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2017-10-25-10-30-25-01.pdf

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ARGUMENTAÇÃO 
JURÍDICA 
Curso de Hermenêutica Jurídica 
Prof. Denis Domingues Hermida 
1) ASUBSUNÇÃO NORMATIVA 
Conceito: enquadramento do caso concreto ao antecedente da norma jurídica 
FATO CONCRETO + Descrição Abstrata de 
comportamento 
(antecedente da NJ.) 
As características do caso concreto 
enquadram-se perfeitamente à 
descrição abstrata de comportamento 
•^Resultado: Aplicação do conseqüente da norma jurídica ao caso concreto 
í \ ^ Formação de relação jurídica entre as partes 
(fixação de direitos e obrigações das partes) 
V J 
2 - ELEMENTOS NECESSÁRIOS À SUBSUNÇÃO NORMATIVA 
LEI 
Interpretaçãojurídica 
(^ ^ ^ ^ — ^ ^ ^ ^ — ^ ^ % â Antecedente! \ Conseqüente 
L . 1 
Descrição Abstrata 
De comportamento 
FATO CONCRETO 
3- DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO NA SOLUÇÃO DA LIDE 
2 possibilidades 
de solução 
Não ocorrência de subsunção normativa 
Ocorrência da subsunção normativa 
Discussão acerca dos contornos da relação jurídica 
(conteúdo dos direitos e obrigações de cada parte) 
5- APLICAÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 
CONVENCIMENTO (Persuasão) relacionado a: 
Ocorrência do 
FATO CONCRETO 
Discussão 
dos FATOS 
Conteúdo do Conteúdo do 
Antecedente da NJ Conseqüente da NJ. 
(quais os direitos e 
\ obrigações das partes) 
Discussão do FUNDAMENTOS JURÍDICOS 
(ocorrência da subsunção normativa e do 
conteúdo dos direitos e obrigações das 
partes ) 
Capítulo II 
O argumento 
Para compreender a argumentação deve-se abandonar 
o conceito binárío de certo/errado, No Direito concorrem te-
ses diferentes, e não necessariamente existe uma verdadeira 
c outra falsa. O que existe é, no momento da decisão, uma 
lese mais convincente que as demais. 
Vimos que a argumentação é necessária àquele que tra-
balha com o Direito, pois o conhecimento jurídico desen-
volve-se por meio de argumentos. 
Mas o que são os argumentos? Sem nenhuma diívida, 
definir o argumento de um modo bastante simples terá para 
nós efeito prático. 
Acompanhemos, então, essa definição. 
O s três tipos de discurso 
( Argumentar é a arte de procurar, em situação comuni-cativa, os meios de persuasão disponíveis. " 
r A argumentação processa-se por meio do discurso, ou 
Iseja, por palavras que se encadeiam, formando um todo 
Jcoeso e cheio de sentido, que produz u m efeito racional no 
jouvinte. Quanto mais coeso c coerente for o discurso, maior 
será sua capacidade de adesão à mente do ouvinte, por-
quanto este o absorverá com facilidade, deixando transpa-
recer menores lacunas. 
Desde Aristóteles, adota-se uma divisão tripartite en-
tre os tipos de discurso. O critério de diferenciação entre eles 
é o auditório a que se dirige, ou seja, quem são os destinatá-
rios finais das mensagens transmitidas pelo discurso. l?ara 
cada tipo de auditório, urna maneira distinta de compor o 
/exto que lhe será levado a conhecimento. 
ARGUMENTAÇÃO lURÍDICA 
Pode-se citar Aristóteles: 
São três os gêneros da retórica, dò mesmo modo que 
três são as categorias dc ouvintes dos discursos. Com efeito, 
um discurso comporta três elementos: a pessoa que fala, o 
assunto de que se fala e a pessoa a quem se fala. O fim do 
discurso refere-se a esta última, que eu chamo o ouvinte. O 
ouvinte é, necessariamente, um espectador ou um juiz, Se 
exerce a função de juiz, terá de so pronunciar ou sobre o pas-
sado ou sobre o futuro. Aquele que tem de decidir sobre o 
futuro é, por exemplo, o membro da assembléia. O que tem 
de se pronunciar sobre o passado é, por exemplo, o juiz pro-
priamente dito. Aquele que só tem que se pronunciar sobre 
a faculdade oratória é o espectador.' 
São os tipos de discurso em Aristóteles: 
a) O discurso deliberativo é aquele cujo auditório é uma 
assembléia tal qual u m senado - atual ou da Grécia 
antiga. A assembléia é chamada a decidir questões 
futuras: u m projeto, uma lei que deverá ser aplicada, 
o direcionamento de um ou outro plano para se at in-
gir uma meta. Enfim, questões políticas, em que se 
discute o que é útil, conveniente ou adequado. 
b) 0_disaj^sojMdia'qrrb é aquele que se dirige a u m juiz 
ou a u m tr ibunal . Nele decidem-se questões que d i -
zem respeito ao tempo pretérito. Tudo o que está do-
cumentado em u m processo qualquer são, evidente-
mente, questões do passado, ainda que possam tra-
*zer como resultado eventos futuros. Tais fatos pas-
sam por u m esclarecimento, para que se comprove 
sua ocorrência de determinada forma, e depois vão 
a julgamento, quando são atingidos por um juízo de 
valor, para que sc lhes aplique determinada con-
seqüência. 
Pára Aristóteles, o discurso judiciário pode ser a 
acusação ou a defesa. É esse o tipo de discurso que 
1. Arte retórica. Capítulo III. 
O ARGUMENTO 15 
aqui mais nos interessa, na medida em que nos pro-
pomos a tratar da argumentação jurídica, 
c) Q_digçursoj'£Ídjçrico ou demonstrativo é aquele co-
locado a uma platéia para louvar ou censurar deter-
minada pessoa ou fato, não se interagindo com o ou-
vinte a ponto de este necessitar tomar posição sobre 
o que lhe é relatado. Esse é o tipo de discurso, por 
exemplo, dos comícios políticos atuais, a que com-
parecem apenas os eleitores daquele a quem cabe a 
fala principal, diante de uma enorme platéia, enalte-
cendo seus próprios predicados. 
Mesmo no discurso demonstrativo, cm que não existe 
contraditório, está presente a arte retórica, de valorizar os 
pontos favoráveis àquele que fala. Por exemplo, é porque 
em u m comício político u m candidato não encontra, em 
número relevante, opositores a quem discursar que sua fala 
pode deixar de trilhar um caminho argumentativo que leve 
à adesão de seus ouvintes às idéias que são momentanea-
mente proferidas. 
Veja-se que curioso o trecho de Arte retórica, de Aristó-
teles, intitulado "Habilidade em louvar o que não merece 
louvor": 
Convém igualmente utilizar os traços vizinhos daque-
les que realmente existem num indivíduo, a fim de os con-
fundir de algum modo, tendo em mira o elogio ou a censura; 
por exemplo, do homem cauteloso, dir-se-á que é reservado 
e calculista; do insensato, que é honrado; daquele que não 
reage a coisa alguma, que é de caráter fácil [,..]. Importa 
igualmente ter em conta as pessoas diante das quais se faz o 
elogio, pois, como d k Sócrates, não custa louvar os atenien-
ses na presença de atenienses.^ 
O que têm em comum os três tipos dc discurso vistos? 
A resposta é simples: todos procuramconvencer. Ainda no 
— — - p 
2. Idem, p. 63. "^ x "^ Ç • 
16 ARGUMENTAÇÃO jURÍDiCA 
discurso demonstrativo, cuja única finalidade é enaltecer ou 
criticar determinada pessoa ou atitude, procura-se conven-
cer os ouvintes a respeito daquilo que se falar-que determi-
nada pessoa é importante, que só tem'qualidades etc. 
Mas a platéia que temos, quando nos voltamos à ativi-
dade principal do operador do Direito, é o juiz ou Ir ibunal , 
e, se o Poder Judiciário existe para pacificar contendas, tem-
se duas partes debatendo. Quando se argumenta nas ativida-
des forenses, na acusação ou na defesa, não se tem como 
fim principal a deliberação ou o elogio, mas sim a vitória em 
uma controvérsia. 
E a idéia de controvérsia nos conduz a alguns outros 
comentários u m tanto pertinentes. Como a disputa é con-
dição do discurso judiciário, este reveste-se de qualidades 
que lhe são peculiares, que vale compreender. 
A disputa entre dois certos 
Participar do discurso judiciário é envolver-se em uma 
demanda, em uma disputa entre partes. Cada uma das par-
tes, como bem se sabe, procura obter para si o melhor re-
sultado: a sentença e o acórdão favorável. Para isso, têm de 
fazer vingar uma tese, que envolve questões relativas à pro-
va dos fatos alegados e à incidência de determinado insti-
tuto ou conseqüência previstos por lei, para que se apliqueo Direito ao efetivo caso concreto. Por isso as partes se d i -
gladiam, afinal, seria desnecessário u m juiz se não houves-
se controvérsia: poderia ser fechado u m acordo de vontades, 
tal qual ocorre na assinatura de u m contrato. Mas não é as-
sim, naturalmente: cada uma das partes, quando se socorre 
do Poder Judiciário, entende estar com a razão, às vezes 
lançando sobre a realidade u m olhar por demais compro-
metido com seus próprios interesses. Na justiça criminal 
assim também ocorre, pois, ainda que u m réu venha a re-
conhecer seu erro pelo cometimento de um delito, sempre 
entenderá merecer reprimenda mais leve que a que seu per-
secutor lhe deseja. 
o ARGUMENTO 17 
N o Direito, quando se fala em disputa havida por meio 
da argumentação, surge, primariamente, sempre a idéia do 
justo. Se duas partes debatem, é natural que se entenda que 
ao menos uma delas não deva estar com a razão, não seja 
acobertada pelo Direito, pois não é possível que duas idéias 
contrárias estejam certas. 
Sob tal ótica, a argumentação ou a retórica seriam u m 
instrumento de fazer com que aquele que não tem razão se 
valha de artifícios formais para enganar o julgadori. Quem 
nunca viu um advogado ser chamado de velhaco porque 
disfarça a verdade através de truques, de falácias em seu 
discurso? 
Essa idéia não é rara, mas bastante tragicômica. Em u m 
evidente prejulgamento, entende-se a argumentação como 
um debate entre um certo e um. errado. Ora, se duas teses são 
conflitantes, uma é correta, outra não, e a disputa da argu-
mentação somente viria a revelar quem é essa parte que 
procura fazer uma comprovação impossível. Assim, o de-
bate argumentativo poderia ser comparado àquelas ima-
gens dos desenhos animados: a personalidade do protago-
nista divide-se em dois pólos diferentes: à esquerda, sua 
imagem travestida de demônio o tenta a uma atitude eviden-
temente má, enquanto a mesma figura, travestida de anjp, 
tenta dissuadi-lo, mostrando-lhe o caminho do bem. Fácil sa-
ber quem tem a razão, qual o melhor caminho, apenas dê-
cidindo-se procurar a forma angelical. 
