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Resumo do Livro: Dos delitos e das Penas Cesare Beccaria

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I - Introdução
Para Beccaria, a função das leis e da ordem é evitar injustiças e abusos dentro de uma sociedade. O autor afirma, porém, que esta sociedade geralmente, em um primeiro momento, negligencia a construção de leis justas e sábias, deixando ao acaso e às leis provisórias a função de promover justiça e tranqüilidade. Depois de muito sofrimento, essa sociedade passa a buscar melhorar seu ordenamento. Para o autor, já era momento de sua nação rever às leis penais, os abusos de poderes tirânicos, e buscar construir um sistema justo de leis criminais; não deveria haver mais espaço para condenações de crimes sem provas, torturas, penas a crimes insignificantes, prisões, masmorras monstruosas.
O autor ressaltar a importância de se analisar os crimes e quais as penas a ele deveriam ser imputados, de forma justa; mais diz que em seu livro pretende tratar apenas dos princípios gerais que deveriam reger o sistema criminal. Ele dá exemplos de temas que pretende abordar em seu livro: 
Mas, qual é a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil, necessária, indispensável para a segurança e a boa ordem da sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão ao fim que as leis se propõem? Quais os melhores meios de prevenir os delitos? Serão as mesmas penas igualmente úteis em todos os tempos? Que influência exercem sobre os costumes?
II - Origem das penas e direito punir
Neste capítulo o autor, baseando na teoria do contrato social, atribui o direito de punir de uma sociedade ao pacto inicial de seus membros, que, para viverem harmoniosamente abririam mão de parte de sua liberdade, restringindo seus direitos e conseqüentemente os de seus pares, para que não houvesse abusos. Os homens entregariam parte de sua liberdade, para preservar o resto dela. A soma dessas partes constituiria o poder soberano de um Estado. Não bastava porém, apenas esse depósito. Os homens teriam que se precaver da usurpação dele por parte dos particulares. Para isso criaram as leis penais, para punirem aqueles que não respeitassem o pacto social e desrespeitassem as leis. 
Por fim o autor revela-nos os limites do direito de punir:
Por conseguinte, só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada um só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, isto é, precisamente o que era preciso para empenhar os outros em mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito (8) ; é uma usurpação e não mais um poder legítimo. As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conservar aos súditos.
III - Conseqüências desses princípios
Beccaria afirma que, tomando por pressuposto as idéias acima, só as leis poderiam fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social. O juiz não poderia aplicar uma pena não instituída por lei, tão pouco aumenta-la em benefício do bem público. Também, ao soberano caberia criar leis gerais, às quais todos deveriam submeter-se; a ele não caberia julgar os que desobedecem tais leis. “No caso de um delito, haveria duas partes: o soberano, afirmando que o contrato social foi violado, e o acusado, que nega essa violação. É preciso, pois, que haja entre ambos um terceiro que decida a contestação. Esse terceiro é o magistrado, cujas sentenças devem ser sem apelo e que deve simplesmente pronunciar se há um delito ou se não há.”
Outra afirmação do autor nesse capítulo é a de que as penas cruéis, mesmo que não atentem contra o bem público que é combater o crime, sendo consideradas inúteis, deveriam ser tidas como odiosas.
IV - Da interpretação das leis
Segundo Beccaria, não caberia aos juizes interpretar as leis, visto que não são legisladores. Aleis não seriam heranças recebidas dos magistrados pelos antepassados da sociedade; as leis advem da sociedade atual, viva, da vontade de todos. A autoridade da lei não estaria em executar velhas tradições, e sim executar a vontade geral, advinda do pacto social, do juramento dos súditos feitos ao soberano, os quais, deixariam, assim, de serem apenas escravos, rebanho sem vontade. 
O interprete por excelência das leis seria o soberano; o juiz deveria fazer apenas o silogismo perfeito: encaixar ou não o caso específico na lei geral. Se o magistrado faz mais do que isso, torna o processo jurídico penal obscuro, confuso, inseguro.
O autor continua o capítulo mostrando a importância de se atentar a letra da lei, evitando insegurança, arbitrariedade. Para ele, mesmo equivocada, a lei deve ser cumprida estritamente, pois só assim pode-se garantir segurança e previsibilidade das conseqüências das ações. E, dessa forma, os cidadãos evitariam os crimes e delitos, pois calculariam o resultado de suas ações com tamanha certeza, que isso os forçariam a não cometer certos atos. 
