistadores formularam, então, às crianças, várias perguntas estranhas e tolas, como "O doutor cortou seu cabelo?" ou "A enfermeira lambeu o seu joelho?" Ascrianças menores mostraram uma probabilidade muito maior que as crianças maiores de dizer que essas coisas aconteceram, embora não tivessem acontecido.
Stephen Ceei e Maggie Bruck (1998) sugerem que uma razão para as crianças mais velhas serem mais consistentes que as menores em suas respostas a perguntas estranhas é o fato de elas terem um melhor conhecimento dos roteiros para as visitas ao médico e não precisarem puxar por sua memória antes de responder. Elas já sabem que "coisas como essas" não acontecem no consultório do médico.
Em procedimentos criminais reais, as crianças são freqüentemente solicitadas a contar e recontar suas histórias a várias pessoas, que as questionam e, às vezes, em uma tentativa de testar mais profundamente sua lembrança dos acontecimentos e constituir um processo judicial, formulam perguntas sugestivas baseadas em suposições erradas. Há várias maneiras em que esses procedimentos de questionamento podem conduzir a criança pequena a fazer declarações falsas. Em primeiro lugar, quando um interrogador, investigando o testemunho de uma criança, faz uma sugestão errada sobre o que aconteceu, a sugestão tende a se tornar misturada com a lembrança original da criança para produzir uma "lembrança" nova, híbrida. Essa lembrança híbrida pode bloqueara lembrança original, evitando que a criança se lembre com precisão dos acontecimentos reais. É, também, possível que a criança se lembre tanto do que o adulto sugeriu que tenha acontecido quanto do que realmente aconteceu, mas não pode mais dizer qual versão é autêntica (Ceei e Bruck, 1993).
A transcrição que se segue, de um interrogatório real no processo de Kelly Michaels, uma professora de um berçário de Nova Jersey que foi condenada e presa por abusar sexualmente das crianças da sua escola, fornece um exemplo de como essas sugestões podem ser feitas:
Interrogador. Bem, o que me diz da brincadeira do gato?
Criança: Brincadeira do gato?
Interrogador: Aquela em que todos dizem
"Miau, miau"?
Criança: Acho que faltei nesse dia.
Apesar do fato de a criança negar conhecer a brincadeira do gato quando foi entrevistada, mais tarde, no tribunal, ela descreveu uma brincadeira do gato em que todas as crianças ficavam nuas e lambiam uma a outra (extraído de Cede Bruck, 1998).
Embora não saibamos por que essa criança testemunhou da maneira que o fez, depois de dizer ao interrogador que achava ter faltado nesse dia, podemos especular que ela pode ter realmente vindo a se lembrar de uma brincadeira do gato, depois que o interrogador falou sobre ela. Sua resposta pode também ter refletido o fato de que as crianças pequenas são mais propensas a acreditar que os adultos sabem mais do que realmente sabem. Quando estão sendo questionadas em um procedimento legal, como foi essa criança, podem incorporar as sugestões do adulto em suas respostas para agradar o adulto, mesmo sabendo que as sugestões do adulto estão erradas. Quando as mesmas perguntas são formuladas mais de uma vez, elas mudam suas respostas, porque supõem que algo estava errado com sua primeira resposta (Siegal, 1991).
As crianças não são, de modo algum, as únicas cujas lembranças são vulneráveis às sugestões das pessoas que as questionam. Os adultos também podem ser desviados em situações desse tipo (Loftus, 1996; Massoni et ai., 1999). Entretanto, as crianças pequenas são consideradas especialmente suscetíveis devido à sua capacidade limitada para se lembrar, à sua falta de experiência com procedimentos legais e à sua tendência a tentar agradar os adultos.
Amanda Conklin, de três anos de idade, olha para um tribunal superlotado em Van Nuys, na Califórnia, enquanto o juiz a interroga durante o julgamento de seu pai, acusado do assassinato de sua mãe.
ABORDAGENS DO PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO
Durante a década de 1960, quando as idéias de Piaget estavam se tornando populares entre os psicólogos do desenvolvimento, uma visão diferente do funcionamento cognitivo estava também chamando atenção: a abordagem do processamento de informação. Segundo os teóricos do processamento de informação, o pensamento pode ser melhor entendido através da analogia com o funcionamento de um computador digital. Os investigadores que empregam a metáfora da criança como um processador de informações em geral concebe o desenvolvimento cognitivo como o resultado de modificações, tanto no hardware neural das crianças, como a mielinização aumentada de uma determinada região do cérebro, quanto no software das crianças, como a aquisição de uma nova estratégia para desenvolver a memória (Siegler, 1996).