Alguns tentam ver as lides processuais com a mesma 
obviedade que o jocoso discurso entre o anjo e o demônio, 
afirmando fazer uso do conceito de justiça. A disputa argu-
mentativa seria uma lide em que se daria a oportunidade 
de retirar o véu que ericobre a divisão entre o justo e o i n -
justo: aquele que tem o direito e a justiça a seu lado reforça 
sua razão, mostrando, por meio de argumentos, que seu ra-
ciocínio é o único correto porque decorre dc premissas vá-
3. "Fnctn. twti verba" - Fatos, não palavras! Frase latina que indica que a 
argumentação é dispensável porque visa turbar a realidade. 
18 ARCUMEmAÇÃO JURÍDICA 
lidas. Qualquer comportamento está em acordo ou em de-
sacordo com o Direito e, portanto, se existe alguma diver-
gência entre duas partes, somente uma delas pode estar 
agasalhada pelo direito e/ou pela justiça. •' 
Veja-se como Kelscn, cuja lição sempre constitui uma 
aula de raciocínio, defende, ao analisar a justiça no concei-
to de Aristóteles, a idéia de que dos fatos somente se pode 
fazer dois juízos: adequados ou inadequados ao ordena-
mento jurídico: 
A afirmação de que uma virtude é o meio entre um ví-
cio de deficiência e um vicio de excesso, como entre algo 
que é pouco e algo que é muito, implica a idéia de que a re-
lação entre virtude e vício é uma relação de graus. Mas, 
como a virtude consiste na conformidade, e o vício na não-
conformidade de uma conduta a uma norma moral, a rela-
ção entre a virtude e o vício não pode ser uma relação de 
graus diferentes. Pois, no que diz respeito à conformidade 
ou à nlo-conformidade, não há graus possíveis. Uma con-
duta não pode ser muífo ou pouco, só pode ser conforme ou 
não conforme uma norma (moral ou jurídica); só pode con-
tradizer ou não contradizer uma norma. Se pressupomos a 
norma: os homens não devem mentir, ou - expresso positi-
vamente - os homens devem dizer a verdade, uma afirma-
ção definida feita por um homem é verdade ou não é verda-
de, é mentira ou não é mentira. Se for verdade, a conduta 
do homem estará em conformidade com a norma; se for 
uma mentira, a conduta do homem estará em contradição 
Scom a norma.* 
O ordenamento jurídico prescreve modelos de condu-
tas e sanções àquelas que aparecem em desacordo com a 
norma. Dele surgem problemas intrínsecos, como a hierar-
quia entre as normas, as antinomias e as lacunas. Daí a ne-
cessidade do djscurso ludiciário, qu^_pqde_ser çarâdierizâdD 
corno aquele que procura comprQvar-ai:Dii£Qirnidade_5iLri 
A. o que é justiça?, p. 118. 
O ARGUMENTO 19 
afastanieDia das condutas humanas às prescrições juridi^; 
casT^as isso não importa em dizer que, sempre que duas 
partes se encontram em litígio, uma necessariamente de-
fende uma conduta justa ou legal e a outra está afastada da 
norma jurídica, ou longe da justiça. 
Vale a pena ler o texto abaixo, adaptado do filme Um 
violinista no telhado', em que o protagonista, Tevie, escuta a 
discussão entre Perchik e outro aldeão, ambos contrapon-
do-sc cm suas opiniões: 
Perchik - A vida é mais do que conversa. Deviam saber o 
que acontece com o mundo lá fora. 
Aldeão - Por que esquentar a cabeça com o mundo? Que o 
mundo esquente a própria cabeça! 
Tevie (apontando para o aldeão) - Ele tem razão. O Livro 
Sagrado diz: "Cuspindo para o alto, cairá em você," 
Perchik - Não pode fechar os olhos para o que passa no 
mundo. 
Tevie (apontando para Perchik) - Ele tem razão. 
Avram - Um e outro têm razão? Ambos ao mesmo tempo 
não podem estar certos. 
Tevie - Você também tem razão. 
(Risos.) 
Em obra de qualidade, como o citado filme, é evidente 
o teor ilustrativo de cada diálogo. O personagem Aviam-
faz, no trecho recortado, observação final que pode ser tra-
duzida como: se dois personagens discutem e argumentam 
em teses antagônicas, ambos não podem estar certos! O 
pensamento do personagem rechaça a idéia de dois discor-
dantes ao mesmo tempo terem razão, porque aceitá-la se-
ria assentir com a impossível idéia de que duas verdades 
opostas coexistam. 
Quantas dificuldades isso pode trazer! Imaginemos u m 
juiz que prolate uma sentença dizendo que as teses de am-
bas as partes estão corretas; forçosamente nenhum litígio 
5. A fidler on the roof. Warner Brother South Inc., 1971. 
20 ARGUMENTAÇÃO lURÍDICA 
seria resolvido, porque é impossível uma conclusão como 
essa. Uma das teses deve estar errada. 
De fato, duas verdades opostas não coexistem. O u uma 
conduta é contrária à lei ou não é, pois nãõ se pode ser 
meio contrário à lei, como já visto. Quer dizer, é até possível 
que uma conduta seja permitida por uma norma jurídica c 
proibida por outra, mas aí entraríamos cm conflito de nor-
mas, que não é nosso assunto aqui. O que de fato se tem é 
que um juiz não pode aceitar duas teses opostas como ver-
dadeiras, porque nesse caso seu julgamento seria inócuo, 
motivo pelo qual aponta como verdadeira apenas uma das 
teses, aquela vencedora em seu julgamento, em sua decisão. 
Mas se duas yerdadgs opostas não podem coexistir, 
duas argumentações opostas não significam necessariamen-
te que alguma delas seja incorreta^ ' 
' Como ISSO podê ácÕntecer? 
Argumento e verdade 
A argumentação não se confunde com a^lógicaJorinal, 
riãosendÕ então equíválente à demonstração ana^fica, ab-
soluta, como acontece, por exemplq^jim jama equa.çãa ma.-
têrnaTÍCin ' — ' " ~ ^ 
Em uma equação matemática verdadeira, somente se 
admite um resultado, fixando-se as variáveis. Sua resolução, 
passada em uma demonstração analítica, quaisquer que se-
jam Ss métodos válidos pelos quais ocorra, sempre chegará 
a um mesmo resultado. 
Imaginemos dois matemáticos discutindo o resultado 
de uma equação bastante complexa. Cada u m deles utiliza 
um método de resolução, mas chegam a resultadosdife-
rentes: o matemático A demonstra que a proposição resul-
ta em 350, enquanto o B demonstra que ela, em vez disso, 
traz forçosamente o resultado de 700. O que se deduz des-
se contexto? Evidentemente, u m dos matemáticos, A ou B, 
está erradol 
o ARGUMENTO 21 
O matemático lida com números, e estes representam, 
antes de tudo, exatidão. Na matemática ou em outras ciên-
cias exatas não existem opiniões ou posicionamentos, porque 
os números não o permitem. São linguagem artificial. Mas 
é u m erro tentar aplicar ao Direito essa mesma premissa. 
Quem argumenta não trabalha com a exatidão numéri-
ca, por isso se afasta^dô"Tóríceito binariríde vêfdadet rõ/falso, 
sim/não^ Quem argumenta trabalha cófnõãparentementever-
dadeiro, com o talvez seja assim, com aquilo que é provável. É 
diante dessa carga de probabilidade com a qual se opera que 
surge a possibilidade de argumentos combinados comporem 
teses totalmente diversas, sem que se possa dizer que umade-
las esteja certa ou errada, mas apenás^pòdendu-se aftrtfíárque 
uma delas seja mais ou menos convincente. ' ' 
Vejamos um exemplo: 
Conta-se que, em u m plenário do júri, u m promotor 
exibia aos jurados as provas processuais. Procurava, por-
tanto, na prática de um discurso judiciário, convencer os j u -
rados a respeito de sua tese. Mostrava a eles, com muita pro-
priedade - argumentando - , que o laudo elaborado pela po-
lícia técnica concluía que havia 99% de chance de que o 
projétil encontrado no corpo da vítima fatal houvesse sido 
disparado pelo revólver de propriedade do réu. Queria d i -
zer o acusador que o réu não poderia, diante daquela prova 
concreta, negar a autoria do crime. • " 
Diante de tal fortíssimo argumento, a probabilidade 
matemática, o defensor, em tréplica, formulou aos jurados 
a seguinte pergunta retórica: "Suponhamos que eu tivesse 
u m pequeno pote com cem balinhas de hortelã. E que eu, 
então, pegasse uma delas, tirasse do papel celofane que a 
envolve e, dentro dela, injetasse uma dose letal de u m ve-
neno qualquer. Em seguida, que eu embrulhasse novamen-
te o caramelo letal, colocasse dentro do pote com outras 99 
balinhas idênticas e misturasse todas. Teria algum dos jura-
dos coragem de tirar do pote u m caramelo qualquer, desem-
brulhá-lo e saboreá-lo? Certamente que não. Pois, se n i n -
guém se arrisca à morte ainda que haja 99% de chance de 
22 ARGUMENTAÇÃO jURÍDICA 
apenas se saborear u m caramelo de hortelã, ninguém pode 
condenar o acusado, ainda que haja 99%-de chance de ha-
ver disparado sua arma contra a vítima!" • •- -
Conta-se que, lançando mão desse argumento, o de-
fensor conseguiu a absolvição de seu cliente. 
Analisemos o exemplo. Trata-se de u m discurso em que 
duas partes defendiam posicionamentos contrários, cada 
qual com seu argumento. A acusação procurava comprovar 
ser o réu o autor de u m crime, enquanto a defesa negava tal 
autoria. Daí que, quando a acusação trouxe um argumento 
forte, a defesa procurou enfraquecê-lo perante os jurados. 
Assim se esquematiza a argumentação: 
Acusação: argumento forte, com uma prova concreta -
99 chances em 100 de que a arma que efetuara os disparos 
fosse a do acusado, o que o colocaria indiscutivelmente 
como autor do crime. 
Defesa: argumento mais fraco matematicamente: uma 
chance em 100 de que a arma não fosse a que efetuara os 
disparos. Todavia, esse 1 % não autoriza a certeza, como de-
monstrou seu exemplo dos caramelos de hortelã. 
Note-se que, nessa argumentação, cada qual tinha sua 
parcela de razão, embora ambos procurassem comprovar 
teses totalmente opostas. 
