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SERVIÇO SOCIAL UTOPIA E REALIDADE Método BH

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SERVIÇO SOCIAL UTOPIA E REALIDADE: 
UMA VISÃO DA HISTÓRIA 
Maria Margarida Barbosa* 
A orientação profissional dos assistentes sociais tem sido estudada a partir de vários crité- rios, entre os quais a autonomia profissional, os objetivos profissionais, o compromis- so com o público ou com a instituição, as referências políticas e ideológicas de grupos 
profissionais. 
Mais uma vez este tema é abordado. Contudo, sua abordagem aqui é notória e singular. 
Trata-se de um estudo localizado, do qual Belo Horizonte é o cenário, e que tem por objetivo 
compreender a crise de identidade que o grupo profissional mineiro viveu na segunda metade 
da década de 70. 
Para isso, procurou-se fazer uma incursão na história da formação profissional desen- 
volvida na Escola de Belo Horizonte e nos locais onde os profissionais executavam o seu tra- 
balho.' 
Ao longo das duas últimas décadas, a literatura da produção teórica dos assistentes so- 
ciais faz apreender a existência de um distanciamento entre a teoria e a prática do serviço social, 
chegando mesmo a apontar para "o divórcio entre teoria e prática" (Wisshaupt, 1985, p. 45). 
E era essa mesma afirmação que começava a circular na Escola de Belo Horizonte entre os anos 
de 1969 e 1972, período em que a autora vivia ali o seu processo de formação. Porém, essa é 
uma questão que tem sua razão de ser. 
O movimento de reconceituação iniciado no contexto da sociedade chilena do final 
dos anos 60 inaugurava uma nova era para o Serviço Social. A busca de alternativas para uma 
ação que atendesse aos problemas específicos das sociedades latino-americanas levava os as- 
sistentes sociais a uma revisão de seus conceitos e de sua própria forma de interpretar a rea- 
lidade. Essa busca gerava uma tomada de consciência do papel profissional exercido tradicio- 
nalmente, através de suas "metas de assistência e promoção, tipicamente integradas ao sistema 
dominante". (Santos, 1982, p. 109) 
* Escola de Serviço Social da PUC-Minas. 
A Escola de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC*Minas é a única Escola de Serviço 
Social existente em Belo Horizonte e na região da Grande BH. Desse modo, o termo utilizado para designar esse esta- 
belecimento de ensino será sempre o mesmo: aEscola de Belo Horizonte, ou a Escola de Serviço Smhl de Belo Horizonte. 
Cad. sem. soe., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
Tal reconhecimento, que mudava a própria visão que os profissionais tinham da so- 
ciedade, abria, agora, a perspectiva de novos caminhos para a profissão. Desse modo, o caráter 
assistencial, assim como o compromisso ideológico com as classes dominantes, questões ine- 
rentes à clássica prática profissional, passavam a ser condenados. 
O questionamento da tradicional prática social e a formação de uma nova visão de 
mundo e de sociedade levaram a uma redefinição da profissão. O papel de educador político, 
os objetivos da ação, definidos por conscientização, organização e mobilização das classes po- 
pulares, conjugados ao novo conjunto teórico que fundamentava a formação e a ação dos novos 
assistentes sociais eram alguns dos componentes básicos que sustentavam o compromisso 
ideológico então assumido pela profissão. Naquele momento, partindo do princípio de que as 
instituições são aparelhos reprodutores do sistema, e como tal cristalizam os interesses das clas- 
ses dominantes, as comunidades passavam a ser o campo preferencial de exercício da prática. 
Era como se as comunidades estivessem resguardadas de qualquer influência ideológica. (San- 
tos, 1982, p. 107-1 13) 
Pautada pela nova concepção de profissão, e fundamentada nesse conjunto teórico- 
prático, a formação de profissionais comprometidos com uma prática político-ideológica que 
levasse à transformação da sociedade passava a ser a espinha dorsal dos cursos de Serviço So- 
cial. Mas essa formação, apenas política, não encontrava a correspondente demanda da socie- 
dade. Pois a prática profissional continuava a ser exercida no interior das instituições. 
Nesse contexto, os novos assistentes sociais sentiam-se, no mínimo, traídos. Convic- 
tos de seus objetivos profissionais, de um compromisso com as classes populares, e imbuídos 
do princípio de que as instituições são aparelhos reprodutores da ideologia dominante, não con- 
seguiam, fatalmente, reconhecer a sua própria prática. Daí os questionamentos referentes a uma 
dicotomia, ou divórcio, entre teoria e prática, persistentemente encontrado no discurso pro- 
fissional de uma determinada época. 
Ora, na Escola de Serviço Social de Belo Horizonte, esse era o ponto central dos ques- 
tionamentos e debates entre alunos e profissionais de campo na segunda metade dos anos 70. 
E sua razão de ser estava, naturalmente, no modelo de formação profissional ali iniciado a partir 
de 1970, com a inserção da Escola no Movimento de Reconceituação latino-americano que en- 
tão começava. 
Para a Escola de Belo Horizonte, tinha início naquele momento uma fase de intensa 
busca. Os documentos produzidos pelo grupo chileno que encabeçava o movimento eram sis- 
tematicamente estudados, discutidos e tidos como novas fontes teóricas. Nessa busca constan- 
te, o corpo de professores decidiu pela avaliação do processo de formação da Escola até então. 
E, a partir dessa avaliação, elaborou-se uma estrutura curricular que, implantada em 197 1, mu- 
dou radicalmente todo o processo de ensino. Nessa reorganização estava, também, a semente 
que iria produzir o Método BH. E o contexto da Escola se modificava na mesma medida em que 
avançava a implantação da nova estrutura curricular, e o Método BH era implantado em campo 
experimental. 
A estrutura curricular que passava a vigorar então, fundamentada nos princípios e di- 
retrizes do movimento de reconceituação, conduzia o ensino para a formação de profissionais 
comprometidos com uma única opção político-ideológica: aquela que levaria os novos assis- 
tentes sociais a assumirem um compromisso com o processo de educação política das classes 
populares e a transformação da sociedade. 
Mas, se essa era aprincipal diretriz da formação profissional, o contexto da práticaper- 
manecia o mesmo. O mundo institucional continuava solicitando assistentes sociais que exe- 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
cutasse, ali, a sua tradicional prática: o caso, o grupo, acomunidade, num processo de adaptação 
e ajustamento dos indivíduos à sociedade. Permanecia, portanto, aexistência de um compromis- 
so com a ideologia das classes dominantes. Esse quadro torna-se ainda mais complexo quando 
se observa que durante os anos 70 a sociedade brasileira vivia uma de suas fases mais difíceis, 
sob as diretrizes do regime militar que então dominava o País. 
Situação bastante complexa, também, vivia a Escola de Belo Horizonte naquele perío- 
do. O contexto da formação profissional, de um lado, e, de outro, a realidade da prática profis- 
sional, inseridos na conjuntura da sociedade brasileira, acabaram por gerar uma crise que, já no 
final de 1975, põe termo ao modelo de formação que vinha se desenvolvendo. Daí a nova re- 
estruturação de todo o processo de ensino a partir de 1976. 
Diante da complexidade desse contexto, e sabendo da trajetória histórica vivida pelo 
coletivo da Escola na década de 70, é que se pretende, neste estudo, buscar as questões mani- 
festas e subjacentes que permitam a compreensão e a explicação dos fatos. Entende-se que só 
assim serão encontradas as possíveis respostas para os momentos de transformação e crise que 
viveram essa profissão e os seus profissionais em Belo Horizonte. 
Para dar conta dessa tarefa é que se fez a opção pelo estudo de casos como método de 
pesquisa a ser utilizado. Sendo assim, o eixo central deste estudo é o processo de formação pro- 
fissional da Escola de Serviço Social de Belo Horizonte, numperíodo que vai de 1970 a 1975. 
Sabe-se que nenhum fato ocorre isolado de um determinado contexto. O que se acre- 
dita é que todo fato é sempre o resultado de umconjunto de forças influentes e geradoras de todo 
o movimento da sociedade. Exatamente por isso, é necessário buscar as forças predominantes 
na conjuntura do País e em Minas Gerais de modo particular. Entende-se que só assim haverá 27 
como explicar as situações de crise e as transformações que viveu a profissão em Belo Hori- 
zonte. 
Se Belo Horizonte forma o cenário desta pesquisa, sabe-se que esta cidade é o centro 
administrativo e político do Estado mineiro. Sabe-se, também, que Minas, e Belo Horizonte de 
modo especial, constitui o centro dos interesses e das necessidades do desenvolvimento e da 
acumulação da riqueza do País em alguns momentos específicos. Para isso, entretanto, é neces- 
sário retornar, mesmo que superficialmente, ao início dos anos 30. 
Estudos já realizados mostram que a década de 30 marca o primeiro grande surto in- 
dustrializante do País. O acelerado processo de desenvolvimento que marca a passagem de uma 
sociedade agrícola para uma sociedade urbano-industrial provoca uma série de mudanças em 
todos os segmentos da sociedade e a lenta organização da burguesia industrial, enquanto classe 
dominante, deixa indefinido o pólo hegemônico. Ao mesmo tempo, o acelerado crescimento 
industrial provoca igual processo de urbanização e, conseqüentemente, o reaparecimento dos 
movimentos reivindicatórios da classe operária. 
Nesse contexto era urgente a recomposição dos "padrões de dominação da sociedade'' 
(Ianni, 1975, p. 1 1). E, entre as estratégias políticas elaboradas para dar conta dessa tarefa, es- 
tava o estabelecimento de alianças com as grandes organizações que tivessem condição de con- 
trolar os movimentos populares. Entre estas, estava a Igreja, que, necessitando reaver a influên- 
cia anteriormente perdida sobre a sociedade, vinha reorganizando seu trabalho de ação social. 
