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Volume 16 - Número 3 - Julho/Setembro 2004 197 Insuflação Traqueal de Gás* Tracheal Gas Insufflation Andréa Diogo Sala1, José Otávio Costa Auler Júnior2. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: The technique called “tracheal gas insufflation” TGI is defined as a continuous or inter- mittent insufflation of fresh gas inside the central airways. The objective of this method is the improvement of alveolar ventila- tion and or reduction of airway pressures. After the introduction of the concept of lung protective strategy in ARDS patients, in the clinical practice, the data concerning TGI results may represent a useful association during mechanical ventilation in severe ARDS. Theoretically TGI allows to keep PaCO2 near normal during strategies of volume minute reduction. CONTENTS: This review of the literature has the purpose to examine the main articles published about TGI in an attempt to describe its technique, clinical application and to compare different modes related to its efficacy in CO2 reduction and interference in the volume and pressures of the respiratory system. Concerning TGI technique the data showed better results when TGI catheter is positioned one, two cm above carina, utilizing maximum gas flows of 6 L/min. The way of TGI applica- tion during respiratory cycle: continuous, inspiratory, total expiratory, initial of expiration, final of expiration, has been studied by several authors in an effort to safely introduce the method in the clinical practice. CONCLUSIONS: Doubts still remain related to the value of flow to be applied as well as the modality during respiratory cycle. Finally more studies are necessary to better define the best way to use this technique as a routine practice in ICU patients. Key Words: Tracheal Gas Insufflation; Alveolar Ventilation; Gas Exchange; Hypercapnia insuflação traqueal de gás (TGI – do inglês trache- al gas insufflation) consiste na insuflação contínua ou fásica de gás fresco nas vias aéreas centrais, para aumentar a eficiência da ventilação alveolar e/ou minimizar a necessidade de pressões ventilatórias1. A TGI facilita a eliminação do dióxido de carbono (CO2), mas também pode ter efeitos indesejáveis no volume corrente e pressões do sistema respiratório, dependendo do modo de ventilação e método de administração2, sendo que os estudos sobre TGI, principalmente com modelos pulmonares, têm o objetivo de avaliar estas alterações. Esta revisão de literatura se propõe a reunir os principais artigos publicados sobre a TGI, para descrever a técnica, suas aplicações, e comparar os modos de TGI com relação à sua eficácia na redução do CO2 e alterações de volumes e pressões no sistema respiratório. A revisão dos artigos publicados na literatura entre 1966 e 2004 (palavras-chave: tracheal and gas and insufflation) foi realizada por meio de pesquisa no site da BIREME (www.bi- reme.br), em Biblioteca Virtual em Saúde, no banco de dados MEDLINE (Literatura Internacional em Ciências da Saúde e Biomédica). Os benefícios da redução no espaço morto anatômico, para melhorar a ventilação, têm sido notados desde 1966, quando a traqueostomia foi empregada como tratamento para pacientes com grave enfisema pulmonar e insuficiência respiratória3. A TGI começou a ser estudada em 1969, quando Stre- semann e Sattler4 demonstraram em cães normais aneste- siados, que a lavagem expiratória do espaço morto proximal permitiu decrescer o volume minuto sem alteração na PaCO2. Outro estudo dos mesmos autores5 utilizando TGI, de forma contínua ou somente na expiração, em dois pacientes com in- suficiência respiratória, resultou em decréscimo na ventilação minuto sem efeito na PaCO2. Outros trabalhos aplicaram a insuflação traqueal de oxi- gênio em cães em apnéia tanto com pulmões saudáveis, quan- to com lesão por ácido oléico, conseguindo-se manter ade- quadas trocas gasosas; sugerindo que esta técnica pode ser útil para ventilação de emergência, mesmo quando o edema pulmonar ocorre após a reanimação6,7. A partir das estratégias de ventilação protetora em pacien- tes com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA)8, os estudos com TGI indicam que a sua associação à ventilação mecânica pode representar uma nova estratégia, permitindo decrescer o volume minuto, enquanto mantém a PaCO2 cons- tante9,10. TGI ASSOCIADA À VENTILAÇÃO MECÂNICA NA SARA A estratégia ventilatória protetora foi desenvolvida para diminuir as lesões pulmonares induzidas pela ventilação me- cânica convencional em pacientes com SARA. A proposta dos autores foi a manutenção da pressão positiva no final da A 1. Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Fisioterapeuta da Unidade de Apoio Cirúrgico da Disciplina de Anestesiologia da FMUSP e da UTI do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; Supervisora do Curso de Aprimoramento em Fisioterapia em UTI do HCFMUSP e do Curso de Especialização em Fisioterapia Hospitalar da USP 2. Professor Titular da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Diretor da Divisão de Anestesia e Unidade de Apoio Cirúrgico do Hospital das Clínicas da FMUSP; Diretor do Serviço de Anestesiologia e UTI Cirúrgica do Instituto do Coração – InCor-HC-FMUSP. * Trabalho realizado no Laboratório de Biofísica da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo Apresentado em 18 de agosto de 2004 - Aceito para publicação em 19 de outubro de 2004 Endereço para correspondência: Prof. Dr. José Otávio Costa Auler Júnior. - Serviço de Anestesia e Terapia Intensiva Cirúrgica, Instituto do Co- ração, HC-FMUSP. - Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, n° 44 - Cerqueira César - 05403-900 São Paulo, SP - Fone 0xx (11) 3069-5232 - E-mail: auler@hcnet.usp.br e andrea.sala@hcnet.usp.br RBTI / ARTIGO DE REVISÃO RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva198 expiração (PEEP) acima do ponto de inflexão inferior da cur- va pressão-volume, volume corrente inferior a 6 ml/kg, pres- são inspiratória menor do que 20 cmH2O acima da PEEP e hipercapnia permissiva8. Embora a hipercapnia permissiva seja bem tolerada, exis- tem alguns inconvenientes, como por exemplo na vigência de hipertensão intracraniana devido à elevação no fluxo sangüí- neo encefálico9; nos cardiopatas, pela ação direta do CO2 so- bre o coração e pela resposta do sistema nervoso autônomo; e em pacientes com insuficiência renal, devido à intensa vaso- constrição e diminuição no ritmo de filtração glomerular10. Belghith e col.11 propuseram a utilização da TGI, para substituir a remoção extracorpórea de CO2, em pacientes com SARA, onde a TGI pela remoção do CO2 aumentou a tolerância da ventilação limitada à pressão. Outros estudos12-17 associando TGI à técnica de hipercap- nia permissiva comprovam sua eficácia na redução da PaCO2 e na manutenção de um pH tolerável, permitindo maior redu- ção no volume minuto. Levy e col.18 empregaram a TGI em dois pacientes com SARA e hipertensão intracraniana, obtendo decréscimo na PaCO2 de 17% e 26%, respectivamente bem como redução na hipertensão intracraniana e aumento na pressão de perfusão cerebral calculada. MECANISMOS DE AÇÃO DA TGI Existem dois mecanismos principais responsáveis pela re- dução da PaCO2 durante a aplicação da TGI: o proximal, no qual o gás fresco introduzido próximo à carina principal, dilui o CO2 contido no espaço morto anatômico proximal à extremidade do cateter no final da expiração. O mecanismo proximal é o responsável pela maior redução do CO2 redu- zindo a concentração do CO2 re-inalado na inspiração subse- qüente. No mecanismo distal, a turbulência gerada pelo jato na extremidade do cateter, pode aumentar a mistura gasosa em regiões distais ao orifício, aumentando ainda mais a eli- minação de CO2 19. A diferença na PaCO2 entre a TGI aplicada com cateter direto e reverso, serve para quantificar quantoo mecanismo distal contribui para a redução do CO2, sendo este valor esti- mado em 22% a 29% da diminuição total do CO2 19-21. DIÂMETRO, POSIÇÃO E TIPOS DE CATETERES DE TGI O diâmetro do cateter não influencia na eficácia da TGI em decrescer o CO2, bem como não promove alterações sig- nificativas no volume corrente e nas variáveis de pressão22. A partir deste princípio, tem-se preconizado a