Porém, ao mesmo tempo que valorizavam sua razão, 
ambos os argumentantes t inham sua parcela de falta de ra-
zão: ao argumento acusatório faltava revelar que realmente 
existia uma probabilidade de a arma letal não ser a do acu-
sado, enquanto ao argumento de defesa faltou dizer que, 
apesar da falta de certeza, as probabilidades apontavam far-
tamente para a razão da acusação. 
lA boa argumentação consistiu, no caso concreto, em 
yaiqrirar para. p ouvinte, no caso os juradris, aquTlÕ~qué'é 
meramente provável copio se verdadeiro fosse, Tanto não é ver-
dade que daquela porcentagem pertinente à criminalística 
se possa inferir ser u m acusado real autor de u m crime 
(porque 99% não são 100%), quanto não é de todo verdade 
a conclusão que a defesa pretende inferir: a de que o teste 
o ARGUMENTO 23 
de balística não pode ser levado em consideração para a 
constituição da culpa do acusado. 
Porque o processo não é matemático, mas matéria hu-
mana, não existe uma conclusão única: acusação e defesa 
estão, ao mesmo tempo, certas e erradas! O a r g u m e n t c ^ n -
tão, antes j jç ser um modo de comprovação da iJer^aa[cÇ_é.ap.e.-
nas u m elemento lingüístico déstinaãõ~àf>érsuasão. 
Argumento c elemento lingüístico porque se exterioriza 
por meio da linguagem. É, por isso, elemento que aparece 
inserto em um processo comunicativo, que deve ser o mais 
eficiente possível. 
Argumento é destinado à persuasão porque procura fa-
zer com que o leitor creia nas premissas e na conclusão, do, 
retor, ou seja, daquele que argumenta. 
Os objetivos e os meios da argumentação 
Qual é o objetivo da argumentação? Quem argumenta 
tem, como objetivo final, fazer_comque o destinatário da 
arguj]3£ritaçã.o creía_eiP alguma çfiisa, ja dissemos. 
Tal idéia, no entanto, não é unânime, pois há quem 
afirme que o objetivo principal da ar^mentação vai além 
de levar o leitor a crer em algo, uma vez que o escopo últi-
tQpjdppÊtopseria o de fazer com que o destinatário vie^sea 
agir da rnaneira como se prescreve. E a diferença é relevante. 
Quem defende que argumentar é primordialmente le-
var o ouvinte a agir de maneira determinada, no discurso 
judiciário, tem uma visão, curiosamente, ao mesmo tempo 
pragmática e utópica. Pragmática - explicamos já - porque 
é destinada ao resultado de modo bastante imediato. Defen-
6. João Mendes Neto (Rui Barbosa e a lógica jurídica, p. 27) comenta que 
a verdade é a conformidade do intelecto e da coisa {conformitas intelectas et 
rei). Entendemos que, para a argumentação, a definição é bastante válida, na 
medida em que o intelecto somente assume a coisa como um significanle. 
uma representação. 
24 ARGUMENTAÇÃO jURÍDlCA 
de, com sua parcela de razão, que o objetivo de quem argu-
menta é uma ação específica do ouvinte: o advogado que 
arrazoa u m recurso, sustentando certa tese, intenciona que o 
magistrado - seu destinatário - pratique uma açãó determi-
nada por ele: julgar a causa a seu favor. De nada adiantaria 
- defende essa corrente aparentemente pragmática - o ma-
gistrado crer nas razões do advogado argumentante, mas 
não agir deferindo-lhe o pedido. 
Porém os defensores dessa corrente tropeçam em u m 
elemento da realidade que não se pode ignorar, sejam eles 
os casos em que fogem do alcance do trabalho argumenta-
tivo os motivos que ensejam a ação do ouvinte. Entre a cren-
ça do ouvinte e sua ação determinada existe u m claro em 
que, infelizmente, a argumentação não pode interferir. 
Pode-se, com bons argumentos, convencer um fuman-
te de que muito maior do que o prazer que o cigarro pro-
porciona seriam os benefícios que imediatamente lhe viriam 
se deixasse o vício. Ele pode vir, por meio de elementos não 
raros de persuasão, a crer que é necessário abandonar o ci-
garro. Mas elementos exteriores à comunicação argumen-
tativa interferem na realidade - a exemplo da necessidade 
química de nicotina do fumante - e podem fazer com que 
ele não aja da maneira como se lhe prescreve. Melhor se o 
fizesse, mas a argumentação não pode, por si só, garanti-
lo. O fumante crê, porém não age. 
Outro exemplo: u m advogado defende excelentemen-
te uma tese perante o tribunal. Dos três julgadores do caso, 
relator e revisor não lhe dão razão, fundamentando a teseda parte contrária. O terceiro juiz, entretanto, pensando so-
bre os argumentos que lhes foram dirigidos, crê que a tese 
do nosso argumentante, a despeito da opinião de seus co-
legas, é a correta. Todavia, uma questão exterior à argumen-
tação se lhe coloca: se agir da maneira como prescreve o ar-
gumentante, terá de discordar de seus colegas. Isso lhe trará 
- pensa o magistrado - duas conseqüências desagradáveis, 
sendo a primeira delas o próprio fato de discordar de uma 
turma que há tempos é uníssona, e a segunda a necessidade 
o ARGUMENTO 25 
de redigir um voto, imprcsclndivclmente bem fundamen-
tado por dissuadir de seus colegas. O comodismo indevido 
assola o julgador, e ele, contrariamente a seu dever, deixa 
seu livre convencimento e sua independência funcional de 
lado, e, embora creia na tese defendida pelo argumentan-
te, não age da maneira como lhe fora prescrito. Acaba por 
acompanhar o voto dos colegas. 
Assim, para definir a argumentação não se pode apartar 
muito da realidade, devendo-se reconhecer que existe, en-
tre o crer e o fazer, um intervalo que a argumentação deveria 
alcançar, mas nem sempre o consegue, por mais eficiente 
que seja. 
Essa idéia tem valor prático, pois todas as vezes que ar-
gumentamos precisamos ter em mente que o leitor deve ser 
levado a crer em algo. Fazê-lo crer na tese representa o obje-
tivo da argumentação. 
E quais são os meios utilizados para esse objetivo? 
F^ra que o leitor creia na tese é necessário que ela lhe 
seja transmitida de forma que seu raciocínio venha aderir ao 
percurso transmitido pelo leitor. Nesse ponto, a atividade fo-
rense (o discurso judiciário) tem algumas peculiaridades. 
Quando u m renomado jogador de futebol aparece na 
í televisão e, em u m comercial, afirma utilizar determinada 
marca de chuteiras, não há dúvida dè que ele exerce u m 
i efeito de persuasão em seus espectadores. Em um anúftcio 
como esse existe um argumento que não está expresso, 
mas pode ser resumido em: se esse atleta usa tal chuteira, 
• é porque esse calçado é o melhor de sua categoria; afinal, 
- u m jogador desse gabarito só pode usar produtos de p r i -
•^meira linha. 
Dúvidas não existem de que a figura daquele atleta re-
•nomado, no comercial, funciona como uma forma ác fazer 
iirer na qualidade do produto anunciado. A figura do joga-
i d o r é, então, parte de uma argumentação que dispensa u m 
raciocínio complexo a ser transmitido, mas que ali existe sim-
;ples e implícito, caso contrário o comercial não teria ne-
= n h u m efeito prático nas vendas do produto. Pode-se afir-
26 ARGUMENTAÇÃO lURÍDICA 
mar que, no anúncio, foram predominantes a imagem e o 
conceito do jogador, sendo o raciocínio lógico um elemento 
imprescindível, porém dc menor importância. De qualquer 
modo, existiam argumentos. 
Se um indivíduo vai comprar u m tênis esportivo, é fá-
cil (e muito provável) que valorize imagens associadas aos 
ídolos dos esportes. Mas quando u m juiz avalia uma tese j u -
rídica, pouco (mas não nada)' lhe importa a figura do argu-
mentante, mas sim o raciocmio que lhe apresentam as partes, 
pois é u m raciocínio desse tipo, em um percurso determi-
nado, que deve refratar-se cm sua sentença. 
O fator de persuasão mais válido no discurso judiciário é, 
então, o raciocínio jurídico, seja na interpretação da lei, seja na 
análise das provas. Acontece que esse raciocínio não é unidi-
recionado, como já explicamos, pois a lógica jurídica não é 
1 exata". Ele depende dos argumentos para ser exteriorizado. 
E, ao se fazer essa exteriorização do raciocínio, o argu-
mentante procura valorizar o que lhe é favorável, e isso se 
faz por meio de técnicas de argumentação. 
Assim, pode-se dizer que, se o objetivo da argumenta-
ção é fazer crer em uma afirmação, seus meios são ahipertro_-
fia dos elementos favoráveis, ou seja, a valorização deles. 
7. Não deve causar espanto ao iniciante o fato de se afirmar que o julga-
dor é persuadido, ainda que em menor grau, por elementos externos aos pró-
prios argumentos que fazem parte do aqui chamado raciocínio jurídico. O que 
não se deve é retirar deste trabalho o objetivo prático, e para isso é necessário 
observar a realidade. Por exemplo, é impossível negar que quando se cita, 
para fundamentar uma peça, a doutrina de um famoso jurista, em parte se está 
valendo dc sua imagem, tal qual faz o esportista de nosso exemplo ao anun-
ciar a marca de chuteiras. 
8. Vale conhecer como o professor Alaôr Caffé Alves expõe esse tema: 
"Por isso, a Lógica formal jamais poderá orientar a ação dos homens. Por con-
seqüência, ela não pode ser a lógica dominante nos assuntos humanos, de-
vendo ser, a teoria da argumentação retórica, a única forma de justificar os va-
lores e os atos morais dos homens. A argumentação retórica, ao contrário da 
lógica simbólica ou Matemática - caracterizada por universal c, por isso, im-
pessoal, neutra e monológica -, supõe sempre o embate (dialético) dc opiniões 
ou o confronto das ideologias e consciências no interior de situações e cir-
cunstâncias históricas determinadas c particulares" (Lógica, pensnnicnlo formal 
c argumentação, elementos para o discurso jurídico, p. 165). 
O ARGUMENTO 27 
Fazemos hipertrofias com freqüência, e elas não são mo-
nopólio do discurso jurídico. Desde a propaganda de uma 
famosa doçaria que diga que seus produtos propiciam sabo-
rosa energia ou doces momentos, em vez de dizer, obviamen-
te, que seus alimentos engordam demais, até um elogio a um 
colega de trabalho, afirmando-sc que ele é muito compcne-
^ trado em vez de lento em suas funções. Evidentemente, a 
^ argumentação jurídica desenvolve-se por meios mais com-
V picxos, mas dc mesma natureza: a^^alorizaçaodos aspectos 
favoráveis à tese defendida. 