No contexto da sociedade industrial que nascia, crescia substancialmente o número de 
entidades católicas destinadas a responder às necessidades sociais emergentes. Desse modo, a 
Igreja passou a reivindicar mais enfaticamente as prerrogativas então perdidas. A conjugação 
desses fatores proporcionou a reaproximação entre Igrejae Estado, fazendo surgir a correlação 
de forças necessárias à consolidação da nova sociedade. 
Cad. sem. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
Dessa aliança vão surgindo as primeiras escolas de Serviço Social no País, a partir de 
1936. E, entre elas, a de Belo Horizonte. Criadaem 1946 sob os auspícios da Igreja, e fundamen- 
tada na sua Doutrina Social, a Escola de Belo Horizonte surge, também, num momento espe- 
cífico da conjuntura do País e, de modo particular, do Estado de Minas Gerais. 
O surto industrial desenvolvimentista iniciado em 1930 chegou ao final da década ne- 
cessitando consolidar o poder da nova classe dominante: a burguesia industrial. Entretanto, era 
necessário sufocar os movimentos populares que cresciam paralelamente. Esses fatos levaram 
os grupos dominantes a "armarem o Estado de poderes excepcionais" (Carone, 1977, p. 253). 
Assim, apoiado pelas Forças Armadas, Governadores de Estado e Igreja, um golpe de Estado 
em 1937 faz iniciar uma nova fase da história do País: o Estado Novo. 
O novo sistema político que então se instala, fiel ao ideário nacional desenvolvimentista, 
aciona seus mecanismos de repressão. Desse modo, a ditadura civil recém-iniciada se consolida 
no poder e põe fim aos movimentos populares, levando à clandestinidade os partidos de opo- 
sição. 
Sabe-se, porém, que a Segunda Grande Guerra, entre 1939 e 1945, deixa suamarca em 
todos os países do mundo. O Brasil, naturalmente, não está isento dessa influência. E sendo as- 
sim, a partir de 1942, quando a nação norte-americana se declara em guerra contra as Nações 
do Eixo, começam a surgir no Brasil os primeiros movimentos populares do Estado Novo. A 
União Nacional dos Estudantes - UNE inicia um movimento de protesto que vai, muito lenta- 
mente, ganhando as ruas. Sendo o único movimento "tolerado pelo Estado Novo" (Carone, 
1977, p. 293), a UNE começa a receber sob as suas asas as forças populares e os grupos de opo- 28 sição na clandestinidade. Desse modo, o movimento cresce, ganhando uma força cada vez 
maior e se tornando o grande representante dos anseios da nação. 
Ao mesmo tempo em que cresce o movimento popular, algumas decisões políticas to- 
madas pelo ditador acabam por provocar a divisão e a deterioração das forças de sustentação 
do poder. O quadro, que começava a se modificar internamente, começava, também, a sofrer 
pressões internacionais. Assim, na mesma medida em que a situação interna do País se mo- 
dificava, ia também crescendo a pressão norte-americana sobre o governo brasileiro, exigindo 
a redemocratização do País e a sua definição frente ao conflito mundial, em favor das Nações 
Aliadas. 
É, portanto, enfrentando os conflitos internos e as pressões internacionais que o gover- 
no brasileiro chega em 1945, tendo adotado algumas medidas de abertura política, e aceitando 
o reconhecimento diplomático da União Soviética. Além disso, foram marcadas as eleições pre- 
sidenciais para dezembro desse mesmo ano. Porém, as questões políticas e sociais são somadas 
à situação econômica do País naquele período. 
O processo de industrialização iniciado em 1930 cresce aceleradamente no decorrer 
da década. Apesar disso, ele não é acompanhado danecessária diversificação setorial e de igual 
mudança na estrutura de produção. O setor econômico, que conserva as tradicionais formas de 
produção, chega, assim, ao período da guerra com sérias dificuldades. E, durante a guerra, en- 
contra dificuldades ainda maiores. Porém, contraditoriamente, é o próprio contexto de guerra 
que vai exigir algumas modificações no quadro econômico do País. 
A necessidade do minério de ferro para a sustentação do conflito bélico e as pressões 
internacionais levam o governo brasileiro a acelerar o seu plano siderúrgico e a produção do fer- 
ro e do aço. Entretanto, a implantação da siderurgia necessitava de um capital complementar. 
Por isso, em 194 1 é assinado um contrato com o governo norte-americano, que dá origem a uma 
série de acordos então celebrados entre brasileiros, americanos e ingleses. Através desses acor- 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
dos, e com a declaração do estado de guerra do Brasil contra as Nações do Eixo em 1942, o go- 
verno "toma conta das jazidas (de ferro) alemãs, e o controle das melhores zonas (de siderur- 
gia) retorna ao Brasil". (Carone, 1977, p. 297) 
Ora, toda essa riqueza mineral estava situada na região central do Estado de Minas Ge- 
rais e, desse modo, "importantes projetos na área de mineração e metalurgia foram definidos 
para Minas no início dos anos 1940" (Diniz, 1981, p. 55). Em decorrência da implantação das 
primeiras indústrias de extração mineral começaram a surgir, nessa mesma região, novas em- 
presas de produção do ferro e do aço. Os programas governamentais destinados a Minas Gerais, 
motivados pelos interesses internacionais de sustentação da guerra, vão não só beneficiar o Es- 
tado mas, também, dar um novo alento aos mineiros. 
Considerando o atraso em que se encontrava a economia do Estado, os mineiros vi- 
nham, há anos, elaborando um plano de desenvolvimento industrial que pudesse tirar sua eco- 
nomia da estagnação. A intenção era fazer de Minas um novo pólo industrial no País, tendo Belo 
Horizonte como centro econômico. Parte desse plano consistia em construir um centro indus- 
trial equipado, com a infra-estrutura necessária para a criação de indústrias. E as primeiras ini- 
ciativas para a construção desse centro foram tomadas em 1941, com o lançamento da Cidade 
Industrial de Contagem.A criação de empresas de mineração e metalurgiana região central do Estado e o início 
da construção da Cidade Industrial geram uma certa movimentação da população mineira. E 
Belo Horizonte é, naturalmente, o grande centro de atração. 
Alguns estudos realizados sobre esse período mostram a preocupação dos poderes pú- 
blicos em desfavelar determinadas áreas urbanas, transferindo favelas inteiras para outros lo- 29 
cais. Ao mesmo tempo, novas favelas começam a surgir, em decorrência da migração rural mo- 
tivada pelas possibilidades de emprego que se abriam. 
Era esse o contexto da sociedade brasileira e, de modo particular, o que ocorria em Be- 
lo Horizonte na fase que precedeu a criação da Escola de Serviço Social em 1946. A partir daí, 
a Escola segue pautada pela Doutrina Social da Igreja e pela literatura específica produzida na 
sociedade norte-americana. 
Se a Escola de Belo Horizonte se direciona pelos mesmos fundamentos da profissão 
nas demais escolas do País, a chegada dos anos 60 traz consigo um novo período para a socie- 
dade brasileira. E a fase que aí se inaugura é fundamental para entender toda a situação vivida 
pela Escola e pelos profissionais de Belo Horizonte na primeira metade da década posterior. 
O contexto de crise política e econôrnica que viveu a sociedade entre 196 1 e 1964 mar- 
ca o momento de redefinição do modelo de produção e acumulação da riqueza do País. O pe- 
ríodo nacional desenvolvimentista esgotara-se ao longo da década anterior e inaugurava uma 
fase pautada pelas diretrizes financeiras e tecnológicas ditadas pelo grande capital estrangeiro. 
E o Estado, o grande sustentador da burguesia nacional, começava a agir em benefício dos gru- 
pos transnacionais. Ameaçada pelo distanciamento do Estado, a burguesia nacional começara 
a se organizar, criando suas próprias formas de proteção e de resistência às mudanças políticas 
e econômicas. 
Para governar um país que exigia mudanças substanciais, o presidente que assume em 
196 1 - João Goulart - levava consigo um plano de governo respaldado pelas diretrizes da po- 
lítica populista que predominava no País desde os anos 30. Uma vez instalado o novo governo, 
a intenção era conjugar o seu plano de governo com a criação das condições exigidas pela nova 
fase de expansão. Porém, adificuldade de conjugar planos e interesses antagônicos não só torna 
inviável a política adotada como, também, faz acelerar o processo inflacionário iniciado no go- 
Cad. sem. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
verno anterior. Nesse contexto, a grande massa trabalhadora formada por camponeses e operá- 
rios começa a se organizar em defesa de seus interesses e vai ganhando "força política por sua 
organização, conscientização e atividade". (Ianni, 198 1, p. 194) 
O quadro fica ainda mais complicado quando se instala a crise econômica. E, com ela, 
a crise do Estado burguês. Assim, o poder burguês se deteriora na mesma proporção em que 
cresce o poder político dos operários e camponeses. Nesse contexto, se organiza então "o novo 
bloco no poder" (Ianni, 198 1, p. 195), na medida em se que unificam a burguesia nacional e es- 
trangeira, contando com o apoio e a participação "de setores da classe média, da Igreja, latifun- 
diários, militares, policiais e o imperialismo". (Ianni, 1981, p. 195) 
Desse modo, se organiza o bloco dominante que, sob o comando das forças e das pres- 
sões do capital internacional, articula cuidadosamente o golpe de Estado de março de 1964. O 
golpe, que se efetivou pela destituição do Presidente da República "eleito constitucionalmente 
e governando constitucional mente^' (Ianni, 198 1, p. 146), passa aos militares o poder de dirigir 
a Nação. 