utilização de cateteres com diâmetro interno (DI) variando entre 1,1 mm e 3 mm para a aplicação da TGI7,11-15,17,18,22-35. Está bem estabe- lecida na literatura a posição do cateter de TGI que confere maior eficácia à técnica. Nahum e col.22, Ravenscraft e col.29 e Nakos e col.31 observaram a maior redução na PaCO2 quan- do o cateter foi posicionado 1 cm acima da carina. Long e col.27 estudaram o posicionamento do cateter de TGI abaixo da carina (um cateter em cada brônquio fonte), comparando com o cateter 2 cm acima da carina, havendo tendência para a redução da PaCO2 ser maior quando o ca- teter foi posicionado abaixo da carina. Eckmann e Gavriely32 também testaram o cateter de TGI localizado abaixo da cari- na, porém de forma seletiva (em apenas um brônquio-fonte), o que resultou em redistribuição da ventilação entre os pul- mões, com o pulmão ipsilateral sendo relativamente hiper- ventilado, e o contralateral, relativamente hipoventilado. Nahum e col.20 ao posicionar o cateter da TGI entre um e dez cm acima da carina, concluíram, que para a turbulência jato-induzida contribuir para a eliminação do CO2, a zona de turbulência necessita estar localizada próxima à carina. Visto que a eficácia da TGI é maior quando a extremidade do cateter é situada próximo à carina, a maioria dos estudos com TGI tem sido realizada com o cateter um cm acima da carina7,15,17,23,24,30,33,35-38 ou dois cm acima da mesma11,13,18,34,39. Em relação à configuração do cateter, dois tipos têm sido mais estudados: o cateter direto (fluxo direcionado à carina) e o cateter reverso (fluxo direcionado às vias aéreas superio- res). Controvérsias ainda existem sobre a eficiência da TGI relacionada à direção do fluxo, porém o sistema reverso de aplicação da TGI evita danos potenciais à mucosa causados pelo jato direto, e elimina o aumento na PEEP causado pelo fluxo de TGI com cateter direto2. Nahum e col.19 compararam a TGI aplicada por meio do cateter direto e do reverso, observando menor PaCO2 e maior volume pulmonar expiratório final, com o cateter direto. Dolan e col.40 em trabalho experimental também encon- traram maior eficácia na redução da PaCO2 aplicando a TGI com o cateter direto quando comparado com o reverso, tanto antes quanto após lesão pulmonar com solução fisiológica. Outro estudo41, apenas com cães saudáveis, obteve o mesmo resultado. Ao contrário, Imanaka e col.42 não obtiveram diferenças significativas na redução da PaCO2 entre TGI com cateter direto ou reverso. Entretanto, o cateter com fluxo direto au- mentou a PEEP total. Delgado e col.25 compararam a TGI aplicada por meio de cateter direto, reverso e bidirecional (fluxos simultâneos em direção à carina e vias aéreas superiores) associada a válvula de alivio de pressão. Não observaram diferenças na redução da PaCO2 entre os tipos de cateter. A PEEP total aumentou com o cateter fluxo direto, ficou reduzida com o cateter rever- so e não se alterou com o cateter bidirecional, em relação à linha de base. FLUXOS DE TGI Os fluxos de TGI empregados na maioria dos estudos atingem no máximo 15 L/min, sendo que fluxos entre 1 e 4 L/ min mostram-se eficientes na redução da PaCO2, sem altera- ções na pressão de pico inspiratória (PIP) e pressão média das vias aéreas (Pmva)11. Fluxos de até 20 L/min podem produzir decréscimos adicionais na PaCO2 de modo fluxo-dependente, porém determinam elevação importante nas pressões das vias aéreas27. Quando comparados fluxos de 4 e 6 L/min de TGI contínuo, conseguiu-se reduções progressivas na PaCO2 e na relação VD/VT ao se elevar o fluxo para 6 L/min, permanecen- do constantes PIP e Pmva13,30. Aumentando progressivamente o fluxo do cateter até 10 L/min, ocorre redução na PaCO2 de modo fluxo-dependente, sem alterações na PIP29,34,36; embora o volume pulmonar29,36 e a auto-PEEP41 tendam a elevar-se com maior fluxo. RBTI / ARTIGO DE REVISÃO Volume 16 - Número 3 - Julho/Setembro 2004 199 A TGI contínua com fluxos de 4, 8 e 12 L/min, aumentou o volume corrente, PIP, pressão alveolar (PA) e auto-PEEP de modo fluxo-dependente43. Os mesmos fluxos de TGI expira- tória não alteraram a PIP, quando associados à PCV (venti- lação controlada a pressão), mas promoveram elevação na PIP e PEEP de modo fluxo-dependente quando associados à VCV (ventilação controlada a volume)44. Nahum e col.19 avaliaram a TGI contínua a fluxos de 5, 10 e 15 L/min, obtendo redução fluxo-dependente na PaCO2, e elevações na Pmva, pressão traqueal (Ptr) e volume pulmonar no final da expiração conforme aumento no fluxo do cateter, não havendo mudanças na PIP. Dolan e col.40 também compararam fluxos contínuos de 5, 10 e 15 L/min, encontrando reduções progressivamente menores na PaCO2 conforme aumento no fluxo da TGI. A TGI expiratória promoveu reduções progressivas no volume corrente com fluxos de 2, 5 e 10 L/min, sendo não significativa com fluxo de 15 L/min, enquanto a PaCO2 se manteve constante33. Em outro estudo quando a TGI foi liberada no final da expiração a fluxos de 2,5, 5, 10 e 15 L/min, ocorreu redução na PaCO2 de modo fluxo-dependente, com pequena diferença entre os fluxos, sem alterar a PIP38. MODOS DE APLICAÇÃO DA TGI Os modos de aplicação da TGI - contínua, inspiratória, expiratória total, bem como fluxos liberados no início da ex- piração, final da expiração - têm sido estudados por vários autores, para viabilizar sua aplicação clínica. A eficácia da TGI contínua na redução da PaCO2 e rela- ção VD/VT foi comprovada por estudos clínicos em pacientes com SARA11,13-15,18, lesão pulmonar aguda30, insuficiência res- piratória aguda de diversas etiologias29 e com doença pulmo- nar obstrutiva crônica (DPOC)31. Também foi comprovada por estudos experimentais em animais com pulmões saudá- veis22,28,32, com lesão pulmonar induzida por ácido oleico37 e lavagem com solução fisiológica2, com broncoespasmo indu- zido34 e tórax restritivo com edema pulmonar associado35. Imanaka e col.43 utilizando a TGI contínua em modelo pulmonar unicompartimental, observaram que particular- mente com tempos inspiratórios prolongados e altos fluxos de TGI, ocorreu elevação no volume corrente, no pico de pressão alveolar e de vias aéreas, e na auto-PEEP, sendo es- tes efeitos mais pronunciados quando a TGI foi associada a VCV do que a PCV. Na TGI contínua associada a PCV, uma vez que o fluxo inspiratório do ventilador retorna a zero, o fluxo da TGI resulta em aumento na pressão no sistema res- piratório acima da pressão inspiratória ajustada, principal- mente a tempos inspiratórios prolongados e altos fluxos do cateter41,43. Quando associada a VCV, aumentos no volume corrente e nas pressões no sistema, são atribuídas à soma do fluxo da TGI com o volume liberado pelo ventilador mecânico43. Vá- rios estudos13,37,43,44 preconizam a correção no volume corren- te do ventilador mecânico, quando associada a TGI contínua (TGI volume ajustado), subtraindo o volume gerado pelo ca- teter da TGI (fluxo da TGI em mL/s multiplicado pelo tempo inspiratório) do volume programado no ventilador. Aumentos na auto-PEEP promovidos pela TGI contí- nua1,2,22,28,36,37 refletem elevação na capacidade residual funcio- nal (CRF)21,22. Nahum e col.28 citam três potenciais razões para o desenvolvimento da auto-PEEP: momento da troca entre o fluxo da TGI e o gás dos pulmões; fluxo da TGI que retarda a expiração; e a presença do cateter aumentando a resistência expiratória, devido a redução do diâmetrodas vias aéreas. Por outro lado, quando a TGI ocorre seletivamente du- rante a inspiração, parte do volume corrente inspirado é de- corrente do fluxo liberado pelo cateter intratraqueal, ultra- passando o espaço morto proximal36. Burke e col.36 compararam a efetividade da TGI inspi- ratória com a TGI contínua, e no terço final da expiração; observaram que o fluxo no tempo inspiratório promoveu o menor decréscimo na PaCO2 e na relação VD/VT, melhorando sua eficácia com fluxos maiores (10 L/min). A eficácia da TGI expiratória foi comprovada em pacientes com SARA12, em animais submetidos a lesão pulmonar com ácido oléico24 e em animais com pulmões saudáveis23. No estudo de Nahum e col.24, foram examinados os efei- tos da TGI expiratória a fluxos de 10 L/min, não observando alterações no volume corrente, na complacência pulmonar nem no pico de pressão das vias