O advogado que defende uma tese em juízo procura 
um percurso argumentativo eficiente naquilo que c mais 
persuasivo a seu leitor: o ja.clpcmiqJurídicoyálÍdP-
Fortalecer o raciocínio jurídicõvalido^ a tarefa de quem 
procura chegar a um resultado efetivo. 
Características da argumentação 
b<íç>' Visto o que se entende por argumento e os meios da 
ú'^argumentação, cabe sistematizá-los em algumas breves ca-
>T racterísticas, que serão retomadas com maior profundidade 
no decorrer dos capítulos posteriores. 
f A argumentação rjjfprnnria-QP Ha' ppera demonstração 
jTQrque tem o ouvinte, o interlocutor como alvo. A demofis-
tração é absolutamente impessoal e, exagerando, poderia 
ser realizada por uma máquina, como já foi aqui afirmado, 
tal qual o computador resolve qualquer equação matemáti-
ca. E, assim, axiomática c segue u m percurso definido por 
sistemas formais de raciocínio. 
í^ra que possa hãver u m raciocínio demonstrativo for-
mal, em sistema fechado, como aponta Olivier Reboul, é ne-
cessário que coexistam três condições: a) que não haja am-
bigüidades na significação dos signos - por isso a matemá-
tica se utiliza de uma linguagem artificial (o número um, o 
zero, o dois... são meros conceitos); b) o sistema deve ser 
coerente - não se pode afirmar dentro dele sua proposição e 
28 ARGUMENTAÇÃO jURÍDiCA 
negação: assim os sistemas de raciocmio formal progridem 
de modo único e não encontram contradições e quebra de 
coerência; c) o sistema deve ser completo.- vale dizer que 
para cada proposição formada cm u m sistema deve-se ter 
condições de demonstrar sua verdade ou falsidade. Em ou-
tras palavras, cada proposição feita no sistema axiomático 
deve trazer uma resposta única, um resultado inequívoco e 
não pode haver proposições, se aceitas pelo sistema, que não 
encontrem resultado seguro. 
Todas essas características de u m sistema formal em 
muito se afastam de nosso esquema argumentativo. A ar-
gumentação traz, ainda aproveitando-nos dc Reboul, cinco 
< ^ características que devemos compreender, para aprofundá-
, , '<y Ias em momentosseguintes do nosso estudo. São elas: 
•'^ •N a) A argumentação dirige;:se.aj-im auditório. 
Sempre argumentamos para alguém, diante de alguém. 
V • Os argumentos e a progressão do discurso devem variar de 
\ ' ./ acordo com aquele a quem este é direcionado. Tal caracte-
-of rística é objeto de nosso estudo, principalmente quando 
Í\ N tratarmos a intertextualidade. b) n]jli7,a-se de língua natural. 
Ponto muito importante. Quando argumentamos, u t i -
lizamo-nos da mesma linguagem com que nos comuni-
camos no dia-a-dia. E isso sujeita a construção argumen-
tativa a diversas regras, que são as mesmas da comunica-
ção em geral. Se, por u m lado, a língua natural dificulta o 
tratq com os argumentos, já que eles não podem vir dis-
sociados de uma enunciação, por outro confere-lhes uma 
série infindável dc recursos: o trato com a palavra. Assim, 
os mesmos recursos da enunciação em geral, da lingua-
gem como um todo, aplicam-se integralmente à constru-
ção argumentativa. Tais características serão exploradas 
neste livro, principalmente quando tratarmos de competên-
cia lingüística. 
c) Suas premissas são verossímeis.. 
Essa característica foi matéria do presente capítulo, por-
que contida na classificação do argumento. Da realidade re-
O ARGUMENTO 29 
duzimos seu contexto, para fixar pontos de partida impres-
cindíveis ao início da construção do discurso. Esses pontos 
de partida, como os demais argumentos, não são prova de 
verdade, mas sim elementos de demonstração de probabili-
dade. Mais convincente o argumento quanto mais verossí-
mil for, e nisso também se enquadra a forma, a enunciação. 
d) A progrcssãQ_dPpende do orad^> 
Quando se argumentàseTaz constante seleção de ele-
mentos lingüísticos que podem vir a compor o discurso. Co-
gitamos o melhor argumento, as melhores palavras, as cita-
ções mais adequadas, formulam-se introduções, conclusões, 
prolongam-se ou encurtam-se exemplos... Tudo à livre es-
colha daquele que constrói seu discurso, quer seja oral, quer 
escrito. Quem defende que, por exemplo, para a constru-
ção de um recurso judicial exista u m padrão de progressão 
argumentativa indeclinável está evidentemente ocultando 
do estudante uma visão realista da atividade suasória, nes-
se caso no contexto jurídico. 
Fazer progredir um discurso é atividade do intelecto 
humano. 
A progressão da argumentação será abordada nos capí-
tulos que tratam da coerência e da ordem dos argumentos. 
e) As conclusões são controvertidas. 
A o contrário da lógica formal, a argumentação permite 
conclusões controvertidas. Veja-se: a lógica formal, GCftno 
lembra Atienza, move-se no terreno da necessidade. U m 
raciocínio demonstrativo ou lógico-dedutivo importa neces-
sariamente que a passagem de uma premissa para a conclu-
são seja determinada. Mas a argumentação move-se na 
mera probabilidade. Os argumentos, na retórica, não de-
monstram provas evidentes, por isso é possível chegar-se a 
conclusões controvertidas, quando se avança em raciocínios 
retóricos por trilhas distintas. Nenhuma conclusãoé, por 
f im, absoJjutam.enl£-Yeidadeira, ainda que o orador a anun-
çie como verdademipar, como único raciocínio aceito^ Üm' 
orador jamais afirmará que seu discurso é composto de afir-
mativas em mera probabilidade. Porém, na realidade, qual-
30 ARGUMENTAÇÃO lURÍDICA 
quer raciocínio retórico é meramente razoável. Mas não está 
aí a beleza da argumentação? 
Compreendidas essas características do argumento e 
da argumentação, pode-se passar a uma leitura mais espe-
cífica de cada uma delas, já com novo alcance prático. 
Capítulo VII 
Argumento de autoridade: 
apelando para a opinião do experto 
Uma assertiva pode ser considerada válida^apenas por-
que provem de fonte confiável. Entretanto, não. se podÊSi-
peívalortzarò argumento "de autoridade: eíe deve submeter-
se^ algüri5"erttéitõs"pãrãTqíiè?t'jd üigiiu Uy íiunflâbilidadíy 
Apresentação: os tipos de argumento 
Até aqui trouxemos questões genéricas da argumenta-
ção jurídica: a apresentação da função do argumento, a es-
trutura argumentativa, a coerência, a intertextualidade e a 
narrativa. São todos pontos importantes, mas sem qual-
quer dúvida o leitor deseja aprofundar-se em aspectos mais 
práticos. 
É hora de apresentar fípos de argumento usuais àquele 
que argumenta em juízo. Somente nos vale, nesta introdu-
ção, dedicar algumas palavras ao método de seleção desses 
argumentos e à utilidade de seu estudo. 
„SeTSãò os argnmeritM^ieios lingüísticos de^pgrsuasão, 
eíes têm uma gama enormeoè tipos. Sua classificação se-
gue pontos de vista distintos, dependendo do teórico e do 
método utilizado para sua validação. Seria impossível apre-
sentá-los todos, porque uma classificação criteriosa tenderia 
ao infinito, já que infinitos são os modos de persuadir pela 
linguagem. Qualquer classificação é inexoravelmente obso-
leta: quando construída, já deixou de abarcar uma série de 
recursos que a linguagem comum inventa a todo tempo. 
Nosso método, aqui, seguirá um caminho muito sim-
ples: apresentaremos os tipos de argumento mais comuns, 
mais usuais no Direito, procurando deixar bem claro seu 
aspecto eminentemente prático. Todavia, preocupamo-nos 
108 ARGUMENTAÇÃO jURÍDlCA 
com a apresentação de u m mínimo de embasamento teóri-
co, caso o leitor tenha algum interesse mais aprofundado ou, 
ainda, precise utilizar, em u m caso seu, dá discussão da ade-
quação do valor de cada u m dos argumentos oü ifuhdamen-
tos expendidos pela parte adversa. 
Preocupamo-nos em que o leitor desta obra, ao co-
' nhecer ou aprofundar-se em cada tipo dé argumento jurí-
dico, tanto acrescente cada u m dos tipos de argumento a 
seu discurso, refletindo a respeito de seu valor, como tam-
bém conheça técnicas de desarticulá-lo, quando utilizado 
pela parte contrária. Então, por esse contexto nosso traba-
lho não foge à veridicidade científica: estabelece as vanta-
gens de cada argumento na persuasão humana ao mesmo 
tempo que - pretendemos - ficará fixado em que medida 
cada argumento pode tender ao sofisma, à falácia ou ao en-
godo em u m discurso. 
Veremos, em capítulos posteriores, que a grande util ida-
de de conhecer tipos novos de argumento consiste no fato 
de o melhor discurso não ser aquele que trazargumentos 
em Quantidade, mas sirn~DTTnetprincipaimerit£em_aud 
nÕs heterogenèo5/-afhettlar"argüTfrentos QiversiHcadQsTevá-
fãndo-se a repetição da técnica e seu esgotamentQ]7 
Iniciaremos, então, com o argumento de autoridade. 