O poder militar que se instalou naquele momento chegou com o compromisso de exe- 
cutar "um programa de reformas destinadas aremover os obstáculos àexpansão do capitalismo 
no País e a viabilizar a plena configuração do modelo de desenvolvimento esboçado na segunda 
metade da década passada". (Cruz et al., 1983, p. 28) 
Como forma de assegurar o cumprimento da sua missão, o comando militar que aca- 
bava de assumir o poder faz divulgar o ato institucional de 9 de abril de 1964. Com apublicação 
desse ato, fica instalada a ditadura militar e tem início um período de prisão, suspensão de di- 
reitos e exílio de um grande número de intelectuais e políticos, além das lideranças estudantis, 
operárias, camponesas e sindicais. A partir daí, o País passa a ser governado por decretos, emen- 
das, leis complementares e novos atos institucionais. 
Em 1967, as forças no poder necessitavam de uma reorganização. A movimentação 
necessária à recomposição do pólo dominante trouxe como conseqüência o aparecimento de 
grupos de oposição dentro do próprio bloco no poder e criou as condições necessárias para o 
aparecimento do movimento estudantil logo no início de 1968. Esse fato, conjugado comvários 
outros já existentes, fez eclodir nas principais cidades do País os primeiros movimentos ope- 
rários de grande vulto do período militar. Para conter a fase de insatisfação e protesto que amea- 
çava se expandir pelo País, o governo militar editou em dezembro de 1968 o Ato Institucional 
n. 5. 
O ato institucional então promulgado conferia poderes excepcionais ao Presidente da 
República, que passava a ter o controle absoluto do Estado. É, na verdade, "uma espécie de se- 
gundo golpe de Estado, ou um golpe dentro do golpe" (Ianni, 1983, p. 158). Com esse endure- 
cimento do regime, o Governo põe em recesso o Congresso Nacional e faz abater sobre o País 
um longo período de repressão. Nesse mesmo período, cresce rapidamente o número de atos 
institucionais e decretos-lei. Entre estes, o de janeiro de 1969 estava voltado especialmente para 
os estabelecimentos de ensino: era o 477. 
A ditadura militar segue, assim, controlando todo e qualquer surgimento da sociedade, 
ao mesmo tempo em que difundia a ideologia do desenvolvimento e do progresso do País. Nesse 
contexto de autoritarismo e arbitrariedade, de repressão e policiamento ideológico, a sociedade 
brasileira faz a sua passagem para os anos 70 e prossegue rumo à década posterior. 
Se essas são as grandes questões que marcam a conjuntura do País nos anos 60, sabe- 
mos que dois eventos importantes para o Serviço Social foram realizados nesse período: o Se- 
minário latino-americano de Porto Alegre, em 1965, e o Seminário de Araxá, em 1967. 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
O primeiro reuniu assistentes sociais dos países do cone sul interessados em buscar al- 
ternativas próprias para a profissão no continente e o segundo reuniu assistentes sociais brasi- 
leiros que elaboravam as principais diretrizes para a profissão no País. Ambos, porém, realiza- 
dos no Brasil. E, se nesse período as sociedades latino-americanas eram sustentadas pelo ideá- 
rio desenvolvimentista, a sociedade brasileira vivia um momento muito próprio desse contexto. 
Essa conjuntura exerce, evidentemente, influência decisiva sobre os eventos e os documentos 
que ali tiveram sua origem. 
Desses eventos, sabe-se que o Seminário de Araxá tem um significado especial para 
a profissão. O documento ali elaborado, publicado e difundido por toda América Latina, repre- 
senta, segundo alguns autores, um importante momento para o grupo iniciador do movimento 
que posteriormente recebeu o nome de Reconceituação. Esse mesmo documento (de Araxá) 
passa, então, a ser adotado pelas escolas de Serviço Social brasileiras. E, entre elas, naturalmen- 
te, está a Escola de Belo Horizonte, onde o referido documento passava a ser fundamental para 
o ensino. 
É, portanto, sob as diretrizes do documento de Araxá, fundamentado pelo ideário de- 
senvolvimentista da ditadura militar que dominava a sociedade brasileira naquele momento, 
que a Escola de Belo Horizonte assume, já nos anos 70 e 7 1, as definiçõesteórico-práticas que 
começavam a ser difundidas pelo Movimento de Reconceituação, assim como vinha aconte- 
cendo na sociedade chilena. 
Inicia-se então um período em que a Escola mineira vive uma situação peculiar. Sob 
o rígido controle de uma ditadura militar, pautada pelas diretrizes desenvolvimentistas ditadas 
pelo capital internacional, a Escola assume o referencial de uma formação teórico-prática, ela- 
borado no contexto da democracia cristã que dominava a sociedade chilena naquele momento. 
A situação, sem dúvida, é bastante complexa por si só. Porém, fica ainda mais complicada, se 
procuramos saber o que acontecia em Belo Horizonte durante esse mesmo período. 
O ciclo de desenvolvimento industrial inaugurado com o golpe de 64 chega aos anos 
70 exigindo um redirecionamento. Naquele momento, a ampliação de mercado e a incorpora- 
ção de novos recursos naturais são fatores imprescindíveis para o capital nacional. No nível in- 
ternacional, o movimento de capitais e o momento que vivia o processo de acumulação da ri- 
queza exigiam mudanças substanciais no processo de expansão e apropriação. 
A conjugação desses fatores nacionais e internacionais apontava, naquele momento, 
para uma "certa tendência à alteração da divisão internacional do trabalho em relação à indús- 
tria, através da diversificação da estrutura industrial brasileira, com a expansão da indústria de 
bens de capital e química" (Diniz, 198 1, p. 183). Para atender às exigências dessa fase, era ne- 
cessário promover a descentralização industrial do País. Mas era imprescindível que isso ocor- 
resse na mesma macrorregião nacional que já possuía a concentração do capital: o centro-sul. 
Nesse momento, o Estado de Minas Gerais aparece, no cenário nacional, como o local que ofe- 
recia as melhores condições. 
Finalmente, o sonho que os mineiros acalentavam há anos começava agora a concre- 
tizar-se. A política de incentivos fiscais e a construção de uma completa infra-estrutura indus- 
trial em Belo Horizonte, na região central do Estado, ofereciam todas as condições necessárias 
para a implementação da nova fase industrializante do País. Desse modo, na primeira metade 
dos anos 70, grande número de projetos industriais são definidos para Minas Gerais, sendo a 
maioria instalada na sua região central. A partir daí, o Estado de Minas e, de modo especial, sua 
região central começam a se transformar "no verdadeiro paraíso das multinacionais". (Diniz, 
1981, p. 208) 
Cad. sem. soe., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
A primeira vista, parece que o desenvolvimento econômico voltado para Minas Gerais 
naquele momento nada tem a ver com o Serviço Social e a formação dos assistentes sociais. Po- 
rém, o pressuposto é que a conjuntura do País, determinada pela união das forças necessárias 
ao redirecionamento do capital nacional e internacional, associada aos interesses políticos e 
econômicos que fariam de Belo Horizonte o novo centro industrial do País, forma um conjunto 
de forças opostas ao tipo de formação profissional oferecida pela Escola naquele momento. Isso 
vai, naturalmente, levar ao contexto de crise vivido em 1975. 
Partindo do pressuposto da existência de um antagonismo entre os objetivos da ação 
apreendidos durante o processo de formação e os objetivos da ação implementada no interior 
das instituições durante aquele período, este trabalho esteve voltado, inicialmente, para o estu- 
do dos documentos e programas de ensino encontrados nos arquivos da Escola. A partir daí, fi- 
zeram-se o levantamento e o estudo da bibliografia de Serviço Social que fundamentava aestru- 
tura curricular que dava sustentação ao processo de formação. Os dados empíricos e a recons- 
trução dos fatos históricos só foram possíveis a partir das entrevistas realizadas com profissio- 
nais de campo, alunos, supervisores e diretores que viveram os vários momentos de construção, 
crise e reconstrução da Escola naquele período. 
Sendo este um estudo histórico, sua estrutura geral foi definida a partir dos momentos 
de transformação que viveu a Escola, e que iam tomando forma à medida que o trabalho avan- 
çava e os movimentos, as influências e pressões de cada fase iam ficando claros. Desse modo, 
sua divisão e subdivisão comportam as diferentes fases, influências e movimentos que viveu, 
32 então, o coletivo da Escola. A medida que o estudo avançava, percebia-se a presença constante de uma grande personagem - uma personalidade que, mesmo ausente, estava, também, presen- 
te: o professor Paulo Freire. 
O estudo da literatura específica de Serviço Social, referente ao período do movimento 
de reconceituação, mostrava que os textos vinham sempre impregnados pelas idéias de Paulo 
Freire publicadas até então. Se alguns desses textos estavamlimitados acitações e à apropriação 
de conceitos definidos pelo autor, outros traziam o estudo detalhado do seu método de educação 
e conscientização, apresentando as formas e as possibilidades de sua aplicação na prática dos 
assistentes sociais. 
A questão observada na literatura específica dessa fase foi reforçada com o estudo dos 
programas de ensino da primeira metade dos anos 70. Todas as disciplinas de Serviço Social, 
teóricas e práticas, tinham nos textos de Freire o principal suporte bibliográfico. 
Ora, se tudo apontava para uma grande influência desse educador brasileiro sobre o 
Serviço Social naquele momento, era necessário buscar as possíveis relações que possibilita- 
ram essa influência. E, para isso, além dos textos publicados nesse período, foi também utili- 
zada uma entrevista exclusiva, onde o próprio Paulo Freire fala dos laços que o prendiam às as- 
sistentes sociais brasileiras e chilenas naquele momento, além da mútua influência exercidaen- 
tre o educador e aqueles profissionais. 