Os principais componentes dessa visão da mente estão ilustrados na Figura 9.8. No lado esquerdo está o suposto ponto de partida de qualquer processo de resolução de problemas, o registro sensorial, que armazena a informação que está chegando uma fração de segundo antes de ela ser seletivamente processada. A estimulação do ambiente (o input, na linguagem da programação de computadores) é detectada pelos órgãos sensoriais e é transmitida para o registro sensorial. Se o input não é considerado, vai desaparecer quase imediatamente. Se é considerado, pode ser "lido" pela memória de curto prazo (de trabalho), onde pode ser retido durante vários segundos. A memória de trabalho é a parte do sistema de processamento da informação em que ocorre o pensamento ativo. A memória de trabalho funciona através da combinação da informação que chega do registro sensorial com a memória das experiências passadas, ou memória de longo prazo, modificando a informação para lhe dar novas formas. Se a informação da memória de trabalho não é combinada com a informação da memória de longo prazo, ela é facilmente esquecida.
A Figura 9.8 mostra também a maneira como o fluxo de informação entre o registro sensorial, a memória de trabalho e a memória de longo prazo é coordenada pelos processos de controle, que determinam como as informações temporariamente retidas na memória de trabalho devem ser aplicadas ao problema atual. Os processos de controle importantes incluem atenção, repetição e tomada de decisão. O software, que é uma parte fundamental dos processos de controle, determina as informações particulares que devem ser tratadas, bem como se a memória de longo prazo deve ser sondada mais profundamente para dar uma resposta adequada, ou bem como se uma determinada estratégia de resolução de problemas deve ser utilizada. Os processos de controle também determinam se uma informação da memória de curto prazo deve ser retida, ou se pode ser esquecida.
Podemos dar uma idéia geral da abordagem de processamento de informação, considerando o que ocorre quando uma mãe tenta ensinar sua filha de quatro anos de idade a guardar na memória o número de telefone da sua casa. A mãe senta-se com a criança diante do telefone e lhe mostra a seqüência das teclas a serem apertadas, digamos, 543-1234. A criança observa o que a mãe faz e escuta o que sua mãe está dizendo. O primeiro conjunto de números entra no registro sensorial da criança como uma seqüência de sons e é transferido para a memória de curto prazo. Em seguida, os significados correspondentes àqueles sons são recuperados da memória de longo prazo e comparados com os sons da memória de trabalho, de curto prazo. A criança reconhece cada número e aplica os processos de controle para "tentar lembrar", talvez repetindo cada item para si mesma. A armazenagem na memória ocorre quando a informação relacionada à seqüência numérica entra na memória de longo prazo.
A criança pequena do nosso exemplo pode experimentar dificuldade em alguma das fases desse processo. Ela pode não prestar atenção suficiente ao que a sua mãe está dizendo, e, nesse caso, a informação não vai entrar em seu registro sensorial. Sendo pequena, ela tem uma capacidade de memória de trabalho pequena (imatura) e pode não conseguir reter todos os números na mente enquanto tenta recordá-los. A velocidade com a qual ela consegue transferir a informação do registro sensorialpara a memória de trabalho e daí para a memória de longo prazo pode ser relativamente lenta, fazendo com que ela esqueça alguns números antes de eles poderem ser armazenados na memória de longo prazo. Finalmente, ela pode ter pouca experiência com a memorização intencional e, por isso, não possuir repertório de estratégias para guardar a informação na memória de trabalho por um período ampliado ou para manipular números na memória de trabalho.
Em suma, a partir de uma perspectiva de processamento da informação, as dificuldades cognitivas da criança pequena são causadas por limitações no conhecimento, na memória, no controle da atenção e na velocidade com que elas conseguem processar a informação, assim como pelas estratégias limitadas para adquirir e usar a informação (Siegler, 1996). O desempenho das crianças melhora à medida que elas ficam mais velhas, porque essas limitações são pouco a pouco reduzidas através do amadurecimento do hardware e do desenvolvimento de rotinas mais eficientes de processamento de informações (software).
Figura 9.8
Principais componentes de um modelo de processamento de informação de ações mentais (adaptada de Atkinson de Shiffrin, 1968).
Conceitos:
Abordagem do processamento de informação: Uma estratégia para explicar o desenvolvimento cognitivo baseada em uma analogia com o funcionamento de um computador digital.
Registro sensorial: Aquela parte do sistema de processamento da informação que armazena a informação que chega durante uma fração de segundo antes de ela ser seletivamente processada.
Memória de curto prazo (de trabalho): Aparte do sistema de processamento da informação que retém a informação sensorial que chega, até que ela seja levada para a memória de longo prazo ou, então, esquecida.