Este merece considerações mais aprofundadas, aqui por dois 
motivos: primeiro, porque traz fundamentos que se apl i -
cam quanto a outros tipos dele dependentes, que veremos 
adiante; segundo, por tratar-se de u m dos mais relevantes 
argumentos do discurso judiciário atual. Por assumir tal va-
lor, merecerá também algumas críticas, que se farão sem 
querer ofuscar a importância ímpar que ele revela em nos-
so cotidiano. J J J z 
A autoridade 
Muitas das verdades que aceitamos estão baseadas no 
conhecimento de autoridades. Se procuramos saber a pre-
visão do tempo, confiamos na opinião de autoridades, de 
ARGUMENTO DE AUTORIDADE 109 
expertos em meteorologia, para que nos passem u m diag-
nóstico que, sozinhos, com nosso conhecimento leigo, não 
somos capazes de obter. Do mesmo modo, se temos um 
problema de saúde, consultamos um médico especialista, 
procurando nos fiar em suas conclusões e recomendações, 
diante do quadro clínico que ele nos estabelece, após pedir 
exames, submetidos à avaliação de outros especialistas que 
o realizam. Acreditamos na opinião do médico e do meteo-
rologista porque confiamos, de algum modo, que eles so-
mente venham a lançar manifestações oriundas de obser-
vações científicas aplicadas à realidade colocada à sua frente: 
o corpo do paciente, as condições climáticas de uma região 
a uma época específica.Dentro desse conceito, em u m mundo em que, cada 
vez mais, nosso conhecimento estreita-se em aprofunda-
mento sobre áreas tão mais específicas {non multa, sed mul-
tum), muito do que acreditamos nos foi passado por meio 
de manifestações de autoridades. Quando crianças, experi-
mentamos sensações diversas, desconfiando das afirmações 
que nos são transmitidas por quem já as viveu: colocamos o 
dedo na tomada e sentimos o primeiro choque, e é raro 
aquela criança que teme u m cachorro sem que algum já 
não lhe haja ao menos ameaçado um ataque. N o transcor-
rer do tempo, entretanto, vimos, pela impossibilidade de 
experimentar e conhecer todas as áreas do saber humano, 
repousando nossa fidelidade em pronunciamentos estabe-
lecidos por aqueles que são, no senso COTium, reconhecidos 
como dotados de conhecimento que autorize a convincen-
te manifestação de opinião a respeito de assuntos determi-
nados: cremos que a luz tem massa e caminha em direção 
curvilínea porque assim assentou Einstein, ainda que - ao 
menos a este cidadão leigo - não conheçamos os meios de 
colocar à prova essas afirmações. 
Esse conhecimento técnico baseado apenas em decla-
rações de autoridades consegue, refletindo em u m panora-
ma mais amplo, criar uma verdadeira ditadura de autorida-
des, porque parece pouco sensato que um ser humano lo-
110 ARGUMENTAÇÃO fURÍDíCA 
gre refrear todas as colocações pronunciadas por aqueles 
que se estabelecem como dotadas de conhecimento apro-
fundado. Por um lado, o saber humano amplia-se c, por o u -
tro, reduz-se o tempo das pessoas para que possam estabe-
lecer conhecimento e colher dados suficientes a respeito 
das origens de cada matéria ou problema abordado, restan-
do a cada interessado a alternativa de estabelecer premis-
sas ou conclusões baseadas naqueles que sejam donos de 
uma experiência arraigada, ou que tenham reconhecidamen-
te se dedicado a estudar determinada matéria em questão. 
São eles os especialistas ou expertos. 
Como aponta Douglas Walton', o estereótipo do pro-
blema da autoridade nos dias atuais tem sido composto 
pela figura do Big Brother, a criação de Orwell , em que uma 
oligarquia fixava pensamentos e conceitos, por u m sistema 
de controle ferrenho, ditando às pessoas o modo de agir e 
pensar. Exageros à parte, a força que tem o conceito das au-
toridades estabelecidas, por influência de fatores como ciên-
cia, religião, mídia c imprensa em geral e cultura de massa 
contemporânea, faz com que o argumento de autoridade as-
suma, nas mais diversas áreas do conhecimento, força i n i -
gualável, em que vale nos aprofundar. 
Antes, porém, de fazê-lo, é necessário compreender o 
conceito de argumento de autoridade. 
mentuítuulM£ie£undiam 
Argumento de autoridade^é aquele que se utiliza d a l i -
çãQ..de pessoa conhecida e reconjiecida em determir^Qa 
/rea do saber para corroborar a tese do argumentante. 
I ^ - I - • 
' 1, Cf. WALTON, Douglas S. Appeal tn Expcrt Opinion, p. 2: "...Instead we 
have Io assume and guess and, very often, trust or reiy on the opinion of those 
who have presumably taken the efforl to study the matter - the experts. So 
we have to fix on or accepl certain npinions or bcliefs as the best informalion 
or advice we have to act on for the moment. But there is also a widespread 
tendency to fix onto thcse beliefs that cannot be qiiestioned." 
ARGUMENTO DE AUTORIDADE 111 
Q argumento de autoridade éjajribém chamado de ar-
gumentum magister dixit ou ad verecimduim. Esta última de-
nominação foi criada por John Locke^ Ele o definiu como 
uma espécie de argumento utilizado para fazer prevalecer 
seu posicionamento Í J U silenciar u m opositor. Significaria 
utilizar-se da opinião de uma terceira pessoa, que "construí-
ra seu nome" e ganhara sua reputação no senso comum 
como pessoa de certa autoridade. Segundo Locke,.^mapes-
soa, quando adquire certa reputação ou autoridade na so-
cicdade, realça a modéstia dos terceiros, que pouco quesno-
nam o posiciótíaménto daqmrlos que Tem ossrqualificaçaó" 
específíc3rDêSãlrianeira, qualquer um que não conheces-
se a opinião das autoridades poderia ser colocado, em uma 
discussão, como imprudente ou ignorante, fazendo com 
que um discursante adverso gozasse de maior crédito, se de 
acordo com a opinião daqueles que construíram bom nome. 
Utilizar-se do argumentum ad verecundiam significa tra-
zer, em uma discussão, a opinião de um experto, que se pre-
suma tenha conhecimento aprofundado sobre determina-
do assunto. Vejamos o exemplo abaixo: 
O réu não pode figurar no pólo passivo desta demanda, 
porque, como mero entrevistado, não é legítimo autor de 
crime contra a honra em lei de imprensa. Se um jornalista 
transcreve no jornal a entrevista com determinado persona-
\ gem público e, nela, redige ofensas a terceiros, atribuindo 
p' sua autoria à pessoa entrevistada, é ele, jomalista, o único 
T responsável por eventual delito contra a honra, enquanto 
ii não fizer inequívoca prova de que copiara, no texto publica-
do, fielmente aquilo que o entrevistado dissera. Ademais, o 
,^ entrevistado deve autorizar a publicação das ofensas proferi-
das - se é que as proferira -, caso contrário continua o jorna-
f lista sendo responsável por todas as ofensas publicadas na 
/ imprensa. É assim que pontifica Darcy Arruda Miranda: 
, 2. WALTON, Douglas S. Informa! D>gic a Handhook for Criticai Argumen-
«fiofi, pp. 172-3: "A denominação 'argumentam ad verecundiam' literalmente 
Significa 'o argumento da modéstia' e foi John Locke quem pela primeira vez 
a usou para referir se a uma tática ou técnica que pode ser usada por uma 
P«soa contra outra." 
112 ARGUMENTAÇÃO lURÍDlCÃ 
"[...] se nos conceitos emitidos pelo entrevistado hou-
ver ofensa à honra de alguém, o ofendido deverá agir contra 
o diretor ou redator-chefe do jomál. ou periódico [...! res-
ponsável pela divulgação, tal seja a hipótese, caso não se 
prove, desde logo, que o entrevistado autorizara a divulgação 
(...). A responsabilidade do entrévistado só se fixaria se t i -
vesse dado a entrevista por escrito e 3 I Í apusesse a sua assi-
natura. Ninguém pode ser responsabilizado pelo que não escre-
veu e não disse. E o repórter ou jornalista que publica ou 
transmite uma entrevista, sem a cautela de sua autenticação 
pelo entrevistado, principalmente quando nela se contêm 
expressões ofensivas a qualquer pessoa, assume a responsa-
bilidade pela divulgação se seu nome constar da publicação 
[...], como autor da entrevista e, caso contrário, responsável 
será o diretor ou redator-chefe" {Comentários à Lei de Impren-
sa: 1969. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. II , p. 681; II , 
p. 681). 
Pela lição do eminente professor, indiscutível se faz a 
ausência de responsabilidade criminal do entrevistado, ao 
menos no estágio probatório atual. 
rhra comprovar a veracidade de sua tese, o autor da ar-
gumentação judiciária recortou lição de professor conheci-
do e reconhecido em sua área de atuação. Talvez as idéias do 
argumentante fossem pouco aceitas se não apelasse à au-
toridade do jurista citado, e não há dúvidas de que o poten-
cial suasório de seu discurso aumentou incrivelmente alu-
dido argumento. Se aumenta a capacidade suasória, não há 
c^úvidas de que se trata de um eficiente recurso e, portanto, 
seu uso é recomendável. 
Adtacão da doutring representa o usojnais comum de 
argumento de autoridade em nosso discursõTíítense alüal. 
RèTPrrtrg^gTTrim^sél^ iofes^^^^ 
obrãs~3é"notório vaíorciêntífico, buscam-se manifestações 
suas que estejam de acordo com a..teÊÓóstãbeleada^Jilo 
argumenta/ite, de tal modo que prevaleça sua opinião con-
trária em relação^' parte adversa. 
Quando se estabelece essa coerência entre a tese esta-
belecida pelo autor (ou ao menos u m ponto forte que se de-
ARGUMENTO DE AUTORIDADE 113 
1 seje comprovar) e o posicionamento da autoridade,o argu-
mento ad verecundiam aperfeiçoa-se. 
Mas o que fundamenta seu efeito suasório, sua capaci-
dade de convencer? 
Grosso modo, a autoridade invocada apresenta um aval 
para a veracidade do posicionamento sustentado pelo ar-
gumentante. Ao citar Arruda Miranda, o argumentante do 
exemplo acima acresceu ao seu discurso a opinião daquele 
que tem vasto conhecimento jurídico; o argumentante usa, 
então, da presunção de que qualquer manifestação do cita 
do jurista seja reflexo de seu saber reconhecido, e então o 
toma de empréstimo para fundamentar sua tese, se seus po-
siáonamentns forem de fato coincidentes. 
Mas há outra vantagem no uso do argumento ad vere-
cundiam, e ela se aplica muito mais especificamente ao 
discurso judiciário. Trata-se da presunção de imparcialida-
de. Todayezjque um autor expõe seu argurnento na 3X3dé-
tícaprõcessual, parte déTãin ponto deTl5ta~cnmprümetido 
com os interesses que defende, porquanto, comDTáTárèse-
|nos em lições anteriores, assume acondição de parteAsso 
não condiciona sua argumentação à falácia, mas sempre 
com que o interlocutor, que deve ser convencido, v i n -
le de certa maneira essa parcialidade à possibilidade de 
stência de uma argumentação que leve ao engodo, 
o argumentante lança mão do posicionameato 
Hrtoridade7-piiiR'Ípalinente aoTecortar trecho de 
JfftJJüblicada havendo"ãIgúrri~térripo, em grande medida 
rsá" impiessaDT^poTsysabe ò ]ekbjDqu£^qüelã~õpri 
lo> deíendidã'pêIã~autoridÍde, não atende a interesses 
itros que naõ a veracidade cieritíficá, ao menos presumi-
I^iTaTito, o fortíssimo efeito suasório do argumentum 
(^dverecundiam repousa em um duplo efeito: db u m lado, a 
'^*^^ÍíiiÇüu de conheciment_o e, de outro, a presunção de ímpaf-
,^^«^í^^_da^utoridade e de seus posicionamentos acerca 
ria tese que sé pretende comprovar. 
lando 
114 ARGUMENTAÇÃO fURÍDlCA 
Ciência e verdade 
O que se busca no (bom) argumento de autoridade é, 
principàmêntè7"qüê~êT^^ 
éõri^yel e cientitico. Fm nossa socieaade mpdemaj os m o -
delos dènfiFicõristão espalhados por todas as áreas do 
conhecimento, e as reflexões subjetivas, ainda que sorra-
teiramente apareçam em considerações de lógica informal, 
são rechaçadas como depoimentos apaixonados, de pouca 
técnica. Descartes procurou modelos geométricos de ra-
ciocínio, iniciando com premissas indubitáveis e represen-
tando inferências unicamente por etapas que não poderiam 
levar do certo ao falso; assim, u m raciocínio poderia tender 
ao inf inito sem que se afastasse de uma veridicidade com-
provada. 