É exatamente o que se apresenta no primeiro capítulo: o Movimento de Reconceitua@io 
do Serviço Social na América Latina e a influência de Paulo Freire. Este estudo nos permitiu 
entender o modelo de formação profissional implantado a partir de 1970 - eixo do debate de- 
senvolvido no segundo capítulo - que culminou com o momento em 1975. A crise que exigiu 
um novo redirecionamento da formação dos assistentes sociais a partir de 1976, tema central 
do terceiro capítulo que compõe este estudo. 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out: 1997 
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL 
As origens 
Os anos 60 marcaram para a Escola de Belo Horizonte um período de mudanças na for- 
mação que oferecia aos assistentes sociais. A segunda metade dessa mesma década é marcada 
pelo início do Movimento de Reconceituação do Serviço Social, que vai definir novas diretrizes 
para toda uma categoria de profissionais na América Latina. 
A conjuntura das sociedades latino-americanas e a relação desses países no contexto 
da política internacional levamos assistentes sociais a iniciarem um processo de revisão de seus 
objetivos profissionais. Era um processo que iria desencadear novas perspectivas de trabalho 
e criar formas de pensar para os futuros profissionais. 
O Movimento de Reconceituação, que tem suas primeiras idéias gestadas e difundidas 
pelos assistentes sociais chilenos, brasileiros, argentinos e uruguaios a partir de 1965, vai, nos 
anos posteriores, expandir-se pelos demais países do continente. Porém, é na conjuntura po- 
lítica da sociedade chilena, no período que vai de 1968 a 1972, que a Reconceituação aparece 
de forma mais enfática, apontando novas diretrizes para o trabalho dos Assistentes Sociais na 
América Latina. 
Para melhor situar historicamente o Movimento de Reconceituação, é necessário bus- 
car no ano de 1965 o Primeiro Seminário Latino-Americano de Serviço Social, realizado na ci- 
dade brasileira de Porto Alegre. 
Com o tema "Serviço Social frente às mudanças sociais na América Latina", o Semi- 
nário tinha como eixocentral o estudo dos aspectos referentes àrealidade política e social vivida 3 3 
pelos países do continente. A conjuntura política e o precário desenvolvimento econômico des- 
sas sociedades se configuravam como as principais causas do seu estado de pobreza, bem como 
dos problemas vividos por essa população. A força de programas sociais para o desenvol- 
vimento do terceiro mundo era a solução encontrada para tirar da miséria a grande massa dapo- 
pulação do continente. E os assistentes sociais eram conclarnados a participarem ativamente do 
processo de desenvolvimento dessas sociedades. Para isso, entretanto, é necessário que o Ser- 
viço Social encontre seu próprio caminho, procurando desvencilhar-se da influência estrangei- 
ra - européia e norte-americana - para encontrar as soluções próprias para a realidade conti- 
nental. Entre as conclusões do evento, uma das principais propostas para os profissionais era 
a de "atuar sobre as causas dos problemas sociais". (Ander-Egg, 1975, p. 406) 
A partir de Porto Alegre, foram realizados novos seminários num total de seis eventos 
até 1972, sempre nos países do sul do continente: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Bolívia. 
A preocupação básica era sempre a mesma: a busca de um Serviço Social próprio para os países 
da América Latina. Os profissionais então envolvidos começavam um processo de busca dentro 
da realidade específica de seu próprio país. Era a tentativa de encontrar alternativas que pu- 
dessem atender à necessidade de uma única proposta de ação para o Serviço Social no con- 
tinente. E foi como parte do compromisso então assumido que os profissionais brasileiros fize- 
ram realizar o Seminário de Araxá. 
O encontro realizado em março de 1967, na cidade mineira de Araxá, estava centra- 
lizado no empenho dos profissionais brasileiros em formular uma "síntese dos componentes 
universais, dos elementos de especificidade (do Serviço Social) ao contexto econômico-social 
da realidade brasileira". (Documento de Araxá, 1967, p. 9) 
O relatório contendo as conclusões do Seminário de Araxá, publicado e divulgado co- 
mo Documento de Araxá, teve uma significação especial dentro do Movimento de Reconcei- 
Cad. sem. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
tuação, o que ocorre a partir do instante mesmo em que era redigido e publicado. Segundo al- 
guns autores, é esse documento que marca o momento preciso da subdivisão das idéias iniciais 
do Movimento de Reconceituação e dá origem a "um salto essencialmente qualitativo no que 
diz respeito às idéias desenvolvimentistas~' (Ander-Egg, 1975, p. 270) que até então serviam 
de suporte para a ação dos assistentes sociais. 
Entre os seminários realizados no período que vai de 1965 a 1972 nos países do sul do 
continente, é importante ressaltar o IV Seminário, realizado em 1969, na cidade de Concep- 
ción, no Chile. Tal seminário, realizado no contexto de uma sociedade que vivia sob as diretri- 
zes políticas de um governo democrata-cristão, abordava quatro grandes temas com seus res- 
pectivos sub-temas. Esses grandes temas centrais - alienação e práxis do Serviço Social; novos 
instrumentos do Serviço Social; novas idéias para o marco conceitual do Serviço Social, e Ser- 
viço Social em perspectiva- deram origem aos assuntos abordados nas conferências realizadas 
no evento. 
Dessas conferências, têm grande significado aquelas que foram proferidas dentro do 
terceiro grande tema do Seminário: novas idéias para o marco de referência conceitual do Ser- 
viço Social. Os assuntos tratados - "o conceito dè cultura da pobreza e o Serviço Social, a teo- 
logia pós-conciliar e o Serviço Social, marxismo e Serviço Social" (Ander-Egg, 1975, p. 41 1) 
-eram apresentados por assistentes sociais chilenos. O Seminário, que conta com um número 
significativo de profissionais e estudantes chilenos na exposição de seu temário, tem no encer- 
ramento a participação do argentino Ander-Egg, que fala sobre a Revolução Latino-Americana 
e o Serviço Social. 
Era o encontro que inaugurava uma nova fase para o Movimento de Reconceituação. 
Os questionamentos e as idéias elaboradas pelos assistentes sociais chilenos refletiam o con- 
texto político que vivia aquela sociedade no final dos anos 60, quando a conjuntura do País ofe- 
recia aos profissionais condições provocadoras de um novo tipo de prática social. A necessida- 
de de contribuir, dentro das circunstâncias vividas pela nação, levada os assistentes sociais à 
elaboração de novos conceitos para o Serviço Social. Começava ali uma nova fase do Movi- 
mento, pois as diretrizes e propostas apresentadas naquele evento ganharam as terras latino- 
americanas e difundiram o ideário da "Reconceituação", encarregando-se de formar uma nova 
mentalidade entre os assistentes sociais do continente. 
Ainda na realização do Seminário Chileno, um dos assuntos merece atenção especial. 
É o da conferência realizada pelo professor chileno Sérgio Villegas, e que tinha por título: "O 
método de conscientização de Paulo Freire". O assunto, apresentado dentro de um dos temas 
básicos do Seminário, "Novos instrumentos do Serviço Social" parece ser o início da difusão 
do pensamento e do método de conscientização de Paulo Freire, que "naquele momento causa- 
va um impacto profundo em todo o Serviço Social chileno e de outros países7'. (Ander-Egg, 
197.5, p. 412) 
É a partir dali que os assistentes sociais latino-americanos adotam o ideário de Paulo 
Freire como um dos pontos fundamentais de trabalho para o Serviço Social no continente. 
Diante dessas afirmações, entretanto, resta saber se Paulo Freire tem realmente influência sobre 
o Movimento de Reconceituação. Se essa influência é real, como ocorreu? Que relação existe 
entre a proposta da Reconceituação e as idéias de Paulo Freire? É o que se pretende ver em se- 
guida. 
Paulo Freire: uma influência 
Para melhor situar historicamente as relações existentes entre Paulo Freire e o Movi- 
mento de Reconceituação, é necessário resgatar, pelo menos em parte, a trajetória desse edu- 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 1 
cador brasileiro, situando-o em momentos específicos da conjuntura do país. 
O estudo desse item está fundamentado na literatura publicada pelo próprio autor e, 
também, nos artigos e documentos divulgados pelas revistas de Serviço Social no período ini- 
cial do Movimento. Conta, ainda, com um trabalho elaborado sobre o assunto e uma entrevista 
com Paulo Freire.2 
Nos últimos anos da década de 40, por volta de 1947, Paulo Freire assumia um trabalho 
na área de educação junto ao Serviço Social da Indústria- SESI, na cidade brasileira do Recife. 
Naquela organização, através do conhecimento dos assistentes sociais que ali atuavam, Paulo 
Freire não só era apresentado, mas começava a participar da ação e do conhecimento profis- 
sional dos assistentes sociais. 