V - Da obscuridade das leis
Neste capítulo, o autor, de forma genial, mostra a importância de ser ter leis claras, precisas, escritas em língua vulgar, para se alcançar a estabilidade política e fazer com que o poder resida sobre um corpo político e não sobre pessoas. Para ele, as leis deveriam ser amplamente divulgadas, tornando-se livros de leitura comum entre os cidadãos. Desse forma, estes poderiam planejar sua ações de acordo com leis fixas, sabendo o resultado e conseqüência delas. 
VI - Da prisão
Beccaria afirma que era comum outorgar-se ao magistrado poderes discricionários, para prender cidadãos sem critérios pré-estabelecidos. Para o autor, somente a lei deve definir os casos em que a pena de prisão deva ser aplicada. Assim, a lei deve estabelecer, de maneira fixa, por que indícios de delito um acusado pode ser preso e submetido a interrogatório. Não deve ficar a cargo do juiz decidir tais questões, pois devem ser claras e de conhecimento prévio dos cidadãos. Beccaria diz que o triste costume de sua época, de lançar pessoas em prisões horríveis, sem indícios, sem critérios legais, é uma herança de seus antecedentes bárbaros. 
VII - Dos indícios do delito e da forma dos julgamentos
Aqui, o autor descreve a uma forma interessante de se medir a certeza dos fatos em relação aos seus indícios: se os indícios dependem uns dos outros, se para que um seja válido os outros também devem o ser, pouca é a certeza a respeito do fato. Se, porém, os indícios forem autônomos, independentes, cada um, por si só, revelando o acontecimento, há maior grau de certeza sobre o fato. Beccaria fala sobre provas perfeitas, ou seja irrefutáveis, e provas imperfeitas, as quais não excluem a possibilidade de inocência do acusado. Para o autor, melhor é nos países em que os acusados são julgados por pessoas escolhidas pela sorte, sem títulos de magistrados; estas, julgariam a existência ou não do fato através do bom senso, e não como os magistrados, que buscam culpados em toda parte. É importante também que o acusado seja acusado por seus semelhantes, e não por pessoas muito diferentes dele. Isso evitaria julgamentos preconceituosos ou influenciados por diferenças sociais. 
VIII - Das testemunhas
Beccaria defende a idéia de que todo homem capaz de raciocinar deve ser tido como testemunha. Porém, a confiança dada a seus depoimentos devem variar de acordo com a quantidade de motivos que esse homem tiver para não dizer a verdade. 
Quanto mais bárbaro e odioso o crime, menos provável que tenha acontecido; quanto menor o interesse do acusado em cometê-lo, menor a probabilidade deste o ter feito. 
IX - Das acusações secretas
Para Beccaria, as acusações secretas seriam umabuso consagrado em vários governos pela fraqueza de sua constituição. Esse costume faria dos cidadãos falsos e pérfidos; viveriam uns como delatores, traidores dos outros. O autor mostra a injustiça deste instituto: “Quem poderá defender-se da calúnia, quando esta se arma com o escudo mais sólido da tirania: o sigilo?”. No restante do capítulo, Beccaria refuta todos os argumentos a favor das penas secretas, e coloca-se como defensor de julgamentos públicos.
Quais são, pois, os motivos sobre os quais se apoiam os que justificam as acusações e as penas secretas? A tranqüilidade pública? A segurança e a manutenção da forma de governo? É mister confessar que estranha constituição é aquela em que o governo, que tem por si a força e a opinião, ainda mais poderosa do que a força, parece todavia temer cada cidadão! Receia-se que o acusador não esteja em segurança? As leis são, então, insuficientes para defendê-lo, e os súditos são mais poderosos do que o soberano e as leis. Desejar-se-ia salvar o delator da infâmia a que se expõe? Seria, então, confessar que se autorizam as calúnias secretas, mas que se punem as calúnias públicas. Apoiar-se-ão na natureza do delito? Se o governo for bastante infeliz para considerar como crimes certos atos indiferentes ou mesmo úteis ao público, terá razão: as acusações e os julgamentos, nesse caso, jamais seriam bastante secretos.