Ocorre, aparentemente, que, em nossa técnica diária, 
não temos tempo, espaço ou conhecimento hábil para de-
senhar essas mesmas etapas, então nos contentamos em f i -
xar raciocínios já prontos, de fontes seguras. Não é difícil, 
entretanto, imaginar que essas fontes seguras, as autorida-
des, ainda que representem o raciocínio científico tão an-
siado por nossa sociedade imediatista e tecnológica, po-
dem constituir uma falácia: a de impor u m raciocínio como 
verdadeiro apenas porque ele provém de uma fonte segura 
ou renomada. 
Em primeiro lugar, é necessário deixar evidente que, 
mesmo em bases científicas seguras, as fontes podem trazer 
resultados equivocados e contraditórios. Vale a pena copiar, 
neste ponto, o exemplo pertinente fixado por WaltonL 
Muitas pessoas acatam essas descobertas científicas e 
opiniões com tamanha seriedade, e agem conforme elas, 
mesmo lembrando que essas opiniões freqüentemente mu-
dam com rapidez e podem ser frontalmente contrapostas 
por outros cientistas. Um caso excelente descrito por Cynthia 
3. Appeal, cit., p. 6. 
ARGUMENTO DE AUTORIDADE 115 
Crossen é a mania de farelo de aveia {oat bran) da década de 
1980. Em uma época em que as pessoas estavam começando 
a preocupar-se com as influências do colesterol nas doenças 
cardíacas, os resultados de uma pesquisa parcialmente pa-
trocinada pela Quaker Oats Company foram publicados por 
uma equipe da Northwestern Üniversity no Journal of the 
American Dietetic Association. O estudo mostrou que, de 208 
casos, adicionar o farelo de aveia a sua dieta resultava em 
significativa queda da taxa de colesterol. A Quaker, conse-
qüentemente, passou a anunciar seu cereal com farelo de 
aveia como um alimento redutor de colesterol, que baixava 
os riscos de ataque cardíaco, e a mídia acatou tal alimento 
como um miraculoso ingrediente na comida. Farelo de aveia 
foi adicionado a mais de trezentos produtos, incluindo bata-
tas fritas, alcaçuz e cerveja. Em janeiro de 1990, um novo es-
tudo foi publicado por dois pesquisadores de Harvard, con-
cluindo que o farelo de aveia não funciona quase nada no 
combate às doenças cardíacas. 
Fhra o consumidor leigo, que desconhece até mesmo a 
essência do colesterol, a seriedade de um estudo publicado 
em jornal especializado, com a chancela de uma universi-
dade norte-americana, com certeza representa autoridade 
: 0u ciência. Não interessa saber, no exemplo, se o farelo de 
;àveia tem ou não efeito na prevenção das doenças cardía-
yças, mas é importante notar que os dois estudos, cienflfi-
yps, contrapuseram-se frontalmente. A busca da opiniãa de' 
'"^ma autoridade, ainda que em estudo aparentemente cien-
;Jí&co - fixe-se - não é cem por cento segura. 
I Mas ainda que longe da exatidão, a ciência a persegue. 
' A s ciências humanas estão em franca desvantagem nessa 
. busca, porém continuam na batalha. Por isso é natural que 
o raciocínio do magistrado guie-se, na atividade jurídica e 
na interpretação do Direito, pelo raciocínio que se aproxime 
da construção científica e, daí, da exatidão. Esta, evidente-
mente, não é plenamente alcançada, ao menos no Direito, 
. mas o argumentante, quando lhe aprouver, defenderá a 
exatidão do raciocínio científico jurídico e, não podendo re-
construí-lo todo, etapa por etapa, até a premissa mais re-
116 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 
mota do ordenamento jurídico, apresenta u m texto com 
presunção de veracidade científica. 
Na interpretação e aplicação do Direito, como ciência, 
o julgador vai sempre procurar o embasamento com maior 
quantidade de provas, o que permite lembrar a advertência 
de Kant^em Crítica do juízo*: ^-
Tpda argumentação..• nãodeve somente persuadir, se-
não convencer ou ao menos contribuir a convicção... porque 
de outra forrnàõnmêlêcto fiça^e convencido^ 
Para contribuir para a convicção, a argumentação, quan-
d o se imiscui na ciência, busca seus modos de convenci-
mento. E a ciência recomenda a localização e a indicação de 
boas fontes para que se exponha um raciocínio válido em 
seu âmbito, como ensina Marchi, dissertando sobre a veri-
dicidade científica^: 
Esta interpretação ou entendimento da fonte, todavia, 
deve quase sempre ser comprovada substancialmente pela 
citação ou referência a outro (ou outros) autor, cuja opinião 
embase (parcial ou inteiramente) aquela interpretação. 
Este outro autor, porém, não pode ser qualquer um. 
Deverá ele constituir-se, de preferência, em um cientista-ju-
rista renomado, já reconhecido e legitimado como tal na co-
munidade científico-jurídica. 
A exigência desta prova substancial se justifica pela na-
^ tureza da ciência jurídica. 
Não sendo ela uma ciência exata, isto é, inexistindo uma 
prova inquestionável do resultado proposto (como 2 + 2 = 4), 
não há como se provar uma solução (ou afirmação) propos-
ta a não ser embasando-a nos "resultados" (= interpretações 
ou opiniões) de autores já legitimados cientificamente. 
Não resta então nenhuma dúvida de que a opinião do 
experto é reiteradamente necessária na metodologia cientí-
4. Apud C A S Q O , Vincenzo. Gramática dc Ia argumentación, p. 250 
5. Guia de nwindologia, cit., p. 38. 
ARGUMENTO DE AUTORIDADE 117 
fica, e, portanto, vale também na argumentação jurídica 
como meio de convencimento objetivo, que procuraimpor 
ao leitor, desde que adequada a opinião da autoridade à tese 
defendida, a validade do raciocínio exposto. 
A confiabilidade da opinião da autoridade: 
quia nominor leo 
Alfredo Gaspaiydefíne_grgumento de autoridade como 
sendo "àrgütfíêritopsicológícode grande peso (e"fãntoqúe 
a!güns~ãutores o tratam"Vomo argumento quase^lógicõou 
mesmo lógico), aquele em que o orador abona sua opinião 
rio êrísinamefTfcrde urrrãutor renomado. ou de urp tpxtn 
_c'5risaffl"ãdã"Fõrã de qualquer suspgiçáo"". Como argumen-
to, não há dúvida de que o melhor é sempre aquele que 
conta com maior aceitação do auditório, mas é pouco pro-
vável que se possa definir o argumento magister dixit como 
sendo apenas aquele que provém de fonte fora de qualquer 
suspeição. Suspeitas sempre existem, ainda que consagra-
dos os textos citados. 
Por isso, não basta u m texto de uma autoridade para 
comprovar uma tese, devendo ser ela apenas parte de u m 
raciocmio mais complexo e aprofundado do próprio ar-
gumentante. A nossa praxe judiciária, entretanto, t e m j i i - . 
pertrofiado o valor do argumento magister dixit, transfor-
mando-se ele, indevidamente, algumas vezes, em único 
recurso persuasivo de discursos judiciários, fonte e f im de 
todas as discussões jurídicas práticas, conforme exemplo 
a seguir. 
Conta-se que o leão estava faminto e procurava caçar 
a zebra, mas não conseguia. A zebra embrenhava-se na 
mata, corria e corria; volta e meia a caça, na fuga, invadia 
o rio, onde, com pernas mais longas, escapava do rei da 
floresta. Furioso, o felino, sob os conselhos sábios da leoa, 
6. Instituições dc retórica forense, p. 63. 
118 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 
propôs ao crocodilo uma união dc esforços: o crocodilo e 
sua esposa espreitariam a zebra na água, enquanto o leão 
e a leoa a pcrseguiriam em terra. Não haveria escapatória. 
Com a união de esforços, foi realmente impossível, e a ze-
bra sucumbiu à boca do crocodilo. Chegou o momento, 
então, de dividir a presa entre os quatro caçadores, e o leão 
anunciou: " D i v i d i m o s a zebra em duas metades. A p r i -
meira metade será dividida igualmente: um terço ao cro-
codilo, por ter matado a caça; outro terço a sua esposa, por 
ter feito a tocaia; o último, à leoa, por haver planejado tudo 
com perfeição... e a outra metade é minha, porque meu 
nome é Leão." 
Quia nominor leo. A autoridade do leão determinou-lhe 
a razão, ainda que sua explicação não fosse lá a mais razoá-
vel. Se pensarmos em argumentação como modo de levar à 
persuasão a qualquer preço, podemos nos aproveitar de 
uma única opinião de u m autor consagrado para sustentar 
nossa tese, como absoluta dispensa de nos aprofundarmos 
em o que levara a autoridade a concluir desta ou daquela 
maneira. 
Se um médico consagrado me prescreve certo remé-
dio, eu o tomarei sem questionar: uso o remédio porque 
me foi recomendado por u m profissional reconhecido da 
Medicina. Mas, se ele não me faz nenhum exame, clínico 
ou laboratorial, se sua consulta é rapidíssima e eu posso 
perceber que sequer deu-se conta de meu estado de saúde, 
poderia aceitar aquele mesmo medicamento sem exigir do 
profissional explicação minimamente aprofundada a res-
peito dos motivos que o levaram a recomendar-me o trata-
mento? Parece evidente que não. 
O problema agrava-se quando se nota que, nos dias de 
hoje - permita-nos que seja dito - algumas empresas e meios 
de comunicação elegem ou até mesmo criam autoridades 
que estão longe de ser equiparadas a outros especialistas, 
estes com alto gabarito e conhecimento em suas áreas de 
estudo e atuação. Não é raro que os grandes sábios, real-
mente especialistas, sejam preteridos por outros que têm 
ARGUMENTO DE AUTORIDADE 119 
maior acesso à mídia': o médico, o advogado, o professor, o 
nutricionista que mais aparece na televisão ou que é mais d i -
vulgado pela editora por ser autor de best-sellers da área téc-
nica, com pouquíssima originalidade científica. Acontece. 