Sempre perfilando o SESI, Paulo Freire estabelece um estreito contato com os assis- 
tentes sociais, não só do Recife como também do centro-sul do País. Nessa trajetória pelo terri- 
tório brasileiro durante os anos 50 e início de 60, tendo sempre o SESI como local de trabalho, 
é que Paulo Freire afirma ter encontrado no seu "processo de formação momentos informais da 
formação que têm a presença muito grande de assistentes sociais". (Freire & Karsch, 1983) 
Ainda no Brasil, antes de aparecer como educador, antes mesmo de cumprir sua tra- 
jetória fora do País, existia já uma estreita ligação entre Paulo Freire e os assistentes sociais. Tal 
ligação trazia como conseqüência uma nova concepção de trabalho, o que influenciava as dire- 
trizes do programa que vinha sendo desenvolvido no SESI. Além disso, essa influência deixava 
marcas em todo o grupo de profissionais envolvido, na medida em que havia uma concordância 
entre o pensamento do educador e o das assistentes sociais da instituição naquelemomento. Se- 
guindo seu próprio depoimento, a orientação que conseguiu, então, "finalmente daí ao SESI em 
Pernambuco contou com o apoio desse grupo todo de assistentes sociais, o que significa que 
havia uma certa coerência e uma certa concordância entre elas e mim". (Freire & Karsch, 1983) 
A conjuntura da sociedade brasileira, nos primeiros anos da década de 60, fez com que 
o País se tornasse um dos centros de atenção no cenário mundial. O golpe de 64, que levara os 
militares ao poder, iniciava uma nova era para essa sociedade. E a reorganização política e so- 
cial do Brasil, a partir de 1964, levava ao exílio vários intelectuais. Entre eles, Paulo Freire. Nes- 
se período, a nação chilena, que vivia um momento histórico de liberdade democrática, não só 
acolhia o educador como, também, assumia oficialmente seu método de alfabetização-cons- 
cientização. (Freire, 1979, p. 13-24) 
Chegando ao Chile, o contato de Paulo Freire com as assistentes sociais, já na cidade 
de Santiago, apresentava uma linha mais progressista para o Serviço Social. Era uma forma de 
compreensão mais radical da sociedade, a visão que só existe quando se vive a história. A con- 
juntura política daquele país ao final dos anos 60 não só proporcionava as condições favoráveis 
ao aparecimento de uma nova mentalidade entre os assistentes sociais como, também, exigia 
novas perspectivas de a ~ ã o . ~ 
Para os assistentes sociais, conclamados a superar o assistencialismo e participar do 
* A referência é sobre o texto redigido por Karsch (1982) e uma entrevista com Paulo Freire gravada por Karsch em 1983. 
Material inédito, cedido pela autora. A partir daqui, todas as citações extraídas dessa entrevista terão apenas uma referência: 
Freire & Karsch, 1983. 
[...I qciando eu cheguei ao Chile, exilaclo, o que eu comecei aperceberjá nos primeiros encontros com os assistentes sociais 
ein Santiago, desde fora da universidade, é que havia uma linha mais progressista do Serviço Social. Eu não diria maispro- 
gressista que as niinhns arnigas do Recife. Para mim, elas (as assistentes sociais do Recife) já tinham uma postura muito 
crítica do Serviço Social. Não uma postura marxista, que elas nunca foram. Elas eram profundamente cristãs. Mas o mo- 
inento histórico do Brasil em que elas viviam não era ainda o momento, eu creio, de uma compreensão mais radical, que 
não se rlrí fora da história, tnas que se dá dentro da história. Essa eu começo a encontrar no Chile, dentro das condições 
histórico-sociais e politicas que a sociedade chilena vivia. (Freire & Karsch, 1983) 
Cd. sem. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
Falando da importância da participação do povo no processo de mudança da estrutura 
ideológica e política, a autora atribuía à vanguarda profissional a tarefa de assumir a cons- 
cientização dos homens quanto ao seu papel de sujeitos da hi~tória.~ Era esse o compromisso 
a ser assumido pelos assistentes sociais. Conclamados a superar o assistencialismo, os novos 
profissionais deveriam "entregar às pessoas os elementos que lhes permitam chegar às causas 
de suas situações deficitárias" frente à situação global. (Young, 1972, p. 37) 
A autora fala, ainda, do homem sujeito, da inserção e da participação na prática do po- 
vo, da necessidade e da importância do desvelamento crítico da realidade. O diálogo é enfa- 
tizado como um instrumento imprescindível desse processo. A autora afirma que o povo possui 
formas próprias de "organização, mobilização e gestão". Cabe ao assistente social a tarefa de 
assessorar o povo na busca e na sistematização de todo o instrumental técnico que possa con- 
tribuir para que o processo de conscientização e participação seja a base para um "autêntico 
processo revolucionário" (Young, 1972, p. 39). Todos esses temas - a conscientização, o diá- 
logo, o desvelamento crítico da realidade, a noção de Ser Humano como sujeito e não objeto 
- são questões apresentadas e sustentadas na obra de Paulo Freire, nas suas reflexões, no pen- 
samento por ele difundido. 
Nesse mesmo ano - 1972 -um novo texto, vindo da Argentina e escrito por um grupo 
de assistentes sociais, traz de forma objetiva o pensamento de Paulo Freire para o Serviço So- 
cial. Fundamentado na obra do educador brasileiro, o grupo chega àelaboração de uma proposta 
metodológica a ser aplicada pelos assistentes sociais. O artigo, que apresenta uma síntese da 
obra de Paulo Freire, foi escrito com a "intencionalidade de dar aplicação teórico-prática de seus 
conceitos básicos ao Serviço Social" (Kisnerman et al., 1972, p. 5). 
Tendo por suporte toda a obra de Freire acessível até então - 1959 a 1972 - o artigo 
tem, também, todas as suas citações retiradas do seu livro Pedagogia do oprimido, publicado 
em Montevidéu em 1972. 
Os autores consideravam que o conteúdo desse artigo devia apoiar a reflexão crítica 
dos assistentes sociais frente à problemática estrutural da sociedade. Afirmando que o resultado 
é perfeitamente aplicável ao Serviço Social reconceituado, os autores ressaltam a "importância 
com que a obra de Paulo Freire se reveste para nós que estamos em permanente busca de um 
Serviço Social que esteja de acordo com as necessidades históricas de nossa época e de nosso 
país" (Kisnerman et al., 1972, p. 5). E nesse contexto, afirmavam, não havia espaço para a apli- 
cação de técnicas e outros instrumentos, pois o ponto fundamental da ação está na atitude de 
compromisso dos assistentes sociais com o processo de transformaçã~.~ 
O texto prossegue analisando alguns pontos de forma específica. São enfocados 
alguns aspectos do contexto social próprio dos países da América Latina, como: a humanização 
e a desumanização do homem e a dominação político-ideológica à qual estão submetidas as so- 
ciedades subdesenvolvidas do continente latino-americano. Ainda dentro do conteúdo analíti- 
co do texto, os autores apresentam uma síntese dos níveis de consciência, os quais são similares 
àqueles que Paulo Freire apresenta no livro Educação como prática de liberdade. 
Após a apresentação dessa síntese analítica, os autores falam do Serviço Social, do diá- 
logo, dos temas geradores, e finalizam mostrando um processo metodológico a ser assumido 
'[...I sua ação deve contribuir para: (a ) a compreensão cada vez mais consciente do processo que estamos vivenclo, para ga- 
nhar maior participação nele; (b) LI libertação de mitos impostos pela burguesia através do processo de desmistifcação; 
e (c) a emergência de novos valores gerados na prcítica social do povo. (Young, 1972, p. 37) 
[...I cunsideramos fundamental a atitude do assistente social e não dos instrumentos e técnicas de aplicação. Estas de nada 
valem se a atitude profissional não estcí autenticamente comprometida com o pensar e atuarpara essa transformação. (Kis- 
nerman et al., 1972, p. 5-6) 
Cad. sem. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
viável histórico da sociedade chilena, apresença de Paulo Freire parece ter sido uma influência 
decisiva para os rumos da profissão naquele momento. As reflexões sobre o papel do trabalha- 
dor social no processo de mudança: escritas emSantiago no ano de 1968, foram feitas parauma 
ocasião especial vivida pelo autor naquele país: refletir sobre o tema, num encontro de técnicos 
que atuam em instituições governamentais. 
Nas reflexões que apresenta sobre o trabalho do assistente social, o autor critica a men- 
talidade e o caráter assistencialista da ação profissional, afirmando que o assistente social, "co- 
mo educador que é, não pode ser um técnico friamente neutro" (Freire, 1977, p. 39; Freire, 1986, 
p. 49). Há que clarificar sua opção política, uma vez que essa opção é que vai determinar o papel, 
os métodos e as técnicas de atuação do assistente social. 
Analisando a frase tema do artigo, o autor afirma que o papel do trabalhador social con- 
siste em atuar juntamente comoutros profissionais na estrutura da sociedade. O artigo continua, 
fazendo um paralelo entre o trabalho reacionário e o trabalho político, a partir da ação do assis- 
tente social. Nesse paralelo, o autor fala da necessidade de o assistente social mudar sua percep- 
ção da realidade, a qual é distorcida pela ideologia dominante. Nesse processo de superação de 
sua visão de sociedade, há a necessidade de uma apropriação, de uma inserção profissional no 
contexto ~ o c i a l . ~ 
Nessa mesma ocasião, o autor afirma que, nessa nova sociedade, a ação dos assistentes 
sociais deverá ser desenvolvida "com, jamais sobre indivíduos, a quem considera sujeitos e não 
objetos, incidências de sua ação" (Freire, 1978, p. 40; Freire, 1986, p. 5 1). Ao finalizar suas re- 
flexões, Freire atribui ao trabalhador social o papel de agente desencadeador de uma ação cons- 
cientizadora, junto aos indivíduos com quem trabalha. Pois é nesse processo que o profissional 
também se con~cientiza.~ 
As reflexões de Paulo Freire, que atendiam à solicitação dos profissionais num deter- 
minado momento da sociedade, iriam marcar profundamente aqueles profissionais. Suas idéias 
ganhavam corpo entre os assistentes sociais chilenos e redirecionavam o curso do Movimento 
de Reconceituação. A fertilidade por que passava o País propiciava o amadurecimento das no- 
vas idéias, fazendo com que os assistentes sociais chilenos encabeçassem o Movimento de Re- 
conceituação. As novas perspectivas de ação "deveriam contribuir, dentro das circunstâncias 
concretas que vivia o país" (Karsch, 1982, p. 10). E eraexatarnente naquele período, 1968- 1973, 
quando a nação chilena vivia sua experiência democrática e cultural sob as diretrizes de um go- 
verno democrata-cristão, que o Movimento de Reconceituação rompia suas fronteiras e se ex- 
pandia pelas terras do continente. É nesse expandir-se que a influência do pensamento de Paulo 
Freire se faz de forma decisiva. Os textos publicados nesse período traziam algumas questões 
bastante objetivas, as quais permitem uma análise efetiva dessa influência. 