X - Doa interrogatórios sugestivos
Neste ponto, Beccaria critica severamente os interrogatórios que utilizam a dor como meio de se obter informações do acusado. Segundo o autor, a proibição de interrogatórios sugestivos, que indiquem uma resposta direta do acusado, uma resposta que o faça escapar da tortura, seria uma proibição hipócrita e contraditória, pois não haveria nada mais sugestivo do que a dor infligida a uma pessoas ao ser questionada. Esta, na primeira oportunidade, inventaria uma história para escapar daquele momento. As confissões obtidas por força seguiriam o seguinte principio: “a punição será aplicada por não ter você resistido a dor e ter confessado, não por ser um criminosos.” “E não lhe puniria se você houvesse resistido, mesmo sendo um criminosos.” 
XI - Dos juramentos
Para Beccaria, os juramentos em nome de Deus não deveriam ser feitos, pois colocam o acusado em situação em que inevitavelmente irá ofender as leis divinas para se proteger. O autor diz que os juramentos fazem com que os réus infrinjam as leis divinas, pois essas não são temíveis por eles tanto quanto as conseqüências humanas, mais próximas dos sentidos. 
XII - Da questão ou tortura
Neste capítulo Beccaria faz severas críticas à prática da tortura durante o processo, a qual visa o esclarecimento ou confissãopor parte do acusado. Ou o crime é certo ou incerto. “Eis uma proposição bem simples: ou o delito é certo, ou é incerto”, afirma Beccaria; “Se é certo, só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto, não é hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente aquele cujo delito não se provou”.
Para o autor, nenhuma confissão que se consiga através de tortura é válida, pois o acusado teria razões suficientes para mentir, e confessar um crime que não cometeu. Da mesma forma, a não confissão depois de tortura não prova a inocência de ninguém: prova somente sua resistência dor.
XIII - Da duração do processo e da prescrição
Beccaria divide os crimes entre crimes atrozes - homicídio e suas espécies - e os crimes menos hediondos do que o homicídio. 
Para ele, os crimes atrozes devem ter um processo rápido, pois a culpa do acusado é improvável, dado que o homicídio é um crime que atenta contra leis naturais, escritas no coração das pessoas.
Já os crimes menos atrozes, por serem mais prováveis – o direito a propriedade não estaria escrito no coração dos homens – poderiam ter um processo mais longo. Além disso, deveriam prescrever após certo tempo, dando a oportunidade do infrator que viveu por muito tempo sob o risco de ser condenado possa acertar sua vida e continuar a vivê-la corretamente.
XIV- Dos crimes começados; dos cúmplices; da impunidade
Assim como os crimes consumados, as tentativas de crimes também devem ser punidas, porém não com a mesma severidade. Para Beccaria, isso faria com que o criminoso, durante algum intervalo entre o começo da ação e sua conclusão, possa repensar e desistir de praticá-la.
Outro ponto neste capítulo é a importância de se punir mais o executor do que os cúmplices de um crime; dessa forma seria difícil encontrar um entre o bando que executasse a ação, pois seu risco seria maior. 
XVI - Da pena de morte
Aqui, Beccaria faz uma reflexão sobre a pena de morte. Para ele, ela só é importante em situação especificas: 
(...) nos momentos de confusão em que uma nação fica na alternativa de recuperar ou de perder sua liberdade, nas épocas de confusão, em que as leis são substituídas pela desordem, e quando um cidadão, embora privado de sua liberdade, pode ainda, por suas relações e seu crédito, atentar contra a segurança pública, podendo sua existência produzir uma revolução perigosa no governo estabelecido.
E continua:
(...) sob o reino tranqüilo das leis, sob uma forma de governo aprovada pela nação inteira, num Estado bem defendido no exterior e sustentado no interior pela força e pela opinião talvez mais poderosa do que a própria força, num país em que a autoridade é exercida pelo próprio soberano, em que as riquezas só podem, proporcionar prazeres e não poder, não pode haver nenhuma necessidade de tirar a vida a um cidadão, a menos que a morte seja o único freio capaz de impedir novos crimes.
O autor conclui questionando a existência de penas de morte, pois a prática indica que os criminosos não são amedrontados por ela. Se a lei condena o homicídio e o declara hediondo, não deveria prática morticínios públicos.
XVII - Do banimento e das confiscações
Beccaria sustenta que as penas de banimento podem ser aplicadas, mesmos sem certeza absoluta de um crime. Para ele, é justo prevenir a sociedade de tal individuo, mesmo que não esteja absolutamente comprovada sua conduta cirminosa. 