Memória de longo prazo: A memória que é retida durante um longo período de tempo.
UM RELATO DA APRENDIZAGEM AMBIENTAL: QUANTIDADE DE EXPERIÊNCIA
A perspectiva da aprendizagem ambiental também proporciona importantes introjeções nas fontes do desenvolvimento intelectual das crianças pequenas e nas razões para a irregularidade do seu desempenho cognitivo. Quer se observe o desenvolvimento cognitivo através de uma lente piagetiana, neopiagetiana, do processamento de informações ou culturalista, é óbvio que as crianças exibem uma maior competência quando têm uma experiência profunda em um determinado domínio. Na verdade, pode ser mostrado que muitas diferenças relacionadas à idade no desenvolvimento cognitivo dependem da quantidade de experiência que as crianças têm nesse domínio e na riqueza da base de conhecimentos produzida por uma grande quantidade de experiência.
Por exemplo, um estudo realizado por Michelline Chi e Randi Koeske concentrou-se na memória de um menino de quatro anos de idade para os dinossauros. Chi e Koeske (1983), primeiro, evocaram os nomes de todos os dinossauros que a criança conhecia (46 ao todo, para essa criança incrivelmente bem-informada), questionando-a em várias ocasiões. Em seguida, fizeram duas listas em que constavam os 20 dinossauros que ele mencionava mais freqüentemente e os 20 dinossauros que ele mencionava menos freqüentemente. Para estudar como o conhecimento comparativo da criança influenciava sua memória e seu raciocínio sobre cada grupo, Chi e Koeske leram as duas listas de dinossauros para a criança, três vezes cada lista, pedindo-lhe que memorizasse quantos ela conseguisse da lista. O menino se lembrou do dobro de itens da lista dos dinossauros que ele mais conhecia do que da lista dos dinossauros com os quais estava menos familiarizado (uma média de 9,7 dinossauros versus 5,0 dinossauros). Os pesquisadores concluíram que, quanto mais se sabe sobre um tópico, mais fácil lembrar os itens a ele pertencentes.
A pesquisa subseqüente mostrou que o extenso conhecimento do domínio também afeta o raciocínio: quanto mais você souber, maior será a sua capacidade de raciocínio. Chi e seus colegas (1989) mostraram que as crianças menores "especialistas" em dinossauros organizam seu conhecimento sobre dinossauros de maneiras mais integradas e coerentes do que os novatos no assunto. Por exemplo, eles agrupam mentalmente os dinossauros segundo os seus comportamentos comuns "carnívoros" versus "herbívoros") e os atributos que acompanham essas classes ("dentes afiados" versus "bico semelhante ao do pato"), enquanto aqueles que sabem menos sobre dinossauros os agrupam mentalmente segundo características menos importantes, como o tamanho. A passagem de novato para especialista é, em geral, lenta e parece ser contínua. Mas, se desenvolvem uma base de conhecimento suficientemente rica, as crianças tornam-se especialistas e parecem se engajar na tarefa de maneiras qualitativamente novas. Na medida em que a mudança de noviço para especialista representa uma mudança no estágio de desenvolvimento da criança no domínio em questão, a explicação da aprendizagem ambiental parece capaz de explicar as mudanças que se processam por meio de estágios. Esses novos "estágios" serão, evidentemente, apenas ilhas de especialidade.
RELATOS BIOLÓGICOS DO DESENVOLVIMENTO MENTAL NA
PRIMEIRA INFÂNCIA
Até agora a nossa discussão sobre a desigualdade que as crianças pequenas exibem nos testes de capacidade cognitiva concentrou-se no conteúdo dos testes, na situação social em que eles são apresentados, nas exigências que as tarefas colocam à memória e às habilidades lógicas das crianças e ao conhecimento específico do domínio que as tarefas envolvem. Entretanto, é também possível que a desigualdade nas habilidades cognitivas das crianças pequenas seja o resultado de processos cerebrais inatos que se desenvolvem em uma programação ampla da espécie.
O desenvolvimento do cérebro
No início da primeira infância, o cérebro atingiu cerca de 50% do seu peso adulto. Quando as crianças estão com seis anos, ele já desenvolveu 90% do seu peso total (Huttenlocher, 1994; LeCours, 1982). Grande parte desse aumento total resulta do processo contínuo de mielinização, que acelera a transmissão dos impulsos neuraisdentro e entre as diferentes áreas do cérebro. Consistentes com as evidências na velocidade da mielinização, os estudos das modificações na atividade elétrica do cérebro mostram um aumento rápido durante a primeira infância na freqüência geral e no tamanho das ondas cerebrais quando as crianças estão envolvidas em tarefas cognitivas (Fischer e Rose, 1996; Thatcher, 1997). (A Figura 4.2 proporciona uma visão geral das principais áreas do cérebro.)