O artigo vindo do Chile em 1972 (Young, 1972, p. 35-39) apresenta as reflexões dos 
assistentes sociais sobre a especificidade do Serviço Social no contexto que vivia o País. Na- 
quela sociedade os papéis tradicionais do Serviço Social - o papel educativo e o papel coor- 
denador - vinham tomando o contorno específico do real coletivo e a sua especificidade surgia 
das necessidades concretas da população nacontribuição com "ações educativas e coordenado- 
ras de massa". (Young, 1972, p. 37) 
Hoy en e1 Servicio Social, n. 16-17, p. 89-104, 1969. 
Mudança que "implica uma apropriação do contexto; uma inserção nele; um não ficar aderido a ele; um não estar quase sob 
o tempo, mas no tempo". (Freire, 1969, p. 104; Freire, 1977, p. 40; Freire, 1986, p. 60) 
v...] tentar a conscientização dos indivíduos com quem trabalha, enquanto ele se conscientiza, pois este e não outro, nospa- 
rece ser o papel do trabalhador social que optou pela mudança. (Freire, 1986, p. 60) 
Cad. sem. soe., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
pelos assistentes sociais no desempenho de suas funções. Ao analisar a necessidade de o Servi- 
ço Social adquirir uma visão crítica para superar as contradições sociais, os autores definem 
com uma frase de Paulo Freire a necessidade do "reconhecimento da razão de ser desta (visão 
crítica), a fim de conseguir uma ação transformadora que incida sobre essa realidade, a instau- 
ração de uma ordem diferente que possibilite a busca de ser mais". (Kisnerman et al., 1972, p. 9) 
Falando da práxis, da inserção, da superação da contradição assistente-assistido, da 
importância do diálogo, o grupo elabora uma proposta baseada na tarefa de implementar dis- 
cussões que se iniciem nas contradições básicas e existenciais da população trabalhada. Para 
tanto, o conteúdo programático é organizado através do levantamento de temas geradores, num 
processo análogo ao processo apresentado por Paulo Freire. O universo temático pode contar 
com palavras como casa, rancho, patrão, salário, e se desdobrar até situações-limites, tais como: 
falta de moradia, déficit salarial, déficit alimentar e muitos outros. 
A proposta metodológica elaborada por esses autores prevê a participação ativa, siste- 
mática e coletiva num processo de trabalho que possui duas fases bem distintas. A primeira, de- 
nominada conscientização, consiste no momento em que toda a população envolvida vai inves- 
tigar, vai conhecer o real vivido. Vai, portanto, de forma sistematizada, conhecer as dificulda- 
des da sua própria realidade. 
A medida que essa investigação se amplia, vai sendo ampliado também o nível de co- 
nhecimento e análise desses indivíduos, uma vez que os problemas encontrados deverão ser 
compreendidos na sua complexidade conjuntural. A partir da correlação e da interligação que 
o investigador consegue estabelecer entre os fatos apreendidos pela análise é que esses inves- 
tigadores deverão levantar as alternativas de ação. 
Segundo os autores, o "desvelamento crítico" da realidade se transforma num "fazer 
educativo" à medida que o investigador "se conscientiza" de sua realidade, ao mesmo tempo 
em que permite a conscientização de quem é investigado. 
É o desencadeamento do processo de uma ação multiplicadora, em que pesquisador 
e pesquisado são sujeitos da mesma ação. Nesse processo, a fase inicial consiste no desvelamento 
crítico da realidade, na análise das situações-problemas captadas, e no levantamento de alterna- 
tivas de solução. 
Se o conhecimento e a análise são o centro da primeira fase, a segunda fase desse pro- 
cesso será caracterizada pela ação propriamente dita. Essa ação consiste na organização das 
massas, agora conscientes da importância e da necessidade de um esforço comum. Tal esforço 
consistia na busca conjunta dos meios e das alternativas de superação das situações, dos limites 
então existentes. E essas situações-limites eram vistas, também, como uma "totalidade estrutu- 
rada". Inseridos nesse processo, todos os sujeitos estariam vivendo de forma permanente e pro- 
gressiva os meios de comunicação para uma participação ativa real no processo de transforma- 
ção. "A transformação através da práxis". (Kisnerman et al., 1972, p. 18) 
O espaço criado na conjuntura de uma democracia cristã- o momento político chileno 
-propiciava ao Movimento de Reconceituação as condições necessárias para se efetivar o gran- 
de salto qualitativo que buscavam os assistentes sociais. "Aí então eu acho que o Serviço Social 
avançou realmente" (Freire & Karsch, 1983). Estava aí inaugurada a nova fase do Movimento, 
que vai alcançar a receptividade entre os assistentes sociais de toda a América Latina. 
O ideário da participação e da conscientização corria as terras do continente, trazendo 
ao Serviço Social a visão de um homem novo e a esperança de uma nova sociedade. O momento 
político vivido no Chile "desafia para uma nova visão do social: o social político, o social que 
transforma em um novo mundo e realidade de opressão de passagem para uma realidade de li- 
bertação". (Karsch, 1983, p. 13) 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
Ainda em 1972, uma resenha bibliográfica redigida por Canton (1 982) apresenta uma 
síntese do livro Princípios do Serviço Social, onde o terceiro capítulo é dedicado especifica- 
mente aos valores do Serviço Social. No comentário que faz, o autor afirma que talvez seja aque- 
le o "melhor já conseguido com forte inspiração nas idéias de Paulo Freire". (Canton, 1972, p. 8 1) 
Em 1974, o livro da professora chilena, Maria Angélica Gallardo Clark, trazia, tam- 
bém, o assunto em questão. Já na introdução, a autora enfatizava a importância de o Serviço So- 
cial buscar uma teoria que viesse fundamentar sua ação. Uma teoria que pudesse nascer "da raiz 
da suaprópria prática social em seu enfrentamento metódico e persistente com a realidade" 
(Clark, 1974, p. 5). Em seguida, afirma que cabe aos assistentes sociais "atuar para transfor- 
mar". Segundo Clark, os assistentes sociais possuem vários caminhos para a formulação de seus 
objetivos de "libertação" dos homens (Clark, 1974, p. 5-10). E entre os caminhos citados, a au- 
tora afirma que "o próprio método de conscientização é já uma instância metodológica que ini- 
cia a abordagem de um assunto particular da prática social, ou seja, o analfabetismo ou consci- 
entização pura". (Clark, 1974, p. 7-8) 
O capítulo quatro desse mesmo livro (Clark, 1974, p. 75-142), é dedicado a duas pro- 
postas metodológicas para o Serviço Social. A primeira, denominada Metodologia Básica ou 
Metodologia Geral, tinha o seu embasamento teórico sustentado pelo Materialismo Histórico 
e Dialético. A segunda proposta, denominada Metodologia da Conscientização fora recriada, 
segundo Clark, pelo professor Marcelo FerradaNoli - dauniversidade de Concepción - apartir 
do método de alfabetização de Paulo Freire com os camponeses brasileiros. 
A autora prossegue fazendo uma análise comparativa entre o processo de alfabetiza- 
ção de Paulo Freire e o processo de conscientização pura. Nessa análise, faz várias citações do 
educador e levanta todas as etapas do seu processo de educação conscientizadora, assim como 
é apresentado no livro Educação como prática da liberdade. Após essa análise, afirmando 
ser conveniente começar do esquema elaborado a partir do método Paulo Freire, Clark apresen- 
ta para o assistente social um processo de trabalho que segue as mesmas etapas do método de 
alfabetização do educador brasileiro. Esse modelo era, também, análogo àquele formulado por 
Kisnerman. 
As idéias de Paulo Freire acenam para um novo método de ação para os assistentes so- 
ciais latino-americanos. E o Movimento de Reconceituação, que tem por berço a nação chilena, 
leva no seu bojo a marca da atitude metodológica proposta pelo pensador brasileiro. Nessa fase, 
os textos do Movimento de Reconceituação vêm impregnados do ideário de Paulo Freire. Pa- 
rece mesmo que essa influência vai um pouco mais além, já que fornece aos assistentes sociais 
a noção de uma sociedade dual e contraditória. Esses profissionais prosseguem suas reflexões 
dentro de uma nova visão de mundo e de sociedade. E toda uma geração de assistentes sociais 
passava a buscar uma percepção dialética da realidade social. 
É como se aquele fosse o momento em que toda uma categoria toma consciência da 
existência da hegemonia das classes dominantes, das contradições da sociedade e do papel que 
a profissão vinha exercendo até então.9 E na entrevista concedida a Karsch, o próprio Paulo Frei- 
re afirma que "analisando historicamente, eu acho que eu tenho a ver com o Serviço Social nu- 
[...I eu tenho a itnpresscio que na medida em que esses assistentes sociais afirmam que essa icléia de conscientização deve 
embasar a ação de toclos aqueles que trabalham com o ser humano na sua vida social, eles (os assistentes sociais), enquanto 
categoria profissional nesse Movimento de Reconceituação, tomam consciência cla função de uma hegemonia da classe do- 
minante. Portanto, quando dizem que esta deve ser a ação do assistente social, conscientizar o povo, eles próprios se consci- 
entizarn. E a essa idéia que Paulo Freire responde: é, eu acho que você tem razão. Daia afirnlação que eufiz h6 muito tempo. 