Porém o autor questiona a pena de confiscação de bens para o que não for provado culpado. A confiscação seria uma pena muito pior que o banimento; poderia fazer famílias irem à ruína, tornar um inocente mendigo, pedinte ou bandido.
XVIII - Da infâmia
Beccaria trata das penas de infâmia, que deve ser imputa àqueles cujas ações criminosas possam ser tidas como heróicas pelo povo. A humilhação e a vergonha são mais eficazes, pois outras penas poderiam realçar o caráter heróico do criminoso perante as pessoas simples e ignorantes. 
O autor porém adverte que tal pena não deve ser aplicada indiscriminadamente, pois se muitos forem infames, ninguém mais o será.
XIX - Da publicidade e da presteza das penas
Neste capítulo brilhante, Beccaria fala a respeito do processo, da importância de sua rápida duração; quanto mais rápida a aplicação, mais úteis e justas são as penas.
O autor defende que durante os processos, só deve haver prisão para impedir a fuga ou destruição de provas. Para ele, os juizes devem ser sensíveis, agilizando os procedimentos, para que o acusado logo saiba de sua condenação ou absolvição.
Novamente o autor retoma a idéia de que as penas não devem ser cruéis, e que o povo se sensibilizaria com penas menores, imaginando a situação dos condenados. 
XX - Que o castigo deve ser inevitável. - Das graças
Beccaria defende a idéia de que o que evita os crimes não seria a severidade da pena, mas sim a certeza de sua aplicação. O autor diz que as penas devem ser brandas, e os juizes devem estar sempre atentos, vigilantes, prontos aplica-las. 
As graças e anistias, que são concedidas pelo soberano ou pelo ofendido, não deveriam ser aplicados, pois as leis penais existiram em função do bem público. A partir do momento em que as penas forem mais brandas, não será mais considerado uma virtude conceder graça àquelesque praticaram atos criminosos. 
XXI - Dos asilos
Não se deve conceder asilo aos criminosos. Isso geraria um sentimento de impunidade. Para Beccaria os soberanos devem fazer permutação de criminosos pra que estes sejam julgados nos países em que cometeram o crime, e não lhes sejam concedida impunidade. Porém Beccaria faz uma ressalva:
(...) Não ousarei, porém, decidir essa questão, até que as leis, tornando-se mais conformes aos sentimentos naturais do homem, com penas mais brandas, impedindo o arbítrio dos juizes e da opinião, assegurem a inocência e preservem a virtude das perseguições da inveja; até que a tirania, relegada ao Oriente, tenha deixado a Europa sob o doce império da razão, dessa razão eterna que une com um laço indissolúvel os interesses dos soberanos aos interesses dos povos.
XXIII. QUE AS PENAS DEVEM SER PROPORCIONADAS AOS DELITOS
A intensidade da sanção deve ser proporcional à infração cometida, tendo em vista o grau de prejuízo ao bem público. A distribuição desigual de penas produz contradições, tendo em vista que o homem é motivado, em suas ações, a agir com vistas a recompensa ou a evitar castigo. Daí, um criminoso sempre se inclinará a praticar crimes com menores penas.
Portanto, é necessário que o legislador estabeleça divisões principais na distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique os menores castigos aos maiores crimes.
XXIV. DA MEDIDA DOS DELITOS
A intensidade do crime não depende da intenção de quem o comete, porque a intenção do acusado depende de um julgamento subjetivo circunstâncias. Muitas vezes, com a melhor das intenções, um cidadão faz à sociedade os maiores males, ao passo que um outro lhe presta grandes serviços com a vontade de prejudicar. 
A gravidade do crime também não deve ser avaliada pela dignidade da pessoa ofendida. Se esse método fosse aceito, uma pequena irreverência para com o Ser supremo mereceria uma pena bem mais severa do que o assassínio de um monarca, pois a superioridade da natureza divina compensaria infinitamente a diferença da ofensa.
Conclui-se que a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade tendo em vista a preocupação do Direito regular o convívio social de forma harmoniosa.
XXV. DIVISÃO DOS DELITOS
Beccaria defende que, somente há ato criminoso se este atentar diretamente contra a sociedade ou aos que a representam, se atingirem o cidadão em sua vida, nos seus bens ou em sua honra e, finalmente, forem contrários ao que a lei prescreve ou proíbe, tendo em vista o bem público. Fora isso, não há crime, sob pena de se incorrer em prevalência de interesses particulares.