Fbr isso, ainda que seja absolutamente funcional, na ar-
gumentação, o apelo à autoridade, aproveitando-se da hu-
mildade do interlocutor a reconhecer seu desconhecimento, 
ou, ao menos, um conhecimento menor a respeito da maté-
ria sobre a qual a autoridade disserta, alguns princípios de-
vem ser observados para que não se tome (apenas) a fonte 
como absoluto meio de atribuição de valor a uma conclu-
são, já que até essa fonte pode ser algo duvidosa. 
Quando o argumento de autoridade desvirtua-se de sua 
função de pre^nçáo razoável de certeza da opiniãooeum 
verBadeiro cxpert parabuê se de maior credíto^a umajmse, 
passa a constituir a falãciá dá aüTondããê. 
Estabelecendo a validade do argumento 
A regiade validade do argumento de autoridade é esta*: 
X (alguma pessoa ou organização que deve sabê-lo) disse 
jqueY. ~ 
Portanto, Y é verdade. * 
7. o acesso à mídia, que coloca com grande agilidade nomes em evi-
dência, conduz (ou pode conduzir) à falácia da popularidade, pois com facili-
dade as pessoas embarcam nas crenças da maioria, como explica Govier 
Trudy: "A claim may be widely belleved only because it is a common preju-
dice. Thus, the fact that it is-widely believed ís irrelevant to its rational accep-
tabUity. Argumentsin wich there is a fallacious appeal to popularity are based 
on prcmises that describe the popularity of a thing ('Everibod/s doing it', 
'Everibody believes it'), and the conclusion asserts that the thing is gook or 
sensible. The arguments are fallacious because the popularity of a product 
or a bielief is in itseíf irrelevant to the question of ils real merits. The fallacy of 
appealing to popularity is also sometimes called the bandwagon fallacy, or the 
fallacy of jumping on a bandwagon" (A Pracliail S/iídy of Argument, p. 189). 
8. Cf. WESTON, Anthony. Lis claves de Ia argumentació)}, p. 55. 
120 ARCUMENTAÇÁO lURÍDICA 
Como argumento, então, vale a afirmação porque pro-
vém de alguém que deve sabê-lo. Mas há várias maneiras 
de pôr à prova o argumento dc autoridade;^ para que ele 
não se transforme em uma falácia. Apenas a título de exem-
plo: sabe-se que, quando se faz a citação de determinado 
' autor em u m texto jurídico, indica-se o ano da edição da obra 
transcrita. Fbr que isso é feito? Ftirque a autoridade pode 
mudar seu posicionamento^ cm obra posterior, retificando-o, 
admitindo u m engano ou uma ilusão passageira. Assim, uma 
citação de pessoa famosa pode constituir um posiciona-
mento cientificamente errado, mas se tal falha não é apon-
tada no contraditório, passa como boa afirmação, argumen-
to persuasivo. 
Q u e m se depara com o argumento de autoridade u t i l i -
zado pela parte contrária deve colocá-lo à prova, estabele-
cendo sua validade. Mas não só: para aquele que, mais que 
seduzir, pretende realmente convencer com técnica, é reco-
mendável que também questione a validade do argumento 
de autoridade que utiliza. 
Faremos mais algumas considerações importantes a 
respeito desse tipo de argumento e de sua validade porque, 
como já adiantamos no início deste capítulo, dessas carac-
terísticas do argumentum ad verecundiam outros tipos de 
argumentos também se aproveitam, c então nos poupare-
mos, mais adiante, de dissertar sobre elas. Vale já, entretanto, 
considerarmos o modo de aferição de validade da conside-
raçSo da autoridade, por meio de seis perguntas, de Walton, 
que apresentam cada uma um dos requisitos para a validade 
pretendida. 
Imaginemos que u m experto (E) apresente determina-
da afirmação (A), que é aproveitada cm discurso de u m ar-
9. "If |the cited expert) is a great authority and the consensus of autho-
rities is large, then the argument becomes sironger. But it's never 100 percent 
conclusive. AII the aulhorities in the world might agree on somcthing that 
they later discovcr to be wrong. So we shouldn't think that something must 
be so becausethe aulhorities say it is" (GENSLER, Harry. Logic: Aitalyzingand 
Appraismg Arguments. Apud WALTON, S. Appeal. cit., p. 234). 
ARGUMENTO DE AUTORIDADE 121 
güonlc, em consonância com sua tese. U m argumento de 
autoridade, para que seja válido, deve ter respondidas afir-
mativa ou satisfatoriamente a todas estas questões: 
1 . A questão do experto: Qual é o crédito de E como 
uma fonte científica? 
2. Questão da área: E é experto na área em que se en-
contra A? 
3. Questão da validade da opinião: O que E disse que 
realmente implica A? 
4. Questão da confiabilidade: E é pessoalmente confiá-
vel como uma fonte? 
5. Questão da consistência: A está de acordo com as 
afirmações de outros expertos? 
6. Questão das provas: A assertiva A é baseada em 
provas? 
A resposta a essas questões garante a validade do ar-
gumento ad verecundiam, afastando-o da falácia, do engodo 
do pronunciamento sem validade científica. Analisemos ra-
pidamente cada uma delas. 
Capítulo VIII 
Argumento por analogia: 
o uso da jurisprudência 
A regra da justiça impõe que se concedam soluções 
idênticas para casos essencialmente semelhantesTMais per-
suasiva a analo^aquanto mais esti'elra'3 proximidade entre 
o caso concreto e o paradigma, ' 
A analogia e a ilustração 
O argumento por analogia é aquele.ejri que se transita 
de u m caso concreto a outro, arrazoando-se que^_deyido30 
fato de serem ambüs DSTasos^serTrelRãntes em alguns aspec-
tos, são também serríelFiãntes^i qutiosTSãísiE^gdScgsJ., 
Vejamos o exemplo abaixo, de texto de Chico Buarque-: 
Oh, pedaço de mim 
Oh, metade exilada de mim 
Leva os teus sinais 
Que a saudade dói como um batco 
Que aos poucos descreve um arco 
£ evita atracar no cais. 
Oh, pedaço de mim 
Oh, metade arrancada de mim 
Leva o vulto teu 
Que a saudade é o revés de um parto 
A saudade, é arrumar o quarto 
Do filho que já morreu. 
Oh, pedaço de mim 
Oh, metade amputada de mim 
1. Cf. WESTON, Anthony. Ias claves, cit., p. 47. 
2. Ópera do malandro, pp. 171-2. 
144 ARGUMENTAÇÃO lURfOlCÃ 
Leva o que há de ti 
Que íi saudade dói latcjada 
É assim como uma fisgada 
No membro que já perdi'.. • , , . 
Na conhecida ietra, para enunciar a dor causada pela 
saudade, o autor utiliza metáforas e comparações, demons-
trando semelhanças entre aquele sentimento e as imagens 
por ele criadas. A dor da perda é muito bem revelada pela 
imagem daquele que arruma o quarto do filho que já morreu, 
ou da fisgada no membro que já perdi. Condições poéticas à 
parte, é certo que o enunciador tem expressivo recurso a seu 
favor, transmitindo sua mensagem com força que jamais 
alcançaria se não sc utilizasse dessas imagens. 
Com as semelhanças havidas entre, de u m lado, a sau-
dade e, de outro, as imagens ali destacadas, pode-se dizer 
que o autor persuade a respeito da intensidade da dor que 
sente, o que era, finalmente, sua intenção. Ta! como no tex-
to abaixo (que tem cunho argumentativo), a imagem, cria-
da pela descrição lingüística, seduz muito mais que qualquer 
outra explicação que se possa conceber a respeito do tema 
que se desenvolve: 
Anoiteceu e faz frio. Merde, voilà VHiver, é o verso que, 
segundo Xenofonte, cabe dizer agora. Aprendi com ele que 
palavrão em boca de mulher é como lesma em corola de rosa. Sou 
mulher, togo, só posso dizer palavrão em língua estrangeira, 
^ se possível, fazendo parte de um poema.' 
O ser humano raciocina muito pela semelhança, pela 
analogia. As comparações são sempre constantes, na con-
versa do dia-a-dia, na exemplificação (ainda que o exemplo 
seja uma questão u m pouco mais específica), e, nesse con-
texto, .g^rgumento_fljiüra/É por analogia, assume papel re-
levante em qualquer discurso suasório. 
3. T E L L E S , Lygia Fagundes Arttes do baile verde, p, 35. 
ARGUMENTO POR ANALOGIA 145 
No contexto jurídico fazemos uma distinção entre a ana-
logia'pFopriamcnte dita e o exemplo e a ilustração, sendo a 
primeira mais específica, tratada neste capítulo. No próximo, 
abordamos exemplo e ilustração, também relevantes. 
N o discurso judiciário, o argumento por analogia assu-
me relevância ainda maior, porquanto tem-se como regra 
evidente a dc que o fundamento da justiça é o de tratar de 
maneira idêntica situações essencialmente semelhantes. 
Jurisprudência: analogia e autoridade 
A jurisprudência representa fonte do Direito, como 
construção contínua de entendimentos pelo Poder judiciá-
rio. Sua utilidade repousa principalmenteno princípio^d.^ 
eqüidade, pnrgnpaJg^Hra HPVP transpnrTesuTfadPsequIva-
/Ientes a casos que, em essência, sejam semelhantes. 
O uso da iuriaprudência transtorma-se^eirTargumcnto 
a simili (ou por ana!ggia)nã^TTTedttía]^ qué^ determinado 
julgado é utilizadiLçqmo parâmetro ou paradigma para o rp-
suitado gire se pretende alcançar. Abaixo temos um exem-
plo desse tipo ae argumentei 
r 
Ao Órgão acusatório, que é, por (jefinição, pardal, não 
se pode dar o poder de, por intervenção única sua, determi-
nar a prisão processual, pelo simples acréscimo de qualifica-
doras ao homicídio, antes de qualquer apreciação maior - e 
imparcial - do Puder Judiciário. 
Nesse sentido, colocar-se ao talante apenas da acusa-
ção a capitulação legal, e, por via de conseqüência, chegar-se 
à prisão processual obrigatória, representa total ilegalidade. 