Não é difícil perceber como a relativa imaturidade do cérebro pode explicar as limitações gerais na resolução de problemas das crianças. Por exemplo, níveis baixos de mielinização no hipocampo, que dão suporte à memória de trabalho de curto prazo, podem explicar as memórias de trabalho restritas das crianças pequenas, e daí suas dificuldades em tarefas que requerem que elas guardem na mente várias informações ao mesmo tempo. Similarmente, a imaturidade do córtex frontal ou das conexões entre o córtex frontal e outras áreas poderia explicar os malogros em considerar o ponto de vista do outro ou em pensar nas conseqüências das próprias ações. Como essas limitações biológicas gerais têm diferentes conseqüências psicológicas, dependendo de determinadas exigências cognitivas das tarefas que as crianças pequenas são solicitadas a enfrentar, elas proporcionam uma maneira de entender a irregularidade do desenvolvimento durante essa faixa etária.
Uma fonte adicional de irregularidade no desenvolvimento cognitivo é que processos como a formação de dendrito e a mielinização não ocorrem em uma velocidade regular em todo o sistema nervoso. Quando uma parte do cérebro se desenvolve mais rapidamente que outras, ou quando as vias neurais que conectam uma determinada combinação de áreas corticais sofre uma explosão de mielinização, pode-se esperar que os processos psicológicos apoiados por esses sistemas cerebrais também sofram uma rápida mudança. São esperados níveis elevados de desempenhoquando uma determinada tarefa requer sistemas cerebrais altamente desenvolvidos, assim como são esperados níveis baixos de desempenho quando uma determinada tarefa requer sistemas cerebrais que ainda não estão maduros.
Módulos mentais
O papel visivelmente importante do desenvolvimento e funcionamento cerebral pré-programado no desenvolvimento cognitivo levou alguns teóricos a conceber o desenvolvimento cognitivo em termos de módulos mentais, faculdades mentais altamente específicas que respondem aos inputs ambientais relacionados a domínios específicos (Atran, 1998; Fodor, 1983). O termo módulo mental originou-se da obra de Noam Chomsky e seus seguidores (ver Capítulo 8), que declararam que muitos processos cognitivos são como a linguagem, pois "consistem de sistemas separados com suas próprias propriedades" (Chomsky, 1988, p. 161). Eles não precisam de uma tutela especial para se desenvolverem. Essa linha de pensamento é conhecida como teoria da modularidade.
Segundo a teoria da modularidade, devido à organização geral do cérebro, há sistemas hard-wired dos processos cerebrais que recebem input de classes particulares de objetos do ambiente e produzem output correspondentes às informações sobre o mundo específicas do domínio. O reconhecimento das faces, a percepção da música e a percepção elementar da causalidade proporcionam exemplos populares de módulos mentais (Hirschfeld e Gelman, 1994; Wellman e Gelman, 1998). A maneira como a teoria da modularidade conduz as idéias de Chomsky sobre o desenvolvimento em geral é revelada pelas suposições fundamentais que a teoria da modularidade cognitiva compartilha com o conceito da faculdade da linguagem de Chomsky.
1. Presume-se que as operações psicológicas sejam específicas do domínio. Para cada domínio, elas recorrem a diferentes objetos, seguem diferentes princípios e organizam a experiência humana de uma maneira distinta. As operações mentais requeridas para se perceber e criar música são diferentes daquelas requeridas para se reconhecer um rosto; e as operações de ambos os processos diferem daquelas requeridas para descrever o rosto de alguém quando essa pessoa está ouvindo uma determinada peça musical.
2. Supõe-se que os princípios psicológicos que organizam a operação de cada módulo mental sejam inatamente especificados, ou seja, que eles estejam codificados nos genes e não precisem de instrução especial para se desenvolverem. Dependem de uma estrutura neural fixa, operam automaticamente e só precisam ser "desencadeados" pelo ambiente.
3. Supõe-se que os diferentes módulos não interajam diretamente e cada um represente um domínio mental separado, apenas frouxamente conectados com o resto através de um "processador central" que reúne as informações dos módulos separados.
Segundo os teóricos da modularidade, as evidências das origens modulares do desenvolvimento cognitivo podem ser observadas desde a fase de bebê. Eles apontam para dados, examinados nos Capítulos 4 e 5, que mostram que, poucos meses após o nascimento, os bebês exibem um conhecimento rudimentar das pessoas e muitos princípios físicos, incluindo causalidade física e uma sensibilidade para o número e a freqüência dos eventos. E, é claro, os teóricos da modularidade baseiam-se nas proposições de Chomsky sobre a modularidade da linguagem, como está discutido no Capítulo 8.