Essa definição de crime tendo como base o bem público é fundamental para que moral e o Direito caminhem harmoniosamente. Todo cidadão pode fazer tudo o que não é proibido por lei, sem temer outros inconvenientes além dos que podem resultar de sua ação em si mesma. Esse dogma político deveria ser gravado no espírito dos povos, proclamado pelos magistrados supremos e protegido pelas leis. Sem esse dogma sagrado, toda sociedade legítima não pode subsistir por muito tempo, porque ele é a justa recompensa do sacrifício que os homens fizeram de sua independência e de sua liberdade. 
XXVI. DOS CRIMES DE LESA-MAJESTADE
Os crimes de Lesa-Majestade, para Beccaria, foram postos na classe dos grandes crimes, porque causam grande dano à sociedade. Mas, a tirania e a ignorância, que confundem as palavras e as idéias mais claras, deram esse nome a uma multidão de delitos de natureza inteiramente diversa. Aplicaram-se as penas mais graves a faltas leves, ferindo o princípio da proporcionalidade da penas.
XXVII. DOS ATENTADOS CONTRA A SEGURANÇA DOS PARTICULARES E, PRINCIPALMENTE, DAS VIOLÊNCIAS
Tendo em vista que a segurança de seus cidadãos é o objetivo de todas as sociedades humanas, para Beccaria, não se poderia deixar de punir com as penas mais graves aquele que a atinge. Entre esses crimes, uns são atentados contra a vida, outros contra a honra, e outros contra os bens.
Os atentados contra a vida e a liberdade devem ser considerados graves e punidos com penas corporais , sendo que as penas das pessoas de mais alta linhagem devem ser as mesmas que as do último dos cidadãos. A igualdade civil é anterior a todas as distinções de honras, e de riquezas. Se todos os cidadãos não dependerem igualmente das mesmas leis, as distinções deixarão de ser legítimas.
XXVIII. DAS INJÚRIAS
É de suma importância determinar uma noção de honra, tendo em vista sua relevância na vida em sociedade. Para Beccaria, a honra deve ser uma garantia protegida pelo Direito de forma a preservar a imagem de cada cidadão perante outro, com determinação de reparação de dano quando é ferida.
As injúrias pessoais, contrárias à honra, isto é, a essa justa porção de estima que todo homem tem o direito de esperar dos seus concidadãos, devem ser punidas pela infâmia. Há uma contradição notória entre as leis, ocupadas, sobretudo com a proteção da fortuna e da vida de cada cidadão, e as leis do que se chama a honra, que preferem a opinião a tudo.
XXIX. DOS DUELOS
Com a idéia de honra, surge a idéia de defesa pessoal desta honra; tendo em vista que a lei pune quem fere a honra de outrem, às vezes, de forma insatisfatória, surgem os duelos, que são embates físicos pela defesa da honra.
Para Beccaria, o melhor meio de impedir o duelo é punir o agressor, isto é, aquele que deu lugar ao embate, a declarar inocente aquele que, sem procurar tirar a espada, se viu constrangido a defender a própria honra, isto é, a opinião, que as leis não protegem suficientemente, e mostrar aos seus concidadãos que pode respeitar as leis, mas que não teme os homens.
XXX. DO ROUBO
O roubo sem violência só deve ser punido com uma pena pecuniária. É justo que quem rouba o bem de outrem seja despojado do seu. Se, porém, o roubo é acompanhado de violência, é justo a pena corporal, tendo em vista que além do dano patrimonial, houve dano à pessoa. 
Cabe ressaltar que no roubo sem violência motivado por miséria ou desespero, se esse delito só é cometido por homens infortunados, a quem o direito de propriedade, as penas pecuniárias contribuirão simplesmente para multiplicar os roubos, aumentando o número dos indigentes, arrancando o pão a uma família inocente, para dá-lo a um rico talvez criminoso. Nesse caso a pena mais justa será uma espécie de escravidão temporária, a qual torna a sociedade senhora absoluta da pessoa e do trabalho do culpado, para fazê-lo expiar, por essa dependência, o dano que causou e a violação do pacto social.
XXXI. DO CONTRABANDO
Embora o contrabando seja um verdadeiro delito, que ofende o soberano e a nação, sua pena não deveria ser grave, porque a opinião pública não empresta nenhuma infâmia a essa espécie de delito. 