aéreas, mesmo após lesão pulmonar. Neste estudo os decréscimos no espaço morto (VD) e na relação VD/VT resultantes da TGI foram significa- tivamente menores após a lesão pulmonar, mas a mudança absoluta na PaCO2 foi similar. Imanaka e col.44 observaram em seu estudo com mode- lo pulmonar mecânico, que a TGI expiratória associada a modalidade PCV não aumentou as pressões de pico alveolar nem de vias aéreas, embora a pressão alveolar no final da expiração aumentasse; quando associada a modalidade VCV. Neste trabalho a TGI expiratória elevou todas as pressões das vias aéreas. Em pacientes com SARA a TGI expiratória associada à técnica de hipercapnia permissiva mostrou uma redução de 30% na PaCO2, elevação no pH, aumento de 44% na PaO2 e redução de 24% no shunt pulmonar. Entretanto, estes poten- ciais efeitos benéficos foram associados a aumentos na pres- são de platô (PPLAT) e Pmva em 26% e 29% respectivamente, acarretando o potencial risco de barotrauma pulmonar5. Burke e col.36 consideram que duas condições devem ser encontradas para maximizar a efetividade da TGI expirató- ria. Primeiro, a deflação pulmonar deve estar encerrada re- lativamente precoce no período exalatório, permitindo tem- po necessário para o gás fresco ocupar a via aérea proximal antes do próximo ciclo respiratório. Segundo, o produto do fluxo do cateter pelo tempo de fluxo expiratório deve resul- tar em volume suficiente para substituir todo gás exalado no compartimento proximal à extremidade do cateter com gás fresco antes do próximo ciclo inspiratório. Já foi demonstrado previamente que a expiração é o seg- mento ativo do ciclo respiratório para a TGI, e que o efeito de lavagem do CO2 deve ocorrer principalmente na fase final da expiração36,38. Pelo estudo de Burke e col.36, a TGI liberada no terço final da expiração foi eficaz na redução da PaCO2. Este trabalho mostrou que a maior parte do fluxo produziu efeito de lava- gem do espaço morto anatômico, e pequena parte do mesmo participou como fluxo inspiratório, liberado durante o terço terminal da fase expiratória. RBTI / ARTIGO DE REVISÃO RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva200 Carter e col.39 avaliaram a TGI aplicada nos últimos 20%, 40%, 60% e 100% da expiração, observando que a PaCO2 de- cresceu progressivamente com o aumento da duração da TGI até 60%, mas não a 100% da expiração. Ravenscraft e col.38 compararam a TGI liberada no 1,2 s final da expiração com durações maiores (2,4 e 4,8 s), não encontrando diferença na eficácia da redução da PaCO2 ou relação VD/VT. Neste estudo o volume inspiratório e pressões nas vias aéreas permaneceram inalteradas. Compararam também a TGI liberada no início e no final expiração, de- monstrando maior eficácia da TGI no final da expiração na redução da PaCO2. Em modelo pulmonar foram avaliados os efeitos da TGI expiratória (associada a PCV e VCV) e TGI contínua com volume ajustado, nas pressões e volumes do sistema. Todos os modos de TGI testados aumentaram a PEEP de modo si- milar. A TGI expiratória em conjunto com PCV resultou em mínimas alterações nas pressões de pico alveolar e de vias aéreas. A TGI contínua com volume ajustado mostrou alte- rações similares nos volumes e pressões quando comparada a TGI expiratória com VCV, mas sua utilidade foi limitada devido à impossibilidade de ajustar os parâmetros do ventila- dor mecânico com altos fluxos de TGI e tempos inspiratórios prolongados44. Pelo estudo de Nahum e col.19, a TGI contínua foi supe- rior à expiratória (terço final da expiração) em termos de tro- cas gasosas, porém a pressão de pico nas vias aéreas durante a TGI expiratória foi significativamente menor que a obser- vada durante a TGI contínua. O volume pulmonar no final da expiração aumentou de forma fluxo-dependente apenas na TGI contínua. A TGI liberada ao final dos 60% do tempo expiratório obteve eficácia na redução da PaCO2. Esta redução não foi significativamente diferente da TGI expiratória total, porém limitou a exposição da traquéia ao fluxo da TGI, reduzindo potencial hiperinsuflação induzida pela TGI39. Embora sincronização de tempo seja requerida, a TGI expiratória