Uma segunda linha de evidência que defende a posição da modularidade vem dos prodígios - crianças cujo nível geral de desenvolvimento é normal, mas que demonstram ilhas de brilhantismo. Wolfgang Amadeus Mozart, por exemplo, era compositor e músico completo ainda muito criança, mas de outras maneiras não era visivelmente diferente das outras crianças da sua idade. As extraordinárias realizações de Mozart e de outras crianças-prodígio parecem ajustar-se à idéia dos módulos mentais. Cada uma de suas realizações cai em um domínio que possui sua própria estrutura distinta - música, linguagem, aritmética, etc. (Feldman, 1994).
Domínios fundamentais e princípios estruturais
A evidência de que várias capacidades mentais exibem as propriedades da especificidade do domínio propostas pelos teóricos da modularidade empresta credenciais à idéia de que a aquisição de conhecimento é específica do domínio e está ligada aos processos evolucionários de longo prazo que controlam a maturação. Entretanto, como todas as teorias que propõem mecanismos inatos, as teorias da modularidade pouco fazem para especificar, com precisão, que tipos de interações com o ambiente são requeridas para que ocorra o desenvolvimento. Usando a linguagem como exemplo, a evidência mostrada no Capítulo 8 deixa claro que a língua não pode ocorrer sem o input da linguagem e de interações normais com outros seres humanos. E um ambiente que é organizado pela linguagem a que as crianças não têm acesso (como no exemplo de filhos surdos de pais que escutam) não é suficiente para produzir formas maduras de linguagem. Mas uma teoria de modularidade da linguagem como a de Chomsky não tem nada a dizer sobre os inputs requeridos para o suposto módulo operar eficientemente.
O mesmo fracasso aplica-se a outros exemplos de funcionamento cognitivo ditos modulares em sua origem e funcionamento. Por exemplo, o fato de que as crianças reagem ao movimento de uma bola, depois que outra bola bate nela como um evento distinto (considerado por alguns como evidência de um "módulo de causalidade física") não significa que eles alcançaram o nível de entendimento da causalidade física característica das crianças e dos adultos que as cercam. Grande parte da aprendizagem está envolvida para se conseguir, desde as realizações extremamente limitadas do recém-nascido, até o entendimento dos adultos.
Princípios estruturais Essas considerações conduziram outros pesquisadores do desenvolvimento simpáticos à posição modular a formular alternativas para conceber o desenvolvimento específico do domínio, que proporciona um papel mais explícito para a experiência ambiental (Carey e Wellman, 1998; Gelman e Williams, 1998). Rochel Gelman e Earl Williams (1998) declaram que, em vez de módulos que proporcionem às crianças processos cognitivos "prontos", é mais adequado pensar em um apoio ao desenvolvimento específico do domínio, como resultado de princípios estruturais, princípios cognitivos básicos e inatos que dirigem os processos mentais, como a atenção e a memória, para aspectos importantes do problema atual. Os princípios estruturais dão início a um processo cognitivo e proporcionam uma direção inicial, mas requerem experiências subseqüentes para se compreender o potencial dos princípios para dar suporte a processos cognitivos sofisticados.
Já vimos evidências de que algo como princípios cognitivos básicos foram encontrados em suas formas iniciais durante a fase de bebê quando as crianças reagem a estímulos que envolvem as operações de movimentos físicos diferentes, as correspondências entre número de sons e número de movimentos do objeto e a imitação de intenções humanas, para citar apenas alguns. Uma grande variedade de evidências foi coletada nos últimos anos para ilustrar que crianças de quatro a cinco anos de idade, e às vezes até mesmo de três anos de idade, revelam um conhecimento rico quando o conteúdo das tarefas que lhes são apresentadas envolve questões sobre domínios cognitivos fundamentais para os quais há princípios estruturais inatos. As criaturas vivas proporcionam um exemplo de um domínio fundamental sobre o qual tem havido muita pesquisa.
O domínio das criaturas vivas
A capacidade das crianças para pensar sobre a diferença entre as entidades vivas e não-vivas é um exemplo notável de como os princípios estruturais subjacentes a um domínio fundamental podem guiar a aquisição de conhecimento. Quando têm um ano de idade, os bebês reagem de maneiras diferentes aos movimentos de objetos no seu ambiente que são autogerados e aos movimentos que são externamente causados (Gergely et ai., 1995). A distinção entre movimento

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