Isso se deve porque os homens sobre os quais as conseqüências remotas de um ato só produzem impressões fracas, não vêem o dano que o contrabando pode causar-lhes. Essa maneira de sentir é conseqüência do princípio incontestável de que todo ser sensível só se interessa pelos males que conhece. Chegam mesmo, às vezes, a retirar dele vantagens momentâneas. O confisco das mercadorias é uma pena justa. 
XXXII. DAS FALÊNCIAS
É preciso distinguir o empresário que age pautado na boa fé daquele fraudulento. Este deveria ser punido como o são os moedeiros falsos, porque não é maior o crime de falsificar o metal amoedado, que constitui a garantia dos homens entre si, do que falsificar essas obrigações mesmas. O falido de boa fé deve ser tratado com menos rigor.
O falido de boa fé acabou adquirindo tal condição devido a questões econômicas, por circunstâncias do próprio mercado, o qual é voraz e arriscado por natureza. O fraudulento usa a ocasião falimentar para obter vantagem pessoal, em detrimento do bem público, e por isso deve ser punido, não de forma tão grave quanto um crime contra a vida.
XXXIII. DOS DELITOS QUE PERTURBAM A TRANQUILIDADE PÚBLICA
Nesse grupo de crimes estão compreendidos atos de vandalismo e desordem que prejudicam atranqüilidade e a harmonia pública. Eles se baseiam no princípio que expressa que os cidadãos devem saber o que precisam fazer para serem culpados, e o que precisam evitar para serem inocentes. 
As medidas para se prevenir tais delitos se encontram em medidas sociais como a vigilância ostensiva, leis de silêncio e de ordem entre outras. Além disso, é extremamente importante que haja mecanismos para garantir uma segurança jurídica e social, cuidando para que as medidas não se baseiem em abusos e arbitrariedades, pois estas somente causam revoltas na sociedade.
XXXIV. DA OCIOSIDADE
Cabe exclusivamente às leis definirem a espécie de ociosidade punível, de acordo com a finalidade pública do Estado e sem ferir a liberdade individual de cada indivíduo. É preciso encontrar uma proporção adequada entre a liberdade que tem cada indivíduo de fazer qualquer coisa não proibida em lei e a finalidade pública. 
XXXV. DO SUICÍDIO
O suicídio, em si, não é um crime contra os homens, nem contra a sociedade, sendo impossível submeter seu agente a uma pena pois essa pena só poderia recair sobre um corpo insensível e sem vida. O caso de punir os familiares é impensável, pois a pena recairia sobre inocentes. Além disso, cabe ressaltar que ninguém pode ser, concomitantemente, sujeitos ativo e passivo de um mesmo crime.
Cabe ressaltar também que, caso haja alguma pena para suicídio, isso certamente não deteria a mão do infeliz determinado a morrer, pois, o próprio ato do suicídio já mostra uma alternativa de punição pessoal, diga-se de passagem, a maior punição de todas.
XXXVI. DE CERTOS DELITOS DIFÍCEIS DE CONSTATAR
Existem na sociedade certos delitos que são bastante. Entre eles estão o adultério, a pederastia, o infanticídio.
O adultério e a pederastia são condutas que, considerado sob o ponto de vista político, só são tão freqüentes porque as leis não são fixas e porque há atração física natural. Envolvem questões morais e culturais complexas. É mais fácil ao legislador determinar medidas quando ele não foi cometido, ou seja, de prevenção, do que reprimi-lo quando já se estabeleceu. O infanticídio é ainda o resultado quase inevitável da cruel alternativa em que se acha uma infeliz, que só cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu sob os esforços da violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ser incapaz de sentir a perda da vida: como não havia de preferir esse último partido, que a rouba à vergonha, à miséria, juntamente com o desgraçado filhinho.
XXXVII. DE UMA ESPÉCIE PARTICULAR DE DELITO
Os crimes contra liberdade religiosa são tratados isoladamente, tendo em vista sua pontuação período da História. Procurar demonstrar como certas crenças religiosas, entre as quais só podem achar-se diferenças sutis, obscuras e muito acima da capacidade humana, podem, contudo perturbar a tranqüilidade pública, a menos que somente uma seja autorizada e todas as outras proibidas.