Que no furzclo ninguétn conscientiza ninguém. Nós nos conscientizamos numa prática política definida. Até o momento em 
que a gente continua pensando que vai conscientizar o não conscientizado, a gente tem um certo vestígio elitista. (Freire 
& Karsch, 1983) 
Cad. sem. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
ma perspectiva dialética". E continua logo em seguida: "de um lado eu insisto na marca que al- 
gumas figuras do Serviço Social me deram, indiscutivelmente. Mas, de outro, eu acho que vi- 
rei uma presença real na América Latina, no campo da educação popular" (Freire & Karsch 
1983). Frente a essas questões, é possível afirmar que o Movimento de Reconceituação carrega 
a presença de Paulo Freire no momento de busca que o Serviço Social empreende enquanto uma 
categoria profissional na América Latina. 
Se a influência de Paulo Freire é assim tão marcante no Serviço Social latino-america- 
no a partir do Movimento de Reconceituação, que causas teriam essa influência? Aqui, algumas 
hipóteses podem ser levantadas: 
a experiência político-pedagógica adquirida no nordeste brasileiro, através de um 
processo que posteriormente denomina de conscienti~ação,~~ e a trajetória de vida 
que leva Paulo Freire do nordeste brasileiro ao Chile fazem do educador uma figura 
mítica entre os profissionais que têm no social seu objeto de trabalho e, portanto, es- 
tão cônscios das limitações de suas ações; 
a importância que Paulo Freire atribui ao social, os laços que o prendem aos assis- 
tentes sociais -já a partir do Recife - e a reflexão crítica que faz sobre o trabalho do 
Serviço Social fazem do educador uma presença esperançosa entre os profissionais, 
num momento em que a categoria passava por uma fase de grandes questionamentos 
sobre a validade de sua ação; 
um educador que sintetiza o pensamento cristão e faz uma conjugação própria para 
uma proposta de libertação do jugo de dominação e opressão aponta aos assistentes 
sociais uma possibilidade de prática profissional que nega e supera os antigos valo- 
res que orientavam o trabalho profissional conservador, então contestado. 
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO EM BELO HORIZONTE 
Os caminhos mineiros 
O Movimento de Reconceituação iniciado no Chile nos últimos anos da década de 60 
percorria os países da América Latina e, já nos primeiros anos da década de 70, entrava mar- 
cadamente na Escola de Belo Horizonte. 
O estudo do material encontrado sobre aquele período," bem como os depoimentos 
obtidos junto a professores e diretores que atuavam nessa Escola entre 1969 e 1975, mostram 
que o modelo de assistente social, formado através de uma perspectiva modernizante desenvol- 
vimentista, necessitava de um redirecionamento, já no final dos anos 60. Do ponto de vista pro- 
fissional, a necessidade de formar assistentes sociais com uma nova mentalidade leva ao grupo 
de professores a preocupação de buscar novos caminhos. Essa preocupação refletia já os pri- 
meiros questionamentos às idéias originadas em Porto Alegre, em 1965. Esses questionamen- 
"' [...I na ijerdarle, toda a idéia de conscientizaçáo, náo da palavra mesmo, porque a palavra náo foi cunhada por tniin, mas 
o que ela encarna como prcíxis político-pedagógica, vem se constituindo em mim na medida em que eu pratiquei. Foia minha 
prhtica, foi o meu compromisso com os trabalhaclores, com os camponeses; foi o meu encontro constante, e não com armas, 
mas constante com trabalhadores urbanos e trabalhadores rurais no Nordeste, em Pernambuco, que vieram perfilando o 
que depois eu chamei de conscientização. Não foi propriamente uma reflexão teóric. Se fez sobre a prcítica feita, sobre a 
prcítica vivida, sobre a prcítica realizada. E foi exatarnente aquela primeira prática. E interessante salientar exatarnente a 
prcítica que eu tive no SESI''. (Freire & Karsch, 1983) 
'I Método Básico (I 969); A Prática como Fonte da Teoria (1971); Análise Histórica da Orientação Metodológica da Escola 
de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais (1974). 
Cnd. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
tos eram, então, reforçados na Escola por um dos professores que retomava de cursos de pós- 
graduação realizados no continente europeu. 
A presença da Escola no encontro realizado em Caracas em 1969 marcava o início das 
novas idéias para Belo Horizonte. Naquele encontro os representantes da Escola mineira to- 
mavam conhecimentodo Movimento de Reconceituação, assim como vinha se processando no 
Chile. Ao regressar, os professores chegavam a Belo Horizonte trazendo um documento chile- 
no denominado Método Básico, elaborado pela Escola de Serviço Social da Universidade Ca- 
tólica de Santiago do Chile. 
E já em 1970, os professores de Belo Horizonte elaboravam uma nova proposta para 
a formação profissional dos assistentes sociais mineiros. Tal documento, apresentado no En- 
contro Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social - ABESS -, realizado 
na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, naquele mesmo ano, se tornava "o primeiro tra- 
balho de Reconceituação apresentado no Brasil". (Entrevista M) 
Ainda em 1970, o Método Básico começava a influenciar a formação dos novos assis- 
tentes sociais mineiros. A proposta de um único processo de trabalho para o atendimento do ca- 
so, do grupo e da comunidade passava a ser discutida através das disciplinas específicas do Ser- 
viço Social. Inicia-se ali acirculação das idéias do Movimento de Reconceituação Chileno. Pa- 
ra estudo e discussão dessas idéias, o documento era adotado como texto básico para o processo 
de formação num período de adaptação de novos conceitos a uma estrutura curricular ainda em 
vigor. 
A leitura do documento-o Método Básico - mostra que o grupo chileno, partindo de 
uma análise da realidade social que vivia o país, apresentava uma crítica ao papel do assistente 
social frente àquela sociedade, e elaborava uma nova proposta de ação para os profissionais. O 
grupo, que vivia uma experiência democrática e cultural - uma forma de democracia cristã - 
41 
elaborava então novas definições para o Serviço Social como profissão. Frente à realidade ana- 
lisada, o grupo faz a opção pela mudança do sistema dominante, recusa o papel assistencial do 
Serviço Social e faz a opção por um novo papel: o de educador popular. Assim, o assistente so- 
cial deveria cumprir sua função básica, atuando junto às organizações populares com as quais 
deveria desenvolver sua ação através de assessoria a projetos específicos, contribuindo para que 
tomassem consciência de sua situação. 
As organizações populares eram, então, o núcleo básico de trabalho do assistente so- 
cial, junto às quais passavam a desempenhar seu papel de educadores. Tendo o diálogo como 
ponto fundamental de seu papel, seus objetivos profissionais estarão sempre em função dos gru- 
pos aos quais prestarão sua assessoria. 
No desempenho de sua função, o assistente social deverá elaborar e desenvolver as for- 
mas possíveis de participação. Nesse processo, o profissional é o responsável pelo desenvolvi- 
mento de uma "ação ativa e cada vez mais dinâmica e crítica". (Método Básico, 197 1) 
Quanto ao diálogo, ao papel educativo, à assessoria, o grupo chileno apresenta uma 
proposta metodológica que deve ser desenvolvida numa linha participativa, capacitadora e 
conscientizadora. Ainda nessa abordagem geral e introdutória do documento, o grupo afirma 
que "essa metodologia só tem sentido na medida em que está determinada pela realidade inves- 
tigada e analisada em toda a sua complexidade". (Método Básico, 1971, p. 50-5 1) 
E, para desencadear essa ação, para ter as condições necessárias para o desempenho 
da sua função e assessoria, o assistente social deverá estar teoricamente capacitado. Deverá, 
portanto, possuir "um marco de referência teórica que lhe permita interpretar arealidade". (Mé- 
todo Básico, 197 1, p. 50) 
Cud. sem. soe., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
A partir dessas definições gerais, o documento apresenta um detalhamento dos passos 
metodológicos que propõe. O estudo dessa metodologia mostra que o processo é formado por 
um conjunto de etapas que são, ao mesmo tempo, independentes e interdependentes, Indepen- 
dentes, no sentido de que cada uma delas possui uma estruturação própria, com dinâmica e ob- 
jetivos também próprios. Porém, na dinâmica geral, essas etapas são interdependentes e desen- 
volvidas de forma simultânea. Sua execução "supõe uma comunidade ou grupo social que in- 
vestiga sua realidade, interpreta, programa, realiza as ações previstas e avalia os resultados em 
função dos objetivos formulados". (Método Básico, 1969, p. 77) 
O trabalho é iniciado pelo envolvimento dos grupos num estudo exploratório, através 
do qual assistente social e população envolvida buscam, juntos, o conhecimento de sua própria 
realidade. Trata-se do processo de investigação do seu universo existencial. 
Uma vez levantados os problemas de sua realidade específica, tem início um processo 
de análise desse contexto. Entretanto, o estudo dessa realidade particular só tem sentido se es- 
tiver fundamentado por um "marco teórico geral" através do qual se possa entender todo o sis- 
tema social. Esse marco teórico é o ponto fundamental desse momento, porque é ele que vai per- 
mitir que sejam estabelecidas as relações existentes entre o contexto social particular - inves- 
tigado pelos elementos do grupo -e o contexto geral da sociedade. A partir, então, desse estudo 
da realidade social no seu contexto genérico, serão deduzidas as teorias intermediárias que vão 
explicar os fenômenos específicos que ocorrem no sistema. Essas teorias intermediárias, por 
sua vez, são também fundamentais no processo, na medida em que "nos permitem deduzir apar- 
tir delas, os problemas (aqueles encontrados pela população) que estão se originando no sistema 42 social". (Método Básico, 197 1, p. 52) 
Após o estudo e a análise da realidade social - nesse processo de reflexão teórico-prá- 
tica- passa-se ao estudo da relação existente entre os problemas anteriormente estudados. Nes- 
se momento, procura-se estabelecer as relações de dependência e interdependência existentes 
entre os problemas encontrados no contexto específico já conhecido. Ainda nesse mesmo pro- 
cesso de análise, são estabelecidas todas as relações de dependência existentes entre esse con- 
texto social específico e a macroestrutura da sociedade, buscando os seus aspectos significa- 
tivos e contraditórios. 