Por isso, as decisõeg reiteradas do Supremo Tribunal Fede-
ral, no sentido de que a capitulação por crime hediondo não 
vincula a prisão processual, a exemplo do quanto assentou o 
ministro Celso de Mello, no recente julgamento do Habeas 
Corpus n' 80.719-4, que se recorta em trecho: 
"[.. . j Entendo - tal como pude enfatizar na decisão que 
concedeu a medida liminar - que os fundamentos subjacen-
tes ao ato decisório emanado da ilustre magistrada da Co-
146 ARGUMENTAÇÃO jURÍDICA 
marca de Ibiúna/SP, que decretou a prisão cautelar do ora 
paciente, conflitam com os estritos critérios jurisprudenciais 
consagrados pelo Supremo Tribunal Federal, em tema de 
prisão preventiva. 
Impende assinalar, desde logo, qüè á-configuração jurí-
dica do delito de homicídio qualificado como crime hedion-
do não basta, só por si, para justificar a privação cautelar da 
liberdade individual do réu. 
O Supremo Tribunal Federal, a esse propósito, tem ad-
vertido que a natureza da infração penal não se revela cir-
cunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do 
sfíííws libertatis daquele que sofre a persecução criminal ins-
taurada pelo Estado. 
Esse entendimento vem sendo observado em sucessi-
vos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que 
o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como 
crime hediondo (HC n!' 80.064-SP, rei. Sepúlveda Pertence, 
RHC n " 71.954-PA, rei. Min. Sepúlveda Pertence, RHC nl* 
79.200-BA rei. Min. Sepúlveda Pertence) [...]." 
É reiterado o entendimento, tanto no Supremo quanto 
nesse Superior Tribunal, que a lei dos crimes hediondos não 
pode sobrepujar o princípio da presunção de inocência, sob 
pena de utilizar-se a capitulação da denúncia para, parafra-
seando o ministro Celso de Mello, presumir-se a culpabilidade 
do réu, assim antecipando-lhe a prisão penal, o que seria 
construir, per saltum, ilegal antecipação, por óbvio aleatória, 
do veredito do órgão competente para julgar o mérito da 
ação, neste caso um Conselho de Sentença popular, que 
nem sequer está formado. 
Recortando o julgado, o argumentante, sem necessitar 
er^nciar - porque essa é a força do próprio argumento a si-
mili - , requer a seu caso tratamento idêntico àquele que i n -
voca como paradigma: se o ministro do STF, em julgamen-
to de u m processo específico, decide que a capitulação legal 
não é suficiente para a decretação da prisão cautelar, esse 
princípio deve alcançar todos aqueles que se encontram nas 
mesmas condições, caso contrário o Direitose afastaria de 
seu ideal maior, a isonomia. 
Essa analogia é, portanto, implícita ao recorte da juris-
prudência na argumentação e muito segura, na medida em 
ARGUMENTO POR ANALOGIA 147 
que não c coerente que, com um mesmo ordenamento j u -
rídico a aplicar, situações idênticas sejam submetidas a tra-
tamentos diversos. Juridicamente,.é claro, pode-se defen-
der que a independência funcional do julgador permite que 
ele faça de cada situação a interpretação que bem entenda, 
desde que devidamente arrazoada e, assim, justificável do 
ponto de vista do Direito e da persuasão racional. Mas o ar-
gumento da jurisprudência, que se recorre da similitudc dos 
casos, vai além: o desejo, inatingível, da homogeneidade da 
aplicação do Direito, o que representa, antes de tudo, segu-
rança aos jurisdicionados. O anseio por essa segurança é 
reconhecido em nosso ordenamento jurídico, a partir da 
própria Constituição Federal, que prevê (art. 105, I I I , c) a 
solução, pelo Superior Tribunal, do dissídio pretoriano, ou 
seja, a divergência entre os tribunais. 
Mas a jurisprudência reveste-se também, em certa me-
dida, da forçada_£utoridade. Não a autoridade jurisdiciõnal 
apenas^.maS-a autoridade científica, tal qual exposta na lição 
anterior, _do argumento ad verecundiam.^E\a tem também, 
como fator suasório, a presunção de que o relator do julga-
do invocado como paradigma bem conheça o Direito (jura 
novit cúria) e, como conseqüência, tenha pouca probabili-
dade de construir u m mau pronunciamento em questões 
jurídicas. ^ 
Conforme se sabe, tem em tese maior efeito suasqjio • 
um julgado de u m tribunal superior que a decisão de um 
único magistrado de primeiro grau de jurisdição, porquan-
to presume-se (como ocorre quase sempre em matéria de 
argumentação) que o arcabouço científico-jurídico do m i -
nistro do Judiciário seja maior que o do magistrado em iní-
cio de carreira. 
Se a jurisprudência tem como um de seus prismas o 
argumento magister dixit, especialmente quando recortada 
dos tribunais superiores, está ela, como argumento, atrela-
da às condições de validade elencadas na lição anterior, 
para o pronunciamento ad verecundiam. Mas prevalece a 
analogia. 
148 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 
Uso da jurisprudência: quantidade e qualidade 
Como ocorria com o argumento de autoridade, o uso 
do argumento a simili pode seguir, regfcfs para maior efi-
ciência. Cumpre esclarecer que essas regras, antes de bus-
carem a lógica formal, continuam na esteira do quanto nos 
propusemos desde o início deste trabalho: preocuparmo-
nos com a persuasão do discurso. E o discurso persuasivo é 
o discurso sólido, aquele em que se afastam as falácias, os 
enganos, seguindo-se um percurso que, embora possa sem-
pre ser contestado, faz-se coerente. 
A analogia, conforme ensina Perelman*, estabelece uma 
proporção: íí está paraTí, assim como cbStâ parãíí. E5sá~pro-
porção é assimétrica, portanto dístihgue-se da matématica, 
em qüe~são sempre estabelecidas proporções de'5imetna, 
de valores iguais, entre elementos homogêneos. Chama 
se, na lógica informal,/oro a relação conhecida (entre c e d, 
no exemplo) e tema a relação menos conhecida, objeto da 
discussão. 
Ibla assimetria dos valores existentes na proporção es-
tabelecida pela analogia (como relacionar, diretamente, para 
nos utilizarmos do primeiro exemplo deste capítulo, figuras 
tão díspares como a dor da saudade e uma fisgada no membro 
que já se perdeu"?), rpr^n^r^Ptig^ fjpp H P argurppnff^ ^^Ãõ vg?^ 
série de idéias menores, que comprovej j ia proporção '^As-
tente em campos diferentes^. 
^ Mesmo que alguns leigos possam sustentar o contrá-
rio, não existe em nossos foros dois processos, dois casos 
idênticos. Melhor para nós, operadores do Direito, pois se 
assim não fosse a inteligência humana seria dispensável 
4. Cf. Lógica jurídica, pp. 176 ss. 
5. " O que faz a originalidade da analogia e o que a distingue de uma 
identidade parcial, ou seja, da noção um tanto corriqueira de semelhança, é 
que em vez de ser uma relação de semelhança, ela é uma semelhança dc relação. 
E isso não é um mero trocadilho, pois o tipo mais puro da analogia se encon-
tra numa proporção matemática..." (CRAZALS, M. Apud PERELMAN, C. Tra-
tado, cit., p. 424). 
ARGUMENTO POR ANALOGIA 149 
dos procedimentos, uma vez que o computador ocuparia o 
lugar do homem no mero processamento de dados. 
A essência da analogia é a aproximação desses valores 
díspares, para que seja eficiente, persuasiva ao interlocutor 
a proporção que se pretende fixar.,Daí que a qualidadedes-
sa comparação de distintos importa muito mais que suy' 
quantiÜãde.y 
Quando tratamos, então, da citação da jurisprudência 
como argumento, temo-na por dois prismas diversos: se 
compreendida como persuasão ad verecundiam, como ex-
plicamos no momento oportuno, é muito valorosa que se-
jam, em uma argumentação, expostos vários julgados, de 
tribunais diversos, para demonstrar que u m julgado, que 
se elege como opinião de autoridade, tem apoio em po-
sicionamento de autoridades diversas. Busca-se então a 
idéia de unanimidade do posicionamento defendido, na 
mesma medida em que se persuade o julgador, qualquer 
que seja, que decidir de forma diversa seria ir contra uma 
maioria, o que nunca é recomendável, ao menos no senso 
comum. 
Entretanto, ainda que se possa firmar o entendimen-
to de que é relevante encarar o uso da jurisprudência como 
argumento de autoridade, o excesso de julgados recorta-
dos em um discurso judiciário (como se vê em petições que 
abusam do utilíssimo recurso de repertório de julga<jós 
armazenados em CD-ROM) raramente contribui para a 
persuasão. Em um auditório mais selecionado, sabe-se 
que o trabalho intenso do Poder Judiciário produz decisões 
em grande número, e então não é bem a quantidade que 
representa fator de convencimento no recorte da juris-
prudência. 
Ela persuade ppl.i nutoridnfin Hn órgão prolat^)- (tribu-
nal mais respeitado - como argumento de autoridade), gor 
sua atualidade e pela proximidade entre foro e tema, em que 
estas últimas caractensricas^ffltüfl/ídflde e proximidade) são 
,valores intrínsecos ao argumento por analogia.^ 
150 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 
Segue: valor e uso da jurisprudência 
Portanto, o melhor elemento do.uso da jurisprudência 
é o nível de proximidade entre foro e temcL. ou seja, entre o 
caso que se discute e a solução que a ele se pretende dar, 
refletida em u m acórdão paradigma, isso serve de alerta aos 
argumentantes mais afoitos, que muitas vozes constróem 
discursos escritos repletos de recortes de ementas, que pou-
co contribuem para a efetiva persuasão do destinatário. 
As ementas são resumíí do julgado, que geralmente vêm 
em letras em destaque, nos acórdãos dos tribunais. Permi-
tem, e bem, a pesquisa para o interessado, mas raras vezes 
são eficientes no discurso argumentativo em si, salvo em ca-
sos especiais. Em geral a ementa de julgado toma-se recurso 
persuasivo em dois casos diversos: quando o julgador é lei-
go e não se interessa por entender mais que o perfunctório 
necessário para sua decisão {no caso de questões eminen-
temente jurídicas no tribunal do júri) ou quando a questão é 
tão incontroversa que não merece, na coerência do discur-
so, maior aprofundamento, reservando-se então mais espa-
ço para temas de menor certeza ao interlocutor. 
Mas u m ponto discutível para aquele que usa a juris-
prudência é a questão de sua extensão. Se, pois, desacon-
selha-se o uso de meras ementas e recomenda-se grave-
mente a comprovação da estreita relação entre tema e foro, 
ou entre caso concreto e acórdão paradigma, entende-se 
que o julgado paradigma deva ser transcrito na íntegra, ou, 
ao menos, em longo trecho seu, para que se possa com-
preender a relação de paralelismo atinente a esse tipo de ar-
gumento. Essa idéia seria contraposta a uma grave

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