Cabe acentuar que o Direito Penal deve tratar de crimes que pertencem ao homem natural e que violam o contrato social e o bom convívio da sociedade devo silenciar, porém, sobre os pecados cuja punição mesmo temporal deve ser determinada segundo outras regras que não as da filosofia.
XXXVIII. DE ALGUMAS FONTES GERAIS DE ERROS E DE INJUSTIÇAS NA LEGISLAÇÃO
A noção de utilidade para os legisladores é uma das fontes geradoras de injustiças. Segundo o Beccaria: “É por uma falsa idéia de utilidade que se procura submeter uma multidão de seres sensíveis à regularidade simétrica que pode receber uma matéria bruta e inanimada; que se negligenciam os motivos presentes, únicos capazes de impressionar o espírito humano de maneira forte e durável, para empregar motivos remotos, cuja impressão é fraca e passageira, a menos que uma grande força de imaginação, que só se se encontra num pequeno número de homens, supra o afastamento do objeto, mantendo-o sob relações que o aumentam e o aproximam”. 
Por exemplo, uma lei que proíbe o porte de armas desarma o cidadão pacífico, ao passo que os criminosos mantém suas armas, ou seja, qual a real utilidade de desarmar inocentes? Além de ferir a liberdade individual, submeteriam os inocentes a fiscalizações que às quais só deveriam ser submetidos os infratores.
XXXIX. DO ESPÍRITO DE FAMÍLIA
O espírito de família é outra fonte geral de injustiças na legislação. Segundo Beccaria: “O espírito de família é um espirito de minúcia limitado pelos mais insignificantes pormenores; ao passo que o espírito público, ligado aos princípios gerais, vê os fatos com visão segura, coordena-os nos lugares respectivos e sabe tirar deles conseqüências úteis ao bem da maioria”. 
Desse modo ele coloca o espírito de família como algo divergente do espírito público, deturpando as idéia de que numa república os homens são cidadãos com igualdade de Direitos, tendo em vista que nesse sistema os homens convivem pautados num contrato social, enquanto na família as relações são pautadas pela autoridade dos pais, um sentimento sagrado e inviolável da natureza, caracterizando uma relação desigual.
Conclui-se que a moral familiar inspira uma submissão e um temor, o que diverge dos princípios de liberdade que deve dominar a relação entre cidadãos em uma república.
XL. DO ESPÍRITO DO FISCO
O espírito do fisco, ou seja, sua forma de atuar, deve ter como eixo o interesse público e não ser, simplesmente, um meio do Estado lucrar em cima de seus cidadãos, e o Juiz tem papel fundamental nisso, tendo em vista que, através do processamento e do julgamento das ações fiscais, ele tem o poder de usar os meios e os argumentos favoráveis para impor o bem público sobre o abuso do poder estatal.
O juiz deve adotar uma postura imparcial para não se confundir com um “advogado do fisco”. A imparcialidade evita uma tendência em favorecer o fisco unicamente por questões financeiras. 
O verdadeiro processo das informações e a investigação imparcial do fato deve ser prescrita pela razão, seguida no ordenamento jurídico, zelando pela moral e pelo bem público. 
XLI. DOS MEIOS DE PREVENIR CRIMES
Sem dúvida, “É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida”, diz Beccaria. 
Ao fazer as leis contra os crimes é preciso ter clara a noção de nocividade da conduta tipificada, pois se nada ela tiver de nociva acabará ensejando uma confusão entre a dicotomia vício-virtude, fazendo com que novos crimes surjam.
Para prevenir os crimes é necessário fazer leis simples e claras e que a toda nação esteja disposta a defendê-las e cumpri-las sem que minorias se preocupem constantemente em destruí-las. Além disso, que a nação marche em rumo à liberdade, iluminada pela ciência e pela razão. 
O próprio Beccaria conclui: “o assunto é vasto demais para entrar nos limites que me prescrevi. Ouso, porém, dizer que está tão estreitamente ligado com a natureza do governo que será apenas um campo estéril e cultivado somente por um pequeno número de sábios, até chegarem os séculos ainda distantes em que as leis não terão outro fim senão a felicidade pública.”
XLII. CONCLUSÃO
No fim de sua obra, Beccaria confirma que a pena deve ir ao encontro do interesse público, sendo razoável e necessária ao delito, sendo definida pela lei, sendo de importância fundamental a atuação virtuosa do legislador, para que não ocorra violência contra o cidadão.

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