Todo esse processo de conhecimento e análise do contexto social vai, naturalmente, 
- 
levar esses grupos a uma tomada de decisão frente à realidade conhecida. Os grupos vão, en- 
tão, levantar alternativas de solução e elaborar os planos, organizando-se para a execução da 
ação. 
Ora, se o grupo chileno considera que a "consciênciacríticaé despertada, principalmen- 
te, participando-se do conhecimento da realidade dentro de um contexto do país, admirando- 
a através da interpretação diagnóstica e imaginando novas formas de vida através da planifica- 
ção" (Método Básico, 1969, p. 80), aqui está definido o principal papel do assistente social: o 
de agente responsável por desencadear, através de fases ou etapas, um processo de conhecimen- 
to, reflexão e análise das verdadeiras condições existenciais de grupos e comunidades, levando- 
os a tomar atitudes frente a essa realidade; é o papel de conscientizador e organizador da popu- 
lação. O estudo dessa proposta metodológica mostra que a conscientização é o caminho natural 
e obrigatório para a organização da pop~lação. '~ 
'? O Método BH define como conscientização "o processo através do qual as pessoas elevam seu nível de consciência, de for- 
ma a: compreender a situação concreta na qual se encontram, analisar as condições reais e atuais de sua existência, exprimir 
seus verdadeiros interesses e criar formas de ação para concretização desses interesses. [...I A organização éentendidacomo 
o processo de coordenação sistemática dos interesses de determinado grupo, visando alcançar metas específicas" (UCMG, 
1974, p. 19-20; ISI n. 4, 1976, p. 1 10; Santos, 1982, p. 41). O estudo recente, de Souza (1982) define para "conscientização 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
A partir dessas questões, pode-sededuzir que, sendo o desenvolvimento da consciên- 
cia crítica o caminho natural e obrigatório para a organização da população, então, a conscien- 
tização é um processo que se transcende no momento em que se completa. Essa transcendência 
ocorre na medida em que a ação implementada pelo assistente social pode ser, também, ge- 
radora de valores novos. Os grupos trabalhados poderão criar novas formas de participação e 
de organização. Poderão, também, estabelecer relações intergrupais, ampliando, portanto, o 
sentido da ação. 
São os efeitos multiplicadores da ação e, nesse sentido, o papel do educador atribuído 
ao assistente social faz dele um educador político por excelência. Essa nova função vem carac- 
terizar, em síntese, a mudança da própria natureza do Serviço Social. De distribuidor e admi- 
nistrador da assistência, papel a ele atribuído dentro da divisão social do trabalho, o assistente 
social passa agora a ser educador político e articulador das classes populares. 
Diante desse contexto, porém, cabe ressaltar que as definições elaboradas para o tra- 
balho profissional - a conscientização, a participação, a educação social e política - são ques- 
tões definidas, defendidas e fundamentadas no ideário de Paulo Freire. Pode-se mesmo afirmar 
que o documento chileno comporta a síntese de uma proposta que se desprende do pensamento 
do educador brasileiro. 
Se a partir de textos de Paulo Freire são elaboradas novas finalidades da ação e um no- 
vo papel para o assistente social, o processo metodológico não foge a essa influência. Uma aná- 
lise comparativa das etapas metodológicas - denominadas de investigação significativa, inter- 
pretação diagnóstica, programação, execução e avaliação - apresentadas no Método Básico 
mostra que elas são as mesmas etapas propostas pelo grupo argentino. 
A metodologia então elaborada pelo grupo argentino apresenta as etapas de investi- 
gação exploratória, análise das contradições, levantamento das alternativas de ação, estudo das 
formas de encaminhamento da ação. Os dois documentos, ou as duas propostas, têm na partici- 
pação ativa e permanente dos indivíduos durante todas as etapas de trabalho o ponto central da 
ação profissional. É esse o processo que o grupo define como "permanente capacitação das pes- 
soas, o que implicará a sua participação ativa no processo de transformação através da práxis" 
(Kisnerman, et al., 1972, p. 18). Os passos metodológicos apresentados no Método Básico são 
também os mesmos passos propostos por Clark quando recupera as etapas do método de Alfa- 
betização e Conscientização de Paulo Freire, que propõe etapas similares para o trabalho dos 
assistentes sociais. 
Esse estudo comparativo das propostas metodológicas leva também à observação de 
que o documento chileno - o Método Básico - traz um certo amadurecimento das elaborações 
anteriores - Clark e Kisnerman. Isso ocorre na medida em que, fundamentado no pensamento 
do educador brasileiro, o grupo chileno mantém as idéias da conscientização, da organização, 
da capacitação e da transformação, agora organizadas num conjunto de objetivos, princípios, 
métodos e técnicas. 
Era todo esse conjunto teórico-metodológico que a Escola de Belo Horizonte incor- 
porava i formação profissional a partir de 1970, quando o Método Básico passava a ser o docu- 
mento primordial da Escola Mineira. Uma vez assumido o Método Básico, os professores pas- 
saram a uma fase de estudo, análise e crítica. O processo de reflexão e crítica então desen- 
o processo em que a população, a partir de sua realidadeexistencial, passaa ampliar a sua percepção, aestabelecercorrelações 
de juízos críticos, e a tomar atitudes em face dela" e por organização o "processo em que as ações grupais desenvolvidas pela 
populrição passam a ser assumidas como elemento de força social para se contraporem aos seus problemas existenciais". 
(Souza, 1982, p. 132-1 33) 
Cad. sem. soe., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
cadeado pelo grupo de Belo Horizonte é considerado como ummodo de incorporação daEscola 
ao Movimento de Reconceituação e leva os professores à elaboração de uma proposta de mu- 
dança radical no processo de formação profissional. 
Tais reflexões desembocam na estruturação de um novo documento, que tinha por tí- 
tulo "A Prática como Fonte da Teoria". Nesse documento - elaborado em 197 1 -os professores 
apresentavam uma abordagem teórica sobre a prática científica e analisavam a prática do está- 
gio oferecido pela Escola desde a sua criação. 
Mediante essa análise, o grupo apresenta uma proposta de reestruturação da prática 
profissional, com o "objetivo de fazer com que a prática escolar a ser organizada pela Escola 
de Serviço Social de Belo Horizonte se constitua em prática teórica" (UCMG, 197 1, p. 16). Pa- 
ra cumprir esse objetivo, o grupo elabora um conjunto de definições básicas para essa prática: 
os objetivos, o método, a área de atuação e a teoria. 
Um corpo teórico deverá ser o suporte da ação e oferecer os fundamentos à nova es- 
trutura de prática. "Essa teoria, cuja perspectiva é a de uma visão dialética do mundo, seria 
aquela que nos desse elementos não só para interpretar a realidade, mas para transformá-la" 
(UCMG, 1971, p. 16). A estrutura de prática elaborada nesse documento é que dá origem ao 
Método BH. 
Um estudo detalhado dos objetivos definidos pelo grupo mineiro, nesse documento- 
base de 197 1, mostra que são os mesmos elaborados pelo grupo chileno no Método Básico: a 
organização, a conscientização e a capacitação. O objetivo de capacitação, entretanto, aparece 
44 aqui com uma definição mais clara, mais elaborada que nos documentos anteriores. Falando de cada um desses objetivos que assume, o grupo apresenta a capacitação como decorrência do processo de conscientização, no qual os indivíduos aprendem a atuar de forma técnica, social 
e política.I3 
Ainda nesse mesmo conjunto de definições, os professores mineiros afirmam que as 
comunidades operárias deverão ser a área prioritária de atuação.14 Na opinião do grupo, entre- 
tanto, essa reestruturação da prática a partir do estágio de seus alunos leva necessariamente a 
uma reestruturação da formação teórica. A partir dessa conclusão, o documento traz a proposta 
de elaboração de um novo currículo que esteja centralizado "em três grandes momentos basea- 
dos no método científico: etapa do conhecimento, etapa da verificação, etapa da avaliação" 
(UCMG: 197 1, p. 22). 
A elaboração desse documento inaugurava então uma nova fase para a Escola de Belo 
Horizonte. Já em 197 1, o esquema de prática formulado (UCMG, 197 1, p. 19-2 l), começava 
a ser aplicado nos campos de estágio. Nesse mesmo ano o grupo elabora também a nova estru- 
turacurricular, então implantada a partir de 1972. As propostas contidas nesse documento é que 
fizeram iniciar, entre professores e alunos, um período de estudo, reflexão e discussão per- 1 
manentes, que levaram à elaboração de um novo texto. 
O estudo desse novo documento mostra que o grupo mineiro, preocupado em captar 
o espírito do Movimento de Reconceituação, apresenta uma sistematização dos questionamen- 
tos, estudos e reflexões que vêm fazendo e, partindo de uma breve análise histórica da evolução 
do Serviço Social no Brasil, procura situá-lo no contexto latino-americano. Nesse processo de I 
I 3 [...I a capacitação é o processo decorrente do anterior (a conscientização), pelo qual os indivíduos se habilitam a atuar 
técnica, social e politicamente. (UCMG, 1971, p. 17) 
l4 [...I na seleção das áreas de treinamento profissional serão ainda observadas como objeto de prioridade aquelas que apre- 
sentam uma população com tnaior potencial de transformação social - comunidades operárias (urbanas dou camponesas 
- rurais). (UCMG, 197 1, p. 1 7- 1 8) 
Cad. serv. soc., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 25-71, out. 1997 
análise, o grupo fala também

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