representa refinamento técnico da sua variante contínua; mas até que questões com relação à segurança e efi- cácia sejam resolvidas, e as características operacionais pre- cisamente definidas, o uso clínico de qualquer modo de TGI deve ser considerado ainda como experimental45. CONCLUSÃO Os estudos comparando a eficácia da TGI durante toda a expiração com a TGI no final da expiração são controversos, ainda não sendo possível determinar qual a melhor forma de aplicação da técnica. Dúvidas também persistem em relação ao valor de fluxo a ser utilizado, não estando bem delimitado se os ganhos adicionais na redução do CO2 com elevações no fluxo da TGI compensam os aumentos nos volumes e pres- sões do sistema respiratório. Da mesma forma, questiona-se a eficácia da TGI expiratória (principalmente a TGI no final da expiração) quando há redução no tempo expiratório, e se há necessidade de utilizar fluxos maiores nesta situação. Muito embora haja crença na utilidade da TGI é necessá- ria a realização de mais estudos para que possa ser estabeleci- da a melhor forma de aplicação desta técnica, com o intuito de sua adoção rotineira nas unidades de terapia intensiva. LISTA DE SIGLAS Auto-PEEP pressão positiva no final da expiração in- trínseca CO2 dióxido de carbono CRF capacidade residual funcional DPOC doença pulmonar obstrutiva crônica PaCO2 pressão parcial de dióxido de carbono no san- gue arterial PA pressão alveolar PCV pressure control ventilation (ventilação con- trolada a pressão) PEEP positive end expiratory pressure (pressão posi- tiva no final da expiração) PIP pressão inspiratória de pico Pmva pressão média das vias aéreas PPLAT pressão de platô Ptr pressão traqueal SARA Síndrome da Angústia Respiratória Aguda TGI tracheal gas insufflation (insuflação traqueal de gás) VCV volume control ventilation (ventilação contro- lada a volume) VD espaço morto VD/VT relação espaço morto/volume corrente RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A insuflação tra- queal de gás (TGI – do inglês tracheal gas insufflation, consiste na insuflação contínua ou fásica de gás fresco nas vias aéreas centrais, para aumentar a eficiência da venti- lação alveolar e/ou minimizar o requerimento de pressões ventilatórias. A partir das estratégias de ventilação prote- tora em pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda, os estudos com TGI indicam que a sua associação à ventilação mecânica pode representar uma nova estraté- gia, permitindo durante o decréscimo do volume minuto, manter a PaCO2 constante. CONTEÚDO: Esta revisão de literatura se propõe a reunir os principais artigos publicados sobre a TGI, para descrever a técnica, suas aplicações, e comparar os modos de TGI com relação à sua eficácia na redução do CO2 e alterações de volumes e pressões no sistema respiratório.Com relação à técnica da TGI, os estudos demonstram maior eficácia da TGI quando se posiciona o cateter 1 a 2 cm acima da carina, com fluxos de até 6 L/min. Os modos de aplicação da TGI - contínua, inspiratória, expiratória total, início da expiração, final da expiração - têm sido es- tudados por vários autores, para viabilizar sua aplicação clínica. CONCLUSÕES: Dúvidas persistem em relação ao va- lor de fluxo a ser utilizado e qual o modo de aplicação é mais eficaz. Há necessidade de se realizar mais estudos para que possa ser estabelecida a melhor forma de aplica- ção da TGI, a fim de que esta técnica possa ser adotada como rotina nas unidades de terapia intensiva. Unitermos: Insuflação Traqueal de Gás; Ventilação Al- veolar; Troca Gasosa; Hipercapnia RBTI / ARTIGO DE REVISÃO Volume 16 - Número 3 - Julho/Setembro 2004 201 REFERÊNCIAS 01. Nahum A - Animal and lung model studies of tracheal gas insufflation. Respir Care, 2001;46:149-157. 02. Kirmse M, Fujino Y, Hromi J et al – Pressure-release tracheal gas insufflation reduces airway pressures in lung-injured sheep maintaining eucapnia. Am J Respir Crit Care Med, 1999;160:1462-1467. 03. Bruderman I, Alkalay I, Stein M et al - Tracheostomy for acute respiratory failure. Dis Chest, 1966;50:393-402. 04. 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